Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa trata mal os direitos humanos

A celebração do Dia Internacional dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro (data da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948), nos leva a uma reflexão sobre o espaço que os principais veículos da mídia brasileira dedicam ao tema nos seus noticiários. O assunto foi debatido em diversas redações do País, com base na pesquisa ‘Mídia e direitos humanos’, que foi realizada pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) e mostra um panorama da atuação da imprensa em relação à agenda dos direitos humanos no País e assuntos correlatos.

Para chegar ao resultado da pesquisa – que teve o apoio da Unesco e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República – a Andi analisou 1.315 textos de 57 jornais de todos os estados brasileiros, publicados ao longo do ano de 2004. E concluiu que, embora 50,8% das matérias mencionem a expressão ‘direitos humanos’ e 80% usem a palavra ‘direitos’, somente 0,5% do material é explícito na conceituação do tema e 2,1% abordam a perspectiva histórica da Declaração Universal. Textos que falam de denúncias de violação de direitos representam 2,7% do noticiário e as matérias investigativas (2,6%) são menos freqüentes. Geralmente, as reportagens não relacionam direitos humanos com os processos de desenvolvimento social, fazendo com que outros itens vinculados aos direitos individuais e coletivos – questões ambientais, de gênero, etnia, expectativa de vida, renda, sexualidade etc. – recebam tratamento editorial reduzido.

Diálogo

Um dos aspectos positivos do trabalho da Andi foi o interesse demonstrado pelos jornalistas em aprofundar o debate sobre a presença da agenda dos direitos humanos no noticiário. Por isso foram realizadas, em várias redações do País, oficinas sobre valores conceituais, legislação e importância histórica dos direitos humanos. Os encontros aconteceram entre julho e setembro, com especialistas no assunto fazendo palestras para chefes de redação, editores, repórteres, redatores e pauteiros dos seguintes veículos: TV Globo (RJ), O Globo (RJ), Estadão, Folha, Grupo Verdes Mares (CE), Correio Braziliense (DF), Sistema Radiobrás (DF), Grupo RBS, CBN, Grupo A Tarde (BA) e Organizações Rômulo Maiorana (PA).

De acordo com o cientista político Guilherme Canela – Coordenador de Relações Acadêmicas da Andi e responsável pela pesquisa – nos últimos dez anos a cobertura da imprensa tem melhorado, principalmente por causa das iniciativas de colaboração com os jornalistas:

– A estratégia de colaboração com a imprensa tem dado resultados positivos e por isso, desde 1996, tem melhorado a cobertura da agenda social brasileira. Nas visitas que fizemos às redações, percebemos como os jornalistas estão ávidos por informações. Não tivemos nenhuma dificuldade para realizar os workshops, porque a imprensa está aberta a esse tipo de diálogo.

Para ele, só o que pode atrapalhar esse processo de ampliação da pauta de direitos humanos é o enxugamento das equipes:

– Mas em quase todas as empresas de comunicação houve adesão dos diretores de Jornalismo e uma grande preocupação das chefias de Reportagem em garantir participação nos encontros.

Correlação 

No Rio, cerca de 70 jornalistas do jornal O Globo participaram da palestra da Procuradora do Ministério Público do Estado de São Paulo Flávia Piovesan, que também é professora doutora da PUC-SP nas disciplinas Direito Constitucional e Direitos Humanos:

– O encontro foi relevante principalmente porque acho que a imprensa faz uma abordagem mais adequada dos direitos humanos do que a TV e o rádio. Apesar disso, as matérias de jornais e revistas estão sempre mais vinculadas aos direitos civis e políticos, deixando de fora os direitos econômicos e sociais e as políticas públicas, como se essas questões não tivessem qualquer relação com as outras.

De acordo com a Procuradora, boa parte dos jornalistas demonstrou ter acúmulo de conhecimento histórico sobre os direitos humanos, mas pouca informação sobre alguns documentos elaborados pela ONU:

– Percebi a existência de uma lacuna conceitual sobre o que vem a ser direitos humanos e conhecimento incipiente sobre os principais tópicos da Declaração Universal de 1948. Mas a realização do workshop provou que podemos avançar com o intercâmbio, pois os jornalistas demonstraram interesse no diálogo construtivo e isso reforça o meu pressentimento de que o jornal está à frente da mídia televisiva. 

Preconceito

Nos textos pesquisados pela Andi, as organizações da sociedade civil aparecem como fonte em apenas 8,9%, enquanto o Governo é citado em 54,1% das matérias. Porém, para Adriana Carranca, repórter do caderno Metrópole, do Estadão, isso não significa que as instituições não-governamentais não estão sendo ouvidas pela imprensa:
– Não acredito que elas estejam perdendo espaço na mídia. Quando as organizações têm informações consistentes, elas são ouvidas e ganham espaço, sim. O que acontece é que, muitas vezes, elas têm discurso vazio e sem embasamento em fatos.

A jornalista acha que o público que representa os movimentos de defesa e promoção dos direitos humanos geralmente não está preparado para falar com a imprensa, que tem a missão ‘questionar, duvidar e esclarecer’:

– Diferentemente do que acontece em Londres, onde as entidades investem em comunicação para lidar com jornalistas, as organizações não-governamentais brasileiras geralmente não dispõem de informações concretas, como dados numéricos e pesquisa. Isso provoca na imprensa um certo preconceito, pois o jornalista vê nelas fontes menos qualificadas.

Desrespeito

Para Mário Augusto Jakobskind, Conselheiro da ABI e integrante da Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Expressão da Casa, os dados mostrados na pesquisa não surpreendem, pois o tratamento do tema na imprensa tem deixado a desejar:

– Nas áreas carentes, os moradores têm sido desrespeitados a todo instante em seus direitos humanos, sob o pretexto do combate à criminalidade. E por que, na prática, a mídia não denuncia como deveria este desrespeito aos direitos humanos? A tortura, que na época da ditadura afetava os combatentes pela liberdade, não existe mais em termos de ocorrências políticas. Mas continua sendo uma prática corriqueira nas delegacias policiais brasileiras. O que significa silenciar diante disso? Significa que a sociedade está conivente com a tortura e o desrespeito aos direitos humanos, pois quem cala consente.

Para Jakobskind e muitos especialistas em direitos humanos – e a pesquisa demonstra isso – os jornais abordam o tema de maneira generalizante e com foco na violência, ignorando o aspecto social:

– A mídia é conservadora, tem uma visão preconceituosa sobre direitos humanos e sociais. Geralmente, os movimentos sociais são tratados de forma criminalizada, como nas recentes coberturas de eventos relacionados à reforma agrária – por sinal, atrasada em mais de 200 anos no Brasil. Que este Dia Internacional dos Direitos Humanos, que se comemora no domingo, dia 10, sirva de reflexão para os jornalistas de um modo geral. E que as batidas policiais em áreas carentes sejam cobertas sem preconceito.

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Redator do ABI Online