‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua mulher, Marisa Letícia, decidiram adotar uma criança, provavelmente no ano que vem. A idéia foi da primeira-dama, que contou à revista IstoÉ Gente que gostaria de ter uma menina. Marisa Letícia queria ter iniciado o processo de adoção ainda este ano, mas o presidente pediu que ela esperasse o término das eleições antes de tomarem uma decisão definitiva. Marisa teria revelado sua intenção à repórter. ‘Estou procurando uma criança para adotar’, disse a primeira-dama. ‘Se souber de uma, me avise’. (O Estado de S. Paulo, 8/12/2006).
E eis que dona Marisa volta ao noticiário. O entusiasmo que ela mostrou na campanha pela reeleição dava esperanças de que estava trabalhando por uma causa coletiva. Dava até para acreditar que o empenho tinha um motivo social ou político, que a primeira-dama não queria deixar Brasília porque estava comprometida em uma grande causa social, um grande projeto que precisava dela para ser concluído.
Nada disso. O projeto de dona Marisa foi adiado, a pedido do marido, até saber o resultado das eleições, mas parece que agora vai. Populismo? Antes fosse. Um bom populista sabe que deve transformar suas ações em dividendos políticos, o que num caso desses se transformaria numa verdadeira – e necessária – campanha pela adoção de crianças carentes e sem família. Se assim fosse, dona Marisa teria sido preparada, pelo staff da presidência, para fazer ao menos um pequeno discurso justificando suas ações. É apenas um desejo pessoal que revela, na frase que ela disse à repórter (‘se souber de uma, me avise’), o desconhecimento da situação das crianças que vivem em orfanatos à espera de adoção.
Se dona Marisa quisesse apenas aparecer na imprensa, certamente teria se preparado melhor. Teria falado do trabalho feito nos quatro anos de governo (a primeira-dama tem a seu cargo a coordenação de ações sociais, pelo menos em teoria) e do que é preciso fazer no Brasil para melhorar a situação das crianças que esperam por adoção. Poderia dizer que, com sua decisão, quer dar um exemplo aos brasileiros que têm condições de melhorar a vida de milhares de crianças abandonadas e sem esperança no país.
Dona Marisa revelou seu sonho e a imprensa, hoje tão dedicada a falar de celebridades e seus desejos pessoais, mais uma vez perdeu a chance de fazer o melhor jornalismo.
Além da fofoca
Não é preciso criticar a aparente desinformação da primeira-dama. Basta mostrar quantas são as crianças que vivem em orfanatos, quais as que têm mais facilidade na hora da escolha pelos candidatos a adotar, e quanto tempo leva entre a decisão dos futuros pais e a legalização da situação.
Se a imprensa não considerar o assunto relevante, pode, pelo menos, acompanhar o processo que dona Marisa e seu marido presidente terão de enfrentar até ser escolhida a privilegiada criança que vai viver no palácio (se quatro anos forem suficientes para legalizar a adoção). Uma criança que vai entrar para a história como a menina (a preferência é por uma menina, de acordo com a IstoÉ Gente) que saiu do abandono para viver na casa mais importante do país. Como é certeza de que os próximos passos da primeira-dama na busca da uma filha serão acompanhados avidamente pela imprensa especializada na caça da celebridades e seus atos, é garantido que o assunto vai continuar em pauta.
O que se espera é que a imprensa vá além da fofoca e, ao acompanhar o processo de adoção que o primeiro-casal vai viver, lembre dos brasileiros comuns que enfrentam a burocracia quando querem adotar um filho. E lembre, principalmente, das milhares de crianças que continuam sonhando em ser educadas, cuidadas e, se possível, adotadas.
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Jornalista