VEJA
Clóvis Rossi
Lula nega ter conta no exterior e acusa revista de podridão
‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusou a revista ‘Veja’ de ter praticado ‘crime’ e de ter chegado ao ‘limite da podridão’, por causa da reportagem na qual aponta supostas contas no exterior de Lula, de outras figuras do governo e de ex-ministros.
Numa entrevista à ‘Veja’, Daniel Dantas disse que o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares teria pedido entre US$ 40 milhões e US$ 50 milhões para proteger o Opportunity na disputa com o Citibank e fundos pelo controle da Brasil Telecom. Divulgou ainda uma lista de petistas que teriam contas no exterior.
A lista teria sido produto da investigação da Kroll a pedido de Dantas, que diz ter sofrido perseguição do governo Lula por rejeitar pedidos de propina. A ‘Veja’ diz ter tido acesso à relação em setembro de 2005. Após submeter o material à perícia, não conseguiu determinar nem a veracidade nem a falsidade do documento.
O presidente Lula chamou o jornalista que escreveu o texto de ‘bandido, mau caráter, malfeitor e mentiroso’, mas ele não especificou a quem estava se referindo. A reportagem foi escrita por Marcio Aith. Já a entrevista de Dantas foi concedida a Diogo Mainardi.
A reação do presidente, de inusitada dureza, aconteceu ao chegar ao Hotel Imperial depois de sua visita a Heinz Fischer, o presidente da Áustria. Questionado sobre a denúncia, Lula respondeu a princípio com uma ironia: ‘A Veja não fez uma denúncia. Fez uma mentira. Se tivessem me avisado antes que eu tinha 38 mil euros, eu teria comprado um presente para dona Marisa. Fico sabendo quando vou embora, pô’. Depois, passou ao ataque, de um só fôlego:
‘Vamos ser francos agora. Alguns jornalistas há já algum tempo estão merecendo o prêmio Nobel de irresponsabilidade. Eu só posso considerar isso um crime praticado por um jornalista ou por uma revista. Não posso comparar isso a jornalismo. Sinceramente, é de uma leviandade, de uma grosseria. Se um ser humano comum não pode admitir, quanto mais um presidente da República.
Acho que, quando as pessoas têm o poder de escrever alguma coisa, aumenta a responsabilidade. Acho de uma total irresponsabilidade você escrever. Vocês sabem o que esse jornalista que estou citando tem feito neste país ao longo destes últimos meses. Não acredito que, na revista ‘Veja’, tenha uma única pessoa que tenha 10% da dignidade da minha história de campanha’, declarou.
E prosseguiu: ‘Não posso admitir isso. Não posso. É uma ofensa ao presidente da República, é uma ofensa ao povo brasileiro. Essa prática de jornalismo não leva a lugar nenhum’. Perguntado sobre o que faria, Lula disse que não lera direito a reportagem, mas voltou à carga: ‘Acho uma insanidade. A ‘Veja’ vem assim há algum tempo. Não é de hoje, não, mas acho que ela chegou ao limite da podridão da imprensa. Chegou ao limite. Chegou ao limite. Não sei se o jornalista que escreve uma matéria daquelas tem a dignidade de dizer que é jornalista. Poderia dizer que é bandido, mau caráter, malfeitor, mentiroso. É até constrangedor para um presidente da República saber que tem uma mentira dessa grosseria numa revista que deveria respeitar os seus leitores, [que] não merecem a quantidade de mentiras que a ‘Veja’ tem publicado’. Colaborou a Redação’
Janaina Leite
Dantas nega ter documentos sobre contas
‘O banqueiro Daniel Dantas, o controlador do Opportunity, negou ontem possuir documentos sobre contas bancárias de autoridades brasileiras no exterior. Ele conversou, do Rio de Janeiro, com a reportagem da Folha em São Paulo, por meio de uma videoconferência. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Folha – O sr. contratou serviços de detetives para descobrir contas de integrantes do governo lá fora?
Dantas – Não, nem soube da existência de qualquer tipo de investigação desse tipo. Tive conhecimento posterior, isso sim, de que havia suspeita da existência de cópias de tais contas.
Folha – O que exatamente informaram ao sr.? E quem contou?
Dantas – Disseram-me que havia o número das contas no exterior de pessoas ligadas ao governo, inclusive do presidente Lula. Mas não vou falar quem me disse, pois não dei a menor credibilidade.
Folha – O sr. obteve documentos sobre essas contas?
Dantas – Não, nem passei esse material à revista ‘Veja’ relativo a esse caso. Também não mandei ninguém fazê-lo.
Folha – O sr. acusa o governo de persegui-lo. Por que a divulgação das contas iria prejudicá-lo?
Dantas – A minha sensação é que havia, sim, corrupção no governo, mas os dados das contas não tinham nada a ver com a disputa societária [na Brasil Telecom]. Na verdade não tenho a menor idéia se existem essas contas ou não. ‘Veja’ mente quando diz que tinha um compromisso comigo para preservar meu nome como fonte, caso essas contas fossem verdadeiras. Isso nunca existiu.
Folha – No caso Kroll, o sr. repetiu inúmeras vezes que não teve responsabilidade porque a empresa foi contratada por executivos de uma empresa sobre a qual o sr. não tinha poderes diretos. Não é possível que tenha ocorrido o mesmo?
Dantas – Não tive conhecimento prévio sobre a Kroll, mas fui informado posteriormente. Ou seja, eu sabia da investigação, embora não cuidasse dos detalhes. Não recebia os relatórios, mas fui entrevistado pela Kroll. Reportei a eles o que achava ou sabia.
Folha – Qual era seu relacionamento com o ex-presidente da Kroll no Brasil Frank Holder?
Dantas – Não tive muito relacionamento. Acabei conversando mais quando os relatórios da Kroll foram divulgados pela imprensa e a Brasil Telecom me pediu para ajudar a discutir uma estratégia conjunta de comunicação sobre o tema. A partir daí tive conversas mais freqüentes com Frank Holder e Jules Kroll, que era o presidente mundial da Kroll.
Folha – O sr. pagou a alguém do PT? Ou mandou o Opportunity fazê-lo? Ou algum laranja fez isso?
Dantas – Não. E eu não tenho laranjas.
Folha – Quem foi o petista que procurou representantes do Opportunity para pedir dinheiro?
Dantas – O PT abordou Carlos Rodenburg dizendo que eles tinham dificuldades. Na época, pelo que me lembro, Carlos me reportou que Delúbio Soares teria dito a ele que o partido era uma coisa separada do governo. Que, na verdade, existia uma necessidade financeira do partido, de uns US$ 50 milhões, decorrente de despesas e coisas que o valham, e que isso não tinha nada a ver com o governo. Ele entendeu -não sei se o sr. Delúbio Soares disse ou não- que era possível que nós pudéssemos ‘ser úteis’ a essas dificuldades, que eles poderiam tentar diminuir as hostilidades que vínhamos sofrendo do governo.
Folha – Ou seja, se pagasse ao PT, o Opportunity deixaria de ter dificuldades junto ao governo.
Dantas – Esse resumo que você está fazendo, e que a ‘Veja’ tentou fazer, não aconteceu. Ele [Delúbio] nunca disse que, se porventura nós pudéssemos contribuir e ajudar nas dificuldades [do PT], que de forma automática cessariam as hostilidades.
Folha – Mas isso foi insinuado?
Dantas – Eu não estava presente à reunião. O que entendi, a partir daí, e a precaução que tomei e se tornou pública foi a seguinte: já existia uma versão que circulava na imprensa e em outras conversas que, por conta disso, havia uma hostilidade para conosco. O motivo alegado era o fato de Carlos Rodenburg ter devolvido uma caixinha, um kit, que Ivan Guimarães [ex-presidente do Banco Popular, ligado ao PT] tinha levado a ele em 2002. Essa caixinha era um símbolo, uma contribuição de campanha. Carlos não sabia do que se tratava e devolveu. Depois foi alegado que essa devolução foi encarada como símbolo de hostilidade da nossa parte. Ele [Carlos] procurou de todas as maneiras demonstrar que não tínhamos nada contra ou a favor de qualquer partido. Nossa função era meramente empresarial, queríamos tocar o nosso negócio e pronto. Tínhamos obrigação de obedecer a lei e seguir as normas.
Dentro dessa tentativa, Carlos acabou tendo um encontro com o sr. Delúbio Soares e foi sugerido a ele que, nesse encontro, pudesse explicar a situação. Foi nesse encontro, segundo me foi reportado, que Delúbio Soares relatou as dificuldades do partido.
Folha – Quem sugeriu o encontro a Carlos Rodenburg?
Dantas – O publicitário Marcos Valério [Fernandes de Souza].
Folha – Como Marcos Valério entrou na história?
Dantas – A Telemig já era cliente da agência de publicidade dele, muito embora eu não o conhecesse. Perguntei a Carlos Rodenburg e ele me explicou que conhece bem o sócio de Marcos Valério.
Folha – O sr. foi extorquido pelo PT ou representantes do governo?
Dantas – Não.
Folha – Mas isso não contradiz sua defesa no processo em Nova York?
Dantas – A linguagem da Corte tem de ser uma linguagem mais forte, mais firme.
Folha – Perdoe-me, mas ou o sr. foi extorquido ou não foi.
Dantas – Ninguém chegou para mim e disse que, se fosse feito um pagamento de tanto, acabariam todos os problemas. Isso não aconteceu: seria chantagem. O que aconteceu é que foi ‘sugerida’ a contribuição e o pagamento não foi feito, exatamente como está nos documentos. Tínhamos contratos que foram descumpridos, colocaram pressão contra nós e fomos discriminados. Fato é que fomos prejudicados.
Folha – Nas CPIs, em 2005, o sr. negou a extorsão. Voltaria a negar agora com a mesma veemência?
Dantas – Não, porque agora tenho novos elementos.
Folha – Quais?
Dantas – Estou proibido de falar, por conta do processo em Nova York. Há cerca de 1 milhão de documentos por lá. Eles só podem ser usados para o processo, estão sob sigilo. Eu gostaria muito que eles se tornassem públicos.
Folha – Seus advogados dizem que o PT tinha ódio do sr. Por quê?
Dantas – Existiam três visões distintas. Tinha sido informado que havia um compromisso entre o governo e a Telemar para que esta última comprasse a Brasil Telecom. Outra era a de que o problema era diplomacia, de que tínhamos uma postura antipática. E outra era a de que não tínhamos contribuído na campanha.’
Folha de S. Paulo
Governo vai processar Dantas, diz Tarso
‘O ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, informou ontem que o governo brasileiro entrará com uma ação judicial contra Daniel Dantas, proprietário do Banco Opportunity. A decisão foi tomada em reação a uma reportagem publicada pela revista ‘Veja’, baseada em informações fornecidas por Dantas, que relata a possibilidade da existência de contas de cardeais petistas em paraísos fiscais.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está entre os políticos citados pela revista. Em viagem a Viena, Lula negou que tivesse dinheiro fora do país e acusou a revista de ter praticado um ‘crime’ (leia mais na próxima página).
Auxiliares diretos do presidente afirmaram à Folha que o empresário e banqueiro Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity, estaria tentando ‘chantagear’ o governo. Dantas é pivô do maior conflito empresarial da história recente do país: o controle da Brasil Telecom, disputado pelo Opportunity e por fundos de pensão.
A reportagem da revista e a reação do governo foram o ápice de uma semana em que Dantas, de forma indireta, acusou o PT e o governo federal de terem influenciado em uma disputa privada por motivações políticas. De acordo com o grupo que presidente, Dantas seria ‘odiado’ pelos petistas por ter se negado a ajudar financeiramente o partido.
A revista atribui a informação a Dantas, que teria mandado investigar petista para se defender de uma cobrança de propina de ‘dezenas de milhões de dólares’ pelo PT. À Folha, Dantas disse não ter mandado investigar políticos.
Dantas disse que o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares teria pedido entre U$ 40 milhões e US$ 50 milhões para proteger interesses do Opportunity na disputa com o Citibank e fundos de pensão pelo controle da tele.
A relação de políticos petistas teria sido produto da investigação do ex-diretor da agência de espionagem Kroll, o americano Frank Holder, a pedido de Dantas.
Reação
O ministro Tarso Genro rechaçou a existência de uma conta de Lula fora do país. Ao saber do teor da reportagem, riu. E comentou: ‘Estou falando especificamente de Lula. Essa é uma informação infamante e caluniosa que, seguramente, terá as respostas legais adequadas’, declarou.
De acordo com a ‘Veja’, além de Lula, o ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, são alguns dos nomes citados como possuidores de dinheiro em paraísos fiscais. Constam ainda da relação os ex-ministros José Dirceu (Casa Civil), Antonio Palocci (Fazenda), Luiz Gushiken (Secom) e o senador Romeu Tuma (PFL-SP). Na lista publicada pela revista, o nome de Palocci aparece grafado incorretamente como Antonio Palocci Jr. -seu nome é Antonio Palocci Filho.
‘Pedi a um advogado para ver quem devo processar, se Dantas, se seus informantes, se a revista ou se todos. Não posso deixar que meu nome seja exposto à execração pública por uma calúnia’, disse o ex-ministro Luiz Gushiken.
‘Não tenho conta no exterior. É uma mentira. Uma chantagem. Dantas tenta sair da posição de corruptor que sempre foi para a de vítima e achacado’, diz Gushiken, atualmente chefe do Núcleo de Ação Estratégica da Presidência. O ex-ministro se queixou de não ter sido procurado pela revista para responder à acusação.
‘Vale lembrar que a empresa Kroll praticou, sob orientações do sr. Daniel Dantas e do Opportunity -conforme amplamente noticiado- espionagem ilegal e sórdida sobre minha pessoa e outros integrantes do governo’, lembrou Gushiken, à tarde, por meio de nota oficial. ‘Adotarei todas as medidas judiciais cabíveis para a defesa da minha honra.’
Dois outros auxiliares do presidente, que preferiram falar reservadamente por ora, disseram que Lula não possui conta no exterior e avaliam que Dantas tenta chantagear o governo porque não teve seus interesses atendidos.
A revista não afirma que as contas são verdadeiras. Diz que, após investigação, relatou os fatos para que pudessem ser investigados pelas autoridades competentes.
Dossiê Cayman
Nas palavras de um ministro, a lista exibida pela revista, que a atribui a Dantas, seria um ‘novo Dossiê Cayman’, papéis que se mostraram falsos e que diziam que a cúpula do governo Fernando Henrique Cardoso possuía conta secreta em paraíso fiscal.
O delegado Paulo Lacerda, da PF, afirmou que a conta no exterior pertence a um homônimo e que havia explicado isso à revista.
O senador Romeu Tuma (PFL-SP) também disse que processará Dantas e a Kroll. ‘É a coisa mais absurda do mundo. Nunca tive conta no exterior. Não tenho dinheiro para ter conta no exterior. Tenho duas contas no Brasil, que é onde recebo’, reagiu o senador, afirmando ser esse ‘um jogo sujo para tentar desmoralizar autoridade que investiga no Brasil’.
O Citigroup retirou Dantas, no ano passado, do comando da Brasil Telecom, e o acusa na Justiça americana de fraude e negligência. O banqueiro se diz vítima de achaques do governo federal e de perseguição por parte do banco americano, a pedido de Lula.’
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‘Lula não leu e não gostou’, diz ‘Veja’ em nota
‘Leia a nota da revista ‘Veja’ em resposta às críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva:
‘1) O presidente Lula não leu e não gostou do que não leu. Ainda assim reagiu intempestivamente à reportagem de ‘Veja’. Insultou jornalistas e a publicação, uma atitude imprópria para um presidente da República. É imperioso ler antes de criticar.
2) ‘Veja’ chegou ao posto de mais respeitada e lida revista brasileira e quarta revista semanal de informação do mundo pela qualidade de suas reportagens.
3) Houvesse o presidente Lula lido a reportagem, teria percebido que se trata de um trabalho de investigação jornalística sobre as atividades do banqueiro Daniel Dantas, com o qual seu governo mantém uma relação tão conflituosa quanto incestuosa -relação que vem sendo objeto de reportagens de diversos veículos de comunicação.
4) O presidente disse que o autor da reportagem poderia ser chamado de ‘bandido e malfeitor’. Disso Lula entende. Nada menos do que quarenta de seus companheiros mais próximos foram descritos pelo procurador-geral da República como integrantes de uma ‘quadrilha’.
5) A reportagem em questão é fruto de seis meses de investigação. A divulgação do resultado do trabalho de apuração, como a própria reportagem ressalta, foi feita justamente para evitar o uso das supostas contas como elemento de chantagem.
6) A revista, em sua reportagem, não afirma que a conta bancária atribuída ao presidente Lula é verdadeira. Também não diz que é falsa, por não dispor de meios suficientes para fazê-lo
7) Para concluir, ‘Veja’ reafirma seu compromisso com os leitores e com o Brasil de prosseguir em sua tarefa de fiscalizar o poder em todas as suas esferas, a fim de impedir que ‘sofisticadas organizações criminosas’, para usar das palavras do procurador-geral da República, continuem a corroer a democracia brasileira.
Eurípedes Alcântara
Diretor de Redação
‘Veja’’
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Acusados não se manifestam sobre denúncias
‘A assessoria de imprensa da Telemar não se pronunciou à respeito das denúncias do banqueiro Daniel Dantas, controlador do Opportunity, até o fechamento desta edição. Em entrevista à Folha, Dantas disse que foi informado que ‘havia compromisso entre o governo e a Telemar para que esta comprasse a Brasil Telecom’.
O assessor de imprensa do ex-ministro do STJ Edson Vidigal tinha o celular desligado e não respondeu a recado deixado na caixa postal até o fechamento desta edição. Dantas o acusou de proferir sentenças contra o Opportunity por razões políticas e financeiras.’
BLOGS EM DEBATE
Imprensa foge da controvérsia, diz jornalista
‘Robert Fisk, 59, não usa e-mail, não confia nos noticiários da internet nem nos blogs. ‘Para que serve todo esse lixo?’ Jornais, só lê os de papel, que compra na banca mais próxima, seja qual for o país em que estiver. Mesmo assim, não dá muita bola para o que dizem. ‘O jornalismo está cada vez mais covarde depois do 11 de Setembro’, diz o repórter do diário britânico ‘The Independent’.
O jornalista surge para dar entrevista à Folha com uma pasta vermelha debaixo do braço. Dentro dela, recortes recentes de jornais com marcações à caneta. ‘São exemplos que recolhi de como os jornalistas viraram parasitários dos governos.’
Radicado em Beirute, no Líbano, há 30 anos, Fisk é especialista em Oriente Médio. Cobriu a Revolução Islâmica no Irã (1979), a guerra entre Irã e Iraque (1980-88), a Guerra do Golfo (1990), de Kosovo (1999) e, recentemente, a do Iraque. Hoje, entretanto, passa menos tempo no front do que viajando pelo mundo para dar palestras sobre sua experiência, que transformou no livro ‘The Great War for Civilisation’, recém-publicado no Reino Unido, mas sem data para sair aqui no Brasil.
Fisk esteve em São Paulo para participar da mesa ‘Os Limites da Reportagem’, no Fórum Folha de Jornalismo, na última quinta-feira. No dia anterior, recebeu a Folha para uma entrevista. Leia os principais trechos abaixo.
Folha – Você diz que anda descrente com o jornalismo, mas dá palestras sobre ele. Por quê?
Robert Fisk – Porque os jornais já não são mais uma fonte de informação confiável. Nos EUA, minhas palestras estão sempre cheias. E não é porque sou eu quem está falando, mas porque os norte-americanos estão percebendo que não podem confiar no que o ‘New York Times’ ou o ‘Los Angeles Times’ oferecem. Sabem que algo diferente do que estão vendo na CNN ou na Fox está acontecendo. E, para acessar outra versão, têm de buscar a mídia independente, ou estrangeira.
Folha – Por que você não usa internet?
Fisk – Não gosto, não uso nem e-mail. Meus colegas se vangloriam de que, com a internet, conseguem ler todos os jornais importantes do mundo antes das 11h da manhã. E eu respondo: ‘Às 11h da manhã eu já fiz entrevistas e estou escrevendo meu artigo para o jornal’. Quem precisa ler todos esses jornais? Para que todo esse lixo?
Folha – Mas essa resistência à internet é ideológica?
Fisk – Não, eu só penso que não é um meio confiável. Por exemplo, existe um site sobre Robert Fisk que está cheio de absurdos. Lá diz que eu falo árabe, e eu não falo. Os blogs, então, falam qualquer coisa. As pessoas dizem coisas lá que não podem afirmar no papel. Se o fizerem, vão parar nos tribunais.
Folha – Mas os blogs não são uma alternativa justamente a esse jornalismo em que você diz que as pessoas não confiam mais?
Fisk – Poderiam, mas não são. Porque, se você os imprimir, as pessoas que escreveram aquilo muitas vezes vão ter de ser julgadas, pois não podem provar o que está lá. Eles não usam as mesmas regras. No seu blog você poderia dizer que me entrevistou na Lua e não neste hotel. E tudo bem. Mas escreva isso no jornal. Você teria problemas. Ou não? (risos).
Folha – Mas você não acha positivo que as pessoas estejam mais interessadas em notícias depois do 11 de Setembro?
Fisk – Sim, acho que esse interesse aumentou e é importante, mas a verdade é que elas não estão sendo abastecidas. Ainda que os meios tenham se multiplicado com a internet, os blogs etc. As pessoas estão recebendo, na verdade, a versão dos governos para os fatos. É só folhear os jornais e ver quantas vezes expressões como ‘segundo fontes oficiais’ ou ‘as autoridades disseram’ aparecem em quase todos os textos.
Folha – Por que isso?
Fisk – Os jornalistas não querem falar de assuntos controversos. Principalmente nos EUA. Eles têm de pagar suas contas. E há a visão de que não se pode dar opiniões. Por que tem de se dar espaço igual aos dois lados? É possível dar 50% de voz aos nazistas quando se fala do Holocausto? Se assisto a um massacre, e já assisti a vários, eu digo que achei um absurdo. Eu tenho que poder dizer que aquilo é um absurdo. Senão, o que faço não tem sentido.
Folha – Qual a imprensa mais livre no mundo hoje?
Fisk – A britânica não está mal, o ‘Guardian’ e o ‘Independent’ fazem um bom trabalho. Não conheço a latino-americana. Gosto muito da francesa, do ‘Le Monde’ principalmente. A alemã é tão terrível quanto a árabe. Já a Al Jazira adiciona uma nova dimensão na região, é bom que exista, mas você também não pode confiar. Ela só é boa se você assistir junto à Fox News, pois aí a balança vai ficar quase equilibrada e provavelmente você terá alguma idéia do que acontece (risos).
Folha – Você é otimista com relação ao jornalismo?
Fisk – Bem, eu ainda leio… Mas não entendo por que é tão difícil fazer o mais fácil, que é escrever o que realmente acontece. O mundo não acaba se você faz as coisas direito. E eu cobri o Oriente Médio a maior parte da minha carreira, um lugar perigoso. Os jornalistas têm medo. Eles transformam um território ocupado num território ‘disputado’, uma colônia num ‘assentamento’.
Folha – São eufemismos.
Fisk – Pior do que eufemismos, isso é dessemantizar a história, degradar a linguagem. E assim você afasta as razões da violência, transformando uma parte dos envolvidos num bando de animais.
Folha – E nos acadêmicos norte-americanos, em geral, você confia?
Fisk – O mundo acadêmico sempre é mais crítico com o governo. Mas o que eles fazem? Mandam e-mail uns para os outros, falam mal do Bush, da guerra, mas não vão conversar com as pessoas.
Folha – Por que?
Fisk – Porque são acadêmicos, têm anos de profissão para defender e artigos imensos e impossíveis de ler para escrever.
Folha – O que você achou da carta que o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, mandou para o governo norte-americano?
Fisk – Os argumentos dele são interessantes. As pessoas deveriam ler o texto. O que ele pergunta, basicamente, é como os norte-americanos podem defender a democracia e, ao mesmo tempo, permitir coisas como as que estão acontecendo no Iraque. Ahmadinejad levanta boas questões pertinentes à realidade do mundo árabe. Não acho que Bush saberia formular um discurso articulado como o dele, caso ele soubesse escrever.
Folha – Mas você concorda com o que ele diz sobre o Holocausto?
Fisk – Não, aquilo é absurdo e ofensivo. Não apenas porque não há dúvidas de que o Holocausto aconteceu, mas também porque, mesmo que só um judeu, e não milhões, tivesse sido morto apenas pelo fato de ser judeu, já seria algo terrível.
Folha – Você acha que cobrirá uma guerra no Irã logo?
Fisk – Não, porque não haverá guerra no Irã. Os americanos perderam a Guerra do Iraque. O que ninguém diz é que o Estado extremista islâmico realmente perigoso no mundo hoje é o Paquistão. O país está lotado de simpatizantes do Taleban, e eles têm a bomba. Por que o Paquistão nunca é sequer mencionado? Porque são aliados dos EUA. Pervez Musharraf é o ditador preferido dos EUA.
Agora, será possível que os americanos possam ir, geração após geração, ameaçar países que não podem, a seus olhos, ter poder nuclear ou porque têm a religião errada ou porque têm as caras mais amarelas ou as barbas mais compridas?
Folha – Você vive no Líbano há 30 anos. Como é a vida lá hoje?
Fisk – Comparada aos anos da guerra, é um sonho. Mas ainda é um lugar perigoso. Depois da morte de Rafik Hariri [premiê libanês, assassinado em fevereiro de 2005], o clima piorou. Eu o vi queimando e morrendo perto de mim. Curiosamente eu estava em Londres cinco meses depois, no dia dos atentados [7 de julho], dentro de uma estação de metrô, indo para Heathrow pegar um avião. Em momentos como esses, eu penso ‘sou eu ou é o mundo?’ (risos).
Folha – Mas você aceitaria virar correspondente num lugar como o Brasil, por exemplo?
Fisk – Não, acharia muito chato (risos). Não por ser o Brasil. Acho que para quem está envolvido com temas da América Latina seria fantástico. Mas eu construí minha carreira no Oriente Médio e em lugares de conflito, o que não me parece ser o caso por aqui.’
Trevor Butterworth
A pornografia da opinião
‘Numa manhã fria do ano passado -era outono, mas o clima era de inverno-, antes de as folhas das árvores se animarem a queimar e cair, os bárbaros penetraram pelo portão. Quatro jovens escritores ousados, conhecidos por milhões de leitores apenas por seus apelidos de blogueiros -Gawker, Gizmodo, Wonkette e Defamer- se reuniram em um estúdio elegante do distrito nova-iorquino de Chelsea para serem fotografados para a edição de fevereiro deste ano da ‘Vanity Fair’.
Representavam a nata da Gawker Media [www.gawker.com], um miniimpério de blogs inteligentes, movidos a fofocas, criado em 2003 por Nick Denton, ex-repórter do ‘Financial Times’. Mas também eram emissários das hordas de blogueiros, um exército irregular de jornalistas cidadãos determinados a derrubar a velha-guarda da mídia americana. A ironia era aguda: a Gawker supostamente zombaria desse tipo de ostentação de pessoas se mostrando como partes do establishment.
Mas a vitória era mais doce ainda: era um momento ímpar, uma bênção dada por uma revista que, mais do que qualquer outra, se tornou a cronista elegante do establishment das celebridades.
Como disse a ‘Vanity Fair’ no artigo que acompanhou o ensaio fotográfico, ‘com uma combinação de redação inteligente e irreverente e de temas de baixo nível, tudo isso reunido em sites de design enxuto, a turma da Gawker está injetando um pouco de humor e diversão maliciosa em uma década na qual o humor faz falta’. A impressão que se tinha era que a imprensa irreverente do século 21 de fato aparecera em cena.
A Gawker se tornou conhecida logo após surgir, quando sua primeira editora, a ex-analista de ações Elizabeth Spiers, publicou uma entrevista franca com uma jovem que trabalhava em Wall Street e que falou sem constrangimentos sobre a ética lamentável dos traficantes de cocaína em matéria de atendimento ao consumidor -aparentemente um problema sério para os escravos do mundo das altas finanças, obrigados a passar noites em claro trabalhando na época da entrega dos impostos.
Uma das convenções que funcionou em favor dos blogs foi o modo como a mídia costuma tomar conhecimento de uma nova tendência e descrevê-la como revolução
‘O vendedor perfeito de pó seria como um paizão’, disse a entrevistada -um imigrante tendo que pagar colégio e faculdade para seus seis filhos, por exemplo, alguém que não se daria ao luxo de destratar seus fregueses. Era o tipo de informação que você dificilmente encontraria no ‘New York Times’.
Minoria crescente
A representante da Gawker em Washington, Wonkette, conseguiu um furo ainda maior quando sua editora, Ana Marie Cox, escreveu sobre ‘Washingtonienne’, uma funcionária republicana de 26 anos que, escrevendo sob pseudônimo, publicava um blog sobre seus relacionamentos sexuais, incluindo um com um funcionário da administração Bush, casado, que demonstrou sua gratidão dando a ela um envelope cheio de dinheiro em espécie.
Os leitores não demoraram a deduzir com quem a blogueira, Jessica Cutler, estava dormindo, ajudados pelo fato de que Cutler -que em vários momentos mencionou seu QI supostamente superior a 140- se referia a seus amantes por suas iniciais verdadeiras.
A sociedade bem-comportada de Washington, D.C., ficou horrorizada. Cutler foi demitida por fazer uso impróprio do computador em seu escritório, mas imediatamente conseguiu um contrato para publicar um livro (por uma cifra de seis algarismos) e um convite (que aceitou) para posar para a ‘Playboy’ em tempo para a eleição de 2004.
Ela disse ao diário ‘Washington Post’, em comentário memorável: ‘Todo mundo deveria ter um blog. É a coisa mais democrática que existe’. De fato, ter um blog parecia constituir o caminho mais rápido para a fama, num país obcecado pela fortuna. Com a Gawker Media, os EUA pareciam ter ganho os tablóides que mereciam.
Neste momento, é possível que você esteja se perguntando o que diabos é um blog. Ao que tudo indica, até mesmo nos EUA, a superpotência da blogosfera, a maioria dos usuários da internet -62%, segundo pesquisa da Pew Internet e do Projeto Vida Americana- não sabe responder a essa pergunta.
Assim, para o caso de você integrar essa maioria, um blog costuma receber a definição um tanto quanto confusa de diário online -ou ‘weblog’. Uma descrição mais precisa seria dizer que um blog é a maneira mais simples e barata de publicar um tipo de site cuja estrutura incentiva as anotações diárias, em estilo diário. A idéia decolou em 1996, com o ‘webring’ -ou seqüência de sites interligados- da Open Pages.
Mas foi apenas quando sites como o Blogger (www.blogger.com), criado em San Francisco pela Pyra Labs, em 1999, ofereceram aos internautas espaço livre nos servidores e ferramentas para criar seus próprios sites que teve início o fenômeno muito mais difundido do ‘blogging’ em escala generalizada.
É muito provável que você já tenha topado com um blog quando fez uma busca por algum tema específico na web, mas, para quem quer encontrar blogs que tratem de assuntos específicos, a blogosfera possui sua versão própria do Google sob a forma do Technorati (www.technorati.com), uma máquina de busca que rastreia blogs. Ou, então, você pode procurar o The Truth Laid Bear (www.truthlaidbear.com), que rastreia as visitas aos blogs mais populares. Outra alternativa é clicar em cima de um blog -por exemplo, o Instapundit (www.instapundit.com), se você tiver tendências conservadoras, ou o Daily Kos (www.dailykos.com), se você preferir os valores liberais-, o que o conduzirá a uma lista de links para blogs de pessoas de pensamento semelhante ao seu.
No final de 2002, existiam cerca de 15 mil blogs. Em 2005, 56 blogs novos eram lançados por minuto.
A conquista da credibilidade
Mesmo assim, o ‘blogging’ não teria passado muito de uma receita para ainda mais tédio na internet se não tivesse sido visto nos EUA como ameaça direta à grande imprensa e às convenções pelas quais esta controla as notícias. E uma das convenções que, por acaso, funcionou em favor dos blogs foi a maneira como a mídia costuma tomar conhecimento de uma nova tendência e descrevê-la como revolução.
O aumento do ‘hype’ em relação ao ‘blogging’ foi ajudado pelo fato de muitos dos blogueiros mais conhecidos serem pessoas de destaque no establishment da mídia -gente como Andrew Sullivan, ex-editor da revista ‘The New Republic’, ou Mickey Kaus, da ‘Slate’, a revista on-line que a Microsoft vendeu à empresa The Washington Post Company há pouco mais de um ano.
O fato de jornalistas tão respeitados terem aderido aos blogs conferiu à revolução uma dose de credibilidade que ela talvez não tivesse se estivesse nas mãos de verdadeiros ‘outsiders’. E então, logo antes da eleição presidencial de 2004, o ‘blogging’ passou por seu momento ‘Encouraçado Potemkin’, quando multidões de blogueiros partidários surgiram para derrubar o leviatã da CBS, Dan Rather, por este ter divulgado memorandos supostamente falsos sobre o serviço militar prestado pelo presidente dos EUA, George W. Bush, na Guarda Nacional.
Isso pareceu comprovar uma das maiores afirmações feitas em favor dos blogs: que a inteligência coletiva do público da imprensa era maior que a inteligência coletiva de qualquer jornal ou programa de notícias.
Onda irreprimível
O incidente também mostrou que a onda dos blogs era irreprimível, que o poder estava passando dos guardiões das portas da mídia tradicional para as mãos de uma sociedade de informação mais aberta e fluida, o que teria alegrado o coração do filósofo Karl Popper (1902-94). E solidificou a crença dos conservadores de que escrever blogs seria uma maneira de derrubar seus adversários de longa data na imprensa liberal, antes uma fortaleza inexpugnável.
Como escreveu em agosto passado no conservador ‘Weekly Standard’ o professor de direito e apresentador de rádio Hugh Hewitt: ‘Seria difícil exagerar a rapidez com que avança a reforma da informação ou superestimar seu impacto sobre a política e a cultura. A grande imprensa tornou-se uma casca oca daquilo que já foi, em termos de influência, e, quando os anunciantes se derem conta de quem está lendo os blogs, a velha imprensa vai ver sua base de anunciantes fugir -e não será um processo demorado’.
‘Há o consenso de que é bom contar com o ‘New York Times’ porque precisamos saber que essa é a versão dominante da história, hoje’
Michael S. Malone, que já foi descrito como ‘o Boswell do vale do Silício’ [James Boswell, biógrafo escocês do século 18], disse que estamos assistindo à ‘aurora da mídia dominada pela blogosfera’. ‘Daqui a cinco anos, a blogosfera terá se transformado num motor econômico poderoso, que terá praticamente relegado os jornais ao esquecimento, os quais (graças aos celulares que filmam) terá se metamorfoseado numa mídia de vídeo que concorre com o jornalismo televisivo e que terá criado um novo grupo de superestrelas e grandes empresas de mídia. Bilhões de dólares serão ganhos por quem tiver presciência suficiente para embarcar nesse bonde ou investir nessas empresas.’
Mesmo um dos principais intelectuais públicos americanos, Richard Posner, que leciona direito na Universidade de Chicago e foi juiz superior de apelações dos EUA, afirmou que o ‘blogging’ representa ‘o mais recente e possivelmente o mais grave desafio ao establishment jornalístico’ (se bem que é digno de nota o fato de Posner ter optado por publicar sua reflexão no ‘The New York Times Book Review’, e não em seu próprio blog).
Entretanto, como acontece com qualquer revolução, devemos nos indagar se estão nos vendendo um imperador nu. Será que o ‘blogging’ é de fato uma revolução da informação? Será que ele está prestes a relegar ao esquecimento a grande mídia noticiosa? Ou não passa de mais um pote de ouro virtual -um equivalente espúrio àquelas espalhafatosas companhias novas abertas na internet alguns anos atrás, que supostamente iam erguer uma admirável ‘economia nova’?
Será que não devemos encarar com um pouquinho de ceticismo mais uma revolução da informação que chega tão pouco tempo após a última -especialmente porque, desta vez, ninguém está nem sequer fazendo de conta que está enriquecendo com ela? O problema da mídia hoje não é que mal temos tempo para ler um jornal? O que dirá passear pelos pensamentos de 1 milhão de blogueiros?
O poder dos dinossauros
Desconfio que sim e por várias razões, das quais não é a menor a capacidade surpreendente que possuem os ‘dinossauros’ da velha economia de absorverem, adaptarem-se e evoluírem. Já estamos começando a ver blogs deitando raízes em jornais bem estabelecidos dos dois lados do Atlântico -embora poucos até agora tenham chegado ao ponto a que chegou o ‘News & Record’, de Greensboro, Carolina do Norte, no qual, no ano passado, o editor, John Robinson, mandou seus repórteres se converterem em blogueiros.
Ele também convidou os leitores a fazerem as vezes de repórteres, eles próprios, arquivando suas próprias matérias, e ele mesmo escreveu seu próprio blog.
Alguns experimentos deram errado. Quando, no ano passado, o ‘Los Angeles Times’ decidiu tentar deixar os leitores inserirem suas próprias idéias em seus editoriais online, o experimento terminou dias depois de imagens obscenas terem sido incluídas em seu site.
Mas, enquanto a velha mídia se esforça para apreender o significado da onda dos blogs, ouvir alguns dos heróis dessa ‘revolução’ falarem hoje de sua insignificância é algo que, inevitavelmente, induz à reflexão. No final do ano passado, fui até o East Village, ao bagunçado apartamento de Choire Sicha, editor do ‘The New York Observer’, um jornal semanal vibrante que cobre os ricos e poderosos de Manhattan.
Vestindo jeans e camisa cor-de-rosa e com a barba tão por fazer que parecia um dos Bee Gees na juventude, Sicha não nutre ilusões sobre o ‘blogging’, embora seja isso que tenha ajudado a colocar a Gawker Media e ele próprio no mapa da mídia.
‘A palavra blogosfera não tem sentido’, disse ele. ‘Não existe esfera. Essas pessoas não estão interligadas. Elas não têm nada a ver umas com a outras.’ Ele explica que a promessa democrática dos blogs resultou em apenas mais fragmentação e mais segregação, numa época em que, pode-se afirmar, é muito mais importante enxergar a totalidade das coisas -justamente o ponto forte do que faz a velha imprensa.
Se a badalação em torno do ‘blogging’ soa familiar é apenas porque, na verdade, você já ouviu tudo isso antes. Em Washington, a ruiva flamejante responsável pelo blog Wonkette, Ana Marie Cox, achou profundamente ‘déjà vu’ a idéia das ameaças graves e das promessas grandiosas do ‘blogging’. ‘As pessoas diziam o mesmo sobre os (fan)zines’, ela falou. ‘Diziam isso também sobre a web de maneira geral. Devem ter dito o mesmo sobre o CD-ROM.’
Se alguém deve acreditar verdadeiramente na revolução dos blogs, é Cox -mas ela não acredita. ‘Sempre vai existir um ‘New York Times’. Nós, como cultura, gostamos de ter uma narrativa sobre a qual temos uma espécie de consenso. Você pode achar que isso é propaganda da elite liberal ou pode considerar que é a hegemonia conservadora das grandes empresas. Mas existe o consenso de que é bom contar com o ‘New York Times’ porque precisamos saber que essa é a versão dominante da história, hoje. O jornalismo da TV a cabo cumpre a mesma função. Acho que a idéia deve ser de que alguém em Jacarta [capital da Indonésia] vai poder digitar no seu computador uma matéria sobre o que está acontecendo em Jacarta neste momento. Mas, sabe de uma coisa, acho que eu quero que haja um repórter profissional fazendo isso, também.’
Sob muitos aspectos, foi a própria mídia americana, em todo seu isolamento farisaico, que provocou o surgimento do ‘blogging’. Em 1993, Martin Walker, na época diretor da sucursal do ‘Guardian’ em Washington, fez a observação cáustica e perceptiva de que era preciso ser velho para ser autorizado a ter uma opinião na imprensa de papel americana. Contrastando com a mídia européia, que teve sua origem no Iluminismo e na crença de que o jornalismo constitui um fórum de debates e discussões -até mesmo de filosofia, segundo David Hume-, a imprensa americana é uma criação do século 19 animada pela busca de informações factuais.
Espero que me perdoem a filosofia de botequim, mas o fato é que os blogs levaram o Iluminismo europeu aos EUA. Cada blogueiro era sua própria gráfica, exercendo espontaneamente sua liberdade de crítica. Isso é ótimo. Mas, em algum ponto do caminho, a opinião virou a nova pornografia na web.
Parasitismo
A lição histórica a ser tirada disso diz respeito à cíclica rebelião contra a mídia norte-americana por ser séria demais, enfadonha e fechada às transformações. De fato, a imprensa underground dos anos 1960 era descrita em termos quase idênticos aos usados hoje para referir-se ao ‘blogging’. A rodada atual de demolição pode ter uma sensação de algo excitante e radicalmente novo, mas o ‘blogging’ nos EUA não é reflexo do tipo de profunda transformação social e política subjacente à imprensa alternativa nos anos 1960.
Em lugar disso, o fato de os blogs dependerem da velha mídia para seus materiais traz à mente as pulgas de Jonathan Swift [escritor anglo-irlandês, autor de ‘As Viagens de Gulliver’] sugando outras pulgas ‘ad infinitum’: para que o processo de alimentação possa ter início, é preciso que haja um hospedeiro em algum lugar. A idéia de que algum dia os blogs vão reinar no mundo da mídia representa o triunfo do otimismo sobre o parasitismo.
Está claro que esse não é o caso em outras partes do mundo. ‘Num mercado como os EUA, os blogs são superabundantes e muitas vezes irrelevantes, porque sofremos de um excesso de informação e já perdemos de vista as normas para a criação de hierarquias de informação’, postulou Anne Nelson, consultora de mídia e professora adjunta na Faculdade Columbia de Assuntos Internacionais e Públicos.
‘Em sociedades autoritárias, como a Síria ou a China, a situação é inversa -faltam informações independentes, e as pessoas podem questionar a hierarquia imposta.
Na verdade, como diz Nasrin Alavi em seu livro recente, ‘We Are Iran’ (Nós Somos o Irã, Soft Skull Press, US$ 15,95, R$ 33), os blogs estão criando uma revolução da informação no país onde o regime teve sucesso espantoso no fechamento de jornais (41 fechados nos últimos dez anos). ‘Graças ao anonimato e à liberdade dos weblogs, os iranianos estão finalmente encontrando sua voz e discutindo questões nunca antes tratadas publicamente na mídia nacional’, escreveu Alavi na revista ‘FT’ em novembro passado.
‘Recentemente, o chefe do Judiciário iraniano, aiatolá Sharoudi, descreveu a Internet como ‘cavalo de Tróia que carrega soldados inimigos em seu ventre’. Ele tem razão. A blogosfera iraniana fervilha de oposição à revolução islâmica.’
Sem dúvida o ‘blogging’ sempre terá espaço como mídia alternativa em sociedades fechadas. Mas, para aqueles no Ocidente que tentam abrir caminho para negócios viáveis por meio de blogs, o aspecto econômico da equação é desanimador.
O problema inerente a esse fenômeno é o fato de que a marca do blog reside em indivíduos. Se esses indivíduos são ótimos escritores, é provável que alguém os atraia para fora de seus blogs com um salário melhor e a oportunidade de fazer um trabalho mais significativo. Se o escritor se cansa de seu trabalho e perde o pique, a marca pode desabar, juntamente com ele.
Para enfrentar a roda-viva exaustiva dos acréscimos intermináveis nos blogs, tanto o Gawker quanto o Wonkette hoje têm dois editores cada. Mas a economia de escala é tão grande que um segundo editor não vai modificar a produção a ponto de fazer dobrar o número de leitores ou a receita publicitária dos blogs. O segundo editor garante a segurança: checa a veracidade de boatos que, de outro modo, poderiam conduzir a processos judiciais capazes de acabar com o blog.
Quanto à receita publicitária, ninguém parece estar enriquecendo com o ‘blogging’. De acordo com a ‘Advertising Age’, Markos Moulitsas, fundador do Daily Kos, um dos blogs mais lidos no mundo, estava ganhando cerca de US$ 20 mil [R$ 43 mil] mensais pouco antes da última eleição presidencial [2004]. Quando perguntei a ele, por e-mail, quanto ele está ganhando agora, ele se recusou a responder: ‘Isso não é da conta de ninguém. Não sou uma empresa pública’, falou.
Do mesmo modo, a Gawker Media e a Pajamas Media (um serviço de notícias em blog que inclui o site do professor de direito Glenn Reynolds, Instapundit, que recebe tráfego intenso) ou se recusaram a responder ou não forneceram cifras.
‘Digamos apenas que ganhamos mais do que um engradado de cervejas, mas não o suficiente para podermos abandonar nossos empregos’, disseram Heather Cocks e Jessica Morgan, as escritoras por trás do sarcástico e criativo Go Fug Yourself (www.gofugyourself.com), que aponta celebridades que apareceram usando roupas ‘assustadoramente feias’. O blog atrai regularmente mais de 100 mil visitantes por dia, o que faz dele um dos blogs mais visitados na internet.
Um blogueiro que concordou em revelar suas finanças sugere que nem mesmo os sites com freqüência acima da média vêm rendendo fortunas. Andrew Lienhard ganhou US$ 1.100 no ano passado ao utilizar o serviço de anúncios do Google em seu blog, JazzHouston (www.jazzhouston.com), que está no ar desde 1996 e recebe cerca de 12 mil visitas diárias.
Depois de conversar com várias pessoas do mundo da nova mídia, foi possível estimar uma receita publicitária de US$ 1.000 a US$ 2.000 mensais para um blog típico que receba 10 mil visitas por dia e atraia um público nacional com temas populares, tais como política.
O problema é que poucos blogs têm tráfego tão intenso quanto isso. De acordo com um monitoramento conduzido pelo The Truth Laid Bear, apenas dois blogs recebem mais de 1 milhão de visitantes por dia e, depois deles, os números descrevem uma queda acelerada: o blog situado em décimo lugar em termos de hits recebe cerca de 120 mil visitas por dia, o 50º, 28 mil, o centésimo, 9.700, o 500º, apenas 1.400, e o milésimo, menos de 600.
Em contraste, a edição on-line do ‘New York Times’ teve uma média de 1,7 milhão de visitantes por dia útil em novembro passado, de acordo com o índice Nielsen, e o jornal de papel alcançou 5 milhões de pessoas por dia útil, segundo pesquisa da Scarborough. Essa é uma razão pela qual os anunciantes continuam fiéis à grande imprensa.
O risco do tédio
A outra razão está ligada à própria razão de ser dos blogs. ‘Existe uma certa perda de controle quando se trata de anunciar em blogs’, disse Mark Wnek, presidente do conselho e executivo criativo chefe da [agência de publicidade] Lowe, em Nova York. ‘O vínculo que a maioria dos jornalistas e cidadãos cultiva com seus leitores se dá por meio da liberdade de expressão franca, não-censurada, e isso pode constituir território bastante incômodo para um anunciante tradicional.’
Os números fracos em matéria de acesso também apontam para outro segredinho comercial da blogosfera, algo que passa despercebido do juiz Posner e outros blog-evangelistas quando eles difundem a idéia de que o ‘blogging’ cria condições para o florescimento de milhares de Tom Paines [1737-1809; usou a distribuição de panfletos como meio para apoiar a Independência dos EUA].
Como diz Cox: ‘Quando as pessoas falam da libertação da mídia de pijama e poltrona, elas tendem a desconsiderar o fato de que as vozes de mais alto volume na blogosfera pertencem a pessoas que têm experiência em escrever. Essas pessoas não precisam necessariamente ser jornalistas experientes, mas escrevem. Parte de sua vida profissional consiste em comunicar-se com clareza por meio da palavra escrita’.
E nem todo blogueiro pode ser um Tom Paine. ‘As pessoas podem querer uma mídia democrática, mas não querem se entediar’, diz Cox.
‘Elas também querem se divertir e sentir que aprenderam alguma coisa. Querem idéias que sejam expressas com algum grau de clareza.’ E isso nos leva ao fantasma que assombra a blogosfera: o tédio. Se a pornografia da opinião não faz você ansiar pelo erotismo do fato, a imensa paisagem devastada da verborréia produzida pela natureza constante e implacável dos blogs constitui o maior impedimento a sua seriedade como meio de comunicação.
Para ilustrar esse ponto, perguntei a vários blogueiros se achavam que Karl Marx ou George Orwell, dois escritores políticos tremendamente potentes que também foram jornalistas, teriam escrito blogs, se houvesse essa possibilidade. E, em quase todos os casos, a resposta foi ‘é claro que sim, isso lhes teria proporcionado o maior público e o maior impacto possíveis’.
Mas é claro que a pergunta foi uma armação. O grande crítico e editor Cyril Connolly caía em desespero diante da prolixidade dos escritos de Orwell durante a Segunda Guerra: ‘Pelo fato de ser Orwell, nada do que ele escreveu é inteiramente destituído de valor, e algumas jóias inesperadas aparecem a toda hora. Mas ó, tédio da argumentação sem ação, da política sem poder!’.
Questão de tempo
Connolly era o oposto fundamental de Orwell: uma inteligência espirituosa e arguta dada à preguiça, um bon vivant barrigudo que desperdiçou sua genialidade.
Mas, na prática, ele reconheceu como Orwell teria sido terrível como blogueiro, como ele teria caído na espécie de refugo literário exemplificado por ‘In Defense of English Cooking’ (ed. Penguin) do escritor: ‘Eis algumas das coisas que eu mesmo já procurei em países estrangeiros e não consegui encontrar. Para começar, arenques defumados, pudim de Yorkshire, creme de Devonshire, ‘muffins’ e ‘crumpets’. Depois, uma lista de pudins que, se eu a expusesse por inteiro, seria interminável -vou selecionar para menção especial o pudim de Natal, a torta de melado e os bolinhos fervidos de maçã. Em seguida, uma lista igualmente longa de bolos: por exemplo, o bolo de ameixas escuras’.
O importante aqui é que qualquer escritor de talento precisa de tempo e calma para produzir trabalhos que tenham alguma chance de perdurar. Connolly garantiu essas condições a Orwell com a influente revista literária da qual era co-editor, a ‘Horizon’, que proporcionou a Orwell a oportunidade de escrever alguns de seus ensaios mais memoráveis.
Quanto a Marx, o jornalismo era um ato de necessidade econômica, que, num primeiro momento, exigiu que Engels se encarregasse de toda a redação dos dois. Mas Marx era alguém que aprendia rápido e possuía humor inteligente. Em sua biografia rápida sobre ele (‘Karl Marx’, Record), Francis Wheen aventa a hipótese de que, ‘se tivesse tido tempo e mundo suficiente, Marx poderia ter se feito conhecer como o mais aguçado jornalista polêmico do século 19. Mas, às suas costas, ele sempre ouvia a voz causticante da consciência lhe sussurrando ‘é magnífico, mas não é a guerra’.
Para Marx e Engels, o jornalismo era trivial -um impedimento ao trabalho sério, memorável e, sobretudo, influente. ‘Escritos meramente pelo dinheiro’, escreveu Engels, falando dos mais de 500 artigos que ele e Marx redigiram para o ‘The New York Daily Tribune’. ‘Se eles nunca forem relidos, não tem importância nenhuma.’
E é esse, em última análise, o destino triste do ‘blogging’: ele torna o mundo ainda mais fugidio do que faz o jornalismo. Atrelado ao ciclo interminável das notícias e à necessidade de acrescentar texto a seus blogs quatro ou cinco vezes por dia, cinco dias por semana, o ‘blogging’ se torna o que a cultura literária já teve de mais próximo da obsolescência instantânea.
Nunca haverá uma edição Modern Library dos grandes polemistas da blogosfera a amarelar sobre as estantes; nada, a não ser um túmulo virtual, aguarda 1 bilhão de mensagens divulgadas nos blogs -o coral dos blogueiros fartos da palavra, marinheiros solitários eternamente divulgando mensagens no mar de notícias que jamais adormece.
Trevor Butterworth é pesquisador do Centro de Mídia e Assuntos Públicos, em Washington, e ex-editor do site de monitoramento da mídia www.newswatch.org Este texto saiu no ‘Financial Times’. Tradução de Clara Allain.’
Ernane Guimarães Neto
‘Blogs transformaram a comunicação’
‘Os blogs representam uma alternativa confiável aos meios de comunicação de massa, defende Lucia Leão, professora de comunicação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e artista multidisciplinar. ‘É mais fácil ficar bem-informado navegando por esses atalhos do que esperar a notícia sair. Isso é uma grande transformação nas formas de comunicação’, defende a professora, freqüentadora de blogs e que os utiliza em sala de aula.
Em entrevista à Folha, a organizadora de ‘O Chip e o Caleidoscópio -Reflexões sobre as Novas Mídias’ (ed. Senac) aponta as características específicas que fazem do blog uma forma independente de comunicação e apresenta tendências da comunidade blogueira no Brasil.
Folha – Os blogs não são apenas uma mania passageira?
Lucia Leão – Não, acho que está sendo o caminho que a web achou; é uma evolução, uma transformação da web.
Folha – Eles se constituem uma forma autônoma de comunicação?
Leão – É isso mesmo. Se pegarmos a história do jornal, é interessante recordar. O jornal também tinha essa cara. O editor, o chefe do jornal, é hoje o editor desses blogs. Os jornais não eram tão grandes. Há um pouco dessa volta às origens, de ouvir a voz do autor, seus valores.
Folha – O ambiente ‘etéreo’ da internet não compromete a credibilidade do trabalho?
Leão – Não, porque a credibilidade está relacionada com o que a gente chama de reputação, a confiança que se dá a um blog, e não a outros. Tem a ver com ética: você confia naquele cara, e se estiver errado alguém vai falar. O blog também tem ‘erramos’. Chamo isso de regulação que emerge, pois a própria web regula. Quando você visita esses sites, em geral tem indicações. Por exemplo o site Turbulence, que existe há muito tempo e agora faz um blog com notícias (www.turbulence.org/blog). Você sabe quem são aquelas pessoas. Elas existem.
Tenho insistido nisto: durante muito tempo, as pessoas achavam que o ciberespaço é ‘mentirinha’, um mundo de faz-de-conta, de fantasia. Hoje a gente saiu dessa fase.
Estamos na fase em que o ciberespaço é apenas um prolongamento da cultura. É lógico que há lugares em que as pessoas podem usar o alter ego para se sentir à vontade -o que também há no mundo real.
Não há nada no ciberespaço que não corresponda ao mundo real. Quando comecei a insistir nisso, as pessoas me olhavam como se fosse um extraterrestre. Quando se faz uma transferência de dinheiro na sua conta, aquilo ocorre de fato. Quando você publica alguma coisa com seu nome, tem que responder por aquilo.
Folha – A cultura e o mercado do Brasil têm capacidade para absorver mais os blogs, como ocorre nos EUA?
Leão – Sim, claro. O que acho interessante são os blogs que acabam criando comunidades. O blog está lá, faz divulgação e você que se interessa por aquele assunto começa a entrar lá para estar bem-informado. Ainda tem pouca gente fazendo isso, em comparação com a Europa. Eu mesma sou professora e não dou conta: às vezes meu blog fica sem ser atualizado.
Uso muito para aula, ponho o que está acontecendo na aula no blog, mas gostaria de ter um blog mais organizado. Acabo não tendo tempo. Alguns pesquisadores de fora mantêm regularidade. O pesquisador Mark Bernstein, por exemplo, dá a isso o nome de ‘web viva’: você sabe que vai entrar lá e sempre tem alguma coisa nova.
Folha – É o que faz as pessoas optarem por criar um blog, e não um site?
Leão – Com certeza. É mais prático, tem recursos de envio por celular. Para fazer sites, há aqueles ‘templates’ [modelos para facilitar a construção], mas isso acabou atendendo a outro tipo de usuário. O usuário do blog quer realmente agilidade, mobilidade para trocar informações rapidamente.
Folha – Isso cria uma forma de comunicação específica?
Leão – Sim. A troca de atalhos é bem legal. Especialmente na área de software livre: com os links, você vai navegando de um site para outro e vendo muita notícia interessante. É mais fácil ficar bem-informado navegando por esses atalhos do que esperando a notícia sair. Essa é uma grande transformação nas formas de comunicação. Ninguém está muito preocupado com a forma, mas sim com a notícia.
Folha – No Brasil, os blogs têm se apoiado muito no Orkut?
Leão – Bem observado. O Orkut acaba sendo uma maneira fácil de atrair pessoas para um site, até melhor, por exemplo, do que o Google. É uma tática de comunicação mais pontual. Tive uma aluna de pós-graduação cujo trabalho era sobre design e jornalismo. Ela fez um blog e ninguém visitava, ela enviava e-mails e ninguém entrava [no blog]. Ela pôs no Orkut e num dia teve 200 visitas. Atingiu mais pessoas interessadas no tema.
Folha – Notícias na mídia ajudaram a fazer crescer o movimento dos blogs?
Leão – Acho que é independente. Não digo que não haja alcance, há gente que entra num blog porque viu na mídia impressa, mas em geral é coisa que acaba acontecendo no ato de navegar ou por e-mail.
E as revistas, como a ‘NovaE’, listam blogs e acabam criando uma ‘gangue’ de blogs. A comunidade tem o poder de divulgar novos blogs.
Folha – E os jornalistas que são pagos para fazer blogs? Isso vai funcionar no Brasil?
Leão – Acho que sim. Há vários blogs muito bons, como o de Hermano Vianna (www.overmundo.com.br).
Folha – Que comunidades estão prósperas na elaboração de blogs no Brasil?
Leão – As mais antigas são justamente as que estão à margem das mídias oficiais. Por exemplo, no Canal Contemporâneo (www.canalcontemporaneo.art.br), que é uma espécie de blog da arte contemporânea, não vai estar ali quem está nas grandes exposições.
Com softwares livres é a mesma coisa: as pessoas estão ali buscando um canal para se desenvolver. Também as questões ecológicas e de solidariedade funcionam muito bem. É sempre sobre aquilo que os meios de comunicação de massa não oferecem.
Folha – Que pesquisas há sobre blogs no Brasil?
Leão – Houve um encontro sobre blogs no ano passado, em SP. A mania de fazer fotos, chamada de escopofilia, é um fenômeno que está ocorrendo. Quem viaja publica no fotolog -as pessoas estão vivendo mais em razão de tirar fotos do que de ter experiências. Isso se tornou um fenômeno grande entre os jovens.
Folha – Blog e fotolog são coisas distintas? Têm objetivos diferentes?
Leão – Sim, o fotolog tem a idéia de mostrar. É misto de paixão pela imagem e exibicionismo. No Brasil não se chegou a isso, mas há uns cinco anos, na febre das webcams, as pessoas deixavam a câmera no quarto on-line 24 horas. Era generalizado.
Folha – Há fidelidade às comunidades blogueiras?
Leão – Se você está interessado no assunto e descobre um blog bom, você volta a ele.’
FSP
DE CARA NOVAFolha de S. Paulo
Folha lança novo projeto gráfico
‘A Folha lança no próximo domingo um novo projeto visual. As mudanças em todo o jornal vão torná-lo ainda mais completo, vibrante e agradável de ler. Recursos gráficos e uma nova organização das reportagens facilitarão a leitura para quem precisa percorrer rapidamente os cadernos. Para aqueles que desejam dedicar mais tempo às notícias, o jornal terá reportagens, artigos e novos instrumentos editoriais que ajudam a aprofundar e contextualizar os fatos. A idéia é que tanto o leitor que tem apenas 5 minutos para ler o jornal quanto o que tem 50 minutos fiquem satisfeitos com a nova Folha.
O projeto que estréia no próximo domingo enfatiza a independência e a criatividade da Folha, que está sempre em busca de mudanças que possam enriquecer o seu jornalismo, como ter sido o primeiro no país a ter um ombudsman.
‘A Folha tem feito reformas gráficas mais ou menos a cada seis anos. Mudar é uma espécie de tradição do jornal. A cada mudança o jornal se renova e se projeta para o futuro. A intenção é surpreender o leitor, sem causar estranhamento’, diz Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha. O novo jornal responde às necessidades atuais do leitor, nesta época em que o tempo livre se tornou uma preciosidade, enquanto a informação contínua e aprofundada passou a ser uma das chaves do progresso individual e coletivo.
‘Sabemos que nossos leitores buscam na Folha um instrumento para entender o mundo, tomar decisões e fazer história. A reforma gráfica visa facilitar essa leitura do jornal, tornando-a mais prazerosa e dinâmica. As mudanças criam ferramentas para que o leitor possa mergulhar nos temas que mais lhe interessam e, ao mesmo tempo, ter uma visão geral do noticiário’, afirma Eleonora de Lucena, editora-executiva do jornal.
As mudanças não foram apenas cosméticas. Elas aperfeiçoam o conteúdo noticioso e acentuam a importância dos fundamentos editoriais da Folha, que está fazendo 85 anos: independência, apartidarismo, espírito crítico e pluralismo.
Uma equipe de artistas gráficos do próprio jornal, coordenada pelos editores Massimo Gentile e Melchiades Filho, fez as mudanças visuais. O projeto teve consultoria do designer americano de origem cubana Mario García, responsável pelo redesenho dos jornais ‘The Wall Street Journal’ (americano), ‘Libération’ (francês) e ‘Die Zeit’ (alemão), entre outros.
Segundo o editor de Arte, Massimo Gentile, a reforma nasceu de um ‘trabalho profundo feito com a Redação’ e preocupou-se em equilibrar tradição e novidade. ‘Ela respeita a história visual da Folha’, diz.
Os cadernos que costumam servir de porta de entrada para novos leitores receberam atenção especial. ‘O jovem leitor terá muitos estímulos para mergulhar no noticiário, mesmo o mais árido. A nova Folha é mais atraente, didática e fácil de navegar’, ressalta o editor Melchiades Filho.
Para o designer Mario García, o projeto levou em conta as mudanças nos hábitos de leitura, sobretudo após a expansão da internet. ‘As pessoas estão cada vez mais seletivas em relação àquilo que vão ler. O objetivo do novo projeto é informar, divertir e surpreender o leitor, fazendo um jornal que ofereça reportagens relevantes, editadas de maneira criativa’, afirma.’
***
Um jornal em duas velocidades
‘5 MINUTOS: MAIS NAVEGAÇÃO
O novo projeto gráfico da Folha faz o jornal ficar mais vibrante, diferente e diversificado a cada edição.
O leitor vai encontrar com facilidade as notícias que mais lhe interessam por meio de vários instrumentos de ‘navegação’, que tornam mais ágil e completa a sua leitura.
MAIS ENTRADAS DE LEITURA
LUPA
Toda reportagem principal terá, além da manchete e do subtítulo, outra entrada de leitura, a ‘lupa’, que vai destacar mais um elemento importante do texto.
CONTEXTUALIZAÇÃO
As principais notícias terão, como complementos, análises, entrevistas e boxes didáticos e explicativos, que contextualizam e aprofundam os fatos.
Ferramentas de leitura
Os artigos complementares e os boxes explicativos serão facilmente reconhecíveis por meio de ícones e títulos:
[+] Saiba mais
Apresenta com profundidade outros aspectos da notícia.
[+] Entenda [+] Memória
Explicam de maneira didática pontos complexos e históricos relacionados ao fato.
[+] Análise [+] Opinião
Especialistas examinam e discutem o impacto da notícia, com independência crítica e partidária.
[+] Outro lado
Apresenta outras versões do mesmo fato, pelas pessoas envolvidas, conforme a regra editorial da Folha de preservar a pluralidade de opiniões.
COLUNAS
Os artigos escritos pelo mais completo e influente time de colunistas do país ganham ainda mais destaque nas edições.
FOTOGRAFIA
O projeto gráfico valoriza as melhores fotos, aquelas que apresentam interesse noticioso, criatividade formal e capacidade de enriquecer a informação.
LEGENDAS INFORMATIVAS
As legendas das fotos não servirão apenas para identificar as imagens, mas funcionarão como mais um nível de informação para o leitor.
INFOGRÁFICOS
Pioneira na utilização de infográficos no Brasil, a Folha dará ainda mais ênfase a esses recursos no novo projeto gráfico. Os infográficos –mapas, gráficos, tabelas, descrições visuais, cronologias etc.– ganharão subtítulos explicativos e ajudarão o leitor a ter uma visão sintética e completa dos fatos.
50 MINUTOS: MAIS CONTEÚDO
A reforma gráfica da Folha não é apenas cosmética. Se o leitor quiser aprofundar sua leitura, ele encontrará reportagens investigativas, entrevistas, análises, artigos didáticos e comentários de colunistas que vão contextualizar as notícias e enriquecer a sua compreensão dos fatos.
MAIS LEGIBILIDADE
A nova Folha ganhará em legibilidade. Os textos terão uma nova fonte, a Chronicle , mais moderna e apropriada para jornais.
A começar do logotipo da ‘Primeira Página’, todos os elementos gráficos crescerão, por meio do aumento do corpo e/ou da substituição de fontes. Isso não implicará, no entanto, redução da informação. Pelo contrário, em alguns casos haverá ganhos de espaço.
TÍTULOS MAIS CLAROS
A fonte desenhada especialmente para o jornal, a FolhaSerif, terá pequenas alterações, tornando os títulos mais robustos e claros.
UMA FONTE SÓ DA FOLHA
A letra FolhaSerif foi criada especialmente para a Folha em 1996 pelos designers Eric Spiekerman (alemão) e Lucas de Groot (holandês). Em 2000 a família de fontes foi ampliada, ganhando mais um estilo.
MAIS PERSONALIDADE
O novo projeto gráfico confere mais personalidade aos cadernos do jornal e aos suplementos. Uma nova paleta de cores foi criada para distinguir os vários cadernos, que terão navegadores nas capas para ajudar o leitor a identificar as principais notícias.
NOVAS LETRAS
Foram utilizados letras diferenciadas para identificar os cadernos ‘Esporte’ e ‘Ilustrada’.’
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Suplementos ficam mais ricos e dinâmicos
‘Com o novo projeto gráfico, a Folha passa a publicar ao longo da semana 13 suplementos e revistas, encartados gratuitamente no jornal. Todos eles ganharam um design moderno e dinâmico. Novas seções e colunas foram criadas para enriquecer o conteúdo dos cadernos. ‘Empregos’ e ‘Negócios’, que eram editados juntos, serão agora dois cadernos diferentes. A ‘Revista da Folha’ terá um novo encarte, ‘QI – Quem Indica’, com dicas de lazer de especialistas e convidados.
No Brasil, a Folha é pioneira na publicação de suplementos, que o jornal edita com a mesma independência e o mesmo espírito crítico que definem os cadernos diários.
Com o novo projeto, a Folha se alinha ainda mais à tendência internacional de oferecer ao leitor vários suplementos e revistas que complementam a sua informação e são úteis para a vida cotidiana, a educação e a formação profissional. Conheça nesta página algumas das mudanças.’
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Folha Online também faz reforma gráfica no próximo final de semana
‘A exemplo da Folha de S.Paulo, que promoverá a maior e mais profunda reforma gráfica de sua história na edição do próximo domingo, a Folha Online também vai estrear, ao mesmo tempo, novo visual e navegação.
As mudanças gráficas vão facilitar ainda mais o acesso às centenas de notícias que a Folha Online publica diariamente. Além da modernização gráfica, as mudanças visuais e técnicas vão ampliar muito o conforto de navegação e leitura.
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TELEVISÃO
Cuoco vira Armani à base de bronze, apliques e risadas
‘Francisco Cuoco nunca esteve na Daslu, a famosa multimarcas da marginal do rio Pinheiros, nem mesmo para fazer o que os atores chamam de laboratório.
‘Já passei ali em frente de táxi, e o motorista me apontou o prédio como se fosse um ponto turístico. Eu disse: ‘Ah…’, conta Cuoco, 72, rindo com os olhos.
O ator interpreta na novela das sete, ‘Cobras & Lagartos’, um empresário inspirado no estilista italiano Giorgio Armani -que ele tampouco tinha idéia de quem era. ‘Para auxiliar na composição do personagem, eles me passaram duas imagens: a do Marlon Brando em ‘O Poderoso Chefão’, e a do Versace…’, diz o ator, errando o nome de Armani.
A produção da novela acudiu com o black-tie. ‘Fizeram um contato com o [estilista] Ricardo Almeida…Ele está super na moda, né?’, pergunta o ator, que em um dos momentos mais marcantes de sua carreira interpretou o personagem-título da novela ‘O Cafona’ -um novo-rico que gastava muito dinheiro em lugares como… a Daslu.
Ex-feirante criado no Brás, formado pela Escola de Arte Dramática de São Paulo e mais conhecido pelos inúmeros papéis de galã que interpretou na TV, Francisco Cuoco foi promovido -ele agora é ‘dono da Daslu’, que, na ficção, chama-se Luxus.
A novela está indo bem, com 33 pontos de audiência nos dias de semana (índice razoável para o horário). Cuoco faz dois papéis: Omar Pasquim é o empresário rico, e Pereira, um faxineiro que se infiltra entre os empregados para saber quem conspira contra ele.
Como boa parte dos atores veteranos, Cuoco resolve o desafio, em cena, rindo de si mesmo. ‘O pior é quando o bigode [do Pereira] escorrega, e eu tenho de falar o texto assim’, mostra, com dois dedos em cima do lábio superior (ele solta uma risada igual a de Omar Pasquim, ao mesmo tempo débil e cômica, seguida de um cacoete cênico que consiste em abrir a boca rapidamente, puxar o ar e fechá-la).
Pasquim e Pereira obrigam o ator a se submeter a uma austera rotina de troca-troca de lentes de contato, apliques e, prova suprema para sua paciência, de bronzeamento artificial.
‘Um dia me queimei de verdade, coisa séria, e desde então eles passaram a me maquiar’, conta. A experiência de Francisco Cuoco em moda se resume a uma participação num desfile da grife Cavalera, em que vestiu uma camiseta com a inscrição ‘O Astro’ (novela de sucesso dos anos 70). Diz que gostou. ‘Foi muito interessante. Aquela mulherada trocando de roupa junto da gente… Gostei, viu?’, conta ele, que foi casado por mais de 20 anos e tem três filhos.
Com 1,79 m e 93 kg, ele hoje está com o peso bem acima do que tinha na época em que era galã.
No camarim do teatro Sesi Ginástico, no Rio, onde está em cartaz com a peça ‘O Último Bolero’, o ator veste uma camisa de manga comprida vinho para fora da calça bege, ambas amplas e confortáveis, e um sapato que ele tira dos pés durante a entrevista. ‘Sou completamente desprovido de vaidade. Por sorte, tenho uma profissão que se incumbe de me vestir; nunca preciso pensar muito em que roupa usar.’
‘Ele não se dá conta de que é o sr. Francisco Cuoco’, diz a atriz Adriana Lessa, colega na peça.
Firme no papel de ‘boa-praça’, Francisco Cuoco não vacila nem mesmo em caso de provocação. Quando perguntam como foi a briga com Carolina Ferraz, na segunda versão da novela ‘Pecado Capital’, Cuoco responde:
‘Ai, meu Deus, de novo aquela morfética [risos]. O [Du] Moscovis foi sacana, nem pra me avisar que ela era tão chata [mais risos]. O problema [sério] é que essa moça não tinha um comportamento adequado no trabalho. Eu me perguntava até que ponto ela era do ramo: atendia o celular na hora da gravação; se estava com sono, ia embora; desrespeitava todo mundo, dos contra-regras à faxineira’, lembra. Procurada, a atriz não respondeu à reportagem até o fechamento desta edição.
Em 50 anos de carreira, Cuoco nunca foi de se envolver em fofocas nem de muita badalação. A produção da peça informa que, alguns dias antes da estréia, quando perguntaram quem eram seus convidados VIPs, ele reagiu com uma sonora gargalhada.
Giorgio Armani, o verdadeiro, não acharia a menor graça.’
Bia Abramo
Arqueologia de um país que desapareceu
‘É um programa que parece ser de outro tempo e de outro lugar e, ainda assim, está lá todas as terças-feiras, às 22h, na Cultura. Na contramão da ‘nova’ Cultura, que anda se aproximando do pior em exibição na TV comercial e se afastando muito do que poderia ser um modelo de TV pública, o ‘Sr. Brasil’ se mantém curioso, interessante e algo tocante.
O formato mantém-se praticamente inalterado desde que Boldrin estreou na TV Globo, no início dos anos 80, no ‘Som Brasil’, números musicais de produção mínima com convidados, histórias e anedotas contadas pelo apresentador e um ar inequívoco de nostalgia.
Vinte e cinco anos atrás, o programa já era saudoso de um Brasil ao mesmo tempo mais ingênuo e mais inteiro, idealizado (sem dúvida), mas com algum lastro histórico que não o da memória. Hoje, é quase que uma peça arqueológica, a partir da qual se pode tentar redesenhar esse país imaginário de quase três décadas atrás. Daí o interesse.
Segundo esse mapa, parte-se do campo, da origem rural (caipira), para uma concepção de cultura brasileira nacionalista e de certa extração popular; da proximidade com a natureza às cidades. As diferenças regionais são, ao mesmo tempo, importantes – na medida em que exprimem diversidade- e irrelevantes -porque haveria uma identidade maior, nacional, à qual os diferentes estilos e sotaques estariam subordinados.
Assim, num mesmo programa, Boldrin recebe músicos de extração muito diversa, representantes de tradições que vão da música caipira de viola ao tropicalismo amargo de Jards Macalé, ao ‘clubedeesquinismo’ tardio e maduro de uma cantora de Belo Horizonte.
Rolando Boldrin, ele mesmo, conta uma história do caboclo da sua terra ou acompanha Macalé numa reminiscência sobre o samba-de-breque.
O cenário combina o despojamento ao artesanato bem-arrumado, colorido, que se convencionou associar a esse Brasil orgulhoso de si. A atmosfera à vontade evoca a idéia de simpatia irresistível que uma certa parte dos brasileiros imagina como seu patrimônio mais caro.
Nada é novo, tudo é mais ou menos obscuro e, por isso mesmo, tem muito mais frescor. Daí o interesse e daí a comoção. Há uma certa atitude desafiadora e potente nesse projeto de insistir nesse Brasil de ‘raízes’, de alguma possibilidade que passe ao largo do mercado, do reconhecimento de uma nacionalidade que se faz em alguma medida a partir de destinos comuns do cidadão comum.
É como se a nostalgia pudesse se constituir num foco de resistência à modernidade. Não pode, mas não importa nem deveria importar, na verdade – para o ‘Sr. Brasil’, seus convidados e para o pequeno auditório que acompanha a gravação do programa. A virtualidade basta e isso já está bem.’
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