Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Liberdade de quem? Resposta a um editorial

Tentativa de censura e ataque à liberdade de imprensa. É assim que as grandes redes de comunicação classificarão este texto, da mesma maneira superficial que o fizeram com tantos outros textos e pronunciamentos públicos feitos recentemente. Mas a nossa intenção aqui é defender a democratização dos meios de comunicação, a efetivação do direito humano à comunicação e a necessidade de mecanismos de controle público da mídia brasileira, pois é justamente a grande mídia, que se autoproclama defensora da democracia, a que opta por não realizar debate algum sobre sua área. E quando o faz, apenas ela é quem fala. Quem, então, defende a democracia, considerado o regime de condições iguais para os indivíduos e os grupos diversos da sociedade?

O Brasil não será um país de fato democrático enquanto mantiver a concentração (horizontal, vertical e cruzada) da propriedade dos meios de comunicação nas mãos de poucas empresas privadas, provocando uma redução da liberdade de expressão da sociedade. A Constituição Federal prevê em seu artigo 220 – § 5º – ‘Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio’. Quanto maior a concentração da propriedade dos meios de comunicação, menor a quantidade de grupos diferentes e divergentes que se expressam através destes meios.

Num país com mais de 180 milhões de cidadãos, apenas seis redes privadas nacionais de televisão aberta e seus 138 grupos regionais controlam 667 veículos de comunicação. São 294 canais de televisão VHF, que abrangem mais de 90% das emissoras nacionais. Somam-se a elas mais 15 emissoras UHF, 122 emissoras de rádio AM, 184 emissoras FM e 50 jornais diários [de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação, em 2002]. A concentração da comunicação no Espírito Santo, capitaneada pelas Rede Gazeta e Rede Tribuna, não foge à regra.

Concessão e avaliação

Toda e qualquer opinião ou iniciativa de tentar criar mecanismos de democratização desse quadro da comunicação no país é taxada imediatamente de censura e ataque à liberdade de imprensa (ou seria a liberdade das poucas empresas?). É assim que os poucos detentores do poder midiático do país e do Espírito Santo defendem seus interesses, econômicos e políticos. O momento eleitoral trouxe à tona o debate sobre a importância de criarmos mecanismos de democratização da comunicação e de controle público da mídia. Na eleição presidencial, o caso mais explícito foi a utilização dos veículos de comunicação para o apoio a um dos candidatos [pesquisa realizada pelo Observatório da Mídia http://www.observatoriodemidia.org.br/ com base na cobertura eleitoral da Folha de S.Paulo, O Globo, Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil e Correio Braziliense e das revistas Veja, Época, IstoÉ e CartaCapital].

Regionalmente, o caso mais gritante foi a eleição no estado do Paraná, onde o governador reeleito foi alvo de uma campanha contra seu governo e sua candidatura. E tudo isso com o discurso de neutralidade e imparcialidade das grandes redes. Mas, conforme disse o próprio governador reeleito em entrevista coletiva aos jornalistas, ‘quem ainda leva a sério esse discurso’? [Para ouvir a entrevista coletiva do governador Roberto Requião analisando a mídia durante a eleição, clique aqui; para ver o pronunciamento do governador na TVE do Paraná contra a Rede Globo, aqui].

Nesse ponto, um detalhe que as emissoras literalmente omitem do cidadão brasileiro: toda e qualquer emissora de rádio e TV neste país é detentora de uma concessão pública do Estado, ou seja, possui uma autorização momentânea do povo brasileiro pelo prazo de 10 e 15 anos, respectivamente. A concessão de rádio e TV, assim como toda e qualquer outra, não poderia ser obrigatoriamente renovada e deveria, sim, passar pela avaliação de entidades e instituições da sociedade, a quem realmente pertence o bem público que é o espaço eletromagnético.

Defesa da concentração

Imaginemos o momento de renovação da concessão da Concessionária Rodosol para a cobrança do pedágio na 3ª Ponte (Vitória-Vila Velha): as TVs e rádios produzirão matérias referentes ao assunto, correto? Caso a ponte esteja cheia de buracos e com o pedágio muito caro, a imprensa mostrará esta situação e o cidadão poderá concluir que a concessão pública não deverá ser renovada para a atual empresa já que o serviço prestado não lhe agrada e nem cumpre com as obrigações previstas na legislação. E caso uma rede de comunicação complete 30 anos e necessariamente precise ter sua concessão renovada pelo Congresso Nacional, isso também é pauta de suas matérias jornalísticas?

Qual é o dia exato em que vence a atual concessão pública daquela rede? Tal informação é de interesse (e de direito) público? Ou ficamos apenas com matérias que dizem respeito às festividades da empresa? O Estado, através de suas instituições executivas, legislativas e judiciárias, promove espaços onde o cidadão pode avaliar os últimos 15 anos da programação desta TV, com base no que já consta na Constituição, e pode sugerir a sua não renovação? Ou a renovação é feita à revelia da sociedade e sem um debate democrático?

Segundo dados do Ibope, Globo e SBT controlam 75% da audiência nacional e o restante é dividido entre a Igreja Universal do Reino de Deus (controladora da Record, Rede Mulher e Rede Família), a TV Bandeirantes e a Rede TV!. O programa de Governo do candidato Lula citava a possibilidade de criação de uma Secretaria para Democratização da Comunicação. A quem interessa então não debater a fundo a proposta e, de antemão, rechaçá-la? Em que se baseia o discurso das grandes redes de que a opinião pública não admite tais propostas? Afinal, quem defende a concentração antidemocrática da comunicação? A opinião pública?

Excessos e omissões

Hoje, uma única empresa, as Organizações Globo, com seus diversos veículos concentra 75% da verba publicitária do país. Grande parte desses recursos são públicos, já que prefeituras, governos estaduais, governo federal e suas respectivas estatais, são grandes anunciantes. Quanto, anualmente, o governo federal, Banco do Brasil, Petrobras, Caixa Econômica e Eletrobrás gastam com publicidade? Certamente muitos milhões de reais. Dinheiro público. Por que a proposta de que as verbas públicas de publicidade sejam melhor divididas entre os veículos de comunicação é tão criticada?

O argumento de A Gazeta: esses recursos públicos serviriam para financiar veículos pró-governos. Isso significa, então, que o valor depositado mensalmente pelo governo do Estado do Espírito Santo (secretarias, Banestes, Cesan etc.) nas contas das principais redes de comunicação do estado comprova o atrelamento político e ideológico dessas redes com o atual governo? Ou parcialidade atrelada às verbas publicitárias só é possível caso envolvam veículos alternativos? As grandes redes de comunicação precisam se definir: o jornalismo é imparcial ou atrelado aos grupos e instituições que o financiam? Afinal, o jornalismo em si, seja praticado em um veículo alternativo ou na grande rede de comunicação, é tudo a mesma coisa, ou não? Ou somente o que é feito por essas grandes redes pode ser considerado, no caso por elas próprias, jornalismo?

O editorial do jornal A Gazeta comprova a parcialidade da mídia [leia abaixo]. O texto cita a denúncia de Veja de que seus jornalistas teriam sido intimidados pela Polícia Federal durante um depoimento. Mas ele omite a nota pública enviada à imprensa pela procuradora da República Elizabeth Kobayashi – controladora externa da PF e integrante de uma instituição considerada comumente como de alta credibilidade pelos veículos de comunicação – que acompanhou o depoimento e desmentiu as informações publicadas que tentavam criar um clima de repressão sobre a imprensa.

Dois pesos e duas medidas

Reconhecido o poder da mídia em nossa sociedade, por que ela não pode submeter-se a investigações assim como se submetem todos os outros poderes? Afinal, jornalistas não podem ser investigados assim como são todos os outros cidadãos durante exercício profissional? Sendo os veículos de comunicação objeto de interesse público e sendo as emissoras de rádio e TV, especificamente, concessões públicas (ou seja, propriedade de todos os cidadãos), por que o alarde contra qualquer iniciativa de investigação a respeito das emissoras ou jornalistas?

Com relação à divulgação do dinheiro que seria usado para a compra de um dossiê no período eleitoral (o que afinal existe nesse dossiê ninguém sabe), o que a Rede Globo e suas afiliadas não publicaram, mas a revista CartaCapital e sites na internet sim, foi o áudio da conversa do delegado com os quatro jornalistas e toda a relação promíscua estabelecida entre o delegado, investigado pela instituição, e os jornalistas. Por que não publicar o áudio da conversa assim como fez com as fotos? Em alguns casos, as emissoras não divulgam o processo em que se deu a construção da notícia, publicando por exemplo que ‘a reportagem viajou a convite de tal instituição’?

Com relação à questão da escuta da Rede Gazeta, o editorial, nesse momento, não aponta nenhum governo ou instituição como o responsável por tomar providências para a solução do caso. Na época, um secretário de Estado foi demitido por conta de tal fato. Seria então um indício de que o governo do estado teria alguma relação com a escuta? Por que não associar nominalmente o governo do estado como quando é feito com as propostas de políticas públicas na comunicação de ‘setores’ de algum partido ou outro governo, sempre taxados de ‘autoritários’? A prática seria então dois pesos e duas medidas diante dos governos?

Verbas públicas

As propostas de alteração no cenário da comunicação, como de criação do Conselho Federal de Jornalismo e a Ancinav, são caracterizadas no editorial de A Gazeta como ‘aberrações’. Mais dois exemplos de que quando a proposta é mexer em assuntos que lhes interessam diretamente, as grandes redes de comunicação cumprem de forma autoritária o papel de cercear o debate de idéias, o acesso à informação, o direito à comunicação, e misturam muito bem o que é informação do que é opinião empresarial. O caso mais recente foi a escolha do padrão de TV Digital, quando faziam lobby público pelo padrão japonês através das poucas matérias parciais veiculadas e lobby privado, dentro das salas do Congresso Nacional, do Ministro das Comunicações Hélio Costa e do Palácio do Planalto. Nas matérias publicadas falava apenas quem a direção da empresa autorizava. Desafio a Rede Globo e suas afiliadas a apresentarem matérias produzidas onde os setores da sociedade que defendiam a proposta de um Sistema Brasileiro de TV Digital tenham voz. Onde ficou o outro lado, princípio básico do jornalismo defendido pelas grandes redes?

E foi a mesma postura autoritária da grande mídia que impediu um debate plural acerca do CFJ. Em nome da democracia e da liberdade, utilizou os espaços de sua propriedade de maneira conservadora e reacionária, inviabilizando um debate franco sobre o conteúdo da proposta enviada ao Congresso Nacional. O principal objetivo do CFJ era o processo de certificação dos jornalistas, não o controle de conteúdo. Os proponentes do projeto queriam colocar sob sua guarda a autoridade para estabelecer quem pode ou não exercer a profissão. Na prática, tenta-se resolver o debate da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão sem que esse debate tenha se esgotado na sociedade. Não tenho interesse algum em defender a proposta tal qual, mas citá-la como mais um exemplo de que quando os interesses das grandes redes está em jogo elas sabem construir um discurso e ainda chamá-lo de opinião pública.

Não há um grande filme neste país que não tenha recursos públicos. Seja diretamente através de patrocínio das empresas públicas e governos, seja através dos incentivos fiscais em que as empresas deixam de pagar impostos e os remetem diretamente aos realizadores ou ainda através das seleções públicas do BNDES, Ministério da Cultura e outras instituições. Todas essas verbas públicas. A proposta de Lei Geral do Audiovisual, onde estaria entre outras ações a proposta de criação da Ancinav, apresentada pelo Ministério da Cultura, representou uma importante iniciativa ao propor uma regulação para uma área atualmente sujeita a pouquíssimas regras. O anteprojeto buscava o fortalecimento da produção independente, a afirmação da diversidade cultural e criação de barreiras para a exploração irrestrita do mercado brasileiro pela indústria estrangeira.

Verdade relativa

Mais uma vez uma gritaria orquestrada pelas grandes redes, utilizando os seus ‘grandes’ cineastas como representantes de toda classe de produção audiovisual nacional. O fato é que os milhões de reais públicos sempre foram entregues aos mesmos realizadores, a maior parte dentro do rol da Globo Filmes, associada às grandes distribuidoras internacionais, como Columbia e Fox. E a atual gestão do ministério conseguiu tornar esse processo um pouco mais democrático, ampliando o espaço de participação daqueles que não têm contratos com as grandes produtoras e distribuidoras e enfrentando, de certa forma, os interesses dos poderosos do setor audiovisual. Mais uma vez, propostas de tornar o espaço da comunicação e os milhões de reais de verbas públicas mais democráticos são rechaçadas, sem discussão.

Com relação às matérias nacionais veiculadas a respeito do futuro da Radiobrás no próximo governo, o editorial supõe que a empresa pública poderia passar a ser comandada por uma ‘ditadura’ a partir das pressões de determinado grupo político [ver entrevista Eugenio Bucci ao OI]. O jornal A Gazeta deixa a entender então que reconhece o avanço realizado nos últimos anos pela atual administração da Radiobrás, que não é mais uma empresa de promoção do governante que ocupa o poder, veiculando matérias onde setores críticos ao próprio governo têm voz e destaque. Espera-se também que haja uma preocupação com relação às estruturas de comunicação estatal estaduais, como a TVE e a Rádio ES, em especial com relação a gestão, programação e também sobre a cobertura dada as propostas, a administração e as vozes críticas ao governo do estado. Ou não seria preocupação da Gazeta acompanhar as estruturas estatais estaduais de comunicação, ficando apenas com as nacionais, como é o caso da Radiobrás?

O editorial afirma que a premissa do jornalismo é a verdade, mas não cita que a construção do discurso jornalístico é realizada com base, por exemplo, em procedimentos de definição da pauta, apuração e edição, de que as notícias são construções simbólicas em que nem o jornalista, nem o jornal, serão absolutamente neutros, o que não os exime de buscarem uma exatidão com base nos fatos. Ao trabalhar dessa forma com esse conceito, o jornal abre mão de aprofundá-lo na tentativa de mais uma vez autoproclamar-se imparcial e independente dos interesses sociais e disputas sempre presentes na sociedade.

Assuntos proibidos?

Esse editorial só se faz necessário nesse momento porque os grandes veículos de comunicação estão incomodados com a mobilização cada vez maior da sociedade brasileira pelo controle público da mídia e pela democratização da comunicação, e com as possibilidades abertas de produção e acesso à informação disponível pela Internet. Além de incomodar, a internet tem feito circular informações que colocam em cheque a credibilidade do jornalismo praticado atualmente, interferindo na venda de jornais e revistas e na audiência de determinados programas [Dados da Associação Mundial de Jornais indicam que a circulação dos jornais brasileiros está em queda contínua desde 2001. Os jornais brasileiros vendiam diariamente 7,88 milhões de exemplares em 2000 e passaram a vender 6,47 milhões em 2003 (www1.folha.uol.com.br/fsp/ombudsman/om0606200401.htm)]. Isso traz impactos também na parte comercial das redes. Ou seja, de um modo geral, impactos negativos na receita das grandes redes de comunicação.

Uma das formas utilizadas para acompanhar e avaliar as matérias produzidas pelos jornais, emissoras de TV e rádio, que se preocupam com o processo de produção diária e de crítica e autocrítica, é a contratação de um funcionário conhecido como ombudsman – palavra sueca que significa representante do cidadão. A iniciativa, existente em poucos jornais do Brasil e do mundo, garante por determinado tempo o emprego e um espaço nos veículos para que o profissional possa receber, investigar e encaminhar as queixas dos leitores e realizar uma crítica ao jornal.

Há pouco mais de um ano, A Gazeta fez ampla divulgação de um processo para a criação de um Conselho de Leitores do jornal, a serem divididos por cada editoria. Os interessados deveriam se manifestar diretamente ao jornal, onde contribuiriam, esperava-se, com sugestões e críticas, além dos elogios. Onde estão os conselhos? Como atuam? Onde estão as notícias sobre o seu trabalho? E por que não um ombudsman para democratizar o espaço de críticas do cidadão ao jornal? Por que os jornais e as concessionárias públicas de Rádio e TV não abrem espaço para programas sobre comunicação e jornalismo, assim como fazem com tantos outros assuntos considerados de interesse público, como agricultura, economia, saúde, educação e esporte? Políticas públicas de comunicação e cultura são sinônimos de assuntos proibidos?

Para os poucos de sempre

Pessoas e entidades da sociedade civil que querem exercer o seu direito à comunicação e defendem uma pluralidade maior na estrutura da comunicação do país são chamados de cerceadores. Qualquer crítica, como por exemplo, sobre a forma como os veículos de comunicação se mantiveram durante o processo eleitoral é chamado pejorativamente de ataque. A mídia é a única capaz de produzir críticas e não ataques. As entidades e pessoas da sociedade civil são as que atacam e não criticam. O ataque é construído simbolicamente como algo destrutivo e autoritário, enquanto a crítica como construtiva. Esse texto então será adjetivado de ataque e não crítica? Por que razão?

A função do Estado é promover políticas públicas que assegurem os direitos aos cidadãos. É sobre as suas propostas e opções que os setores e grupos sociais disputam quais serão seus direitos e deveres. O problema é que qualquer iniciativa, como a criação de Conselhos de Comunicação Social, é vista como algo autoritário ficando apenas os grupos privados emitindo sua opinião para o conjunto da sociedade através de seus próprios veículos. Portanto, é papel do Estado promover políticas públicas na área da comunicação e da cultura que sejam capazes de democratizar o acesso a produção audiovisual, cultural e informativa do país.

Nesse sentido, cabe aos setores que colocam os direitos humanos acima da perversa lógica do lucro ampliarem essa discussão junto ao poder público e participar ativamente do movimento pela democratização da comunicação e pelo controle público da mídia para efetivar o direito humano à comunicação. Enquanto isso, do outro lado do embate, teremos as grandes redes tradicionais que trabalham com a comunicação dentro da lógica da mercadoria e da manutenção do poder e dos privilégios, para os poucos de sempre.



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Liberdade a preservar

Editorial # A Gazeta (19/11/2006)

Os arrogantes do poder e seus simpatizantes não se cansam de agir visando a sufocar a liberdade de imprensa Paradoxalmente ao regime democrático, fatos deploráveis mostram que há intolerância à liberdade de imprensa no país por parte de setores do governo federal e de facções aliadas ao poder.

Por isso, produzem-se agressões em série contra os veículos de comunicação e seus profissionais.

Em setembro, houve tentativa de censurar e restringir o trabalho da imprensa. O Partido dos Trabalhadores (PT) entrou com ação no Tribunal Superior Eleitoral para que o Grupo Estado suspendesse a divulgação de imagens da montanha de dinheiro, que somava R$ 1,75 milhão, apreendida pela Polícia Federal no caso do dossiê Vedoin. A Justiça rejeitou essa proposta de regresso aos moldes da ditadura. E as fotos foram disseminadas pela imprensa no Brasil inteiro e no exterior. Aquele dinheirão todo não pagou a vergonha nacional. Mas o ressentimento dos cerceadores fora reprimido. Tanto que o fechamento das urnas eleitorais pareceu uma senha liberando-os, sequiosos, para atacar.

Quatro fatos gravíssimos vieram à tona somente neste mês. Logo no dia 1º, a revista ‘Veja’ denunciou a intimidação de três dos seus repórteres pela Polícia Federal, durante depoimento sobre a operação abafa que estaria sendo feita para desvincular o assessor da Presidência da República, Fred Godoy, da operação de compra do dossiê Vedoin. Poucos dias depois, descobre-se novo procedimento arbitrário, típico de Estado policial. Era a escuta telefônica clandestina à ‘Folha de S.Paulo’, sabe-se lá com que finalidade. Reproduziu-se, assim, idêntico ato infame praticado contra veículos da Rede Gazeta no ano passado. E que, até hoje, está sem responsabilização criminal, premiando com a impunidade os que infringiram a Carta Magna.

A seguir, o incômodo com a imparcialidade jornalística e a ânsia de manipular o trabalho dos meios de comunicação voltam-se contra o sistema noticioso do governo federal, a Radiobras. Conforme amplamente denunciado, setores do PT estariam manobrando para partidarizar o complexo estatal – composto de quatro emissoras de rádio, três de televisão e duas agências de distribuição de notícias –, tornando-o difusor de atos oficiais. Sob controle ditatorial, a Radiobras não voltaria a dar espaço para escândalos como o mensalão, a máfia dos sanguessugas, os vampiros da saúde, o dossiê Vedoin, etc. Por aí se tira o que os arrogantes do poder pretendiam que fosse o natimorto Conselho Federal de Jornalismo, que fiscalizaria a atividade. E, também, a Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual), que seria criada para tutelar o setor. São aberrações. Sob a luz da democracia, o Estado não deve, sob pretexto algum, intervir na liberdade de expressão.

Na seqüência da trama para cercear os meios de comunicação, tramita no Congresso o abominável Projeto nº 257/05, de autoria do senador Marcelo Crivella. É uma tentativa de piorar a Lei de Imprensa (nº 5.250/67), feita sob a alegação de coibir supostas veiculações irresponsáveis que possam ser negativas à reputação de alguém. Ora, isso é absolutamente desnecessário. O compromisso com a verdade é premissa essencial do jornalismo. Doa a quem doer. O que está sendo proposto é um biombo para quem a transparência desnuda a indignidade ou a prática de atos ilícitos.

Que seja montada uma articulação vigilante para impedir a aprovação desse projeto. E que continuem a ser repelidas todas a manobras contra a liberdade de imprensa.

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Jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social