Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Veja

TELEVISÃO
‘Cansei de ser assistente’

Marcelo Marthe e Selmy Yassuda

‘Há duas semanas, o noveleiro Tiago Santiago reuniu-se com o bispo Honorilton Gonçalves, superintendente da Rede Record. Eles trataram do destino de uma dupla de personagens do folhetim Prova de Amor, criado por Santiago. O autor, que há pouco bolou um recurso inédito no gênero ao conceber um capítulo interativo no qual os espectadores puderam votar sobre os rumos da trama, pretendia fazer uma nova consulta, dessa vez sobre a relação da assistente social Janice (Fernanda Nobre) com a aspirante a escritora Raquel (Maria Ribeiro). A audiência escolheria se a intimidade entre ambas terminaria por desembocar num romance lésbico, com direito a beijo. O bispo demoveu Santiago da idéia. ‘Havia sempre o risco de o público votar ‘sim’, o que seria impróprio para o horário’, diz o autor. Nos bastidores, sabe-se que não se trata de mera questão de classificação etária. Nas bases da Igreja Universal do Reino de Deus, dona da emissora, há quem pressione contra a violência e as cenas sensuais dos folhetins da casa – e beijo lésbico já seria demais. ‘Tudo bem: vou tratar a amizade delas apenas como um caso de amor espiritual. Mas voltarei ao tema gay em outra novela’, diz Santiago.

O episódio dá uma idéia do status conquistado pelo noveleiro: além de autor, Santiago tornou-se o principal consultor da cúpula da emissora para tudo o que diz respeito à teledramaturgia. Nada mau para alguém que esteve fadado ao segundo escalão por mais de duas décadas. Nos anos 80, ele tentou, em vão, emplacar como ator. Participou de novelas e séries da Globo, mas sempre em papéis sofríveis. ‘Cansei de interpretar jovens chatos que atrapalham o namoro dos outros’, diz. Santiago se saía melhor em outra função – a de contador de histórias. Começou escrevendo para teatro, depois passou a roteirizar especiais da Globo e, em 1991, entrou para a equipe de autores de novelas da emissora. Mas nunca saiu do segundo time: por treze anos, atuou apenas como assistente de nomes consagrados. A situação mudou em 2004, quando os bispos da Record lhe estenderam a mão. Seduzido pela possibilidade de ser o roteirista da versão da emissora para A Escrava Isaura, Santiago trocou de emprego. ‘Cansei de ser um eterno assistente. Prefiro ser o primeiro na Record a ser o vigésimo na Globo’, diz.

O sucesso de Prova de Amor elevou o cacife de Santiago à estratosfera. Com 19 pontos de média, a atração tornou-se a principal arma da emissora dos bispos contra o SBT de Silvio Santos, na disputa pela vice-liderança de ibope no horário nobre. A novela acaba em julho, mas a Record planeja dar-lhe uma sobrevida, transformando-a numa série de ação. Em maio, o folhetim alcançou um faturamento recorde para a emissora: 15 milhões de reais, entre venda de anúncios e merchandising. Santiago tira seu naco disso. Ele chegou à Record com um salário de 25.000 reais. Duas renovações de contrato depois, ostenta renda de noveleiro de primeira linha da Globo. ‘Ganho tanto quanto o Gilberto Braga’, afirma. Graças a uma cláusula que o premia com aumentos a cada ponto ganho no ibope, ele hoje embolsa até 170.000 reais por mês. Aos 43 anos, solteirão convicto e surfista diletante (‘Só pego marolas’), ele acaba de comprar um apartamento de 450.000 reais com vista para o mar no Rio de Janeiro.

Para além da tentativa de romance lésbico, Prova de Amor recicla outros expedientes das tramas da Globo. Santiago recorre, por exemplo, ao merchandising social das novelas de Glória Perez. Mas o aprendiz superou de longe sua mentora: já abraçou pelo menos duas dúzias de ‘boas causas’. Todos os dias, os personagens dão lições sobre temas como a depressão pós-parto, a dengue e a exploração sexual de menores. Santiago não se importa de ser criticado pelo excesso de didatismo. ‘Ponho merchandising mesmo. A população brasileira precisa, pois é muito carente’, diz. Prova de Amor veicula, ainda, mensagens contra a impunidade. E isso se deve a outro ponto em comum com Glória Perez: assim como ela enfrentou o assassinato da filha, a atriz Daniella Perez, Santiago viveu uma tragédia familiar. Em 2002, seu irmão de 18 anos foi morto a facadas em Brasília. Revoltado com o fato de que o jovem condenado pelo crime se beneficiou do regime semi-aberto depois de cumprir apenas quatro dos dezenove anos e meio de pena, o autor faz campanha por uma mudança na legislação para crimes violentos.

Santiago é sociólogo e já se aventurou na literatura: publicou uma novela inspirada na vida de São Francisco. ‘Sou fascinado por sua capacidade de se entregar ao próximo’, declara. Não deixa de ser irônico que o mesmo autor – que se diz um ‘ecumênico espiritualista’ – se destaque numa emissora na qual um dia já se chutou a imagem de uma santa. ‘Não pago dízimo para a Universal’, diz. Pode até ser, mas o fato é que a trama de Prova de Amor tem contornado certos pontos delicados. Os três casamentos mostrados até agora, por exemplo, ocorreram numa praia, num jardim e dentro de casa – nunca numa igreja. ‘Fiz desse jeito porque acho lindo’, diz Santiago.

Cidadão Brasileiro: procuram-se crianças, jovens e bichos

Além de escrever Prova de Amor, Tiago Santiago atua como intermediário da Record em seu assédio aos noveleiros da Globo. Ele ajudou a emissora a conquistar seu maior troféu: Lauro César Muniz. Enquanto a novela de Santiago vai bem, contudo, a de Muniz nem tanto. Estacionada no patamar dos 12 pontos no ibope desde seu início, Cidadão Brasileiro até que não faz feio para quem bate de frente com a novela das 8 da Globo. Mas os bispos da Record sonhavam em obter bem mais: entre 15 e 20 pontos de média. Por isso, está em curso uma operação para corrigir sua rota. Semanas atrás, isso gerou uma vítima: depois de acumular desentendimentos com atores, técnicos e o autor, o diretor Flávio Colatrello afastou-se da novela. A cúpula da emissora irritava-se com a insistência dele em manter uma iluminação cheia de sombras. Mas sua saída não resolveu todos os problemas. Avalia-se que a trama precisa de mais ritmo e agilidade. E detectaram-se falhas que dificultam a identificação da platéia com a história. Não há um núcleo infantil e faltam romances juvenis – os galãs são maduros ou estão envolvidos com figuras mais velhas, como é o caso dos personagens de Bruno Ferrari e Luiza Tomé. Para completar, embora a primeira fase da saga de época se passe numa região rural, não há animais em cena, apesar de bichos serem comprovadamente chamarizes de audiência. ‘Para quem se propõe a fazer um folhetim realista, esses pecados são fatais’, observa um especialista.’

Veja

Torcedor em festa

‘Na quarta-feira passada, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tomou uma decisão que favorece o espectador brasileiro, pois melhora as condições de concorrência no setor de TV paga. Por meio de um termo de compromisso com o órgão, que zela pela livre concorrência no país, a programadora Globosat abriu mão da política de fornecimento exclusivo de seus canais de esportes para as operadoras afiliadas à Net Brasil – tal como ela, uma empresa controlada pela Rede Globo. A partir de agora, ela terá de disponibilizar esses canais também para as demais operadoras de TV paga. A decisão é um marco porque seus canais SporTV e SporTV2, bem como os de venda de jogos em sistema pay-per-view, são os únicos que transmitem os principais campeonatos de futebol brasileiros. A suspensão da exclusividade significa, na prática, que 1,5 milhão de espectadores, ou um terço dos assinantes da TV paga, agora terão direito a esse conteúdo. A mudança era reivindicada desde 2001 por 54 operadoras – entre elas a TVA, controlada pelo Grupo Abril, o mesmo que edita VEJA.

Para o público masculino, o futebol é um atrativo essencial na TV. Como os homens são maioria entre os assinantes das operadoras, trata-se de um nicho estratégico. Pelos termos do acordo, a Globosat será obrigada a disponibilizar seus canais para as outras operadoras até 2008, nas mesmas condições comerciais que proporciona à Net. O Cade também apontou para a origem do problema: por ser a maior rede de TV aberta do país, a Globo tem mais poder de barganha para negociar os direitos dos jogos com os clubes. Por isso, a partir de 2009, quando se revisarão esses contratos, a Globosat não poderá obter a exclusividade sobre mais que dois dos cinco maiores campeonatos de futebol; ou três, contanto que não acumule os principais deles, o Brasileirão e a Copa do Brasil. Por outro lado, a empresa terá o direito de vender os canais num pacote que inclua outros que produz, como o Globonews e o Multishow.

Há duas semanas, o Cade também aprovou, com restrições, a fusão da Sky com a DirecTV, que dominam o mercado de televisão por satélite no país. Por cinco anos, elas estão proibidas de agir de forma discriminatória no fornecimento de programação. Pelo mesmo período, não poderão ter exclusividade na transmissão dos principais campeonatos de futebol. Somadas, essa decisão e a da semana passada mudam os rumos da TV paga no Brasil.

Jogo aberto

O que muda com a decisão do Cade sobre

a programação esportiva da TV paga

COMO ERA

As operadoras afiliadas à Net tinham exclusividade sobre os canais SporTV e SporTV 2, os únicos que transmitem os principais campeonatos de futebol brasileiros. Só elas ofereciam também os jogos pelo sistema pay-per-view

COMO SERÁ A PARTIR DE AGORA

A Net será obrigada a disponibilizar seus canais esportivos também para as operadoras concorrentes, como a TVA. Com isso, cerca de 1,5 milhão de assinantes – um terço do mercado de TV paga – serão beneficiados’



INTERNET
Bel Moherdaui e Laura Ming

Em cartaz, no seu computador

‘Mais de 15 milhões de pessoas já viram: ao som de hits da década de 50 até hoje, Judson Laipply dança que é uma beleza. Chacoalha para cá, rebola para lá, se joga no chão, pula. O vídeo, amador, fez tanto sucesso que figura na lista dos mais vistos de todos os tempos no site que o navegador fã de novidades está acessando todo dia: www.youtube.com. Espécie de compêndio de vídeos amadores, profissionais e variantes intermediárias, o site permite que qualquer um compartilhe suas imagens favoritas. Perdeu a manobra suspeita feita pelo piloto Michael Schumacher no treino classificatório para o Grande Prêmio de Mônaco? Lá tem. Ouviu falar das bolas na trave do craque Ronaldinho na propaganda da Nike? Lá tem também. E Britney Spears quase derrubando o filho no chão? É só digitar as palavras Britney e baby no espaço de busca. O trailer do próximo filme do Superman? Tem também. Arnold Schwarzenegger no Brasil numa época em que muitos dos usuários nem tinham nascido? Também. A campanha (de verdade, em 1989) do apresentador Silvio Santos para presidente? Está lá, para ser conferida.

Criação de dois americanos com tempo de sobra, Chad Hurley e Steve Chen, o YouTube (algo como ‘você no tubo’ – da TV ou do computador) foi inaugurado em fevereiro do ano passado como um serviço em que os usuários pudessem ver, compartilhar e comentar vídeos facilmente e sem entupir a caixa de e-mails alheia. ‘Oferecemos um palco onde qualquer um pode se apresentar e ser visto’, explica Hurley. Para ter a experiência completa, o usuário se cadastra e, como no onipresente Orkut, cria seu perfil e monta uma rede de amigos. A diferença principal é que no lugar de fotos os membros colocam vídeos (próprios, de amigos ou absolutamente estranhos), montam sua lista de preferidos e comentam aqueles a que assistem. Outra diferença: quem não faz questão de tudo isso pode simplesmente entrar e ver os vídeos – de acordo com uma pesquisa da comScore, só entre outubro de 2005 e março deste ano o número de americanos que assistem a vídeos na internet cresceu 18%. Os filminhos do YouTube precisam estar gravados no computador, seja capturando-os de algum site, seja transferindo as imagens de uma câmera de foto ou de vídeo digital, de uma webcam ou da própria televisão (aí, é necessária uma placa especial). A maioria dos computadores já vem com uma ferramenta de edição básica, embora os iniciados prefiram programas profissionais (veja o quadro). Uma vez armazenado o vídeo no tal perfil de cada um, é torcer para fazer sucesso. Em matéria de temas, tudo vale: gente que não consegue parar de rir, aula de gírias em linguagem de surdos-mudos, episódios de seriados antigos com roteiro completamente modificado (Batman e Chaves são vítimas freqüentes), a primeira risada do filhinho, os primeiros passos da filhinha – não há limite. Ou melhor, há: pornografia pesada é removida pelo próprio YouTube, por um sistema de bloqueio e checagem próprio ou a partir de alerta de usuários.

O serviço, com pouco mais de um ano de existência, recebe mais de 35.000 vídeos novos por dia (em janeiro, eram 8.000), cada um com no máximo dez minutos de duração. Todo mês, 12 milhões de visitantes assistem a 1,2 bilhão de filminhos. O webdesigner paulistano Thiago Borbolla, 22 anos, conquistou seus minutos de fama no início de maio, ao figurar na lista dos mais vistos do dia – um feito bastante notável -, depois de colocar no site sua participação em um concurso de ‘gente que parece com mutantes’ no programa Pânico na TV. ‘Estranhei quando me vi no topo. Conforme li os comentários, percebi que o sucesso não era por minha causa, mas sim devido ao trailer do novo filme X-Men que aparecia ao fundo’, diz ele. De olho nesse público jovem, conectado e muito ágil, certas empresas que já dominam a linguagem on-line aproveitam para fazer seu marketing. É o caso da Nike, que colocou algumas de suas propagandas lá, e de distribuidores de filmes, que têm disponibilizado trailers de lançamentos. ‘Um destino já estabelecido como o YouTube tem milhões de olhos disponíveis instantaneamente. Com um simples clique, a Nike expande a exibição de seus vídeos por todo o mundo’, disse a VEJA Dean Stoyer, gerente de comunicações da empresa nos Estados Unidos. Como não são de perder tempo, gigantes como Microsoft, Yahoo! e Google também já têm seu compartilhador de imagens. Mas até agora nenhum deles é, assim, um YouTube.’



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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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