Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Comunique-se

ELEIÇÕES 2006
Eleno Mendonça

Propostas de botequim, 19/06/06

‘Ninguém merece assistir ao velho jogo de palavras da política. Quando se pensa que as coisas nesse campo estão melhorando, pronto, chega uma enxurrada de velharias, uma leva de más condutas. Não chega a ser tão grave quanto a corrupção, mas o enfrentamento nas urnas há muito passou da fase de xingamentos. Se Lula não conseguiu conduzir aos dez milhões de empregos, a uma economia crescendo acima dos 5% ao ano, deve ser criticado por isso. Se seus opositores querem conquistar o eleitor, devem trazer propostas concretas de como conseguir isso, algo novo, diferente. Se for para ficar na tentativa de avacalhação moral de parte a parte, melhor procurar outros nomes para a presidência, tão velhos e ultrapassados quanto esse tipo de comportamento.

Não acho que com isso se deva abandonar a crítica, nem, como disse o próprio presidente, evitar o jogo rasteiro de usar as imagens das CPIs. Quem fez coisa errada deve pagar por isso, a oposição terá de reforçar sim a situação que aconteceu no Brasil. Mas partir para o papo de botequim é a estratégia menos convincente. Os Delúbios e Silvinhos, os Dirceus e Genoínos, devem ser apresentados de novo sim à curta memória do eleitor brasileiro. Mas além disso devem existir outras coisas. O Brasil corrupto deve ficar para exemplo, mas o Brasil de propostas deve aparecer. Se a campanha ficar apenas no primeiro caso, melhor não gastar o nosso tempo na TV.

Os hábitos do presidente Lula podem até ser reprováveis para uma faixa da população, mas desde o início de mandato, ou mesmo antes, nas campanhas, estavam explícitos. Lula sempre gostou de um churrasquinho, de festa, futebol e de bebida. Às vezes exagerou. Mas a exploração desses fatos por si só, reforçando um comportamento como se fosse um perfil, faz cair na vala comum qualquer pretendente. Tanto porque, no fundo, no fundo, todos têm um ponto fraco a ser explorado.

Falando assim, parece até que isso é uma defesa do presidente, mas não é. É uma defesa do eleitor, que sobre esses aspectos já conhece Lula de outros carnavais, já o viu em cenas diversas ao longo de anos. O eleitor quer, já que terá de ser governado por alguém, saber se terá emprego, se a comida chegará à mesa mais barata, se as exportações vão continuar, se a agricultura terá mais atenção, se a industrialização e as novas tecnologias serão privilegiadas, se poderá sair de casa sem medo, se nas ruas haverá mais segurança, se o modelo de ensino vai ou não passar por uma reforma definitiva e não ficar apenas nos remendos. O brasileiro está cansado de discurso, quer ação e quer algo mais duradouro. As políticas nos últimos anos têm melhorado todos esses cenários, mas ainda é tudo muito pouco diante de tantas carências. O eleitor não quer palavras, quer projetos e projetos realmente novos, grandes e revolucionários que indiquem de fato o caminho da mudança.

Até agora, nenhum dos lados mostrou isso. Até agora, a oposição ficou no velho estilo de fazer política e a situação na velha maneira de fazer inaugurações, na maioria sem expressão, e no populismo. Espera-se muito, muito mais.

(*) Também assina uma coluna no site MegaBrasil, é diretor de Comunicação da DPZ e âncora da Bandnews. Ele passou pelo Estado de S. Paulo, onde ocupou cargos como o de chefe de Reportagem e editor da Economia, secretário de Redação, editor-executivo e editor-chefe, Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil.’



COPA 2006
Antonio Brasil

As besteiras da TV na Copa, 12/06/06

‘‘O mundo já é uma grande bola de futebol’. Com esta pérola do Jornal da Band, foi inaugurada mais uma edição do Febeaco, o Festival de Besteiras que Assola a Copa na TV brasileira.

De quatro em quatro anos, centenas de jornalistas se superam para produzir os melhores e os piores momentos da cobertura televisiva da Copa do Mundo. Não é tarefa fácil. Não há escola de jornalismo ou treinamento profissional que prepare um repórter para produzir tantas matérias em tão pouco tempo. Em uma ‘cobertura de saturação’ pela TV, vale tudo e cobre-se tudo para garantir a audiência. Neste período, os mínimos padrões de qualidade são esquecidos ou deixados de lado. Na dúvida, toda e qualquer pauta sobre a Copa é aprovada sem hesitação.

E dá-lhe matéria sobre qualquer coisa: lavanderia grátis para a seleção brasileira, entrevistas com roupeiros da equipe, vizinhos do Kaká ou mulheres que não entendem nada de futebol. Vale tudo para prender a atenção do telespectador. Pobre telespectador.

E já que não tem jeito, aproveito para sugerir que assim como premiamos o melhor gol, o melhor time ou principal artilheiro, também deveríamos conceder um prêmio especial ao pior momento ou pior matéria da Copa na TV brasileira.

Assisti a todos os jogos e aos telejornais da Band, Record, SBT, Cultura e Globo. Todos com as mesmas gracinhas. Numa verdadeira maratona, procurei ver ‘quase’ tudo que foi exibido em televisão aberta. Foi um enorme sacrifício. Haja paciência para tantos excessos.

As mesas redondas ou programas especiais conseguem ser os piores. Tem que ser muito fanático por futebol para assistir a tantos programas sobre a Copa.

Querem alguns exemplos de Febeaco? E olha que só estamos no começo da Copa.

O Galvão Bueno, obviamente, é insuperável hours concours. Selecionei algumas pérolas:

‘Você não erra Arnaldo, você se engana.’

‘Olha o cabelo dele. Este juiz é conhecido no México como o pequeno Drácula.’

Deve ser realmente muito difícil não falar tantas bobagens durante mais de 90 minutos em tantos jogos. Mas, aqui entre nós, por que os nossos narradores e comentaristas, de vez em quando, simplesmente não calam a boca? Por que não acreditam no poder absoluto das imagens para descrever um bom momento de um jogo de futebol? Por que simplesmente não acreditam no poder do silêncio como forma de evitar tantas bobagens e constrangimentos? Afinal, futebol é bom de ver. Mas não é tão fácil de falar.

Bobagens ao vivo

Copa do Mundo é uma competição de excessos. Não há limites para a cobertura ao vivo. Principalmente, quando se trata de mostrar os não tão fanáticos torcedores de outros países durante as transmissões dos jogos. O pior são os shows de bobagens no intervalo. Nunca se viu tanto amadorismo.

No último sábado, em meio a comemorações bem desanimadas de torcedores da Sérvia ou sei lá de que país, o jovem repórter da Globo, ao vivo, pergunta a uma velhinha se ela estava torcendo pela vitória da… Sérvia? Nenhuma resposta.

Sem perder a pose, ele insiste e pergunta qual seria o placar final do jogo. A velhinha se balançando – parecia algo como uma dança ou uma doença, não estou certo – olhava fixo para o repórter e não respondia nada. Ao vivo, ele insiste mais uma vez e diz um placar para a velhinha confirmar no microfone. Silêncio, o terror dos repórteres ao vivo.

Obviamente, a entrevistada não entendia ou não ouvia uma palavra do que dizia o repórter. Parecia matéria de carnaval no Sambódromo. O mesmo constrangimento e amadorismo.

Corte rápido para os narradores no estádio que, tão constrangidos como os telespectadores, não tinham nada a dizer. Nossos comerciais, por favor. TV ao vivo é sempre muito arriscado. Mas como não há competição…

O despreparo dos repórteres e da produção é evidente. A mesma situação constrangedora se repetiria no intervalo do jogo da República Tcheca versus EUA nesta segunda-feira. Ao vivo, o repórter Kovalick tinha que perguntar a um solitário torcedor americano, tranqüilamente sentado em um bar ao meio-dia de uma segunda-feira em NY, o que ele estava achando do jogo e se os EUA ainda podiam ganhar o jogo.

A situação e a resposta foram ainda piores que as perguntas. ‘Não é nada mole, a dura vida’ de repórter ao vivo em show de intervalo da Copa. Mas como não há competição, também não há problema.

Depois de tantos vexames e bobagens, tem horas que só nos resta torcer para o juiz apitar o final do jogo o mais rápido possível.

Programação alternativa

Nos outros canais, a cobertura da Copa do Mundo é um festival de mesmices previsíveis. Alguns tentam apelar para o escracho. A turma do Pânico, sempre na dianteira das baixarias televisivas, enviou suas estrelas.

A entrevista da Sabrina Sato com o Ronaldo Fenômeno é séria candidata a um dos piores momentos da Copa na TV 2006. Foi uma mistura de grosserias com um show de constrangimento para o entrevistado e principalmente para o público. Atrapalhar e impedir o trabalho de uma equipe japonesa na Alemanha foi um desrespeito e não teve a menor graça. Bem no estilo do Pânico. Mas há quem goste.

Aqui entre nós, sugiro que a turma do Pânico ou do Casseta façam uma transmissão alternativa dos jogos da Copa pelo rádio. Seria ótimo ouvir os comentários bem humorados ou as baixarias com imagens geradas pela TV alemã. Não é simplesmente trocar o Galvão Bueno por outro narrador tão ruim ou pior.

Na Copa da Itália, essa combinação de transmissão de imagens de TV ‘em silêncio’ com programas alternativos de humor pelo rádio fazia o maior sucesso, principalmente entre os jovens. Depois mando a conta pela dica.

E quem não gosta de futebol? O que faz durante a Copa? A primeira opção é meio óbvia: desligue a TV. Mas caso não possa ou não consiga, sugiro dar uma olhada na nova programação da TV Cultura.

Nesta mesma semana de cobertura de saturação, pude assistir a um excelente programa especial, o Ensaios, com o compositor Francis Hime. Não é TV aberta, pelo menos fora de São Paulo, mas vale a pena conferir.

Outra sugestão é conferir os novos telejornais da emissora ou assistir ao programa de inovações eletrônicas, o Zoom. O especial com videoarte foi excelente. Em tempos de Copa, para evitar tantas bobagens televisivas, a solução talvez esteja no controle remoto ou, como diz a propaganda da emissora paulista, ‘Mais do que TV. É Cultura.’

Agora, só nos resta aguardar a estréia do Brasil e continuar selecionando os melhores e piores momentos do Febeaco.’



JORNALISMO ESPORTIVO
Marcelo Russio

Desinformação desnecessária, 13/06/06

‘Olá, amigos. Brasileiro, em geral, gosta de dar opinião. Sempre temos opinião sobre tudo, todos os assuntos, em qualquer circunstância. Dificilmente dizemos ‘não sei’ quando nos é perguntado algo. Quando essa característica fica a cargo de entrevistados em pautas curiosas, tudo bem. É pitoresco e ilustra a matéria, especialmente de TV ou de rádio. Mas quando chega ao âmbito dos jornalistas e comentaristas, aí a coisa fica muito desagradável.

Na última segunda-feira, ouvindo o programa ‘Papo de Craque’, da rádio Transamérica de São Paulo, ouvi críticas do ex-jogador Neto, que está na Alemanha, sobre o treino do Brasil no estádio da estréia contra a Croácia. Dizia ele que o treino não serviu para nada, que deveriam ter feito mais treinos de bola parada ou de jogadas de linha de fundo.

Rapidamente, o comentarista Henrique Guilherme corrigiu-o, dizendo que o treino era uma exigência da Fifa, e que os atletas não podiam usar chuteiras, apenas tênis, e que a movimentação nada mais era do que o reconhecimento do gramado. Neto, imediatamente, respondeu que isso não tinha nada de mais, porque quando era mais novo ele chutava de pés descalços nos campos do interior paulista, ‘e chutava pra caramba!!’

Pergunto: custava ao comentarista da rádio informar-se? Custava falar sobre o que sabe, ao invés de simplesmente criticar algo sobre o qual estava provado que ele não tinha o menor conhecimento? Claro que não. Fica parecendo que o comentário foi feito apenas para não se ficar calado, para pitacar, para falar qualquer coisa. E, na seqüência, a conclusão dispensa comentários.

Se é assim, seria mais simpático levar algum torcedor em uma promoção publicitária. Um torcedor, sem preocupação com a informação e a formação de opinião, poderia falar isso e ser corrigido no ar sem causar constrangimento à equipe e nem prejudicar a imagem séria que a equipe da rádio passa.

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Excelente cobertura, na TV por assinatura, está fazendo a ESPN Brasil. Voltando a cobrir uma Copa do Mundo após ter ficado fora das transmissões dos jogos em 2002, a emissora mostra muita competência e criatividade em criar pautas interessantes. Não há medo de errar, o que é imprescindível para uma cobertura de grande porte. Nada é estático, os programas de debates não ocupam a programação em demasia e os repórteres têm um desempenho excelente.

Parabéns à equipe liderada por José Trajano pela boa cobertura.

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Parabéns também ao programa ‘Seleção SporTV’, apresentado pelo ótimo Maurício Noriega. Com convidados interessantes, e com um time fixo que tem o que dizer, o programa traz informações precisas, análises inteligentes e, com uma edição ágil e atenta, vem sendo atração obrigatória nas noites pós-rodada de Copa do Mundo.

Uma atração à parte é o programa que analisa o posicionamento tático dos times em campo. Ajuda muito a tirar dúvidas, e dá subsídios aos analistas. Sem dúvida, uma bola dentro do SporTV.’



MLST & IMPRENSA
Milton Coelho da Graça

Quem foi o ‘repórter’ da TV-MLST?, 19/06/06

‘A televisão e os jornais mostraram imagens da reunião em que o MLST planejou o ataque à Câmara Federal e a versão unânime foi a de que o filme original tinha sido entregue por um participante do encontro à segurança do Congresso.

Algum de vocês teve informação mais precisa? As imagens me deram a impressão de que os ‘conspiradores’ não sabiam que estavam sendo filmados. E, aí – desde que realmente não existam outras informações disponíveis -, teríamos de admitir a possibilidade de que o (a) cinegrafista não foi acidental.

Alguma sugestão?

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Quem não comunica nos trumbica

Quase três semanas de pneumonia me levaram a muito papo com médicos e amigos sobre problemas de saúde no Rio de Janeiro, neste final de outono mais frio do que o habitual. Soube de tantos casos de gripes e estranhas viroses que me interessei por saber como funciona o sistema de informação pública sobre surtos de doenças.

A base do sistema é a notificação feita por médicos. Em caso de doenças graves e altamente contagiosas, o sistema provavelmente funciona bem. Um ou dois casos de gripe aviária devem ser suficientes – espero – para detonar uma rápida ação preventiva de informação.

Mas quase nenhum médico obviamente se preocupa em notificar um caso de rotavirus, doença que vem atacando centenas de crianças no Rio, muito menos quando se trata de gripe, mesmo daquelas que derrubam por uma ou duas semanas. Ouvi descrições semelhantes de sintomas que os médicos em geral qualificam de virose, mas não consegui localizar nenhum anúncio – federal, estadual ou municipal – que explique à população o que fazer diante desses sintomas.

O caso do dengue é ilustrativo. Tivemos no Rio 11.550 casos notificados entre janeiro e junho deste ano, contra 983 em 2005. Dengue é uma doença de época previsível, em que a informação preventiva e a mobilização da cidadania são essenciais. Os números demonstram claramente que o Estado, em todos os níveis, fracassou no trabalho de comunicação.

Na falta de um sistema institucional que impeça governantes de usar dinheiro público para auto-exaltação, vamos continuar a pagar um preço alto nos índices de saúde, por falta de uma correta política de comunicação.

Alguma sugestão?’



JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

Saudade do jornalismo, 19/06/06

‘Levanto com esforço

as âncoras

e parto nas naus sem volta

do meu canto

(Nei Duclós in [Apesar de Tudo] Outubro)

Saudade do jornalismo

A considerada Miriam Abreu, que quando descansa põe-se a carregar pedras neste Comunique-se, passava os olhos pelo noticiário do Jornal da Mídia e deparou com este triste obituário:

Salvador – O escritor e jornalista baiano Guido Guerra, 64 anos, morreu hoje em Salvador e foi sepultado à tarde no cemitério Jardim da Saldade, no bairro de Brotas (…) Guido ficou conhecido na Bahia como um dos maiores críticos do regime militar. Ele atuou nos jornais Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia e no Bahia Hoje.

‘Veja só isto!’, escreveu Miriam, ao que Janistraquis completou:

‘Saudade com L é de lascar, né não? Podemos dizer que o já saudoso Guido Guerra foi sepultado e levou consigo um pedaço da língua portuguesa, pedaço arrancado pelo redator do Jornal da Mídia.’

Confira aqui.

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Assaltante baleado

O considerado José Truda Júnior abandonou Angra dos Reis, está de volta àquele paraíso que é Santa Teresa e de lá nos remeteu o seguinte despacho:

Veja como anda complicada a questão da segurança pública na outrora cidade maravilhosa, de acordo com notícia que Gabriela Temer, de O Globo, publicou no Globo Online sob o título Assaltante é baleado em Copacabana:

‘RIO – Um homem foi baleado no fim da tarde de domingo durante um assalto. Segundo testemunhas, quatro ladrões estavam na esquina das ruas Bulhões de Carvalho com Francisco Sá roubando motoristas, quando o carona de um carro que passava pelo local saltou e tentou render um dos bandidos.

Ele teria reagido e o homem atirou contra ele. A polícia está no local, mas tanto o ladrão quanto o homem que disparou fugiram. Ainda de acordo com testemunhas, os assaltantes fugiram em direção ao morro do Pavão-Pavãozinho.

O ferido era negro, tinha cerca de trinta anos, estava sem blusa e usava uma bermuda. Uma bicicleta e uma moto usadas pelos assaltantes foram abandonadas no local.’

As coisas andam tão difíceis por aqui que, hoje em dia, nem quadrilhas podem mais assaltar tranqüilas nas ruas da zona sul do Rio de Janeiro!

Pois é, Truda, com mais algum esforço das chamadas autoridades ainda chegaremos numa situação pra lá de Bagdá.

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Fiori&Galvão

Registre-se aqui a forma airosa e criativa com que Galvão Bueno homenageou Fiori Giglioti na partida de abertura da Copa: Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo!

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Onde de quê?!

O considerado Odin Matthiesen, engenheiro que, se pudesse, construiria paredões para proteger a língua portuguesa dos predadores habituais, pois Odin enviou o seguinte textinho à coluna:

Gostaria de saber sua opinião sobre a atual e irritante mania das pessoas, aí incluídas autoridades, de usarem de que no lugar de que. Me parece que arremedam o vosso ilustre presidente, que é um desses maníacos, em que pese sabermos o tamanho da sua ignorância. Espero que termine rapidamente (com o fim deste ‘governo’) como aquele tal de a nível de, outro modismo que felizmente já se foi.

Janistraquis torce pelo fim dessas besteiras, porém a luta é duríssima, Odin. Hoje, além desse intolerável de que, ainda se usa o advérbio onde em todas as frases. Exemplo: ‘Tá chegando o momento onde o Brasil pode ganhar a Copa.’

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Ora, direis…

Sob o título Carrasco vê ar de 1950 para o Brasil, lia-se na Folha de S. Paulo:

(…) Na etapa final, o placar acabou definido por Ghiggia. Ele mesmo descreve o lance: ‘Recuei um pouco e recebi a bola do Julio Cesar, um grande colega de time. Vi que havia espaço e parti com a bola dominada. Eu era muito rápido. Vi onde o goleiro estava. Chutei. A bola entrou. Vencemos.’

Janistraquis acha que se o veterano, aos 79 anos de idade, descreve tão bem a desgraçada cena, não iria errar o nome do seu companheiro de equipe:

‘O meia-direita que passou a bola para o Ghiggia foi Julio Perez e não Julio Cesar. O repórter entendeu mal, não procurou conferir e deu um chute na História do futebol.’

É verdade, não custava nada consultar o Google, por exemplo. E, nalguns casos, a própria coleção do jornal no qual se trabalha. Há algum tempo uma gentil repórter de O Globo se referiu a um craque do Vasco e da Seleção de 1950 como Chico Caramuru. Ela havia entrevistado um jogador daquele tempo, este recordou o ponta-esquerda e Aramburu virou Caramuru…

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Mais um imposto

O considerado Camilo Viana, diretor de nossa sucursal em Minas Gerais, envia notinha publicada na coluna Gente Boa, de O Globo, cujo titular, o mestre Joaquim Ferreira dos Santos, é um raro torcedor do América:

CÃO NUMERADO

A prefeitura começa dia 21, no Parcão da Lagoa, o Registro Geral dos Animais. A idéia é cadastrar todos os cães e gatos do Rio e dar a cada um deles uma plaquinha com um número de identificação. Por ele, será possível acessar um banco de dados que informará endereço, quem são os donos e quais vacinas já tomou o animal.

Camilo, que é do tempo em que os cães latiam mas a caravana seguia em frente, avisa:

Alô, alô, amigos dos animais! Não tardará e vão inventar mais um imposto…

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Besteirol

Sob o título Novela abolicionista é acusada de racismo, lia-se na coluna Outro Canal, da Folha de S. Paulo, assinada pelo sempre bem informado Daniel Castro:

A novela das seis da Globo, quem diria, está sendo acusada de racismo. O Ministério Público do Estado da Bahia instaurou um inquérito civil para investigar se a trama abolicionista de ‘Sinhá Moça’ não estaria deturpando a história da escravidão no Brasil e, na contramão das ações afirmativas, prejudicando a auto-estima da população negra e afro-descendente. Para o promotor de Justiça Almiro Sena Soares Filho, a novela erra ao mostrar o negro extremamente passivo e sofredor, que precisa de heróis brancos para se libertar.

Janistraquis, que nesta Copa ainda não viu os, com licença da expressão, ‘afro-descendentes’ baterem aquele bolão, classificou de inacreditáveis as declarações de Almiro:

‘Considerado, a criatura não leu uma página sequer sobre a escravidão no Brasil e fala como especialista no assunto!!!’

Pois é. Assim mesmo é promotor de Justiça. Leia no Blogstraquis a íntegra do festival de besteira.

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Frei e frade

O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal em Brasília, de cujo varandão decorado para a Copa avista-se Lula e seu time a festejar decisão do TSE que permite ao presidente driblar a lei eleitoral, pois Roldão lia a Tribuna da Imprensa quando um texto vindo de Lisboa chamou sua atenção:

A matéria se referia ao Timor e mencionava um ‘frei brasileiro’. Ora, frei é título que só se emprega junto com o nome: frei Vicente (nascido Francisco Luiz Kurnath). Quando a menção é genérica, a palavra que se deve empregar é frade: um frade brasileiro, nascido no Rio Grande do Sul, em Lageado.

Janistraquis, que só conhece os frades dos sonetos de Bocage, garante que nosso diretor está coberto de razão e, em sua homenagem, recitou aqueles versos do Mestre: ‘Bojudo fradalhão de larga venta…’, etc. e tal. A coluna abstém-se de transcrever a íntegra por respeito às consideradíssimas leitoras.

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Nota dez

Enviado por nove entre dez leitores desta coluna, está eleito o editorial da Folha de S. Paulo, intitulado Na idade da pedra:

Na atitude dos sem-terra mais extremados, ataca-se todo esforço da inteligência humana para livrar-se da barbárie – NÃO FOI apenas vandalismo. Em sua revoltante mistura de premeditação e barbárie, a invasão da Câmara dos Deputados por militantes do MLST na última terça-feira diz muito a respeito da ideologia que fundamenta, há anos, a atitude de parcelas do movimento dos sem-terra pelos quatro cantos do país. Trata-se de ativismo autoritário, retrógrado e violento, que se vale da reivindicação do acesso à terra como salvo-conduto para o arbítrio e o obscurantismo.

Leia no Blogstraquis a íntegra do texto sobre o qual Bruno Maranhão, João Pedro Stédile et caterva deveriam meditar.

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Errei, sim!

‘QUILO CERTO – Legendinha da Folha da Tarde, de São Paulo: ‘Maria Aparecida e seus cinco filhos’. Foto colorida, impressão boa. Janistraquis adorou ver a família reunida, com dona Maria amamentando um bebê. ‘O único problema, considerado’, alertou meu secretário, ‘o único problema é que a legenda anuncia cinco filhos, mas só aparecem quatro’. Respondi que isso é normal num país onde um quilo costuma ter 800 gramas…’. (setembro de 1990)’



ABI EM AÇÃO
Eduardo Ribeiro

A ABI reencontra São Paulo, 14/06/06

‘A Associação Brasileira de Imprensa, às vésperas de seu centenário, decidiu colocar São Paulo novamente na rota de sua história. E o faz de forma solene e grandiosa, escalando para a missão Audálio Dantas, um dos mais respeitados jornalistas profissionais do País, com muita história e realizações no currículo. Audálio comandava o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo nos anos de chumbo e teve um papel central na mobilização da sociedade brasileira por ocasião do assassinato de Vladimir Herzog, que acelerou o processo de redemocratização do País. Alguns anos depois, com o apoio de jornalistas de todo o Brasil, saiu-se vitorioso na primeira eleição direta da história de uma Federação no Brasil, a Fenaj, e com isso ajudou a democratizar um dos ambientes mais pelegos da vida sindical brasileira. Mais tarde, elegeu-se deputado federal pelo PMDB. Também atuou no serviço público, como superintendente de Comunicação da Eletropaulo e presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Hoje, Audálio preside a Audálio Dantas Comunicação, que também já se chamou Allcom, tendo a seu lado a incansável Vanira Kunc.

A ABI, forte no Rio, onde está situada a sede da instituição, goza de um prestígio no cenário nacional muito forte, mas em São Paulo ela praticamente não existe. E mesmo quando existiu teve ora uma atuação limitada, por não contar com o efetivo suporte da Direção Nacional, ora uma atuação marcada por desvios éticos.

Por conta dessa última fase, a então Seção São Paulo foi praticamente riscada do mapa, só não sucumbindo integralmente pela atuação do professor José Marques de Melo, que aceitou a ingrata missão de desatar os vários nós deixados por uma administração pouquíssimo – para não dizer nada – confiável.

Mas não foi só de falcatruas que viveu a Seção São Paulo da ABI. Ao contrário. No início dos Anos 80, quando o País ainda vivia sob a égide da ditadura, ela serviu para abrigar um núcleo que se organizava para influir na vida política e sindical, então sob o comando de Gabriel Romeiro, experiente jornalista da televisão brasileira, com passagens pela Cultura, Band e Globo, e que mais tarde sairia também vitorioso nas eleições sindicais, assumindo o comando do Sindicato dos Jornalistas, numa diretoria que reuniu nomes como Joelmir Beting, Luís Nassif, José Paulo Kupfer, Vicente Alessi Filho e Sérgio Sister, entre outros. No vácuo da saída desse grupo e pelo então desinteresse que os jornalistas de São Paulo demonstraram para com a filial foi que se abriu espaço para que um aventureiro lançasse mão da entidade.

Felizmente isso agora é passado. Cerca de uma década e meia depois, a ABI retoma a iniciativa de colocar São Paulo no seu caminho e agora o fará com pompa e circunstância. A solenidade de instalação da Representação está marcada para a próxima terça-feira (20 de junho), a partir das 20 horas, no Theatro São Pedro, localizado à Rua Barra Funda, 171, em São Paulo. A cerimônia contará com as presenças do governador Cláudio Lembo, do prefeito Gilberto Cassab, do secretário de Educação do Estado, João Batista de Andrade, e de Paulo Skaf, presidente da Fiesp, entidade que está patrocinando a iniciativa. E, ao final, haverá um show musical com as participações do pianista Arthur Moreira Lima e do cantor e compositor Renato Teixeira, além de uma canja especial com o também músico Luís Nassif e grupo regional.

Presidida nacionalmente por Maurício Azêdo, a ABI é uma das mais respeitadas entidades civis do País. Foi ela, por exemplo, capitaneada pelo lendário Barbosa Lima Sobrinho, que, ao lado da OAB, propôs o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, iniciativa que culminou com a cassação dele pelo Congresso Nacional, num momento que entrou de forma única para a História do Brasil.

A filial paulista da ABI, nas palavras de Audálio, não será apenas simbólica. Terá luz própria, mas atuando de forma conjugada com a diretoria da entidade no Rio, do qual o próprio Audálio é vice-presidente. Contará, para isso, com o apoio de um Conselho Consultivo que tomará posse na solenidade de instalação da Representação São Paulo, sob a presidência de honra do cardeal emérito de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns. O Conselho será integrado por 11 membros, entre eles Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, José Marques de Melo, da Cátedra Unesco/Umesp de Comunicação, Laurindo Lalo Leal Filho, da Escola de Comunicação e Artes da USP, e Carlos Chaparro, também da ECA-USP e colunista deste Comunique-se.

(*) É jornalista profissional formado pela Fundação Armando Álvares Penteado e co-autor de inúmeros projetos editoriais focados no jornalismo e na comunicação corporativa, entre eles o livro-guia ‘Fontes de Informação’ e o livro ‘Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia’. Integra o Conselho Fiscal da Abracom – Associação Brasileira das Agências de Comunicação e é também colunista do jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, além de dirigir e editar o informativo Jornalistas&Cia, da M&A Editora. É também diretor da Mega Brasil Comunicação, empresa responsável pela organização do Congresso Brasileiro de Jornalismo Empresarial, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas.’



DIRETÓRIO ACADÊMICO
Carlos Chaparro

Será que o dr. Jatene tem razão?, 16/06/06

‘O XIS DA QUESTÃO – Queixa do dr. Adib Jatene: para a pauta jornalística, vale mais um desmaio em filas de espera, no lado ruim do SUS, do que milhões de internações realizadas e milhares de vidas salvas com transplantes, no lado bom do sistema. Por esse olhar maniqueísta, que o dr. Jatene lamenta, se nem tudo é bom, tudo passa a ser visto como ruim. Talvez porque no lado ruim das coisas está a notícia mais sensacional.

1. O homem, o cão e a notícia

A palavra notícia faz parte do DNA do jornalismo. Tão velha ou tão nova quanto ele, com o jornalismo se confunde, quer no plano complicado dos conceitos, quer no mundo não menos complicado dos preconceitos. Mesmo quando, nos iluminados séculos 18 e 19, o jornalismo se expressava fundamentalmente pelo artigo, jamais a noção de notícia se desapegou do entendimento (acadêmico ou popular, tanto faz) do que seja jornalismo.

Apesar dessa raiz histórica, continua difícil chegar a uma boa resposta para a velha pergunta que ainda se repete: afinal, o que vem a ser notícia? Há dias, na televisão, alguém respondeu à provocação da pergunta dizendo, com a maior convicção, que notícia se dá quando o homem morde o cachorro – ‘porque o inverso não é notícia’.

Na realidade, essa pessoa repetiu o que há mais de um século já dissera um respeitado editor da imprensa americana, de sobrenome Danna. Alguém (um estudioso da época, imagino eu) fez ao jornalista a histórica pergunta. E ele respondeu: ‘Se um cão morde um homem, isso não é notícia; mas se o homem morder o cão, aí, sim, temos notícia’. A frase foi dita provavelmente em 1895 – e peço desculpas pela imprecisão, mas neste momento estou em viagem, sem referenciais de busca à mão.

Na verdade, Danna fez graça com um dos atributos menos importantes da relevância jornalística – aquele relativo ao caráter inusitado, insólito ou curioso das coisas. Alguns anos depois, o mesmo Danna respondeu com seriedade à mesma pergunta. E ofereceu à cultura jornalística uma definição inteligente do conceito de notícia, vinculando-o ao relato dos fatos importantes da atualidade. Ou seja, o relato de fatos que, em algum grau, interferem ou podem interferir no mundo presente das pessoas.

De qualquer forma, não há como escapar da enorme carga de subjetividades do conceito de notícia, qualquer que seja o tom e o sentido das definições.

2. Maniqueísmo doentio

Tudo isso vem a propósito da crítica recorrente que hoje se faz ao jornalismo, mais do que em qualquer outra época: a de que jornal só publica notícia ruim. Sob várias formas, esse enunciado marcou idéias nas últimas semanas, na Oboré do Sérgio Gomes, em palestras/entrevistas de gente importante, para os vinte alunos do projeto Repórter do Futuro (que, a propósito, está sendo um sucesso).

Sábado passado, por exemplo, o dr. Adib Jatene disse isso com quase todas as letras. Ao avaliar virtudes e limitações do Sistema Único de Saúde, lamentou que a pauta jornalística pouca importância dê ao fato de o SUS, no seu lado bom, exibir números como estes: 11 milhões de internações ao ano e 80% dos transplantes realizados no País. ‘Isso não se noticia’, queixa-se ele, ‘mas se um paciente desmaia em alguma fila depois de algumas horas de espera, o fato logo conquista manchetes’.

O dr. Jatene reconhece e aceita, como característica da linguagem jornalística, o dever de dar repercussão social aos acontecimentos e fatos que não alinham com a normalidade das coisas. No caso do SUS, o sistema existe para funcionar bem, e funcionar bem deveria ser a sua normalidade. Mas nem sempre isso é possível. Porque, embora conceitualmente, até para efeito de comparações internacionais, seja um bom modelo e cumpra papel importante, o SUS sofre os graves efeitos da falta de fontes de financiamento, para despesas que tanto mais aumentam quanto maior é a rede de atendimento.

Os governos não gostam de investir em hospitais, diz o dr. Jatene. Preferem construir estradas. Por quê? Porque, quando se trata de uma estrada ou de qualquer outra projeto de infra-estrutura, o término da obra representa o fim da despesa e o começo da receita. Na área da Saúde acontece exatamente o contrário: concluído do hospital, começa verdadeiramente a despesa. Uma despesa sem fim, e crescente.

Por isso faltam leitos nas grandes periferias metropolitanas. Em São Paulo, há regiões de dois e três milhões de pessoas sem um só leito hospitalar. E porque faltam leitos nas periferias pobres, acumulam-se pacientes nos hospitais localizados nas regiões centrais. Não por outra razão, ocorrem desmaios em filas de espera nos hospitais públicos mais procurados.

Acontece que, para a pauta jornalística, vale mais um desmaio no lado ruim do SUS do que milhões de internações realizadas e milhares de vidas salvas com transplantes, no lado bom do sistema. Por esse olhar maniqueísta, se nem tudo é bom, tudo se torna ruim. E no lado ruim das coisas explode a notícia…

Esse, o maniqueísmo doentio que incomoda o dr. Jatene. Terá ele razão?

(*) Carlos Chaparro é português naturalizado brasileiro e iniciou sua carreira de jornalista em Lisboa. Chegou ao Brasil em 1961 e trabalhou como repórter, editor e articulista em vários jornais e revistas de grande circulação, entre eles Jornal do Commercio (Recife), Diário de Pernambuco, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, Diário Popular e revistas Visão e Mundo Econômico. Também trabalhou com comunicação empresarial e institucional. Em 1982, formou-se em Jornalismo pela Escola de Comunicação de Artes, da USP. Também pela universidade ele concluiu o mestrado em 1987, o doutorado em 1993 e a livre-docência em 1997. Como professor associado, aposentou-se em 1991. É autor de três livros: ‘Pragmática do Jornalismo’ (São Paulo, Summus, 1994), ‘Sotaques d’aquém e d’além-mar – Percursos e gêneros do jornalismo português e brasileiro’ (Santarém, Portugal, Jortejo, 1998) e ‘Linguagem dos Conflitos’ (Coimbra, Minerva Coimbra, 2001). O jornalista participou de dois outros livros sobre jornalismo, além de vários artigos (alguns deles sobre divulgação científica pelo jornalismo), difundidos em revistas científicas, brasileiras e internacionais.’



HISTÓRIAS DE JORNALISTAS
Cassio Politi

Repórter desafiou a morte no Afeganistão, 16/06/06

‘O frio subiu pela espinha do repórter quando o tradutor leu o decreto no jornal oficial do governo afegão, direcionado aos cidadãos: ‘Se você vir um estrangeiro no Afeganistão, mate-o’. Seriam apenas linhas curiosas se o jipe em que o jornalista se encontrava não estivesse a caminho do Afeganistão.

Um assassinato por ali não causaria espanto. Era dia 29 de setembro de 2001 e no mundo inteiro só se falava dos atentados nos Estados Unidos e das conseqüências que o Oriente Médio sofreria.

O perigo, porém, não foi suficiente para desviar a rota de Lourival Sant’Anna. No dia seguinte ao anúncio, lá estava ele, em solo afegão, frente-a-frente com líderes taleban. Não teve tempo para calcular riscos e fez uma entrevista que ganhou enorme destaque em O Estado de S.Paulo.

Fronteira

Oito dias depois do atentado às Torres Gêmeas e ao Pentágono, Lourival Sant’Anna, repórter especial do Estadão, desembarcou no Paquistão. Entre o envio de uma matéria e de outra, fez tentativas de entrar no Afeganistão. Nada poderia ser mais pitoresco do que conversar com integrantes que, na visão ocidental, eram o lado mau da história.

Acontece que as fronteiras estavam fechadas tanto pelos paquistaneses quanto pelos afegãos. A estes, não interessava deixar ninguém sair do país. Queriam que todos ficassem para defender a nação.

Morte aos estrangeiros

Após dez dias de peregrinação pelo Paquistão num período especialmente rico em pautas, Lourival chegou a Shaman, outro ponto da fronteira entre com o Afeganistão. Era manhã de 29 de setembro de 2001. Em Shaman, o jornalista foi tratado como celebridade. Os habitantes sempre ofertam suas casas para hospedar o visitante. A honra cabe ao homem mais rico entre os candidatos a cicerone.

Antes de sair rumo à fronteira, caiu às mãos do jornalista um jornal do dia. Era uma publicação afegã precária, sem fotos (que eram proibidas), com o decreto que ordenava os cidadãos a matar qualquer estrangeiro que aparecesse por lá. ‘Não deu tempo de pensar no medo. Só pensei na entrevista com os talebans. Tinha a chance de conversar com eles’.

Comerciantes

O tradutor Iqbal Afridi conduziu o jornalista de jipe até a fronteira. Do lado de lá, a cidade de Spin Boldak, na província de Kandahar. Iqbal era sobrinho do ex-governador de Kandahar e tinha amizade com famílias da região. Foi assim que conseguiu reunir três comerciantes de etnia pashtun. Eles tinham passe livre na fronteira.

O jipe parou perto da fronteira. Além da corda que marcava os limites de um país e de outro, Lourival só avistou homens que faziam a guarda. O restante da paisagem denunciava as conseqüências dos mais de 20 anos de guerras ininterruptas na região.

O líder dos homens que guardavam o país em que provavelmente se escondia Osama bin Laden fez uma pergunta a Lourival. O idioma indecifrável fez surgir um ponto de interrogação no rosto do repórter. Resultado: acesso negado.

Limpo demais

Na tarde do mesmo dia 29, lá estavam novamente os três comerciantes, o tradutor e o repórter prontos para uma nova tentativa de passar a fronteira. O guardião do Afeganistão era o mesmo. Olhou bem para Lourival e se dirigiu aos outros homens.

– Por que vocês ficam insistindo em trazer esse punjabi aqui?

Punjabi era uma outra etnia da região. ‘Eu estava muito limpo, de banho tomado, e eles [afegãos] são muito mais sujos’.

Bazar

Eram 10h do dia 30. A fronteira era a mesma. Iqbal entrou em um carro acompanhado do mesmo homem que na véspera negara acesso por duas vezes. Conversaram alguns minutos dentro do carro estacionado. Do jipe, Lourival acompanhava atentamente. Em poucos minutos, o tradutor voltou satisfeito: a passagem fora finalmente liberada.

O jipe percorreu poucos quilômetros para chegar a Spin Boldak. A cidade é o bazar do que sobrou do Afeganistão. Um bazar improvisado que vendia, em tendas, peças de helicópteros, armas, tanques de guerra e todo ferrolho que pudesse ser transformados em pedaços menores.

Os clientes eram mercenários, membros de milícias, guerrilhas e quem mais estivesse precisando de uma peça de um desmanche bélico. ‘Eles derrubavam, a tiros, até transformadores no alto dos postes para vender as peças. Atiravam nos postes como se estivessem caçando’.

Alguns comércios funcionavam dentro de contêineres. ‘Quando chega um caminhão, as pessoas de Spin Boldak não deixam o contêiner voltar. Eles transformam o contêiner em loja’. Da precariedade, vem a engenhosidade. ‘Eles até melhoraram o AK-47. Colocaram uma peça de ferro que faz com que, quando a arma é destravada, a rajada seja mais rápida’. Tudo a custo muito baixo. Para se ter uma idéia da fragilidade da moeda local, um pão custava menos de um centavo de dólar.

Entrevista

Depois de passar pelo bazar de Spin Boldak, um jipe estacionou na frente de uma construção feita de argila, com paredes pintadas de branco. Os três comerciantes desceram e entraram no que parecia ser um barracão de alvenaria. Lourival aguardava com ansiedade. ‘É uma situação incômoda. Eu queria sensibilizá-los com a minha proposta. Era uma oportunidade de os taleban mostrarem o que eles são. O mundo inteiro estava tendo uma idéia deles e era preciso ouvi-los. Mas eu não fazia idéia de como poderiam reagir’.

Os comerciantes vieram até a porta e chamaram Iqbal. Em poucos minutos, os taleban tinham concordado em dar a entrevista.

Quase uma hora

Dentro do barracão de argila, a temperatura era agradável. Inicialmente, eram três os homens do taleban na conversa. O líder civil e o líder militar falavam. Um terceiro ficava calado. As perguntas passavam pelo tradutor. De vez em quando, os taleban começavam a falar entre si. No meio da conversa, que durou mais de 40 minutos, chegou um quarto homem, que tinha sido governador de Kandahar. Depois, entregou o governo aos taleban.

Afinal, como foi?

Encerrada a entrevista, Loruvial voltava para o Paquistão para redigir a matéria e a entrevista pingue-pongue contando quem são e como pensam os taleban. A matéria foi publicada num domingo, no início de outubro de 2001. Teve grande repercussão. Em fevereiro de 2002, a aventura ocupou as páginas do livro-reportagem ‘Viagem ao Mundo dos Taleban’.

No caminho de volta a Shaman, o jornalista tratou de tirar duas dúvidas com Iqbal. Ainda era uma incógnita a permissão dada pelo homem da fronteira.

– Iqbal, o que você falou para aquele cara?

O tradutor ficou um pouco envergonhado, mas respondeu.

– É uma coisa íntima minha. Mas tenho um tio que é general do taleban. Não queria usar isso. Mas foi o único jeito.

O tradutor foi uma figura de fundamental importância para viabilizar o mergulho ao mundo dos taleban. A outra curiosidade era pelos diálogos entre os taleban durante a entrevista. O que diziam aqueles homens? ‘O Iqbal me contou que um deles, mais radical, falava: ‘vamos parar essa entrevista! Esse cristão não pode estar aqui’. O outro retrucava: ‘vamos continuar. Ele é nosso hóspede’.

Seja taleban

Hoje, Lourival Sant’Anna se diverte com um convite que os taleban lhe fizeram no final da entrevista. Um dos líderes o convidou para ficar. Não para ficar por uma noite, mas para ficar para sempre: tornar-se um taleban.

– Você é um jovem muito brilhante. Nós temos o caso de um australiano que veio e ficou – argumentou um dos líderes. Àquela altura, o mundo ainda não soubera da conversão de um jovem americano, então com 22 anos, que chocou os Estados Unidos.

‘Respondi a eles: ‘adorei a proposta, mas não vai rolar. Tenho de voltar e escrever a matéria’, diverte-se o repórter ao contar a história. ‘As pessoas por lá são muito vira-casaca. Muda o regime e as pessoas trocam de chapéu. Eles dizem que você não pode comprar um afegão, mas pode alugar um’.’



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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo

Agência Carta Maior

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