A manchete de primeira página da edição de terça-feira (12/12) de O Liberal, de Belém (PA), anunciava: ‘Alunos pobres perdem no Supremo’. Era mais do que uma interpretação sobre a decisão da véspera da presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, revogando a medida cautelar através da qual o Tribunal Regional Federal obrigava a Universidade Federal do Pará (UFPA) a inscrever de graça todos os estudantes que pediram isenção da taxa do vestibular. Era, na verdade, o título de um editorial de protesto contra a deliberação da presidente do STF e certa conclamação aos prejudicados.
O editorial, porém, só veio na edição do dia seguinte. Por isso mesmo, a objetividade e correção da notícia foram afetadas pela intenção do jornal. Independentemente do conteúdo da matéria, O Liberal já decidiu que tudo que pode prejudicar a administração superior da UFPA deve ser destacado, ampliado e, se necessário, manipulado. Ainda que acarrete prejuízos mais amplos e mais sérios do que especificamente à cúpula acadêmica.
O jornal se move não por uma visão divergente da gestão universitária na UFPA, já explicitada em editoriais, após o necessário contraditório e a ampla defesa concedida à parte contrária, e comprovada em apurações jornalísticas. Nada disso houve. O objetivo da folha dos Maiorana é se vingar do reitor Alex Fiúza de Mello e puni-lo pelo ‘crime’ de ter escrito e enviado uma carta de solidariedade a um jornalista agredido covardemente e ameaçado de morte por um também jornalista, advogado e empresário. O agredido fui eu, ex-professor da mesma universidade, e o agressor foi Ronaldo Maiorana, editor-corporativo de O Liberal.
A campanha contra Alex, que é professor de carreira da UFPA e doutor em ciência política, reconduzido a um segundo mandato na reitoria, extrapolou todos os limites da sensatez, do bom senso e da decência. Violou os mais elementares princípios éticos e morais de uma empresa jornalística. O que interessa é bater no transgressor das normas do império.
A força da razão
O Liberal revela sua indiferença aos efeitos do que publica. Levados aos extremos, eles resultarão na instituição da gratuidade no vestibular não aos nove mil beneficiados por sorteio pela UFPA, nem sequer aos 56 mil candidatos – do total de 65 mil inscritos no atual vestibular – provenientes de escolas públicas, mas a todos os candidatos de todas as escolas superiores públicas do país. Essa conseqüência só poderia ser acatada se o governo federal tomasse uma decisão: destinasse recursos específicos para financiar vestibular gratuito, com a agravante de precisar enfrentar não a demanda presente ou previsível pelos padrões até agora observados, mas um afluxo multiplicado. Natural: o vestibular não oneraria mais os candidatos.
Esse pode ser um objetivo legítimo e até viável, mas tem que ser analisado abertamente, com as cartas na mesa. Chegar a ele por via oblíqua (e, pior do que isso, melíflua) pode acarretar mais problemas às universidades públicas, agravando seus dilemas. Até que se prove o contrário, a receita do vestibular não cobre seus custos, que, na maior universidade em alunos matriculados do Brasil, como é a UFPA, com campi espalhados por 20 municípios, no segundo mais extenso Estado do país, equivalem aos orçamentos de custeio de todos os centros de ensino reunidos.
Sem recursos específicos e satisfatórios, a gratuidade generalizada no vestibular, a pretexto de beneficiar o aluno que tenta ingressar na universidade, vai prejudicar aquele que passou no teste de admissão. Se tirar da frente do aluno pobre, oriundo de escolas públicas, a barreira da taxa de vestibular, pode se tornar um instrumento de equalização da educação superior, abrindo portas aos normalmente excluídos, certamente um efeito muito mais positivo do que esse seria obtido com investimentos na melhoria das etapas anteriores da competição, os ensinos básico e médio.
Do contrário, se eventualmente houver correção de injustiças no gargalo do ensino superior, isso poderá ser efeito mais do nivelamento por baixo (ou do alargamento das margens de seleção pela qualidade) do que por esse iluminismo retardado – e anticultural – típico de quem raciocina por espasmos e impulsos volitivos de caprichos e veleidades.
É o caso da mal disfarçada e mal intencionada campanha de O Liberal. Concebida para destruir o reitor, está, na verdade, prejudicando a Universidade Federal do Pará. Se não parar, já está na hora de a comunidade universitária pará-la. Não pelo mesmo método, exercido em razão da força, mas com seu antídoto: a força da razão. Para a qual a ‘casa’ não tem antídotos.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)