Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A morte não usa calcinha

Confesso que não tinha ainda visto o Popular, alojado no site do Terra. Sem entrar no mérito de sua receita editorial, o fato é que ele lembra um pouco o Notícias Populares, polêmico jornal paulistano fundado pelo jornalista rumeno Jean Mellé e batizado pelos profissionais de imprensa da época como ‘espreme que sai sangue’.

O NP ficou famoso por suas manchetes sensacionalistas, mas extremamente criativas e, por isso mesmo, tornou-se um campeão de vendas em bancas. Nessa época, eu era repórter e crítico de música popular do Jornal da Tarde e me divertia com os títulos do NP. Eram violentos, mordazes e retumbantes, mas tinham sempre uma pitada de verdade.

Papel carbono

Lembro-me de um dos festivais de música da Record, em que o cantor e compositor Sérgio Ricardo, indignado por receber vaias pela sua música Beto bom de bola, mandou todo mundo para aquele lugar e quebrou seu violão. Dia seguinte, lá estava a maldosa, mas criativa e verdadeira manchete do NP: ‘Violada em pleno auditório’.

Em 1968, Roberto Carlos sumiu da TV Record, onde apresentava o Jovem Guarda. O diretor da emissora, Paulinho Machado de Carvalho, informou a um repórter do NP que não sabia onde estava o Rei. Quando o caso foi levado a Mellé, ele soltou a manchete: ‘Desapareceu Roberto Carlos’. À tarde, centenas de tietes cercaram a redação do NP em busca de notícias sobre seu ídolo. Revoltado, o diretor da Record exigia um desmentido, mas Mellé apenas manchetou: ‘Acharam Roberto Carlos’. Por conta do episódio, o jornal vendeu quase 20 mil exemplares a mais e Mellé manteve sua fama de mau.

Lendo histórias do gênero chego à conclusão de que hoje o jornalismo esfriou. Com raríssimas exceções, como a série de reportagens ‘Os meninos da luz vermelha’, de Marcos Fernandes e Fernando Vieira, que está sendo publicada pelo Diário do Comércio, pouco se vê de investigativo nem nossos periódicos – quase todos são papel carbono: o que sai em um sai em todos.

Viagem fascinante

A diferença entre o Estadão e a Folha, por exemplo, está na oferta comercial: leve um exemplar e ganhe um DVD ou compre o jornal e leve um CD do fulano de tal. Isso significa que ninguém está mais comprando o conteúdo, as matérias, os artigos, as análises.

Não é minha intenção ferir a respeitabilidade desses meios de comunicação tradicionais, mas, sim, imaginar que eles estão carentes de repórteres talentosos, como um Hamilton Ribeiro, Fernando Portela, Marcos Faerman, Dirceu Soares, Edison Brener, Moisés Rabinovici, Antônio Carlos Fon, Percival de Souza, Ricardo Kotscho, Valdir Sanches, Hamilton de Almeida e outros que marcaram seus nomes nos anos 60/70.

Para não me alongar mais porque sei que você, leitor, não gosta de muito blá-blá-blá, selecionei abaixo algumas das melhores manchetes do NP.

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A morte não usa calcinha

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Violada em pleno auditório

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Aumento de merda na poupança

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Bicha põe rosquinha no seguro

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Churrasco de vagina no rodízio do sexo

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Nasceu o diabo em São Paulo

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Zé do Caixão vai caçar bebê-diabo no Nordeste

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Kombi era motel na escolinha do sexo

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Mulher mais bonita do Brasil é homem

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Bela moça dá à luz um macaco

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Milene engravida na primeira bimbada

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Dono do gato vira tamborim

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Quebrou o ‘pau’ no Morumbi

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O penta que pariu

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Espírito de porco baixa em macumba

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Broxa torra pênis na tomada

Uma viagem pela fascinante história do NP está no livro Nada mais que a verdade, escrito pelos jornalistas Celso de Campos Júnior, Denis Moreira, Giancarlo Lepiani e Maik René Lima, lançado pela Carrenho Editorial [ver aqui o registro sobre o livro, e aqui o prefácio de Marcelo Coelho].

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Jornalista (http://reporternet.wordpress.com), São Paulo