RELIGIÕES
Charlatanismo tem programa na TV, 5/7/06
‘Numa primeira fase, igrejas neo-pentecostais atacavam o umbandismo,
inclusive com atos de vandalismo. Há uns dez anos, a Prefeitura do Rio de
Janeiro chegou a pedir proteção policial para os centros de Umbanda, porque, de
vez em quando, apareciam valentões que, em nome de Deus, chutavam vasilhas,
galinhas pretas e tudo mais que encontravam.
Depois a Igreja Universal passou a usar uma tática mais inteligente: a de
incorporar práticas da Umbanda como forma de conquistar crentes. O ‘Dia do
Descarrêgo’ passou a fazer parte do calendário semanal de seus templos e também
das recomendações feitas em programas de TV pelos pastores-âncoras.
Num desses programas – Ponto de Luz – seu animador, sem nenhum pudor, comete
crime previsto pelo Código Penal, o charlatanismo ou prática ilegal da medicina,
ao apontar a ‘depressão’ como causa dos problemas em relações com outras
pessoas, e indicar o ‘descarrêgo’ como a ‘cura’ mais adequada.
Nenhum Conselho Regional de Medicina até agora se mexeu. E o Conselho de
Comunicação Social, coitado, continua a não cumprir a missão para o qual foi
criado. Nem sequer deu uma olhadinha na enorme – e politicamente incorreta –
lista (recentemente divulgada pela Folha) das novas concessões de rádio e
TV.
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O manda-chuva por trás da derrota
A imprensa refletiu a ira popular e apontou o dedo para muitos responsáveis
pelo desastre da seleção: Parreira, Zagalo, Roberto Carlos, Ronaldinho Gaúcho,
Adriano, Cafu e outros.
Mas nos esquecemos de apontar o ditador da CBF, Ricardo Teixeira, seu esquema
de poder ditatorial e a ditadura militar que pariu esse esquema, em nome do
‘equilíbrio federativo’.
Para os mais jovens quero lembrar que, lá atrás, os grandes clubes comandavam
a estrutura administrativa do esporte, com um sistema de mérito, simples e
interessante: mandava nas federações e confederações quem organizava as melhores
equipes e ganhava títulos.
A ditadura inventou um outro. Qualquer clube filiado, mesmo sendo da 15ª
Divisão, passou a ter direito a voto na federação estadual, e cada federação,
mesmo com um só clube e um atleta, tem direito a voto na Confederação. Assim, as
federações de Amapá, Rondônia, Tocantins ou outros estados com menor atividade
esportiva têm o mesmo peso na direção das entidades nacionais do que São Paulo,
Rio, Minas e outros grandes estados.
A reeleição eterna só é quebrada por acidente ou excesso de besteira, porque
a manutenção do poder é simples. Um simples exemplo: o presidente da
Confederação Brasileira de Basquete, num campeonato mundial, levou 18 pessoas
para competir e 22 para se divertir – 11 presidentes de federações estaduais e
suas respectivas madames, nem sempre de papel passado.
Ricardo Teixeira herdou a CBF do sogro, Jean Marie Havelange, que só largou o
bife para pegar um maior, a Fifa. Ele é quem controla tudo na seleção, inclusive
os contratos com a Nike e outros patrocinadores, a escolha dos dóceis Parreira e
Zagalo como técnicos e, muito possivelmente, a escalação do time. É hoje muitas
vezes milionário e invejado por todos os outros presidentes de Confederações –
imaginem como sonham com o seu exemplo os homens que controlam o ping-pong, a
bola de gude e outros esportes menos agraciados pelo interesse de torcidas,
agências de publicidade e empresas (da mesma forma como qualquer deputado do
baixo clero sonha em chegar um dia a ser Severino ou Jefferson).
No próximo dia 9 de agosto, Teixeira vai ter de explicar à Justiça por que
entregou à agência de viagens Planeta Brasil o monopólio da venda da quota de
ingressos enviados à CBF pela Fifa. A agência condicionou a venda de cada
ingresso à compra de todo um pacote turístico de 29 dias por preço muito
superior ao oferecido por outras agências. Valeu o esforço de dois torcedores,
colocando sob a lupa da Justiça um dos muitos negócios estranhos da CBF, que
provavelmente explicam a teimosia de Parreira em escalar Ronaldo-Adriano, Cafu e
Roberto Carlos, bem como a insistência em deixar no banco Juninho Pernambucano
(penta-campeão francês e certamente o ‘maestro’ que tanta falta fez na decisão),
Robinho e Cicinho.
(*) Milton Coelho da Graça, 75, jornalista desde 1959. Foi editor-chefe de O
Globo e outros jornais (inclusive os clandestinos Notícias Censuradas e
Resistência), das revistasRealidade, IstoÉ, 4 Rodas, Placar, Intervalo e deste
Comunique-se.’
COPA 2006
Balanço geral da Copa, 4/7/06
‘Olá, amigos. Esta coluna é dedicada à análise das transmissões da Copa do
Mundo pelas TVs brasileiras. Separei a análise por programas das emissoras.
TV GLOBO
Como a Copa permeou todos os seus programas, incluindo os de entretenimento,
a cobertura foi ampla e praticamente sem furos. Não vou discutir se a
exclusividade é ou não justa. Estamos em uma economia de mercado, em que tudo
tem o seu preço, inclusive os direitos de transmissão da Copa do Mundo. Quem
topa pagar pela exclusividade leva. Foi o caso.
A transmissão seguiu o molde da Copa de 2002, e o destaque, novamente, foi a
participação segura e muito eficiente de Fátima Bernardes. Glenda Kozlowski
esteve muito bem também, assim como os repórteres escalados para o evento. Como
nas Copas anteriores, a Globo enviou o que tinha de melhor no jornalismo, e fez
uma cobertura impecável, pois quem estava lá, sem exceção, era craque.
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SPORTV
Redação SporTV – Um dos melhores programas de todos. Capitaneado pelo craque
Luis Roberto, o programa traz, a exemplo do que faz no Brasil, manchetes de
jornais e cadernos esportivos. O legal é vermos os jornais estrangeiros, e o seu
enfoque, o que torna o horário extremamente ilustrativo para quem se interessa
em conhecer a visão de outros países sobre o futebol.
Papo de Copa – Um excelente programa do SporTV, com Armando Nogueira, Milton
Leite e Luis Roberto. Um bom bate-papo com quem sempre teve o que falar. Boas
idéias, como a leitura e análise de jornais, as bolas (furada, pequena, média e
cheia)… enfim, um programa saboroso para o fim de noite.
Seleção SporTV – Já abordado pela coluna anteriormente, foi um programa
liderado com extrema competência pelo Maurício Noriega, e com convidados
interessantes, como técnicos, jogadores e a auxiliar Ana Paula Oliveira, que foi
bem quando comentou sobre arbitragem, mas escorregou algumas vezes quando
analisou a tática dos times.
A cobertura do SporTV teve poucos pontos fracos:
1) A presença de apenas um repórter próprio na Alemanha. A meu ver, o
aproveitamento de matérias da TV Globo no canal não foi a melhor alternativa, já
que o foco e a linguagem da TV Globo são a TV aberta. Os repórteres falam para o
grande público. Já o SporTV tem uma audiência mais específica. Gostaria de saber
mais sobre as outras seleções, ter mais notícias do que teve.
2) O ponto anterior levou à superexposição dos comentaristas, que, por vezes,
se tornavam repetitivos e sem mais o que abordar. A reportagem é sempre uma boa
válvula de escape para o modelo de comentários contínuos, que se torna cansativo
para o telespectador, e de certa forma satura a imagem dos analistas.
ESPN Brasil
A ESPN Brasil acertou em levar para a Alemanha uma boa equipe de reportagem,
e não só de analistas. Teve programas interessantes, como o ‘Loucos por Copa’, o
bom debate ‘Linha de passe’ e repórteres da emissora exclusivamente dedicados à
Copa do Mundo, viajando por todas as sedes e trazendo informações das principais
seleções. Pessoalmente, não gosto do estilo das matérias feita pelo Marcelo
Duarte, com curiosidades locais, mas acho que a cobertura necessita deste tipo
de pauta, que leva um pouco de cultura geral aos telespectadores.
A BandSports fez uma cobertura mais conservadora, apostando nos convidados
dos debates. Achei que houve uma discrepância entre o nível de comentários de
Dunga e Müller. O primeiro mostrou mais desenvoltura e personalidade ao
comentar. O ex-atacante parecia pouco à vontade para discordar da opinião geral.
Sou um fã de Luciano do Valle como narrador, e, mesmo com a perda daquela
agilidade que o destacava há alguns anos, o narrador segue tendo a voz mais
marcante da narração esportiva da TV brasileira, ao lado de Galvão Bueno.
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Um ponto negativo e pontual do Redação SporTV foi a participação, na última
quarta-feira, do jornalista Paulo Santana, da Rádio Gaúcha. Com uma visão
totalmente provinciana, o radialista teceu um longo discurso de como Parreira
pode ‘tolher o destino de Ronaldinho Gaúcho, prendendo-lhe às correntes e
grilhões do meio campo’. Em outro momento, Santana perguntou ‘até quando ter
paciência com um técnico que impede que um gênio como Ronaldinho Gaúcho siga o
seu caminho de glória e seja impedido de fazer gols e de jogar no ataque?’
Nada contra o radialista, mas estamos na Copa do Mundo ou na Copa do
Ronaldinho Gaúcho? O provincianismo mostrado pelo radialista me impressionou.
Não o conhecia, nem tenho subsídios para avaliar o seu trabalho, que acredito
ter sucesso, caso contrário ele não estaria na Copa do Mundo, mas os seus
comentários foram extremamente infelizes. Não por serem contra Parreira, mas por
denotarem uma visão muito limitada, focada em um pretenso prejuízo ao
ex-gremista, que eu duvido que tenha acontecido.
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Engraçado como as coisas são… antes de perdermos, Cafu era cantado em verso
e prosa como um líder respeitado por todos, e até um fato foi narrado pela nossa
imprensa (não me lembro por quem). Cafu teria pedido a Roberto Carlos que
cruzasse para Fred com o mesmo capricho com que cruzava para Ronaldo e Adriano
nos treinamentos.
Por isso defendo a importância da análise global, sem que nos deixemos
influenciar pelo momento ou por um fato isolado. Hoje, após a derrota, Cafu é
pintado como um egoísta que só pensava nos seus recordes pessoais, e como um
jogador limitado que estava na seleção pelo peso que tem na história do futebol
brasileiro.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra…
(*) Jornalista esportivo, trabalha com internet desde 1995, quando participou
da fundação de alguns dos primeiros sites esportivos do Brasil, criando a
cobertura ao vivo online de jogos de futebol. Foi fundador e chegou a
editor-chefe do Lancenet e editor-assistente de esportes da Globo.com.’
JORNAL DA IMPRENÇA
Deus contra Deus, 6/7/06
‘Vacinado, desde menino, contra todas as religiões, cultos ou seitas,
Janistraquis lamentou esta notícia que saiu na Folha de S. Paulo:
Ex-fiéis vão à Justiça pedir indenização de igrejas
Ações cobram recompensas por promessas que não foram cumpridas.
Pastor disse que, se tivesse fé, homem não cairia do telhado do templo que
consertaria; caiu e sofreu politraumatismo.
Meu secretário suspirou:
‘Considerado, eis um crime verdadeiramente hediondo, porque não existe nada
mais perverso neste mundo do que explorar a ingenuidade das pessoas.’
É verdade. E guardadas as devidas proporções, assim também agiu a passiva
Seleção de Parreira nesta Copa em que os jogadores reviram os olhos para o céu a
todo instante e fazem o sinal da cruz a cada lance ganho ou perdido.
Restou a lição, pois no campo de jogo, onde a luta parece incitar Deus contra
Deus, não existe outro caminho: ou defende-se a cidadela com a fúria de um
Felipão ou ataca-se o adversário de forma implacável, como Saladino às portas de
Jerusalém.
Leia no Blogstraquis a íntegra da matéria da Folha.
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Penitenciária modelo
Deu na Folha de S. Paulo e em vários jornais, revistas, rádios e TVs:
PM acha serra e droga na prisão de Marcola
Material foi encontrado, pela 1ª vez, na penitenciária de segurança máxima de
Presidente Bernardes, considerada modelo
Vistoria foi feita por agentes e pela tropa de choque após tumulto organizado
por detentos que destruiu parte das instalações da unidade
Janistraquis não se abalou:
‘Ora, considerado, num país de m… como o nosso, é natural que uma ‘prisão
de segurança máxima’ se transforme nessa esculhambação. Quem se iludiu com a
propaganda não conhece o Brasil.’
É mesmo. Aliás, é difícil entender por que cadeia não é conhecida como
cadeia, mas ‘casa de correção’, ‘casa de custódia’, ‘casa de passagem’ e outros
eufemismos cretinos. O colunista acha que tudo isso deveria se chamar logo ‘casa
de mãe joana’. É mais apropriado e verdadeiro.
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Coisa de craque
O considerado Miguel Mota, da Vila Formosa, em São Paulo, leu no site do
UOL:
Já o primeiro gol mostrou que Ronaldo evoluiu muito em sua forma e ritmo de
jogo. Lançado na corrida por Kaká aos 5min, o Fenômeno teve a calma e habilidade
para dribrar o goleiro Kingson com uma pedalada e tocar para o gol antes da
chegada de Pantsil.
Miguel, que nas peladas da infância batia com as duas e brincava nas onze,
quedou-se perplexo:
Caro Janistraquis, então qual é a grafia correta???
Meu secretário, um pouco mais velho do que o nosso Cafu, porém muito mais
íntimo dos desconfiômetros desta vida, pensou, pensou e cruzou na área:
‘Bom, no meu tempo era drible, mas depois da Copa de 70 o professor Rivellino
nos ensinou que dibre é a palavra certa; e, desde então, outros vocábulos
horrendos apareceram, entre os quais dibra, assim mesmo, no feminino – a
dibra.
Então, para driblar a logomaquia e evitar inimizades, talvez seja melhor a
gente deixar pra lá e chamar de finta…’.
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Secaram
O considerado Julio Caldas Alves de Brito, que mora em Petrópolis e lá de
cima pode observar melhor a difícil vida da imprensa, flagrou mais uma daquelas
moscas que sobrevoam a editoria de esportes de O Globo. Na página 8 do caderno
da Copa, de sábado, 1º de julho, lia-se que a França leva vantagem sobre o
Brasil em Mundiais, com este estrábico ‘olhinho’:
Na final de 2002, Zidane marcou dois gols.
Julio, que na final de 2002 comemorou a vitória brasileira sobre a Alemanha,
acompanhado de todo o país (2 a 0, gols do então magro Ronaldo Fenômeno), pensou
como Janistraquis:
‘O objetivo da matéria de O Globo foi secar o já estorricado Parreira e seu
time de ursinhos carinhosos…’
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Algumas contas
Depois de analisar cuidadosamente as últimas pesquisas de opinião, o
considerado leitor Hermes Bastos, de São Paulo, ‘velho lobo de tantas sujeiras
eleitorais’, como se autodenomina, aventurou-se nalgumas contas:
O que chama a atenção é isto: o horário político ainda não começou e Geraldo
Alckmin já subiu nas pesquisas, mesmo sem inaugurar obras inexistentes, sem
inundar a mídia com propaganda oficial e sem dar ou prometer aumento a ninguém.
Se a gente recordar que Lula sempre foi ruim de voto e precisou de quatro
tentativas para chegar lá, talvez a vaca do PT acompanhe a da Seleção no caminho
até o brejo.
Pode ser. Atente-se que a reeleição é dada como líquida e certa
(principalmente líquida), do mesmo modo como eram contadas as favas do hexa.
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Astier Basílio
Leia no Blogstraquis a íntegra do epigrafado poema do jovem Astier Basílio.
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Muito doido
Deu na Folha de S. Paulo:
Sonhando com a Copa, chinês chuta parede e quebra dedo do pé
Um torcedor chinês fanático por futebol quebrou o dedo do pé direito ao
chutar uma parede enquanto dormia e sonhava que o que ele estava golpeando era
uma bola e que ele estava prestes a marcar um gol pela seleção italiana,
informou nesta sexta-feira o jornal ‘China Daily’.
O fanático, identificado apenas como Li, é da Província de Shandong. Ele
contou ao jornal que assistiu a todos os jogos desde o início da Copa do
Mundo-2006 e que, quando está acordado, costuma imitar os movimentos de seus
jogadores favoritos.
Janistraquis tem certeza de que Del Piero é um dos jogadores favoritos do
desventurado Li; o outro se chama Roberto Carlos.
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Quem manteu?!?!
Janistraquis desabafou, depois de escutar tantas leréias e parolas nas
transmissões dos jogos:
‘Considerado, o Casagrande entende de futebol (entende mais do que jogou); é
um cara inteligente e simpático, com aquele eterno jeitão de garoto que cresceu
demais. É uma pena que, já passado dos quarenta, ainda não tenha sido
apresentado ao futuro do subjuntivo do verbo manter. Essa história de que se
Parreira manter fulano é de doer, né não?’
Concordo. Principalmente porque Parreira manteve os velhos amigos e o time
entrou pelo cano.
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Subúrbio
O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no Planalto, de
cujo varandão debruçado sobre a venalidade geral é possível assistir aos ensaios
do presidente da República na cruzada pela reeleição, pois Roldão lia o Correio
Braziliense quando flagrou tremendo tropeço na toponímia carioca:
Rio de Janeiro – Uma guerra entre traficantes do Morro do Querosene e São
Carlos, que já dura quase uma semana, deixou pelo menos 10 mortos nas últimas 48
horas e provocou um clima de pânico e terror nos moradores da região do
Salgueiro, no subúrbio do Rio de Janeiro.
Roldão, que nasceu em Niterói mas conhece muito bem o outro lado da Baía de
Guanabara, escreveu ao jornal:
O morro do Salgueiro fica na Tijuca, zona norte do Rio, mas a Tijuca está
muito longe de ser considerada subúrbio.
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Vencer e lutar
Incansável como Zidane naquela partida, Janistraquis devorou todo o
noticiário esportivo, digeriu todas as entrevistas, até as indesculpáveis, e
chegou à seguinte conclusão:
‘A Seleção Brasileira estava preparada para ganhar a Copa; não estava
preparada para disputar a Copa.’
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Mudar o time
Frase filosoficamente profunda do presidente ao anunciar o repeteco de José
Alencar como seu vice:
‘Não se muda time que tá ganhando’.
Janistraquis matou no peito e mandou lá onde a coruja dorme:
‘Considerado, o presidente e Parreira pensam do mesmo jeito; então, convém
esperar pelo pior…’
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Nota dez
O considerado Mestre Deonísio da Silva escreveu no Observatório da
Imprensa:
(…) Faz tempo que o Estado abandonou a escola. As elites refugiaram seus
filhos no ensino privado. A decadência do ensino médio não precisa de
estatística. Era ali que antigamente era ensinada a língua portuguesa. Foi ali
que deram os primeiros passos na palavra escrita os brasileiros que, cultivando
a norma culta, brilharam na literatura, na diplomacia, no serviço público, na
ciência, na tecnologia etc.
Ou será que alguém acredita que a modalidade da língua portuguesa utilizada
em torpedos nos celulares e nas conversas virtuais da internet é recurso
suficiente para elaborar um parágrafo semelhante àqueles que admiramos na obra
de escritores de nossa preferência, que levaram os recursos de expressão escrita
às fronteiras das possibilidades da língua portuguesa?
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Errei, sim!
‘ETERNO LUAU – Deu no Correio Braziliense: Clinton adota sanções contra
havaianos ricos. A matéria começava assim – ‘O presidente norte-americano Bill
Clinton adotou novas sanções financeiras contra os haitianos ricos (…)’.
Janistraquis, que tem riquíssimos amigos no Havaí, levando a vida num eterno
luau, exclamou: ‘Que susto, considerado!!!’ (outubro de 1994)
Colaborem com a coluna, que é atualizada às quintas-feiras: Caixa Postal 067
– CEP 12530-970, Cunha (SP) ou moacir.japiassu@bol.com.br).
(*) Paraibano, 64 anos de idade e 44 de profissão, é jornalista, escritor e
torcedor do Vasco. Trabalhou no Correio de Minas, Última Hora, Jornal do Brasil,
Pais&Filhos, Jornal da Tarde, Istoé, Veja, Placar, Elle. E foi editor-chefe
do Fantástico. Criou os prêmios Líbero Badaró e Claudio Abramo. Também escreveu
oito livros, dos quais três romances.’
ONLINE
A vez do Washingtonpost.com, 4/7/06
‘Na última semana falei sobre os 10 anos da revista virtual Slate. Quem
também faz aniversário e completa 10 anos de vida é o Washingtonpost.com, edição
online do jornal americano The Washington Post. Diferente da Slate, o
Washingtonpost.com veio de uma publicação impressa, ou seja, não foi ‘germinado’
no meio online, e, apesar do jeitão ‘vovô’ (o jornal teve sua primeira edição
publicada em 1877), é um dos jornais tradicionais mais conhecidos no mundo
inteiro e se mostra cada vez mais lúcido e de bem com o meio online.
Carinhosamente chamado de WaPo – forma curta de WashingtonPost, o jornal tem
como última cartada no meio online, no que diz respeito a essa nova relação
emissor-receptor (que reconhecen o leitor como peça importante no
desenvolvimento da informação construída), o ‘Who’s Blogging?’ (‘Quem está
Blogando?’), uma parceria com o Technorati – site de busca de mensagens em
weblogs. Essa parceria funciona através de um box que exibe blogs que escrevem e
apontam para matérias publicadas no WaPo. Mais que um atrativo, é o
reconhecimento por parte da blogosfera de um diário online bastante lido.
Assim como a revista virtual Slate, o WaPo publicou uma série de artigos
comemorativos sobre seus 10 anos. Artigos estes que resgatam a evolução do meio
jornalístico online e relatam a história do jornal no âmbito virtual. Aos que
tiverem interesse em ler os artigos (em inglês), o primeiro, ‘As the Internet
Grows Up, the News Industry Is Forever Changer’, escrito por Patricia Sullivan,
redatora do jornal, fala sobre as mudanças na indústria da notícia causadas pelo
desenvolvimento da Internet. O segundo, ‘Web Users Open the Gates’, de autoria
do escritor e crítico de imprensa Jay Rosen, aborda a relação entre leitores e
provedores de notícias. E o terceiro, ‘Web Site Starts From a Memo, Gains
Millions of Readers’, escrito por Steve Fox, também redator do jornal, conta –
de uma forma um tanto quanto emocionante para quem aprecia o meio online – o
momento em que Bob Kaiser, então gerente editorial do WaPo, teve a idéia – em
1992 e em pleno vôo Primeira Classe de Washington para Tóquio – de criar uma
edição eletrônica do jornal.
Como dizem, quem corre na frente tem grandes chances de chegar em primeiro.
Mas, mais que isso, o jornal tem procurado conhecer bem o ‘novo’ terreno em que
pisa. Mais uma palhinha de porque eu considero o WaPo um veículo lúcido: só no
último mês de junho, o jornal começou a incentivar reportagens multimídia,
sugerindo a seus repórteres levar câmeras de vídeo digitais objetivando
conseguir material adicional para a edição online; apostou em sistemas de
comentários, buscando envolvimento maior com o leitor; e criou em conjunto com a
Newsweek o PostGlobal, um blog coletivo que aborda questões de teor global e é
escrito com a participação de jornalistas independentes de todo o mundo. Só no
último mês.
Se eu tivesse que resumir o WaPo em poucas palavras, diria que é um jornal
sólido das antigas, vindo de um conglomerado de mídia, mas que tem se mostrado
um dos principais colaboradores para a evolução do meio online. Um jornal que
percebe e que está sempre preocupado em experimentar. Até a próxima!
(*) Trabalha com conteúdo online desde 1996 e já passou por empresas de
renome na Internet. Foi editor do AQUI!, extinta revista virtual do Cadê?,
editor do canal Digital do portal StarMedia e coordenador de operações do Prêmio
iBest. Realizou seminários e ministrou diversas palestras sobre jornalismo
digital. Em fevereiro de 2000, criou o site Jornalistas da Web(JW), primeira
publicação virtual brasileira sobre jornalismo online e cibercultura. Em 2005,
criou e implantou a Biblioteca de Comunicação Digital e Cibercultura (BCCD) no
campus 3 das Faculdades Integradas Hélio Alonso – FACHA, no Rio de Janeiro.
Atualmente, Cavalcanti é pesquisador de mídias digitais e editor de conteúdo do
JW.’
REMODELAÇÃO
DT muda linha editorial e reduz equipe, 5/7/06
‘Aos 75 anos de idade, completados em fevereiro, o Diário da Tarde, do
condomínio dos Diários Associados, acaba de passar por uma reforma radical, que
envolveu demissões, mudanças no projeto gráfico e editorial, reposicionamento de
mercado e o ingresso na era da sinergia.
A estréia do novo visual deu-se nesta última segunda-feira (3/7). O jornal
troca as faixas A/B do público para buscar os leitores das classes C/D,
deixando, assim, de concorrer com o Estado de Minas. Não concorrerá, também, com
o Aqui, que é focado nas camadas de menor poder aquisitivo. Ao reposicionar o
Diário da Tarde, os Associados passam a deter três diários, cada um deles
dirigido a camadas específicas de leitores.
Foi uma mudança que mexeu também, e muito, com a equipe. A empresa decidiu
atuar com um grupo bem mais enxuto e valer-se, para cobrir as lacunas que
surgiriam com os cortes, do processo de sinergia, ou seja, aproveitando o
conteúdo gerado por suas equipes para os três jornais, independente da origem do
repórter. Cada matéria será usada (ou não) pelos três jornais, com tratamentos e
enfoques diferenciados, buscando aquela faixa de público.
Foram dispensados 25 profissionais, 20 deles do Diário da Tarde e cinco do
Estado de Minas. Imediatamente, a empresa implantou o processo de sinergia,
escalando para a missão os editores Liliane Correia, Ronei Garcia e Paulo
Nogueira, todos oriundos do Estado de Minas.
No caso do Diário da Tarde, vale ainda ressaltar que o jornal passou a
circular em dois formatos: standard para o Primeiro Caderno e Caderno 2; e
tablóide para Esporte e Classificados. A cobertura editorial vai valorizar o
cotidiano da Grande Belo Horizonte, com assuntos como saúde, educação, direito,
lazer, emprego e cultura. O projeto gráfico pretende facilitar a leitura e
destacar as fotos. Entre os que deixaram a empresa estão Roberto Neri (Esporte),
Ricardo Plotek e Gláucia Maria (Polícia), Cristian Catão (Caderno 2) e Neuber
Soares e Otávio Toledo (Cidades).
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Piauí – o Brasil que ninguém conhece
Como nem tudo são notícias ruins, para compensar o corte do Diário da Tarde,
em Minas, vamos ter, daqui a algumas semanas, uma revista de fôlego e ambiciosa,
sendo lançada, com importantes investimentos. É a revista Piauí, que será
produzida no eixo Rio-São Paulo. O título foi escolhido a partir de uma pesquisa
para o mote do conteúdo pretendido para a publicação: ‘o Brasil que ninguém
conhece’.
A intenção é mostrar uma face do País que não aparece nos meios de
comunicação mais convencionais. João Moreira Salles é o publisher da revista e
Ênio Vergeiro dirigirá a área comercial. A redação já funciona, para produção
dos pilotos, na Rua do Russel, no Rio de Janeiro, e conta com Mário Sérgio
Conti, diretor, Dorrit Harazim e Marcos Sá Corrêa, editores, e uma colaboração,
apenas na fase inicial, de Xico Vargas (editor do site No Mínimo). O paulistano
Raul Loureiro assina o projeto gráfico. Ele trabalhou sete anos no departamento
gráfico do MoMa, em Nova York, criou padrões para a Companhia das Letras e foi
diretor de Arte da editora Cosac Naify, trajetória que lhe valeu diversos
prêmios. Durante a Flip – Feira Literária de Paraty, no início de agosto, a
revista patrocinará as mesas da série Profissão Repórter e uma oficina de textos
jornalísticos, coordenada por Sílvio Ferraz.
De um modo geral, com nomes desse naipe, o projeto não é nenhuma aventura.
Conti, Dorrit e Marcos Sá Corrêa, por exemplo, têm carreiras reconhecidíssimas e
não emprestariam o prestígio que têm na atividade se essa não fosse uma revista
séria. Fala-se que seria uma Realidade, mas dos tempos modernos, ou seja,
fazendo grandes e inéditas reportagens, mas dentro dos conceitos do jornalismo
contemporâneo.
Para nós, jornalistas, um projeto dessa natureza é sempre um alento. Resta
saber se terá efetivamente fôlego para seguir em frente, sem tombar pelo caminho
como tem acontecido com a grande maioria dos lançamentos efetivados ao longo da
história.’
O XIS DA QUESTÃO
O dever de pensar e fazer pensar, 7/7/06
‘O XIS DA QUESTÃO – O jornalismo de elucidação, que as edições dominicais dos
nossos principais diários já fazem, bem que poderia transbordar para o
dia-a-dia, com uma estratégia de pauta comandada por núcleos pensantes que
deveriam existir, mas que os organogramas das redações ainda não contemplam. A
globalização que divide os seres humanos em ‘vencedores’ e ‘perdedores’, por
exemplo, sugere discussões inadiáveis.
1. Domingo de leitura
A eliminação da seleção brasileira trouxe-me pelo menos uma vantagem:
descobri que os jornais ficaram melhores. Com menos futebol, crescem e brilham
outros assuntos, daqueles que ajudam a mente a se exercitar.
Por sorte, a eliminação do Brasil deu-se num sábado. Assim, desconectado da
Alemanha, sem foguetórios nem batucadas por perto, e bem acomodado na ‘cadeira
do papai’ que há anos ocupa espaço nobre no escritório, pude dedicar, no dia
seguinte, quatro horas seguidas à leitura das edições dominicais dos dois
grandes diários paulistas – a Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo.
Depois desse mergulho em notícias, reportagens, artigos e entrevistas,
arrisco-me a garantir: os jornais não andam tão ruins quanto eu próprio até há
pouco tempo achava. Pelo menos, nos dois citados, li, domingo passado, ótimas
matérias sobre questões da maior relevância.
Cito, como exemplo, a ótima entrevista com o pensador e filósofo argentino
Nestor Garcia Canclini, professor da Universidade Autônoma Metropolitana, do
México. Canclini é um dos mais lúcidos estudiosos do fenômeno da globalização e
um profundo conhecedor das questões latino-americanas. A matéria, motivada pelas
eleições presidenciais mexicanas, saiu no caderno ‘Aliás’, do Estadão, com
autoria atribuída a Laura Greenhalgh.
Três recortes, colocados em destaque com função de antetítulo, ativam as
expectativas:
Sobre a diáspora mexicana: ‘Ela só pode ser reduzida se houver um projeto de
desenvolvimento para o país.’
Sobre monopólio televisivo: ‘A Televisa e a Televisión Azteca receberam tudo
de graça. Nem nos Estados Unidos houve isso.’
Sobre futebol e globalização, para pensar: ‘O futebol ficou transnacional.
Mas Ronaldinho é um craque do Brasil ou do Barca?’
Na verdade, a entrevista vai bem além do que essas frases sugerem. Veja-se
este trecho, sobre globalização:
‘Em grande parte, o processo de globalização acabou assimilando o caráter
neoliberal. Perdeu-se aquele projeto original de modernidade, que buscava,
através a integração, levar bem-estar, educação e conhecimento para amplos
setores. Parece que o mundo se contentou com um processo globalizador que
beneficia 20% da população.’
2. Fronteiras da ignomínia
Ao ler as edições de domingo passado me lembrei de um texto de Umberto Eco,
sobre a imprensa diária italiana. Está num livrinho pequeno, que hoje procurei
em vão na balbúrdia em que se está a minha biblioteca, e no qual se reproduzem
cinco palestras do famoso pensador italiano, uma delas feita no Senado da
Itália, para diretores de redação dos principais diários daquele país.
Eco desancou a imprensa diária italiana, que se deixa pautar pela televisão,
para a qual os políticos, devidamente treinados, falam diária e
prioritariamente. Sugeria ele, nesse texto, que o rumo da imprensa diária teria
de ser aquilo a que chamava de ‘semanalização’ da mídia impressa diária. Ou
seja: uma imprensa com menos informação reproduzida da televisão, e mais
explicação, mais debate, mais questionamento, em cima das complexidade que a
emoção do noticiário diário esconde.
Esse jornalismo de elucidação que as edições dominicais dos nossos principais
diários já fazem, bem que poderia transbordar para o dia-a-dia, com uma
estratégia de pauta comandada por núcleos pensantes que os organogramas das
redações deveriam contemplar, mas que ainda não existem.
Com a ‘Entrevista da 2ª’, a Folha de S. Paulo nos dá, às segundas-feiras, uma
pequena e boa amostra do que poderia ser o jornalismo semanalizado das predições
de Umberto Eco. Esta semana, por exemplo, o jornal nos presenteia com a
entrevista feita pela repórter Cíntia Cardoso, com Matthew Bishop, editor de
economia da revista britânica The Economist, em Nova York. Conteúdo: os porquês
da onda de filantropia que anima os bilionários do mundo, cada vez mais
numerosos e mais ricos. No entendimento de Bishop, tão generosa filantropia faz
parte de um cenário de vertiginosa acumulação de riqueza pelos que no
capitalismo são chamados de ‘vencedores’. Nos Estados Unidos, diz ele, ‘há essa
cultura capitalista de ‘o vencedor leva tudo’. Mas, ao mesmo tempo, há um
contrato social tácito em que os vencedores da sociedade têm de ajudar os
perdedores’.
A análise de Bishop pouco ou nada tem de questionadora ou crítica. Mas, ainda
que na perspectiva das razões neoliberais, dá-nos um riquíssimo recheio de
argumentos e informações, que bem poderia alimentar uma discussão pública cada
vez mais urgente, sobre a questão da distribuição da riqueza e do bem-estar, ou
seja, da justiça social.
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No mundo, como no Brasil, a mais importante fronteira hoje existente é aquela
que divide as populações em pobres e ricas. Ou, como diria Bishop, a fronteira
que divide os seres humanos em ‘vencedores’ e ‘perdedores’.
No mínimo, isso devia incomodar quem têm a responsabilidade de pautar os
conteúdos jornalísticos.
(*) Carlos Chaparro é português naturalizado brasileiro e iniciou sua
carreira de jornalista em Lisboa. Chegou ao Brasil em 1961 e trabalhou como
repórter, editor e articulista em vários jornais e revistas de grande
circulação, entre eles Jornal do Commercio (Recife), Diário de Pernambuco,
Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, Diário Popular e revistas Visão e Mundo
Econômico. Ganhou quatro prêmios Esso. Também trabalhou com comunicação
empresarial e institucional. Em 1982, formou-se em Jornalismo pela Escola de
Comunicação de Artes, da USP. Também pela universidade ele concluiu o mestrado
em 1987, o doutorado em 1993 e a livre-docência em 1997. Como professor
associado, aposentou-se em 1991. É autor de três livros: ‘Pragmática do
Jornalismo’ (São Paulo, Summus, 1994), ‘Sotaques d’aquém e d’além-mar –
Percursos e gêneros do jornalismo português e brasileiro’ (Santarém, Portugal,
Jortejo, 1998) e ‘Linguagem dos Conflitos’ (Coimbra, Minerva Coimbra, 2001). O
jornalista participou de dois outros livros sobre jornalismo, além de vários
artigos (alguns deles sobre divulgação científica pelo jornalismo), difundidos
em revistas científicas, brasileiras e internacionais.’
PERIGOS DA PROFISSÃO
O PM atira. A bala quase acerta o repórter, 7/7/06
‘O cinegrafista se recuperava do susto esforçando-se para enquadrar, com zoom
máximo, o policial militar. Não menos aturdido, o repórter narrava a cena. Assim
que desligou a câmera, o cinegrafista explodiu de raiva e gritou para o
policial, que estava lá embaixo.
— Filho da p…! Olha para mim que vou gravar você, seu filho da p…!
O assistente de iluminação se virou para trás e viu o buraco da bala na
parede.
— Meu Deus! Olhem isso aqui.
A bala passou entre a cabeça do cinegrafista e do jornalista do extinto
telejornal Aqui Agora, do SBT. O tiro disparado às cegas pelo soldado foi
acidentalmente perfeito. Por menos de 20 centímetros, o repórter Gérson de Souza
estava vivo.
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População x Polícia
A população da pequena cidade de Pilar do Sul, no interior de São Paulo,
assistia a cenas de revolta e vandalismo em 1992. Numa discussão tola de
trânsito, um cabo e um soldado mataram a tiros um agricultor e feriram seu
filho. O crime provocou a ira da população, que cercou a base da Polícia Militar
com paus e pedras.
O ambiente era quase o de uma guerra civil. Com armas em mãos, a Polícia
Militar enfrentou a população, que reagiu incendiando viaturas. Casas foram
invadidas por soldados, pessoas foram agredidas em seus quintais e a situação
estava longe do controle.
Sem concorrência
O repórter Gérson de Souza tinha a missão de cobrir a algazarra. Pouco antes
de o tumulto começar, a equipe da TV Bandeirantes teve um problema técnico com a
câmera, que pifou. Eram dez da noite e o pessoal da TV Globo teve de correr para
Sorocaba, para gerar de lá a matéria para o Jornal da Globo. Gérson gostou de
perceber que estava sozinho.
Ali perto, a casa sobre a padaria, com a janela de um quarto virada para a
rua, parecia ter sido construída para ser o camarote daquelas cenas de
violência. ‘Conversei com o dono da casa e ele nos autorizou a subir e fazer
imagens da janela, no alto’. A posição não poderia ser mais perfeita.
O tiro
Nilton de Martins, o cinegrafista, se posicionou para mostrar, de um ângulo
perfeito, a imagem agora exclusiva do centro de Pilar do Sul. À direita,
policiais acuados. À esquerda, a população violentamente enlouquecida. Nilton se
agachou e apoiou a câmera no parapeito da janela. Gerson se agachou também,
posicionando-se ao seu lado, com o microfone empunhado.
Atrás deles, o assistente foi procurar uma tomada. Nilton começou a fazer
imagens aproveitando apenas a luz da rua. O assistente enfim achou uma tomada e
acendeu a luz, por cima da câmera. Um policial, lá na rua, disparou na direção
da janela. A bala passou precisamente por um vão em que uma pessoa
intencionalmente não conseguiria mirar. ‘Eu acho que o soldado se assustou. Ele
viu uma luz se acendendo e atirou sem saber que era uma equipe de
reportagem’.
A defesa do cinegrafista foi filmar, em close, o policial enquanto o
repórter, bem no estilo do Aqui Agora, narrava.
— Foi esse soldado quem atirou. Veja a imagem. Não era bala de festim, era
bala de verdade.
A um sinal do assistente, o cinegrafista se virou para trás e filmou a bala
encravada na parede.
— Olha aqui a bala. Não era de festim, era de verdade — Gérson encerrou a
narração.
Olha para mim
Feita a imagem com narração do repórter, o câmera se levantou, revoltado. E
xingou o policial que quase o matara. Gérson observava. ‘Não podia falar
palavrão porque estava narrando’.
Minutos depois, Gérson e Nilton, já em pé, constataram que, pela posição do
soldado e da marca do tiro na parede, a bala passara milagrosamente sem
acertá-los. A equipe, então, voltou à rua e virou a madrugada na cobertura de
crianças feridas, carros queimados.
Família
Era alta madrugada quando a confusão terminou e a equipe pôde parar para
tomar um café. No balanço do que tinha acontecido, caiu a ficha. ‘Não chega a
dar tremedeira, mas você pensa: ‘eu poderia ter morrido’. Gérson já era, àquela
altura, pai de cinco meninas. ‘Você pensa nos filhos, nessas horas, sim. Tenho
de pagar escola deles. É o sonho de todo pai.’
No outro dia, a matéria foi ao ar e ocupou todo o telejornal policial. Não
houve outra reportagem naquela edição do Aqui Agora, a não ser a crônica de Gil
Gomes. ‘Uma equipe de reportagem do próprio SBT foi escalada para entrevistar a
nossa equipe, que foi alvo da polícia’. Um Inquérito Policial Militar contra o
soldado que fez o disparo.
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Atualmente, Gérson de Souza circula pelo mundo com o Repórter Record. Antes
de minha recente visita à Record, achava aquele repórter, que algumas vezes
encontrei em coberturas policiais, um cara legal. Um daqueles sujeitos que fazem
amizade, sem esforço, com os colegas, com o porteiro, com a senhora que serve
café. Pensava que fosse uma pessoa simples, boa de prosa, que nunca conta
vantagem. Agora, tenho certeza. Fico impressionado também com sua capacidade
profissional de se adaptar à cobertura peculiar dos telejornais policiais e à
linguagem de um programa com cara de documentário, como o Repórter Record.
Nilton de Martins, o cinegrafista, é hoje secretário geral do Sindicato dos
Radialistas do Estado de São Paulo.
(*) É jornalista e atuou como videorrepórter de matérias de Cidades e
Especiais no Uol News, comandado por Paulo Henrique Amorim até o ano passado.
Trabalha com Internet desde 1997. Atuou em grandes projetos pioneiros em
jornalismo na Web, como sites da Zip.Net, e, mais recentemente, no UOL. Ministra
cursos de extensão há quatro anos e deu aulas em todos os estados brasileiros
para quase 2 mil jornalistas e estudantes de Jornalismo.’
IDENTIDADE NACIONAL
Jornalismo de guerra (do futebol), 6/7/06
‘‘Futebol é a continuação da guerra por outros meios. É uma mímica da
guerra’.
George Orwell (1903-1950)
A frase do escritor britânico, reproduzida em painel da exposição ‘Futebol
Pensado’, do Sesc Vila Mariana, em São Paulo, é a síntese da paixão extrafutebol
em uma Copa do Mundo. Fosse diferente, trocaríamos, de bom grado, uma estrela da
Copa de 94 pela glória da exibição da Seleção Brasileira de 82. Não o faríamos,
não ficaríamos com uma estrela a menos. Pois o que move os países é a vitória –
ou a supremacia, no caso das potências. Não o futebol.
O futebol é o de menos. O que faz do Brasil um país amado nesse terreno:
somos capazes de vencer e de dar espetáculo. Quando o comandante deixa. ‘Oh! Mas
isso prova que os outros países também querem ver bom futebol!’. Sim, desde que
derrotem a Seleção Brasileira.
Nasci em 1970, no mesmo dia em que Paul McCartney anunciou a dissolução dos
Beatles. Poucos meses depois, dizem meus pais, comemorei em um buzinaço – creio
eu, com ‘gugus’ e ‘dadás’- a conquista do Tri. Ao me conhecer por gente,
testemunhei um patriotismo quadrienal. O brasileiro só ama o Brasil na Copa do
Mundo. Nos três anos anteriores, fala mal do país. O tempo todo.
Houve, no entanto, uma exceção: a chamada ‘guerra da carne’ com o Canadá. Me
surpreendi. O povo brasileiro reagiu a uma ‘ameaça externa’, ainda que
comercial, com lances verborrágicos de lado a lado e de orgulho ferido pelo
bloqueio às nossas exportações.
Nesse brasileirismo de guerra, a mídia teve preponderância. Jornais,
revistas, websites, emissoras de rádio e televisão, sempre que se pôde
estimulou-se a identidade nacional frente ao que se considerou uma agressão, não
contra o Estado, mas à soberania nacional. O povo inflamou-se e boicotou os
produtos canadenses. Não por acaso, os que criticaram o surto patriótico
disseram que o assunto estava sendo tratado como se fosse uma Copa do Mundo.
Mais do que nunca, essa foi a exceção que confirmou a regra: no futebol,
somos um país em guerra, somos a superpotência, os imperialistas, os Estados
Unidos do esporte mais popular do mundo. Embora haja gradações, depara-se com o
mesmo sentimento popular em vários países, ricos ou pobres. A Copa do Mundo é
uma guerra mundial.
Em tempos de conflito, os meios de comunicação tendem a fazer pouco da
análise. Guerra se vence com informação, contra-informação e com artilharia
verbal.
A jornalista Tônia Azevedo nos concede exemplos lá de Londres, em e-mail a
este colunista:
‘Eu estava vindo para o trabalho hoje e vi uma pessoa ao meu lado no ônibus
lendo o Sun – a manchete era não a derrota de Portugal mas que o ‘Cristiano
Ronaldo não iria mais piscar’, numa referência àquela piscada que ele deu ao
banco português após a expulsão do Wayne Rooney.
Fiquei pensando no absurdo do bairrismo da imprensa britânica. Achei três
artigos de hoje, inclusive um do Guardian, onde o Cristiano Ronaldo é chamado de
nojento, chorão… Eu lembrei da reação no Brasil quando o Rojas fez aquele
teatro (a história da Fogueteira) no Brasil x Chile e, por ter sido
desmascarado, acabou sendo literalmente banido do próprio país e encontrou
apoio… no Brasil, que ele tinha tentado prejudicar. Ele jogava no São Paulo na
época e eu lembro bem do dia em que ele voltou, eu ainda estava lá. Ele estava
completamente humilhado, revoltado com o povo chileno, que não lhe deu respaldo,
e grato aos brasileiros, que ‘entenderam’ mais do que seu próprio povo o que ele
tinha tentado fazer. Da mesma maneira, o Cristiano Ronaldo tentou prejudicar a
seleção do país onde ele joga (Manchester United) e, ao contrário do Rojas, foi
vitorioso (apesar de eles aqui reconhecerem que o Rooney realmente pisou nas
jóias da coroa do jogador português…). O imperdoável foi a piscada…’
O goleiro Roberto Rojas não deu sorte na encenação de que teria sido atingido
pelo sinalizador disparado pela torcedora (ele também cortou o próprio
supercílio para se fazer de vítima). Desmascarado, envergonhou o seu povo,
tornou-se um traidor da Pátria. Porque fez teatro? Não, porque perdeu. Se a
artimanha tivesse funcionado, teria sido herói. Os brasileiros venceram e
apoiaram o ‘inimigo’ que, desastrado, ratificou-lhes a vitória.
Outro exemplo da guerra:
‘Jornal francês chama portugueses de ‘selvagens’, e embaixador protesta
da Folha de S.Paulo
A semifinal entre Portugal e França, que será disputada amanhã, pode virar
assunto de estado.
O embaixador português na França, António Monteiro, disse nesta terça que
deverá protestar oficialmente ao governo de Jacques Chirac contra ‘referências
pouco abonadoras’ feitas por um jornal do país a jogadores da equipe de Luiz
Felipe Scolari.
‘Costinha tem gestos de vilão’, ‘Petit compensa a falta de técnica com
brutalidade’ e ‘Deco é um selvagem sem fair-play’ são trechos de uma reportagem
do diário ‘France Soir’ questionados por Monteiro.
Segundo o diplomata, o jornal terá se retratar das afirmações. O governo
francês ainda não se manifestou sobre o assunto’.
Mais um, do UOL:
‘Na sessão de entrevistas, Gattuso aproveitou para rebater a afirmação de um
diário alemão, segundo o qual os italianos ‘são parasitas’, e disse que ‘vejo
que o diretor deste diário, quando era pequeno, algum italiano o deixou
traumatizado. Se eu penso no meu pai, que trabalhou durante 40 anos por um
milhão de liras ao mês (uns 500 euros), não posso aceitar que alguém diga que os
italianos são como parasitas’, acrescentou. Há vários italianos meridionais (do
sul, região mais pobre da Itália) que estão aqui produzindo. Tenho dois tios,
irmãos de minha mãe, que vivem e trabalham na Alemanha, e não é isso que diz
este periódico, mas não vamos perder de vista que o que acontecerá na
terça-feira é somente uma partida de futebol e que essas afirmações só buscam
distrair’, disse’.
Gattuso tem bom senso e elegância, o que faltou ao diário argentino Olé,
provocado na derrota pelo seu congênere brasileiro Lance! (‘Há 20 anos que a
Argentina não ganha nada, desde quando Maradona era um craque de bola e não
apenas um folclórico chefe de torcida, como foi nesta Copa’). O Olé manchetou,
no troco: ‘Merde Amarela’, com menção escatológica em francês.
O futebol sublima a vontade do predomínio pela força. Sem a humilhação
infligida aos derrotados, não teria a mesma graça. Os jornalistas sabem disso e
fazem a sua parte. Com ironia ou agressão. Inteligência ou mau gosto. Sempre com
sadismo.
(*) Jornalista, escritor, dramaturgo, ator, é autor de quatro livros, um
deles com a peça ‘Quando Dorme o Vilarejo’ (Prêmio Vladimir Herzog). No
jornalismo, tem exercido várias funções ao longo dos anos, na allTV, TV Globo,
TV Bandeirantes, TV Manchete, CNT, CBN, Radiobrás e Revista Imprensa, entre
outros. Tem no currículo três prêmios em equipe: Esso e Ibest (2). Nascido em
Brasília, filho de um oficial do Exército e de uma artista plástica, é
paulistano de coração e torcedor de um clube do Rio de Janeiro: o Vasco da Gama
– time que escolheu aos sete anos, quando morava no Rio Grande do
Sul.’
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