VIOLÊNCIA, MÍDIA & ACADEMIA
Dizer o indizível
‘Meu artigo sobre o odioso assassínio de João Hélio [no Mais! de 18/2] causou uma polêmica que se desviou muito do que eu disse. Incomodou-me que na Folha se comentasse mais meu ensaio do que o crime contra a humanidade.
Ao expor meus sentimentos (e era isso o que buscava ante o horror que vivia), deixei claro que estava tão perplexo que não cabia propor nada de concreto, tal como a pena de morte. Alguns leitores, entre eles jornalistas, acadêmicos e advogados, leram em minha indignação o que lhes conveio. Retomo o assunto.
Porque disse que minha reação ao crime incluía desejar a morte de seus autores, quiseram entender que defendia sua execução sob tortura, a vingança ou mesmo o sadismo.
Ora, ‘imaginar’, ‘torcer’ não é ‘propor, fazer, recomendar’. Desde Freud, sabe-se que é normal sentir raiva. Humanizamo-nos quando aprendemos a nos conter. Mas conter-se não é varrer a emoção para baixo do tapete.
Alguns, compreensivos, lamentaram que eu levasse a público o que deveria ter guardado para mim ou amigos. Discordo, embora pague um preço por ter dito em alto e bom som o que muitos, no fundo, também sentiram.
Filosofar, como percebeu [o jornalista] Alberto Dines, se faz melhor em público. O esvaziamento e a esterilidade do espaço público, no Brasil, se deve muito ao fato de que fazemos cena: intelectuais, advogados, acadêmicos simulam uma sobriedade que não têm.
O intelectual não pode dizer só o que agrada.
Não ajuda, em nosso debate político e social, fingir uma civilização que tem pés de barro. Calar em público os sentimentos que se referem à vida pública induz à idéia do intelectual como quem pensa sem paixões, a esconder a face oculta de nossa comum humanidade.
Cisão radical
Pessoas comuns que somos, nossa reflexão sobre o que fazer com crimes não pode se contentar com princípios impecáveis, a fundar leis que ninguém contesta, mas tampouco reconhece ou respeita. Nossa reflexão e ação não devem ser esterilizadas por uma cisão radical entre sentir e pensar.
Pois, sem eu renunciar à defesa do processo justo, à importância da educação (mas que demora a dar resultados), vejo que os discursos construtivos esbarram num fato bruto, o horror, que é quase da ordem do indizível. O horror é sentimento típico do século 20.
Palavras são poucas para enunciar os casos em que falha o grande projeto de Rousseau, a compaixão, a piedade: o padecer junto com qualquer ser vivo que sofra.
O horrível dos infanticidas é a extinção cabal da compaixão. ‘Não sei, não tenho filho’, disse um dos assassinos, ao lhe perguntarem o que imaginava sentirem os pais de João Hélio. Mas sentir com o outro não exige ter vivido pessoalmente a mesma experiência.
Preocupa-me a permanência de um discurso acabado que condena a indignação, respondendo a ela com artigos de leis e uma moral pronta.
Boa parte da população está tão revoltada que descrê do discurso, sincero ou hipócrita, da lei e de quem diz aplicá-la. A ausência do Estado se mede pela ausência do respeito e garantia dos direitos humanos de uma população que repudia o crime.
Essa exaustão de nosso semi-Estado de Direito é grave, porque sem a confiança do povo soberano sobram só resíduos do direito. Uma democracia sem povo o que é?
Expressar o horror, desnudar a própria alma sem censura, talvez sirva para destacar que há gritos que não podem ser silenciados e ignorados quando se discute a construção de uma nova sociedade.
O crime hediondo não é um crime qualquer. Uma coisa é fazer do crime um meio de vida (própria), outra é fazer dele um meio de morte (alheia). O assassino cruel passou há muito dos limites da civilidade. Espanta que alguém deseje, para ele, tormentos? Desejar não é fazer. Mas uma indignação que o patriciado não escuta corrói as bases da pólis.
A vingança privada só deu lugar à justiça pública após lento avanço nas relações sociais. E a justiça se manteve porque garantiu o cumprimento das leis.
Mas se lembram da bóia-fria que matou aquele que violentou seu filhinho? Devia ela crer no devido processo legal? Mas assim não se devolve a justiça à vingança, não renuncia o poder público a qualquer utilidade?
Pergunto: em que medida o Judiciário brasileiro beneficia o dia-a-dia de uma população que não desfruta do direito à segurança que, lembra-me Lenio Streck [professor e procurador de Justiça do Rio Grande do Sul], está na Constituição?
Enquanto alguns publicistas exibem fé plena nas instituições, pura decência, a maioria se estarrece diante da barbárie.
Admirando Rousseau, talvez o filósofo moral de maior grandeza, penso porém que a compaixão é uma construção laboriosa feita em sociedade. Divide o humano do bestial. Criminosos, hoje, lucram na razão direta de sua falta de compaixão, de sua desumanidade.
Tenho sustentado que -se a modernidade política surge quando passam à esfera pública conceitos do direito privado romano- nossa época se caracteriza inversamente pela passagem, para a esfera privada, de conceitos que eram do âmbito político.
Paradigma individual
O príncipe de Maquiavel, sem garantia de triunfar num mundo sem regras, hoje é paradigma de indivíduos que já não têm parâmetros prontos para a vida profissional e pessoal -vivendo no chão ensaboado do ‘condottiere’ maquiaveliano.
Por que não pensar, então, que o nazismo pode também estar presente em indivíduos -que agem com igual falta de compaixão, mesmo sem ter o projeto hitlerista de dominar o mundo? Há nazismo quando um grupo ou um indivíduo busca extirpar as últimas marcas de humanidade.
Continuo vendo razões contra a pena de morte: o risco do erro judicial irreparável, a vergonha que é o Estado matar.
Mas as estatísticas mostram o fracasso do Estado em recuperar o criminoso, tarefa que parece exigir dedicação quase religiosa.
Ouvi o padre Júlio Lancelotti [da Pastoral do Menor] dizer que a liberdade assistida, alternativa inteligente ao aprisionamento dos menores delinqüentes, para que eles trabalhem, estudem, saiam do crime, custaria seis salários mínimos per capita ao mês.
É caro, embora talvez metade do custo da Febem, com a vantagem de que pode recuperar a pessoa para a vida inteira, enquanto a Febem faz o contrário. É a fábula do filho pródigo aplicada.
Frustração
Na insuficiência das soluções leigas para os problemas do crime, não tenho visto saídas a não ser as marcadas pela religião e/ou por uma dedicação leiga da ordem do heroísmo, como a dos militantes de direitos humanos. Se houver salvação, está aí. E é difícil. Repetem-se as faixas do Rio contra o crime. A maioria esmagadora da população é contra o crime, quer compaixão.
Mas, até agora, adiantou a indignação popular? O meio jurídico e político teve palavras de consolo e apoio para a multidão sofrida ou frustrou-a, como o juiz de menores que disse que o assassino jovem de João Hélio ficará três anos internado -e falou isso como se fosse normal? Como podem as pessoas falar tão friamente e querer compreensão?
Os infanticídios não mudam minha defesa dos direitos humanos porque, como sustento em ‘O Afeto Autoritário’ [ed. Ateliê], os direitos humanos não são só os direitos do suspeito perante a polícia (embora preciosos) mas também a igualdade dos sexos, o direito ao trabalho e a uma vida digna -e o direito de João Hélio a viver uma vida normal e longa.
Mas me fizeram pensar no nazismo entre nós.
Esta, que ninguém comentou, talvez seja a idéia mais original de meu artigo: a comparação do atual horror privado ao nazista. Parece que não se quer ver o nazismo aqui, na esquina. O século 20, o de maior progresso na história, foi rachado ao meio pelos totalitarismos, dos quais o pior foi o hitlerista.
Remeti a duas idéias-chave. Primeira: dizer o horror é dificílimo, como sabe quem narrou os campos de concentração ou a tortura na América do Sul -assunto que no Brasil é calado, haja vista a crítica da imprensa ao processo dos Teles contra seu torturador.
Foi tocante, na novela ‘Páginas da Vida’, familiares de assassinados falarem. Porque não dizer -ou escutar- o horror corrompe a todos. Acentua o teor de hipocrisia na vida social. Esteriliza ainda mais a vida pública.
A segunda idéia é a de que, se o nazismo é o inimigo do humano (do humano como valor, ‘humane’, em inglês, e não apenas como descrição, ‘human’), se falar sobre ele é um esforço e refletir sobre ele é difícil, ele se situa nas exceções da nossa espécie. Institui-se como estado de exceção.
Carl Schmitt [jurista alemão, 1888-1985] pensou a soberania não a partir do ‘nós, o povo’, da regra republicana, mas da exceção ditatorial. A exceção vira regra. Para dizer o humano, prefiro Camus, que falava no caráter irredutível de cada sofrimento pessoal intenso.
Nenhuma explicação dá conta do assassínio de um filho. Políticas podem resolver o problema mais adiante, mas nossa sociedade está cada vez mais ferida pelo extermínio do seu futuro. As soluções eram devidas ontem. Se não forem cobradas com muita intensidade, não virão nunca.
Se a emoção crescente da perda injusta do filho ou da filha -isto é, o que jamais será banalizado, porque sempre será insuportável- se potencializar, cada um decidindo sua própria lei, que restará de nossos laços sociais ou, pelo menos, políticos?
NOTA
Devo a Alberto Dines, Lenio Streck, Silvia Pimentel, Anita Novinski, Olgária Matos, Manuel da Costa Pinto, Edson Teles, Sara Albieri, Eric Calderoni, Yumi Suzuki, Newton Pimenta, Auxiliadora Nicolato e outros algumas idéias e expressões que aparecem neste artigo, cuja responsabilidade, porém, é minha.’
Folha de S. Paulo
Pensador é diretor da Capes e apresentou série na televisão
‘Professor titular de ética e filosofia política na USP, onde defendeu doutorado sobre Thomas Hobbes -o autor de ‘Leviatã’-, Renato Janine Ribeiro é um exemplo de intelectual cuja influência extrapola a academia.
Midiático, apresentou uma série sobre ética no canal de TV paga Futura.
Há alguns anos, seu projeto de instaurar um curso interdisciplinar de humanidades na Universidade de São Paulo -que teria como público graduandos de outros cursos da instituição- causou polêmica pelo suposto caráter elitista.
Exposto no livro ‘Humanidades – Um Novo Curso na USP’ (Edusp), de 2001, o projeto não vingou.
Janine, que é autor de Ética na Política’ (Sesc) e ‘Democracia’ (Publifolha), ocupa atualmente a função de diretor de avaliação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).’
Ernane Guimarães Neto
Entre quatro paredes
‘Se o papel do intelectual é influenciar a opinião pública com seus argumentos, a opinião pública brasileira corre o risco de consumir discursos pouco rigorosos, manejados em nome de perspectivas políticas já ultrapassadas. O temor é expresso pelo filósofo Ruy Fausto, professor emérito da USP, atualmente residindo em Paris.
Para ele, a inteligência brasileira é pouco permeável a novidades no pensamento político e social, o que resulta em um baixo nível de conhecimento de questões discutidas mundialmente no século 20. Falando à Folha, ele associou esse atraso ao modo como os intelectuais lidam com assuntos como corrupção e violência. Criticou ainda a repercussão que logram textos como o de seu colega uspiano Renato Janine Ribeiro a respeito da violência urbana (Mais! de 18/2), que suscitou dezenas de cartas ao jornal.
‘É preciso ser receptivo à dor das famílias, sim -mas ter um discurso ambíguo sobre a pena de morte, sobre o linchamento na prisão ou sobre a tortura é totalmente condenável.’
FOLHA – O que é um intelectual?
RUY FAUSTO – Um sujeito cuja profissão é se ocupar de assuntos culturais. Não acho que haja relação estreita entre cultura e lucidez -tem gente que sabe muito e não é lúcida.
FOLHA – Ele exerce autoridade?
FAUSTO – Justificadamente ou não, ele tem algum peso sobre a juventude. É uma responsabilidade múltipla: política, por um lado; por outro, relativa a assuntos de sociedade, como esse caso [o crime em que morreu o menino João Hélio e sua repercussão]; em terceiro lugar, ética; em quarto, teórica.
FOLHA – Quais os riscos e limites para o pensador público?
FAUSTO – O poder do intelectual é relativo, o que tem como lado positivo que, se ele errar muito, não será ele quem irá decidir. É claro que há riscos.
No plano da responsabilidade política, vejo três pontos que podem ser banais, mas difíceis de encontrar em conjunção no Brasil: o intelectual ser de esquerda, ser intransigente com a corrupção e ser democrático.
É claro que há gente boa, mas há discursos revolucionários que são de outra época, propõem saídas irrealizáveis ou indesejáveis. Há outra corrente -penso na intelectualidade petista- que se perdeu em discursos de semijustificação do que aconteceu com o partido -os episódios de corrupção.
FOLHA – Comparando Brasil e Europa, o modo como a intelectualidade trata essas questões é diferente?
FAUSTO – Há experiências muito mais importantes do que se pensa -a Noruega e a Suécia, por exemplo. Freqüentemente, no Brasil se acha impossível o que é possível e possível o que é impossível ou indesejável.
FOLHA – O embate entre direita e esquerda no Brasil aparece como argumentação, diálogo ou…
FAUSTO – A direita sempre foi fraca intelectualmente, mas agora se reforça. A esquerda tem a reflexão sobre o totalitarismo ainda muito verde, o que confunde a reflexão sobre o país. Leva a pensar pouco sobre a experiência européia, porque existe uma miragem revolucionária misturada sem rigor.
Há também o problema do discurso do intelectual: há no Brasil uma distância muito grande entre o intelectual falando de sua especialidade e falando de política. O discurso político também tem de ser rigoroso. A gente vê intelectuais falando de política irresponsavelmente, se deixando levar pela demagogia de auditório.
FOLHA – Quanto a isso, que acha do artigo de Renato Janine Ribeiro?
FAUSTO – É um artigo desequilibrado. Já se falou demais sobre isso. Refletir sobre o horror, o sentimento das vítimas, a necessidade de punição é correto; ao se deixar levar pelo horror, há o perigo da banalização.
FOLHA – Ele extrapolou seu papel de intelectual?
FAUSTO – Ele diz que não propôs a pena de morte, mas é muito ambíguo. Imagine o que seria essa lei, só reforçaria a barbárie. Há no Brasil uma discussão excessiva sobre textos de importância muito relativa.
FOLHA – O intelectual se deixa contaminar pela oratória?
FAUSTO – Não são todos. O problema é a orientação política do intelectual de esquerda: na medida em que não houve reflexão sobre os grandes fenômenos do século 20, mesmo entre os menos radicais fica a impressão de discurso velho.
A herança não tem sido repensada em geral com rigor, e o resultado é ou um discurso radical ou o discurso do tipo do petista, em geral confuso, com um pé no radicalismo e outro na pequena política.
FOLHA – Como esse discurso afeta a discussão de normas, por exemplo a legislação penal e as cotas em universidades públicas?
FAUSTO – No plano das questões de sociedade, é um pouco diferente. Em casos como esse [do menino João Hélio], é preciso não sociologizar os acontecimentos, não reduzir o fato pura e simplesmente ao social, sem levar em conta o ‘dever ser’. É justo criticar quem diz ‘isso poderia ter acontecido com qualquer um’; é preciso não dissolver coisas monstruosas em fatores sociais.
É preciso ser receptivo à dor das famílias, sim -mas ter um discurso ambíguo sobre a pena de morte, sobre o linchamento na prisão ou sobre a tortura é totalmente condenável. A corrupção, embora seja um problema diferente, tem essa sociologização, um ‘isso tudo é assim mesmo’ que dissolve o ‘dever ser’ no ‘ser’.
FOLHA – E como fica o leitor diante desses valores dos intelectuais pressionados para se fazerem ouvir?
FAUSTO – Não vejo problema. Não vamos achar que o intelectual irá dar solução para alguma coisa. É preciso melhorar o tipo de intervenção no plano político. Falta circular literatura histórica sobre o século 20, muitas coisas importantes em matéria de livros que ainda não chegaram ao Brasil.
FOLHA – O discurso do intelectual brasileiro é, portanto, atrasado?
FAUSTO – É fechado. Os europeus têm seus problemas, uma inflação do discurso de tipo jurídico, mas há maior circulação. No Brasil, muita coisa não chega nem àqueles que poderiam ler no idioma original.
Não se pode pensar nosso tempo sem refletir muito sobre o século 20. Certa intelectualidade brasileira estudou Marx, as elites lêem os clássicos da economia liberal e a extrema esquerda tem seus personagens clássicos -e, de vez em quando, inventa gurus.’
Marcos Flamínio Peres
Um personagem em cena
‘O intelectual é um ‘personagem’ que sabe que tem um papel a desempenhar -pois está no ‘negócio de promover idéias’- , e de sua performance depende a qualidade do debate público. Essa é uma das teses principais defendidas pelo sociólogo Steve Fuller em seu estudo sobre ‘O Intelectual’ (ed. Relume-Dumará), lançado no Brasil no ano passado. Professor na Universidade de Warwick (Reino Unido), ele localiza na Grécia Antiga o protótipo do intelectual moderno.
Em particular, entre os sofistas, pela fé inabalável na força das idéias e na democracia. E, por isso, aponta como exemplo de iluminista uma sociedade que permita aquilo que chama de ‘o direito de estar errado’. Na entrevista abaixo, concedida por e-mail de Brisbane, na Austrália, Fuller também fala da falência de categorias clássicas para definir a intelligentsia -como a de ‘intelectual orgânico’, criada por Gramsci.
FOLHA – Habermas definiu a esfera pública como ‘uma rede para comunicar informações e pontos de vista’. Qual é o limite de ação do intelectual, de modo que a esfera pública não entre em colapso? O que um intelectual pode ou não dizer?
STEVE FULLER – Acredito que uma medida importante de uma sociedade iluminista é a sua capacidade de permitir a discussão de idéias altamente desagradáveis sem a necessidade de perseguir os debatedores -ainda que o que eles digam acabe por se provar falso. É o que chamo de ‘o direito de estar errado’. Acho que as sociedades deveriam ser organizadas para permitir que tal princípio florescesse.
As idéias são temidas apenas quando são percebidas como tendo conseqüências destrutivas, para si e para os outros. Por exemplo, tentativas de banir ‘a negação do Holocausto’ da esfera pública refletem uma sociedade que não confia no julgamento racional de seus membros. Talvez um problema maior do que a negação ativa do Holocausto seja o esquecimento passivo da questão toda, à medida que os anos -e as gerações- passam.
FOLHA – O sr. já afirmou que ‘os intelectuais estão no negócio de promover idéias’, como se fossem marcas. Eles também podem, para melhor explicar ou desenvolver suas idéias, promover ‘sentimentos’?
FULLER – Sim. Em última análise, o intelectual é um ‘personagem’. Isso implica um determinado tipo de performance que, idealmente, pode servir como modelo para engajar-se em idéias, com pessoas e situações em instâncias públicas. Sob esse aspecto, os intelectuais são úteis tanto por sua atitude geral ou seu estilo quanto pelo conteúdo real de suas idéias.
Por exemplo, Sartre e Raymond Aron, seguramente os dois mais importantes intelectuais da segunda metade do século 20, forneceram dois modelos diferentes de ‘engajamento’: um incendiário e retórico, o outro moderado e exato. Na verdade, a personalidade do intelectual sobrevive muito tempo depois que suas idéias já foram esquecidas. É só considerar os casos de, por exemplo, Erasmo, Voltaire ou Russell.
FOLHA – Em ‘Os Intelectuais na Idade Média’, o historiador Jacques le Goff defende que os intelectuais podem libertar as mentes e as pessoas, numa premonição do iluminismo. No século 20, Adorno considerou que a razão tem, em sua essência, um elemento autoritário. Por qual dessas ‘razões’ um intelectual contemporâneo deveria se guiar?
FULLER – Em princípio, não há nada errado com a ‘razão instrumental’. O problema começa de fato quando os ‘fins’ passam a ser identificados estreitamente com os ‘meios’, e considero ser essa a base da crítica de Adorno ao caráter autoritário da razão. A razão de fato pode libertar as mentes quando ela leva as pessoas a descobrirem aquilo que querem e, então, avaliar meios alternativos para chegar a determinados fins.
O crucial aqui é que os meios -políticas, instituições- que foram usados no passado não sejam tratados de modo privilegiado a priori.
FOLHA – Quando um acadêmico se torna um intelectual?
FULLER – A resposta básica é: quando acadêmicos são capazes de traduzir suas idéias em múltiplas mídias. Isto é, não apenas a publicação técnica mas também o artigo de jornal, a demonstração em laboratório, a aplicação prática etc.
Nesse sentido, acadêmicos têm oportunidade de se tornar intelectuais quando lecionam a estudantes que carecem de conhecimento prévio -e até de interesse- sobre o tópico que está sendo ensinado. Infelizmente, esse aspecto da vida acadêmica é incrivelmente desvalorizado dentro das universidades.
FOLHA – Citando o filósofo francês Paul Ricoeur, o sr. afirma que os intelectuais são moldados pela ‘hermenêutica da suspeição’. Por quê?
FULLER – Os intelectuais acreditam que tudo acontece ‘devido a uma razão’, o que implica que alguém é sempre responsável pelo que acontece -seja para o bem, seja para o mal. A esse respeito, são extremamente racionalistas, levando as pessoas a considerar como suas ações -ou a ausência delas- podem ter provocado efeitos indesejáveis.
Um intelectual trata tal ausência de ação como um ato deliberado em si mesmo. Nesse sentido, entendo a ‘hermenêutica da suspeição’, de Paul Ricoeur, como o complemento de ‘o existencialismo é um humanismo’, de Sartre.
FOLHA – Em ‘O Intelectual’, o sr. diz que os sofistas prenunciaram os intelectuais modernos. Por que não Platão ou Aristóteles?
FULLER – Entre os gregos antigos, os sofistas tinham o entendimento mais desmistificado das idéias, de que elas são parte do mundo material. Perceberam que as idéias são poderosas -assim como também o fizeram Platão e Aristóteles-, mas não tinham receio de mostrar isso a ninguém -pelo menos àqueles que podiam lhes pagar!
Eles tinham uma fé na democracia que não tinha precedentes, à época, e que teve conseqüências desastrosas para Atenas. Mas, assim como muitos outros desastres envolvendo intelectuais, esse acabou sendo muito instrutivo para as gerações seguintes.
FOLHA – Ainda há algum sentido em discutir hoje as famosas categorias criadas por Gramsci -o intelectual ‘tradicional’ e o ‘orgânico’?
FULLER – A distinção é uma criatura de seu tempo e espaço, em especial de marxistas sentindo-se culpados de suas origens burguesas. Não sei se ainda faz sentido hoje. Por exemplo, Edward Said (1935-2003) se via, no fim da vida, como um intelectual gramsciano.
O que Gramsci teria pensado desse cosmopolita professor da Ivy League, de origem árabe?
Mas Gramsci também estava falando de problemas mais gerais, sobre como os intelectuais ganham credibilidade com o público. A questão aqui é, invariavelmente, como persuadir o público de que é de seu próprio interesse -e que está a seu alcance- pensar ou fazer algo que não fizera ou pensara anteriormente.
É necessário um sentido claro tanto do início quanto do final desse processo, mas o intelectual pode adquirir tal percepção de muitas formas -e não necessariamente dizendo: ‘Eu sou um de vocês’.’
JORNALISMO CIENTÍFICO
Desastre climático e midiático
‘Terça-feira foi um dia de notícias ruins. Na primeira página da Folha do dia seguinte: China derruba bolsas no mundo; Avanço do mar põe 42 milhões em risco; Pernambuco lidera taxa de homicídios. Fiquemos pelo Brasil, deixando de lado suas teleconexões com a China. A exportação de soja tem relação com o desmatamento na Amazônia, por exemplo, mas isso já foi comentado aqui (6 de agosto de 2006). A sensação da semana foi mesmo a projeção de impactos do aquecimento global em território brasileiro.
A previsão catastrófica sobre a elevação do nível do oceano, que afetaria um quarto da população nacional na região costeira, saiu de um estudo divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Um desastre, sob todos os aspectos -inclusive de comunicação. Nada a ver com o quarto relatório do Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC) divulgado há um mês. Não que o trabalho, ‘Mudanças Climáticas Globais e seus Efeitos sobre a Biodiversidade’, seja obra de gente pouco séria. José A. Marengo, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), tem reputação internacional. Uma coisa, porém, é produzir dados e projeções; empacotá-los e torná-los inteligíveis pelo público leigo (jornalistas inclusive) são outros 500. O volume de 201 páginas disponível na página do MMA na internet (www.mma.gov.br/estruturas/imprensa/_arquivos/livro%20completo.pdf) tem problemas. A introdução do relatório, por exemplo, diz que ele foi escrito em linguagem acessível, o que não corresponde à realidade. Boa parte dos gráficos está em inglês. As legendas em português nem sempre coincidem com o que se vê. Embora se dirija a tomadores de decisão, não existe um sumário executivo, como é praxe nesse gênero de literatura que ninguém lê de ponta a ponta. Quem se alarmou com a previsão de que 42 milhões de brasileiros poderiam ter de deixar suas casas -uma improbabilidade, mesmo que o mar suba o máximo de 50 cm previsto pelo IPCC- pode ter sentido necessidade de verificar a fonte. Neste caso, deu com os burros n’água. Confira na pág. 74 de ‘Mudanças Climáticas Globais e seus Efeitos sobre a Biodiversidade’. Ali se diz que ‘cidades litorâneas e 25% da população brasileira, cerca de 42 milhões de pessoas que vivem na zona costeira, segundo o Ministério da Educação, serão possíveis vítimas da elevação do nível do mar, segundo o Relatório do Greenpeace (Greenpeace 2006)’. MEC? Greenpeace? Não parecem fontes primárias adequadas para quantificar cientificamente a parcela da população que seria afetada por um evento tão complexo quanto a erosão e perda de área costeira. Em tempo: a fonte da ONG ambientalista é ‘O Mar no Espaço Geográfico Brasileiro’, volume do MEC e da Marinha destinado a professores do ensino médio e fundamental. Para não dizer que não se falou aqui da criminalidade, a terça-feira trouxe ainda o estudo Mapa da Violência, da OEI (Organização dos Estados Ibero-Americanos). Esqueça Pernambuco e atente para as cidades campeãs de homicídios: Colniza, com 165,3 mortos por 100 mil habitantes em 2004, e Juruena, com 137,8 (a média nacional foi 27,0). Ambas ficam em Mato Grosso, governado pelo rei da soja Blairo Maggi. Figuram regularmente na lista dos municípios mais desmatados do Estado e da Amazônia. Ali mandam grileiros e madeireiros e desobedece quem tem juízo. A questão ambiental, no Brasil, também é caso de polícia.
MARCELO LEITE é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor do livro paradidático ‘Amazônia, Terra com Futuro’ (Editora Ática) e responsável pelo blog Ciência em Dia (www.cienciaemdia.zip.net).’
A TRAJETÓRIA DE OCTAVIO…
Frias e a busca modesta da verdade
‘Entre os méritos de ‘A Trajetória de Octavio Frias de Oliveira’, e eles são vários, o que se impõe logo de início é a combinação de objetividade e modéstia. Objetividade porque o livro pretende ser tão-somente, como diz seu autor, Engel Paschoal, um perfil -o retrato de um empresário que, já cinqüentão, comprou e reformulou a Folha de S. Paulo. E modéstia porque o perfilado nunca foi homem de fazer praça de seus feitos.
A combinação de realismo e comedimento dá ao livro, porém, uma contundência desmistificadora rara na literatura sobre os barões da imprensa nacional. Não se espere de ‘A Trajetória’ loas emboloradas à sagrada missão de bem informar, o registro engalanado das ações em prol do engrandecimento da pátria ou a ladainha das virtudes celestes da livre iniciativa. O livro está isento de toda a lorota ideológica que costuma fundamentar o exercício do jornalismo.
Na contramão do discurso embromador do baronato, Frias relata sem firulas suas atividades financeiras. ‘Eu disse para mim mesmo: ‘Se o negócio é ganhar dinheiro, eu vou ganhar mesmo’. E eu era impiedoso. Aplicava dinheiro a juros, sim, senhor. Era usurário, cobrava 3% ao mês e não tinha conversa.’ Acrescenta que não praticava usura com pessoas físicas, só com empresas, e esclarece por quê: ‘Eu não queria ter que apertar o miserável’.
Ao enumerar os seus objetivos existenciais na juventude, usa a mesma dureza: ‘Eu só pensava em ganhar dinheiro e gastar. Preferencialmente com mulher. Eu gostava de cinema, ia bastante, mas não era apaixonado. Meu hobby era mulher e esporte’.
Ele conheceu escritores, artistas plásticos e intelectuais, mas confessa sem rebuços que, desde sempre, sua literatura predileta é a de manuais de auto-ajuda empresarial.
Frias participou do movimento separatista de 1932, na condição de voluntário. O relato que faz da ‘Revolução Constitucionalista’ é sumário e revelador: ‘Aquilo era sacanagem dos paulistas da UDN (União Democrática Nacional). Sempre achei isso. Por que nenhum filho de gente importante estava lá? Só estavam o povinho ou os ingênuos como eu. Foi uma das sacanagens mais bem armadas que eu já vi’.
Quanto ao chamado bem público, Frias conta que seu interesse por política era nenhum. Considerava a atividade desprezível; quase tão sem importância quanto jornais, que ele quase não lia -e, quando lia, era o ‘Estadão’…
E, sobre as circunstâncias da compra da sua propriedade mais importante, a Folha -o jornaleco que adquiriu, com Carlos Caldeira Filho, em 1962 e pouco mais de duas décadas depois tornou uma instituição-, o que Frias tem a dizer?
Primeiro, diz que usou um cheque que só teria fundos dali a dois dias. Acrescenta que, uma semana depois, era tamanha a certeza de que fizera um péssimo negócio que estava à cata de um desavisado para passar-lhe o abacaxi adiante. E, por fim, conta que a razão de fundo para ter comprado o jornal foi, talvez, a ambição de status, pois ficara, injustamente, com o nome sujo na praça.
Sem melodrama
Quando o livro aborda fatos da vida pessoal, a mistura de modéstia e clareza adquire tensão. É sofrido o relato que Frias faz de três episódios da infância que lhe definiram a existência: as visitas dominicais à casa de parentes ricos; a morte da mãe, quando tinha sete anos; e o empobrecimento súbito da família. Os fatos são dickensianos. Mas a maneira como são expostos não tem nada de melodramático. Desamparo e insegurança são mostrados com distância analítica -para não provocar a piedade do leitor.
A intenção, nítida, é desmistificar o sofrimento, retirar o véu católico-piegas que o envolve. ‘A Trajetória’ busca demonstrar que a dor nada ensina, as adversidades não forjam o caráter, que as aflições são uma péssima escola de vida. A tensão surge do choque entre a necessidade de relatar o sofrimento, para que ele possa ser compreendido e corretamente dimensionado, e o pudor de rememorá-lo em público.
Adulto, ele sofreu outros baques. Ao dirigir na via Dutra, bateu o carro num caminhão. No acidente, morreram sua primeira mulher, Zuleika, e seu irmão José. Restaram Frias e Beth, menina negra e miserável que o casal adotara. Na mesma época, o banco que fundara sofreu intervenção e seus bens ficaram indisponíveis. Frias juntou todo o dinheiro que tinha e o entregou à família da mulher falecida.
Ele conta a situação: ‘Eu estava na rua da Consolação, com as mãos no bolso, e disse: ‘Não tenho mais nada o que fazer: estou sem dinheiro, sem mulher, sem nada, partindo da estaca zero’. Não tinha um sacana que me oferecesse emprego’.
Três meses depois, Frias já ganhava dinheiro de novo. Vendia assinaturas da Folha, que ainda não era sua, e ficava com 30% de comissão. ‘A única coisa que me restava era vender, aproveitar a minha capacidade de venda’, avalia.
No plano afetivo, a situação também melhorou com rapidez. Ele conheceu Dagmar de Arruda Camargo, senhora casada, mãe de uma filha. No mesmo ano, 1955, ela se separou e foi morar com Frias (o drama familiar terá outros episódios lancinantes: com o novo casamento, Beth, a filha adotiva, passa a viver com uma tia, irmã de Frias; e virá a se suicidar em 1981).
Assim como não se queixa do que padeceu, Frias não se jacta dos seus triunfos. Ao contrário. Ele atribui o sucesso primeiro à sorte, aos colegas de trabalho, à conjuntura, e só então à sua persistência -e nunca a sua inteligência ou tirocínio.
O que resta, então, como fundamento de toda a sua frenética atividade empresarial é o pragmatismo. Ao longo de todo o livro, Frias não pára quieto. Não relaxa. Não contempla o que construiu e pouco frui do que acumulou. Está sempre bolando novos negócios, lançando mercadorias e serviços, batalhando para vendê-los, para ter lucro, para reaplicá-lo e expandir o capital. A iniciativa capitalista é, para ele, uma segunda natureza.
O melhor exemplo do seu afã em produzir é a Granja Itambi, em São José dos Campos. O empresário a comprou com a intenção de ser um sítio familiar, para descansar nos fins de semana. Ato contínuo, cismou que gerasse dinheiro. Botou à frente dela o seu motorista, um espanhol que entendia um pouco de agricultura. A granja se tornou uma das maiores do Brasil. Chegou a ter 1.700 funcionários. Deu lucro. Nos anos 90, com a competição de colossos como a Sadia e a Perdigão, começou a soçobrar. Em 1996, Frias decidiu fechá-la.
Foi a sua maior frustração profissional. Ele adorava a Itambi. Talvez gostasse mais dela do que da Folha? Eis o que ele diz, no único momento em que aproxima o jornal da granja: ‘É muito bom para o empresário produzir coisas palpáveis, como leite, carne, frango. Jornal não é uma coisa palpável’.
Seria errado supor, a partir da afirmação, que tanto se lhe dá qual mercadoria produza, seja jornal ou frango, desde que ela lhe seja rentável. Nos últimos 45 anos, Frias dedicou a maior parte do seu tempo e de sua energia ao jornal e às empresas que lhe são correlatas, como o Datafolha, o UOL, o ‘Valor’ e o ‘Agora’. Seja pelos seus pares empresários, seja pelos seus concorrentes, pelos seus funcionários, pelo governo, pelos políticos, pelos leitores, pela sua família, Frias é universalmente reconhecido como o responsável pela virada que fez da Folha o maior jornal brasileiro -e não como um granjeiro fracassado.
Outra questão é que Frias não se considera jornalista. Ele tem, sem dúvida, traços de um jornalista, como a sensibilidade para a notícia, a curiosidade, o gosto pela clareza e a casca grossa para resistir a pressões. Essas características fizeram dele um empresário de imprensa. E não um jornalista.
Há uma outra característica, mais abstrata, difícil de definir, que aproxima Octavio Frias de Oliveira do jornalismo. Ao longo de ‘A Trajetória’, às vezes o empresário a define como ‘franqueza’. Familiares e amigos complementam a definição, afirmando que a franqueza dele tende a ser ‘brutal’.
Engel Paschoal diz que o empresário ‘sempre quis um jornal que fosse sério, honesto e só imprimisse verdades’. Ao que Frias acrescenta: ‘Mas é custoso, a gente briga com muita gente para fazer isso. As pessoas queriam que eu publicasse uma coisa e eu não deixava. Sabia que não era verdade’.
‘Verdade’, eis a palavra. Pode parecer pomposo, mas é real: Frias preza a verdade. Ele deixa claro, praticamente a cada página, que não gosta de se iludir nem de engabelar os outros. Como ocorre com os jornais sérios, ele busca se aproximar da verdade. Sem grandiloqüência ou estardalhaço.
O próprio ‘A Trajetória’ é prova desse apreço pela veracidade. Frias conhece, emprega e convive com excelentes jornalistas. Poderia ter escolhido um deles para lhe compor uma biografia formidanda. Não fez nada. E quando, já na casa dos 90 anos de idade, a idéia lhe foi apresentada, o que resultou foi a escolha de um jornalista desconhecido, mas aplicado e sério, para realizar a tarefa.
Com isso, ‘A Trajetória de Octavio Frias de Oliveira’ ficou bem parecido com o dono da Folha. É um livro modesto e simples, e não um monumento rebarbativo. Mas que não foge de questões difíceis, não escamoteia fatos desagradáveis. E, por isso mesmo, é surpreendente e está cheio de novidades. É um livro que, singelamente, busca a verdade.
MARIO SERGIO CONTI é jornalista, autor de ‘Notícias do Planalto’ (Cia. das Letras) e diretor de Redação da revista ‘Piauí’.
A TRAJETÓRIA DE OCTAVIO FRIAS DE OLIVEIRA
Autor: Engel Paschoal
Editora: Publifolha/ Mega Brasil
Quanto: R$ 44,00 (328 págs.)’
TELEVISÃO
Eu não sou arauto nem porta-voz da TV Globo
‘Há três décadas na Globo, Tony Ramos, 58, reúne características preciosas para servir como porta-voz da rede: discreto, cara de boa pessoa, bem casado há 38 anos e avesso a polêmicas e badalações do universo das celebridades.
Apesar de emprestar sua aura de bom-moço a campanhas institucionais da rede, o ator nega o rótulo: ‘Não sou um arauto da TV Globo. Não tenho vocação de porta-voz. Acredito no que falo publicamente’.
Tony estréia amanhã na novela das oito ‘Paraíso Tropical’ como o empresário Antenor Cavalcanti, que não é mais um de seus vários mocinhos, mas está longe de ser um vilão.
Apesar desse currículo, rejeita a fama de bonzinho: ‘Você não pode cumprir horário nem ter postura ética na vida que já vira certinho’.
Reservado, é comedido ao falar de colegas. ‘Convivo bem com todos, o que não significa ser um bobinho de plantão.’
Por isso, defendeu-se da polêmica crítica que recebeu de Lima Duarte no ano passado. O colega condenou, em entrevista à Folha, o sotaque do personagem grego de Tony em ‘Belíssima’. ‘Acha que fiquei sem dormir por causa daquilo? É ruim, hein. Era domingo, mandei um macarrão, tomei meu vinho e ainda fui passear com meus netos. Ele me pediu desculpas e eu disse ‘esquece’, até porque estava consciente do sotaque que estava fazendo.
Era legítimo e foi elogiado.’ Abaixo, entre outros assuntos, Tony fala de seus 43 anos de TV, condena a classificação de programas pelo governo e comenta até as piadas sobre a quantidade de pêlos que tem.
FOLHA – Qual a diferença entre a TV Globo de 1977, quando foi contratado, e a de 2007?
TONY RAMOS – A tecnologia evoluiu muito. Saíram algumas pessoas, entraram outras, mas convivo bem com todos, o que não significa ser um bobinho de plantão, mas saber o que quero e o que não quero. Então me dou muito bem com a empresa.
FOLHA – Você é muitas vezes considerado um porta-voz da Globo…
TONY – [interrompendo] Por quê? Então Milton Gonçalves também é, ele fala muito pela Globo, representa a emissora em viagens, mais até do que eu.
FOLHA – A Globo te escolhe para representá-la em campanhas, como a da defesa do conteúdo nacional, e quando o enviou a Brasília (2000) contra a proibição da participação de crianças em ‘Laços de Família’ e a portaria de classificação da TV.
TONY – Na campanha do conteúdo nacional tinha Milton Gonçalves, Silvio de Abreu e outros. A Brasília fui com Vera Fischer, Cláudio do ‘Casseta & Planeta’. Não sou um arauto da TV Globo. Isso nasceu da sua pergunta. Não tenho vocação de porta-voz. Acredito no que falo publicamente. Participo do ‘Amigos da Escola’ porque sonho com uma educação melhor. Ninguém aqui é obrigado a fazer nada. Quando diz porta-voz, parece que sou aquele que onde estiver, se tocar o telefone, venho correndo.
FOLHA – O que acha da nova portaria que classifica programas de TV por faixas etárias e horários?
TONY – Uma das coisas mais fantásticas é a conscientização e a responsabilidade dos pais. Eu me preocupo com as restrições da portaria. Os autores e a TV têm consciência do que não pode ser mostrado. É melhor haver comitês nas TVs para cobrar quem pisar na bola.
FOLHA – A polêmica cena em que seu personagem Clementino mata a mulher e o amante com uma pá, em ‘Torre de Babel’ [1998], teria hoje o mesmo impacto com o público?
TONY – Não. Além do fato de a violência ter aumentado, Silvio [de Abreu, autor de ‘Torre’] me disse que ficou horrorizado com as reações de telespectadores em ‘Belíssima’ [também de sua autoria]. O espectador não se importava com o alpinismo social do personagem de Marcello Antony nem com o fato de a vilã da Fernanda [Montenegro] fugir com o garotão.
FOLHA – Clementino, algo mais próximo de um vilão que já fez, depois se regenerou. Após tantos papéis de mocinho, tem vontade de interpretar alguém bem sangue ruim?
TONY – Não, mas, se um dia pintar, vou lá e vou tentar fazer. É importante dizer que o que é adequado a um ator pode não ser a outro. Se me derem um grande assassino para fazer, teria que sofrer transformações até de caracterização, por ter ainda traços muito, digamos, suaves. Teria que interpretar aquele assassino dos quais as pessoas jamais desconfiam.
FOLHA – Lima Duarte criticou o sotaque grego que você fazia em ‘Belíssima’, o que causou constrangimento na Globo. O que sentiu?
TONY – Nada, no dia seguinte estávamos nos abraçando. Ele me pediu desculpas e disse que falou outra coisa na entrevista.
FOLHA – Eu deveria ter trazido a fita da entrevista, que foi gravada…
TONY – Tudo bem. Mesmo que tenha dito o que saiu na Folha, ele não me ofendeu. Temos que aprender a conviver com opiniões divergentes. Depois, ele me disse que estava preocupado com o que eu ia pensar. Respondi: ‘Esquece’. Até porque estava consciente do sotaque. Era verdadeiro, legítimo, foi elogiado pelo consulado grego. Mas acha que fiquei sem dormir por causa daquilo? É ruim, hein. Era domingo, mandei um macarrão, tomei vinho e fui passear com os meus netos.
FOLHA – Você também parece encarar numa boa piadas sobre a quantidade de pêlos de seu corpo, como as feitas pelo ‘Casseta’.
TONY – Claro, fui lá no ‘Casseta’, sentei em um cenário cheio de pêlos. Um ator não pode ter amarras, preconceitos. Não tenho problema com isso. Se tiver que raspar, aparar os pêlos por um personagem, vamos lá.
FOLHA – O sr. apresentou uma cerimônia na visita de João Paulo 2º ao Brasil, em 1997. Como é a sua ligação com a Igreja Católica?
TONY – É de fé. As demonstrações para que tenha essa fé, que não vou citar, são muitas, até físicas e orgânicas. A missas, vou pouco. Uma vez, começaram a me pedir autógrafos na missa, achei um desrespeito com o local, o momento. Então evito.
FOLHA – Quantos convites já recusou para posar para a ‘Caras’?
TONY – Não recuso. Seria preconceito. A diferença é que não faço reportagens sobre a vida pessoal, não mostro a minha casa, ela não está aberta à visitação pública. Não gosto disso.
FOLHA – Você e sua mulher, Lidiane, casados há 38 anos, conseguem ter casais amigos nesse universo artístico em que há tanta separação?
TONY – Claro. O problema é que nós, artistas, estamos muito expostos, mas separações acontecem em todos os meios. Qual é o problema de se casar quatro, cinco, dez vezes? Minha mãe se casou três vezes, e fez muito bem. Não é porque o meu casamento deu certo que sou a avis rara. A atitude preconceituosa é quando olham para a Lidiane, que é a minha amada de toda a vida, e para mim e dizem: ‘Square’ [quadrados], o casal certinho’.
FOLHA – Você já teve até uma dupla musical chamada Tom e Tony…
TONY – Foram duas apresentações no ‘Jovem Guarda’, da Record, cantando músicas em inglês das quais Roberto Carlos fazia versão em português.
FOLHA – Como foi a sua experiência como jornalista de futebol?
TONY – Na TV Tupi, o grande narrador Walter Abraão me chamou para dar uma ‘bossa’ à transmissão do campeonato dos aspirantes. O Dennis Carvalho, que sempre teve uma voz maravilhosa, topou ser o narrador, e eu, com a minha voz que tinha um timbre de adolescente querendo crescer, ia lá para o campo, com capa de chuva, entrevistar jogadores.
FOLHA – Qual é o seu time?
FOLHA – Deus, veja meu olhar tranqüilo. Eu sou são-paulino!’
***
‘Paraíso’ de Braga é antro de ganância
‘Adeus às conversas corriqueiras entre maridos e mulheres ricos do Leblon.
As ‘Páginas da Vida’ viradas de Manoel Carlos dão lugar, a partir de amanhã, na Globo, ao ‘Paraíso Tropical’ de Gilberto Braga e Ricardo Linhares.
O paraíso do autor de ‘Celebridade’ (2003/04) e ‘Dancin’ Days’ (1978) fica em Copacabana e é um antro de sexo, ganância, cobiça e disputa por poder.
Tony Ramos é Antenor Cavalcanti, proprietário do Grupo Cavalcanti, conglomerado com empresas de construção civil, indústria têxtil, importação de carros e rede hoteleira.
Nas palavras do ator, é ‘um homem pragmático, que surpreende as pessoas com atitudes raivosas ao defender o seu negócio.’
Na empresa, fica dividido entre Daniel, o mocinho interpretado por Fábio Assunção, e Olavo, o vilão de Wagner Moura.
Esse último faz de tudo para tomar o poder do grupo e tirar Daniel da jogada. Com esse objetivo, afasta o rapaz de sua amada, Paula (Alessandra Negrini). A boa moça some, e aparece sua irmã gêmea má, Taís.
O empresário Antenor Cavalcanti é mal resolvido com o pai (Hugo Carvana), que foi um grande contraventor e hoje é sustentado com mesadas do filho.
Até gosta da mulher (Renée de Vielmond), mas é machista e se envolve com outras mulheres, inclusive com a atraente advogada de seu grupo (Maria Fernanda Cândido).
Com ‘Paraíso Tropical’, Braga deve trazer ação novamente ao horário. A novela será gravada em câmeras de HDTV (alta definição), já à espera da TV digital, prevista para chegar ao país no fim do ano.’
Bia Abramo
Consumo televisivo neutraliza a tragédia
‘‘A QUE ponto chegamos?’, perguntava-se o personagem Lucas, numa cena destes últimos capítulos de ‘Páginas da Vida’ (sim, esta coluna vai se desdizer e voltar a falar da novela que acabou de acabar). Pois é mesmo o caso de se fazer essa pergunta depois que os pais de João Hélio apareceram nos depoimentos finais da novela na última terça-feira.
Qual é, exatamente, o sentido desses depoimentos que encerram cada capítulo? Eles aparecerem depois que a última cena da novela congela e dá lugar a imagens estáticas de cenas do capítulo seguinte; em seguida, aparece uma moldura colorida e, dentro dela, uma pessoa começa a contar uma história.
A intenção é provocar a continuidade entre a ficção e a realidade, avalizando aquilo que aparece na trama (uma vez que as histórias reais são tão cabeludas quanto as da ficção). Só que, nessa operação de aproximação entre os dois universos, o depoimento acaba contaminado, adquirindo a textura mais rala do entretenimento e da sentimentalização.
O crime do qual João Hélio foi vítima é grave demais para ser submetido às operações neutralizadoras do entretenimento. Se realmente se quer provocar alguma discussão relevante na sociedade brasileira a partir desse episódio, seria melhor deixá-lo preservado dos mecanismos do consumo televisivo.
Além disso, não se pode, em momento nenhum, esquecer que o depoimento em questão foi exibido ensanduichado entre dois programas cuja expectativa de audiência é enorme: os últimos capítulos da novela e o ‘BBB7’ em dia de paradão. Em tese, isso aponta para uma ‘boa intenção’: aproveita-se a audiência que está lá mesmo, esperando para ser divertida pela novela e pelo ‘reality’, e não a deixa esquecer da tragédia. No fundo, o que ocorre é o oposto: a pílula amarga de realidade não deixa a peteca da audiência cair e, de quebra, fornece o travo para o público continuar consumindo o açúcar do entretenimento sem culpas.
E o ‘BBB7’, hein? O paredão entre Íris e Alemão foi para lá de interessante. Não pela disputa em si, mas pela visível decepção que esse paredão antecipado provocou na produção do programa. Pedro Bial, habitualmente tão senhor de si, não sabia o que perguntar para os participantes do programa e, eles mesmos, com caras desenxabidas, adivinhavam o tédio que viria. Sem o tal do triângulo, situação que criava uma tensão divertida no programa, trata-se agora de demonizar o caubói -o que não vai exigir muito esforço.’
Lucas Neves
Decadente nos EUA, ‘Lost’ 3 chega ao Brasil
‘Os espíritos de porco de plantão já decretaram: a recente queda de audiência nos EUA de ‘Lost’ está ligada à entrada de Rodrigo Santoro no elenco.
A terceira temporada, que o AXN começa a exibir amanhã (em que o ator só surge no terceiro episódio), mostra que o comentário é puro veneno.
O fato é que a premissa inicial -acompanhar um grupo de sobreviventes de um desastre aéreo presos numa ilha longínqua- deu lugar a um enredo barroco, com mistérios, teorias e pistas falsas demais. E lá se foi o público para outras ilhas…
No auge de ‘Lost’, em 2004/2005, 20 milhões de pessoas acompanhavam semanalmente a história nos EUA. Nas últimas três semanas, o ibope caiu vertiginosamente: só 12,8 milhões sintonizaram o programa (queda de 36%). No Brasil, o desgaste se repete: os primeiros capítulos do 2º ano, atualmente em exibição na Globo, registraram média inferior (12) à da leva inicial (15), mostrada há um ano.
Nos EUA, a concorrência tem, sim, feito estragos -o fenômeno ‘American Idol’ vai ao ar na mesma noite na Fox e deixa uma audiência inercial-, mas a crítica é unânime em apontar o traço ‘rococó’ dos roteiros (com detalhes que, quando muito, dizem algo apenas aos ‘lostmaníacos’) como o principal problema da série.
Além disso, a idéia de dividir o terceiro ano em dois blocos (de seis e 16 episódios) -que os produtores usaram para não melindrar a audiência com reprises- não surtiu efeito. Durante o hiato, muita gente foi dar uma volta longe da ilha e ficou por lá mesmo: na Nova York de ‘CSI:NY’, por exemplo, concorrente direto que tem levado a melhor.
Estratégia revista, é possível que o quarto ano seja exibido de uma tacada só.
Trio raptado
Antes disso, é preciso saber como Jack, Kate e Sawyer vão se livrar da custódia d’Os Outros, por quem foram raptados (e quem vai dividir uns amassos com a moça…). Dois deles não vão demorar muito a escapar de suas jaulas, mas o terceiro…
Santoro vive Paulo, sobrevivente do acidente que estava até então ‘no segundo plano’.
A preguiça e a veia piadista são o que se conhece dele. E parece que ficaremos por isso mesmo, já que o ator andou dizendo que está de mudança do Havaí (local das gravações).
Em entrevista à imprensa estrangeira da qual a Folha participou, em outubro passado, nos EUA, o produtor Carlton Cuse descreveu o grande tema do ano 3. ‘Uma questão central será a construção de uma sociedade e como ela é influenciada pelas circunstâncias da existência de seus integrantes.
Isso será desenvolvido à medida que formos sabendo mais sobre Os Outros.’
E quanto aos sobreviventes do acidente, dirão os fãs? ‘Algumas perguntas que responderemos serão a de como Locke foi parar numa cadeira de rodas e o que Kate fez antes de chegar à ilha’, contou o criador Damon Lindelof. Também estão a caminho flashbacks de Hurley (focando a relação com o pai), de uma Claire teen morena e dark e de Sayid em Paris.
LOST – 3ª TEMPORADA
Quando: amanhã, às 21h
Onde: AXN’
Daniel Bergamasco
Roteiristas são grandes jogadores
‘A terceira temporada de ‘Lost’ calará os desconfiados ao beber da deixa mais intrigante do último episódio da segunda: a evidência de que existe conexão entre a ilha e o mundo ‘real’. Será uma nova escotilha de possibilidades para os produtores, que nunca se contentaram em fazer um seriado que fosse uma coisa só.
‘Lost’ partiu de uma premissa simples, a queda do avião, para aos poucos se ligar a outros elementos de tensão. Elegeu a própria ilha como um personagem tão forte que emplacou episódios seguidos sem que o protagonista (Jack) precisasse dar as caras na história. Sobretudo, desamarrou alguns nós (quem é Henry Gale?), deixando outras dúvidas para depois. Como Locke ficou paraplégico? Como os Outros foram parar ali?
Os roteiristas parecem estar jogando um RPG demorado, mas são excelentes jogadores. A irritação dos incrédulos é ligada, em grande parte, à impaciência pelo desfecho. Haja Maracujina e ioga para esperar mais alguns anos para, só então, descobrir o que é que a maldita (bendita?) ilha tem.
Soma-se a isso a desconfiança pós-traumática dos telespectadores brasileiros, acostumados aos desfechos de suspenses de novela das oito -nos quais uma dúzia de finais costuma fazer sentido, até porque todos os outros se igualariam na pobreza de lógica e trama.
Lá não é como aqui. O nível médio dos roteiros de ficção de TV produzidos nos EUA está muito à frente do nosso; como também está à frente do cinema do país.
A TV americana é competente. Não é à toa que ‘Friends’ se segurou por dez anos no ar, e ‘Família Soprano’ chegou à sexta temporada. ‘Lost’ também não terá nadado até aqui para morrer na praia.’
Rafael Cariello
Cafona, série lembra ‘Caverna do Dragão’
‘Um cenário paradisíaco, a satisfação das necessidades imediatas garantida, sombra, água fresca e todo o tempo do mundo para tentar dar sentido ao que está acontecendo. Ai, que preguiça!
Na série ‘Lost’, transformaram o vazio da existência num videogame em que se passa de fase e que promete poder ser concluído -profundidade e sofisticação suficientes para prender a atenção de um adolescente.
Agora vêm dizer que o jogo emperrou; que a série ficou chata. O avião de mistérios e conflitos vazios deu pane e vai cair num vazio ainda maior? Ora, ‘Lost’ sempre foi um saco que não pára em pé.
Além de cafona, claro, com suas fumacinhas pretas, seus números que dão azar, entradas e saídas secretas. Uma espécie de ‘Caverna do Dragão’, aquele desenho animado que fazia sucesso na Xuxa, com personagens adultos.
Esperavam, e ainda esperam, por respostas? Pois quem insistir vai nadar para morrer na areia.
Que a praia pode ser o lugar do absurdo, já nos ensinava Camus. Que a ilha deserta serve de metáfora para o sem-sentido dessa vida em qualquer parte, nascemos sabendo.
Ou seja, em ‘Lost’, estivemos desde logo perdidos num lugar-comum. Mas a resposta, a saída, não está em resolver mistério algum, em explicar nada. Quem entendeu qual era a solução -tanto lá como aqui, a boa solução se parece mais com um casamento em final de novela do que com uma resposta definitiva- foi a Gang 90, lembra?
‘Eu e minha gata rolando na relva/ Rolava de tudo/ Covil de piratas pirados/ Perdidos na selva./ Quando o avião deu a pane/ Eu já previa tudinho/ Mim Tarzan, you Jane/ Incendiando mundos nesse matinho.’’
******************
Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.