Ações e diálogo da Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital no sétimo Fórum Internacional de Software Livre (FISL 7.0), em Porto Alegre, começam a envolver os desenvolvedores de programas. Criadores do middleware brasileiro Maestro liberam códigos-fonte para uso gratuito
Uma faixa com a frase ‘Queremos rádio e TV Digital com software livre e sem patentes!’ foi estendida no auditório onde ocorria a cerimônia oficial de abertura do Fórum Internacional de Software Livre (FISL 7.0) por integrantes da Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital na tarde da última quarta-feira em Porto Alegre. A manifestação-surpresa fez o ministro Sérgio Rezende, da Ciência e Tecnologia, parar seu discurso e incoporar em suas palavras a defesa do uso de software livre naquele que ele qualificou como o maior atributo da TV Digital, a ‘interatividade’. O ministro falou durante cerca de 5 minutos sobre o tema. Afirmou que o governo reconhece na TV Digital uma boa oportunidade tecnológica para a indústria eletrônica nacional e a produção brasileira, cultural e de software. Anunciou que o Brasil terá um sistema próprio de digitalização, mas que o padrão de modulação terá que ser estrangeiro. Segundo Rezende, o padrão escolhido para o país será anunciado nas próximas semanas.
A provocação da Frente arrancou aplausos dos mais de 500 integrantes da comunidade do software livre que lotavam o auditório do Centro de Exposições da Fiergs, mas a declaração do anúncio sobre o padrão para breve preocupa os movimentos que compõem a Frente, que organizam uma série de ações pelo país, com o objetivo de esclarecer a população que ainda desconhece as perspectivas, os riscos e as potencialidades abertas com a implementação do rádio e da TV Digital no Brasil.
Tão impactante quanto a ação da Frente foi o anúncio feito por vídeo, ao final da cerimônia, pelo coordenador da equipe da PUC-RIO, Luiz Fernando Soares, que desenvolveu o middleware declarativo Maestro para o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD). O pesquisador do Laboratório Telemídia do Departamento de Informática declarou aos presentes que a partir desta sexta-feira, dia 22/4, estaria liberando para cópia, distribuição e modificação o conjunto de ferramentas que integram a solução nacional desenvolvida como software aberto para uso sob licença pública geral dentro dos princípios do Projeto GNU
Toda a documentação do Maestro pode ser acessada clicando-se aqui http://www.telemidia.puc-rio.br/~rogerio/maestro/
Debate participativo
Durante a manhã, uma mesa sobre a digitalização organizada pela Frente também provocou o interesse do público que lotava a sala Von Neumann. No início, foi exibido um vídeo de 15 minutos sobre o SBTVD, produzido pelo curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que apresenta como foram desenvolvidas as pesquisas nacionais. Em seguida, o secretário-executivo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), James Görgen, falou sobre a luta de cinco anos do Fórum na questão da TV Digital e da criação da Frente no dia 4/4 (hoje composta por 55 entidades), empenhada no sentido de pensar para o Brasil um sistema de digitalização para os meios de comunicação que seja inclusivo e definitivamente liberto do modelo concentrador atual. O pesquisador Valter Roesler, do programa de Pesquisa em Redes de Alta Velocidade (PRAV), da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), instituição que coordenou um dos consórcios, fez uma exposição sobre os padrões digitais existentes em rádio e TV. Ele apresentou os objetivos do processo de digitalização e apontou problemas que podem acarretar a utilização de tecnologias específicas.
Roesler condenou o padrão americano IBOC para rádio digital, em testes no Brasil, por apresentar problemas como o alto custo para a transição de uma emissora (U$ 75 mil), a utilização maior do espectro por canal e a conseqüente degradação dos sinais analógicos existentes. O IBOC, segundo o pesquisador, não cria uma nova banda, utilizando-se da banda não alocada entre as estações. ‘Algo como construir o prédio no terreno do vizinho’, comparou.
A Unisinos desenvolveu, para a TV Digital, um trabalho de codificação de vídeo totalmente em software livre, que facilita a transmissão para as emissoras pequenas, com poucos recursos. Segundo Roesler, o padrão ISDB japonês para TV é tecnicamente o mais perfeito, atualmente, mas tem o grande defeito de ser ‘engessado’, não permitindo agregar estudos, uma característica determinante para que se torne obsoleto em determinado espaço de tempo.
Josué Lopes, representante da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), lembrou que toda a repressão praticada até hoje às rádios comunitárias poderá ser transferida e potencializada no sistema digital, se o padrão escolhido privilegiar os altos custos dos equipamentos. ‘Essa característica pode inviabilizar a mídia alternativa e comunitária’, disse Josué, ao chamar os militantes do software livre (SL) a participar da discussão nacional sobre o SBTVD.
De cabeça na luta
Com a introdução da tecnologia digital no rádio e na TV, o desenvolvimento de software, seja na forma de aplicativos, sistemas interativos ou middleware, passará a ter um papel fundamental na cadeia de valor da radiodifusão e das telecomunicações. Em todas as etapas, da transmissão à recepção dos sinais digitais, programas de computador estarão no coração dos sistemas e soluções empregadas. Sensibilizar a comunidade do software livre para esta oportunidade é um dos objetivos da atuação da Frente durante os quatro dias de evento em Porto Alegre.
Marlon Dutra, presidente da Associação de Software Livre, organizadora do FISL 7.0, defende que ‘tudo o que move os sistemas digitais de comunicação é software, e pode ser desenvolvido em software livre. Temos que utilizar nossas tecnologias’, diz. Ele entende que esta é uma discussão muito nova, que precisa ser ampliada, e relata que o discurso da comunidade SL na questão da digitalização das comunicações transcende o que diferenciava, antes, as tecnologias da informação e de comunicação. ‘Muitas pessoas não entendem, mas hoje essas tecnologias convergem de maneira inevitável. Temos que desmistificar e mostrar como tudo isso funciona. Esse é um assunto que ainda vai pegar fogo’, adverte.
Dutra manifesta que é sua intenção, assim que terminar o FISL 7.0, iniciar imediatamente a produção de um evento específico para tratar da TV Digital junto à comunidade SL. ‘Vamos buscar parceiros para viabilizar esta proposta’, declara. A Associação Software Livre.org é uma das entidades que compõem a Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital. Éverton Rodrigues, integrante do projeto Software Livre Brasil, que também integra a Frente, salientou que atualmente, no Brasil, quem desenvolve tecnologia em SL são os jovens e que a digitalização das comunicações traz um apelo ao qual eles devem se ‘inserir de cabeça’.
******
Jornalista, da Redação FNDC