Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mario Vitor Santos

‘Recebi a seguinte manifestação do leitor e jornalista Irineu Perpétuo sobre a cobertura do caso da menina isabella Nardoni. Ele faz associações entre o destaque dado a este noticiário e à falta de atenção para outro tema relevante. Segue a mensagem:

‘Caro,

Acompanhei seus comentários sobre a cobertura da imprensa do caso Isabella Nardoni, e acho que você acertou na mosca ao identificar o linchamento a que o pai e a ‘madrasta’ (não tive como não me lembrar dos desenhos Disney da minha infância, que demonizavam as madrastas de Branca de Neve e Cinderela) da menina estão sendo submetidos. O espectro da Escola Base, mais uma vez, ronda a imprensa, que parece não ter aprendido nada com o caso.

Permita-me avançar na discussão, e aventar a hipótese de que essa madrasta esteja sendo muito conveniente a determinados interesses políticos. OK, um caso desses sempre causa comoção pública, e ganha espaço, mas me parece que ele está sendo utilizado para também abafar o desabamento do viaduto do fura-fila (ainda mais que ambas as histórias são cobertas pelas mesmas editorias, de ‘cidades’, ‘metrópole’ ou ‘cotidiano’). O furor da mídia contra pai e ‘madrasta’ transmuta-se em curiosa apatia com relação à Prefeitura de São Paulo, Andrade Gutierrez e responsáveis pelo viaduto -que não se incomodaram em dar qualquer tipo de explicação ou satisfação à população. Na página de entrada do iG de hoje, por exemplo, segue o caso Isabella, mas nada sobre o viaduto -nenhuma cobrança de resposta, nada. Não custa lembrar que, a se julgar pelo que a Folha vem publicando, o que ocorreu no viaduto foi um erro grosseiro, fácil de ser evitado se houvesse fiscalização (sempre de acordo com os especialistas ouvidos pelo jornal). Se não houve vítimas fatais, foi meramente uma questão de SORTE. Pergunta que legitimamente pode passar pela cabeça do leitor/internauta: será que, se a prefeitura de SP estivesse sendo ocupada não por Gilberto Kassab, mas por, digamos, Marta Suplicy, a mídia seria tão complacente com relação ao acidente?

Abraço,’

Irineu Perpétuo

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Cobertura madrasta (3/4/08)

Todos os veículos de comunicação do país jogam o equilíbrio no lixo ao chamar Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, casada com o pai de Isabella Nardoni, de ‘madrasta’. A palavra está longe de ser ‘neutra’ e ‘objetiva’. ‘Madrasta’ tem segundos e terceiros significados muito claros para todos. O termo remete aos personagens mais cruéis dos contos de fada. Está associado à bruxaria medieval e à falsidade. Anna Carolina não é mais apenas mulher, acusada, ou suspeita. É, principalmente, onipresentemente, a ‘madrasta’ das manchetes. Em sua carta divulgada hoje, Anna Carolina logo menciona a carga presente na maneira como tem sido tratada. É madrasta até quando ‘alega’ inocência. A escolha das palavras já é um prejulgamento. Se Anna Carolina for inocente, então, todos testemunham agora o seu linchamento, o que remete também a práticas de justiçamento existentes na Idade Média. Policiais de São Paulo vezes são acusados de praticar justiçamentos. A imprensa deveria evitar ser conivente com essas ilegalidades. Confira abaixo o que todos já sabem desde pequenos: o significado de ‘madrasta’ nos dicionários. Veja se Anna Carolina já não foi sentenciada pelos meios de comunicação, inclusive este iG:

As melhores imagens

Texto na capa do iG diz que publica as ‘melhores’ imagens do dia. A imagem é de um caminhão tombado. A legenda não informa se houve vítimas, nem o seu estado nem os seus nomes. O jornalismo é uma atividade muito complexa e passível de várias falhas. A pior delas é quando ele se torna insensível para aquilo que deveria ser seu foco principal: a dimensão humana, a preocupação com os indivíduos.

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O pai, a madrasta e o fantasma (2/4/08)

A cobertura jornalística da morte da menina Isabella Nardoni não vai bem até agora no iG.

O assunto recebe destaque em manchetes seguidas, pois atrai grande curiosidade.

Falta, porém, equilíbrio.

A menina, de cinco anos, morreu no sábado, em circunstâncias ainda não esclarecidas. O corpo foi encontrado no jardim do prédio em que seu pai morava com a atual mulher, na zona norte de São Paulo.

O problema da cobertura é deixar de cumprir o que é mais importante no jornalismo: equilíbrio, eqüidistância. O iG tem dado pouco destaque para o ‘outro lado’, ou seja, para as versões do pai e da ‘madrasta’.

O trabalho de reportagem do iG tem sido excessivamente dependente das versões divulgadas pela polícia.

É verdade que esse não é um problema só do iG.

A falta do ‘outro lado’ em reportagens policiais afeta generalizadamente os veículos jornalísticos brasileiros. Mas os outros veículos não vêm aqui ao caso.

O que interessa é que o iG veicula fartamente as versões dos agentes da lei. Os desmentidos do pai e de sua mulher atual também foram publicados, mas não têm nem de longe o mesmo destaque, nem tantos detalhes.

Em casos como esse, há um desequilíbrio no fluxo de informações para os repórteres. A polícia fala demais. Os acusados se retraem.

Na prática, o trabalho de repórteres e editores acaba dando mais credibilidade à polícia do que aos suspeitos. O jornalismo policial tem uma conhecida tendência oficialista.

Os repórteres disputam o furo e a exclusividade. Fazem de tudo para ter acesso aos policiais que detêm as ‘informações’. No afã de divulgar na frente e ampliar a audiência, os chefes também acabam responsáveis pela distorção.

Neste caso, o pai e a ‘madrasta’ (termo usado na manchete do iG hoje) tornaram-se, aos olhos da polícia, os principais suspeitos da morte.

Talvez os investigadores policiais tenham boas razões para pedir, como fizeram nesta quarta-feira, a prisão temporária do pai, o consultor jurídico Alexandre Nardoni, e da ‘madrasta’, Ana Carolina Trota Peixoto Jatobá. A Justiça acabou decretando a prisão mas as razões ainda não estão nada claras.

Falta apurar com rigor inúmeros detalhes e checar sempre as versões, confrontando-as com outras fontes e submetendo-as ao exercício da dúvida permanente:

Numa mesma reportagem do iG hoje, por exemplo, o delegado que comanda as investigações afirma que a queda não pode ser a causa da morte. Já o diretor do Instituto Médico Legal afirma que com toda certeza foi.

A existência de sangue no prédio também não está ainda bem estabelecida. Há diversas versões para os supostos gritos da menina.

O avô (pai da mãe) disse que não foi um acidente, mas defendeu muito o pai, e isto não está em evidência.

O advogado do pai da menina afirma que ele nega com veemência a autoria do crime. Isso também tem sido muito pouco destacado em comparação com o volume das suspeitas lançadas contra pai e ‘madrasta’.

Há reportagens extensas em que a negativa paterna é simplesmente omitida. O ‘outro lado’ no jornalismo não é questão meramente formal, um mero registro para constar.

Ele tem que ser cumprido com rigor extremo. Deve existir nas edições em que textos de diferentes versões se defrontam. Deve existir também internamente aos textos, em que a um ataque deve corresponder ao menos uma menção à outra parte que nega.

Links para reportagens com outras versões são importantes. Devem ser usados sempre que há um ataque.

De qualquer forma, o caso parece dominado por detalhes não esclarecidos e versões não registradas. Mais do que nunca são necessários prudência e rigor.

Nessa disputa, os afobados já foram derrotados. Vencerá quem não arredar pé dos princípios e das técnicas de apuração e edição clássicas do jornalismo. Por ora, o espectro da Escola Base continua rondando o caso da menina Isabella.

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Novas crises, velhos problemas (1/4/08)

As manifestações ao ombudsman em março (756) superaram muito a média de todos os meses anteriores, com exceção de julho do ano passado. Naquele mês, problemas de perdas de e-mails e desaparecimento de caixas postais e contatos de contas de e-mails do iG provocaram indignação de muitos internautas.

Agora em março, muitos leitores procuraram o ombudsman para protestar contra a decisão da direção do iG de encerrar o site Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim.

Muitos reclamaram de o iG não ter comunicado os leitores de sua decisão nem informado claramente, desde o primeiro momento, as razões do desligamento do jornalista.

Amorim é crítico implacável da operação de aquisição da Brasil Telecom (proprietária do iG) pela Oi. Denuncia a negociação como sendo contrária aos interesses do país. Ele agora exerce esse papel em seu site, não mais hospedado no iG.

Este ombudsman criticou a atitude do iG no episódio, especialmente a maneira pouco aberta aos leitores como ele se deu. O iG e os demais meios de comunicação devem trabalhar com a transparência e abertura que exigem das demais instituições.

Quanto às outras queixas registradas pelos leitores em março, vale notar o alto número (126) dos que se queixam de problemas de atendimento e cobrança indevida (54). Os e-mails funcionam melhor do que na crise de julho passado, mas causaram dores de cabeça em 55 internautas.

Ou seja, uma nova crise não afastou deficiências de caráter mais crônico e que demandam atenção redobrada.

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Recomendação ao iG (que defende seus métodos) (31/3/08)

Na semana passada, em obediência ao estatuto que rege a função de ombudsman, enviei recomendações ao iG no sentido da criação de uma política efetiva de controle do conteúdo publicado em suas páginas, especialmente em sites gratuitos do hpg (mas não apenas). O motivo foi a reclamação de um leitor que denunciou um site gratuito hospedado pelo iG que ensinava como fabricar bombas caseiras, dentre outras violências.

Eis o texto da recomendação remetida à direção iG:

‘Prezado Flavio Elizalde,

em atendimento ao regimento do ombudsman, faço as seguintes recomendações. Por favor, informe-me se no todo ou em parte elas já estão em prática:

1) O iG deveria adotar uma estratégia ativa e voluntária para localizar e retirar qualquer conteúdo criminoso, ilegal e inadequado existente em qualquer página que veicule. Deveria dispor equipe voltada para esse objetivo.

O iG é responsável moral e legalmente, e deveria zelar para que nada do que veicula pudesse causar danos a outrem.

2) Além dos contratos e avisos presentes nas letras miúdas, o iG deveria alertar, com clareza, simplicidade e concisão, que conteúdo desse tipo não será aceito, além de convidar os internautas a denunciar imediatamente casos de que tomem conhecimento.

3) O iG deveria (se ainda não o faz) estudar formas confiáveis de cadastramento dos autores dos sites e páginas

4) Manter cadastro atualizado e auditado dos responsáveis

5) Denunciar os transgressores às autoridades

6) Processar os responsáveis judicialmente.

7) O iG deveria, enfim, ter uma efetiva política de segurança, que proteja seus clientes.

Abraços,

Mario’

Veja a seguir a resposta elaborada pelo diretor de Conteúdo, Caique Santana Severo, e pelo diretor adjunto do iG Empresas, Flavio Elizalde:

‘Caro Mario

Semana passada você enviou uma série de questionamentos sobre os serviços IG e as relações de segurança e privacidade dos usuários.

Respondo abaixo cada uma das questões. As respostas foram elaboradas em conjunto por mim e pelo Flavio Elizalde, diretor-adjunto do iG Empresas.

Antes, devo ressaltar que o meio internet ainda está na fase de definição de suas regras portanto ainda é prematuro submetê-lo à mesma jurisprudência da mídia tradicional.

Os seus pontos estão numerados e seguidos das nossas respostas.

Por favor, se quiser aprofundar o tema, nos procure.

Abs

Caique’

1) Recomendação do Ombudsman: O iG deveria adotar uma estratégia ativa e voluntária para localizar e retirar qualquer conteúdo criminoso, ilegal e inadequado existente em qualquer página que veicule. Deveria dispor de equipe voltada para esse objetivo.

Resposta do iG: O iG não faz análise prévia dos conteúdos publicados por seus usuários. Quando identificado através de denuncia, o conteúdo é retirado do ar.

2) Recomendação: O iG é responsável moral e legalmente, e deveria zelar para que nada do que veicula pudesse causar danos a outrem. Segundo o termo de uso dos serviços do iG, o material publicado pelos usuários é de responsabilidade deles. Se uma denuncia formal é entregue, o departamento jurídico do iG pede o backup da página, a retirada do conteúdo do ar e o envio das informações do usuário, desde que solicitado por vias judiciais.

Resposta do iG: No que se refere às informações e dados cadastrais do website e de seu titular, o iG, em respeito à segurança e ao direito à privacidade de seus usuários, conforme previsto no art. 3º da Lei Geral de Telecomunicações (LGT – Lei 9472/98) e no artigo 5ª, XII da Constituição Federal (CF/88), somente os fornece a terceiros mediante a apresentação de alvará ou ofício expedido por autoridade judiciária competente para este fim.’

3) Recomendação: Além dos contratos e avisos presentes nas letras miúdas, o iG deveria alertar, com clareza, simplicidade e concisão, que conteúdo desse tipo não será aceito, além de convidar os internautas a denunciar imediatamente casos de que tomem conhecimento.

Resposta do iG: O iG é um dos provedores de internet brasileiros que firmou junto ao Ministério Público um acordo de colaboração em casos de conteúdos indevidos. Por conta dele, temos em todas as páginas iniciais dos sites de conteúdo criado pelo usuário um selo de ‘Denuncie’ para que qualquer internauta possa denunciar diretamente esse tipo de material.

4) Recomendação: O iG deveria (se ainda não o faz) estudar formas confiáveis de cadastramento dos autores dos sites e páginas

Resposta do iG: O cadastro de usuários do IG exige o conjunto necessário de informações para confirmar que quem está fazendo o registro é um usuário real, não um software programado para preencher os campos da página. Assim o cadastro garante que não sejam criados cadastros em massa. Além disso, o cadastro do IG exige que o usuário informe o número do CPF. Não existe forma viável mais confiável do que esta.

5) Recomendação: Manter cadastro atualizado e auditado dos responsáveis

Resposta do iG: O iG não tem política de atualização automática ou forçada do cadastro de clientes. Voluntariamente o cliente pode atualizar seus dados. Os cadastros não são auditados.

6) Recomendação: Denunciar os transgressores às autoridades

Resposta do iG: No que tange às páginas pessoais relacionadas ao serviço hpG, a política do iG consiste em, sempre que receber denúncias de que tais páginas veiculam conteúdo ilegal ou que conduza quaisquer internautas a comportamentos ilegais, retirá-las do ar imediatamente. Cumpre ressaltar que os usuários do serviço hpG sabem, de antemão, que estão sujeitos a medidas deste tipo, já que as mesmas estão expressamente previstas nos ‘Termos de Uso’ do serviço em questão.

7) Recomendação: Processar os responsáveis judicialmente.

Resposta do iG: Não cabe ao IG processar os responsáveis. O portal se responsabiliza por encaminhar denúncias que receber às autoridades cabíveis.

8) Recomendação: O iG deveria, enfim, ter uma efetiva política de segurança, que proteja seus clientes.

Resposta do iG: Existe uma política de privacidade e segurança, na qual o IG se responsabiliza por preservar a privacidade dos usuários em relação a seus dados. O texto está publicado em http://images.ig.com.br/po litica_privacidade/index.html

Pelas respostas da direção do iG, a impressão é de que os internautas ainda poderão ser surpreendidos por conteúdo violento, ofensivo e até ilegal em algumas páginas do iG. Isso talvez seja inevitável. Mas o volume e a permanência desse conteúdo poderiam ser muito diminuídos, se o iG adotasse uma atitude menos passiva e fosse atrás dos conteúdos ilegais, ofensivos e violentos.

A rigor, o iG não resolveu adotar nenhuma nova providência nesse terreno. Deveria, ao menos, instalar um botão de denúncia em cada página para coibir os abusos que acontecem, instituir controles que garantam a qualidade daquilo que é publicado sob a marca do iG. Essa é a obrigação de qualquer empresa da velha mídia, por que deveria ser diferente na internet? Todos devem assumir plena responsabilidade pelos danos que causarem. Quem não fizer isso, não deve se enganar. Cedo ou tarde, a economia de agora será cobrada em dobro na forma de prejuízos de imagem e falta de confiança do público.

Nos próximos dias, este ombudsman vai tratar da falta de controle sobre os comentários de leitores. Os comentários são automaticamente autorizados junto às notícias do Último Segundo.

Trecho de site publicado no iG e só retirado do ar após denúncia do internauta:’