CUBA
‘Acabar com embargo não levaria Cuba à democracia’
‘Um dos principais planejadores da política externa americana, David Gordon não vê grande disposição do regime cubano de promover reformas realmente democráticas na ilha. Ao mesmo tempo, considera positivo o fato de outros países da América Latina terem evoluído politica e economicamente, apesar do relativo afastamento dos EUA da região após os ataques de 11 de Setembro. Ele lembra ainda que Hugo Chávez tenta neutralizar a influência americana na região ‘utilizando recursos que estão fazendo falta aos venezuelanos’.
Gordon assumiu seu posto em 2007, indicado pela secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice. Apesar da grande influência na formulação da política externa americana, Gordon trabalha praticamente no anonimato. Nesse estilo discreto, ele esteve no Brasil na semana passada para trocar idéias com diplomatas brasileiros e debater a relação bilaterais. Na sexta-feira, ele falou ao Estado.
Há 45 anos, os EUA impõem um embargo econômico a Cuba que em nada alterou a situação da ilha. Não é hora de rever essa política?
As mudanças políticas em Cuba acontecerão, mas temos de ter certeza de que a transição seja feita de maneira estável, ou seja, sem repressão. É claro que queremos ter uma relação normal com o governo cubano, mas a questão-chave é a disposição do regime comunista de promover uma abertura política e ter um diálogo com a população sobre o futuro do país.
Mas não existe abertura política na China, na Arábia Saudita, no Egito e, mesmo assim, os EUA têm uma boa relação com esses países. Qual a diferença?
Veja bem, quando você é um estrategista de política externa dos EUA tem de encarar cada situação de maneira diferente. Ao mesmo tempo que promovemos valores democráticos e liberdade política, estamos envolvidos em questões históricas distintas em vários países. Não acredito que acabar com o embargo aumentaria as chances de abertura do regime. Na verdade, acho que, no curto prazo, uma abertura econômica diminuiria as chances de diálogo político.
Mas o isolamento aproximou Cuba da Europa. Não preocupa o Departamento de Estado o fato de os europeus estarem se tornando os únicos interlocutores na ilha?
Não estamos preocupados com o fato de a Europa ser nosso único contato com Cuba. Trabalhamos junto com os europeus, que são nossos aliados e mantêm um constante diálogo conosco.
Após o 11 de Setembro, a relação entre EUA e América Latina mudou. Os dois lados se afastaram em razão da política externa americana ter dado prioridade ao Iraque. Como melhorar essa relação?
É verdade que desde o 11 de Setembro a América Latina não é mais notícia nos EUA. De certa maneira, acho que isso é bom porque mostra o quanto a região evoluiu. Antes, os países latino-americanos eram manchete nos jornais dos EUA por causa de crises econômicas. Na última vez em que estive no Brasil, há nove anos, estávamos preocupados em saber se a crise financeira contaminaria o ambiente político. Hoje, o Brasil é um país mais sólido. Os tempos mudaram. O hemisfério está mais integrado. Estabelecemos uma série de tratados de livre comércio com países latino-americanos e uma parceria estratégica com o Brasil, que lidera uma operação de paz de sucesso no Haiti. Hoje olhamos para a América Latina como nações com as quais temos interesses convergentes.
Mas, ao se distanciarem da América Latina, os senhores abriram espaço para políticos hostis a Washington, como Hugo Chávez. Como os EUA esperam conter o antiamericanismo no continente?
Procuramos ter boas relações com todos os Estados da região, incluindo Venezuela, Bolívia e Equador. É claro que temos pontos de atrito com esses governos, mas continuaremos tentando garantir que eles sigam no caminho da democracia e do Estado de Direito. Entre esses líderes, Chávez, em particular, tem uma relação bastante antagônica aos EUA. Ele tenta enfraquecer a influência americana na região utilizando recursos que estão fazendo falta para a Venezuela. Por outro lado, é um presidente eleito e um chefe de Estado legítimo. Não contestamos isso, mas esperamos que Chávez lute para melhorar as relações de Bolívia e Equador com o restante do continente, coisa que ele nem sempre faz.
Até que ponto os EUA estão disposto a ceder para que o álcool brasileiro tenha acesso ao mercado americano?
Esse é um dos mais importantes assuntos de nossa agenda bilateral. Existe uma ótima chance de uma parceria com o Brasil no setor de biocombustível, mas ainda faltam algumas medidas regulatórias para assegurar que a segunda e terceira gerações da tecnologia de biocombustíveis sejam mais eficientes e afetem menos o meio ambiente. Estamos comprometidos também com a questão que mais preocupa o governo brasileiro, que é o acesso a mercados. Essa questão, porém, envolve a legislação interna dos EUA e não se resolverá de maneira automática.
Os EUA estão dispostos a ajudar o Brasil a conseguir um lugar no Conselho de Segurança da ONU?
Queremos aumentar o papel de potências emergentes como o Brasil dentro da ONU. Há uma série de importantes mudanças pelas quais temos de trabalhar juntos. Uma delas é a reforma do sistema multilateral. A globalização mudou a relação de poder no mundo. Hoje, há um descompasso entre os novos centros de poder e a distribuição desse poder no sistema multilateral. A reforma do Conselho de Segurança é a mais importante e a mais difícil de todas. Ela está na pauta da ONU há algum tempo, mas é difícil obter consenso. Para os EUA, ela é fundamental para recuperar a credibilidade do Conselho. É complicado realizar uma mudança sem que haja uma necessidade qualquer. Por isso, a perda de credibilidade pode ajudar a criar um consenso que tire a reforma do papel.
A reforma sai em quanto tempo?
Ainda vai durar alguns anos. Certamente não será feita durante o governo Bush.
Estamos falando de quanto tempo? Cinco anos?
Acho que antes disso.
Que países poderiam integrar esse novo Conselho de Segurança?
Para nós, a presença do Japão é fundamental. Olhando adiante, temos Índia, Brasil, África do Sul e algumas outras nações emergentes. Não acho que exista clima nos EUA para aceitar novos membros da Europa, que já está bem representada no Conselho.’
Quem é: David Gordon
‘É diretor de planejamento político do Departamento de Estado americano
Coordena o centro de estudos que planeja as estratégias adotadas pela política externa dos EUA
Foi vice-presidente do Conselho Nacional de Inteligência’
O Estado de S. Paulo
Cuba terá mais mudanças, diz jornal
‘Um artigo publicado no jornal oficial do Partido Comunista de Cuba, o ?Granma?, afirma que as reformas anunciadas recentemente pelo presidente Raúl Castro podem ser apenas o início de mais mudanças na ilha. O artigo também faz elogios à recente suspensão de restrições em diversos setores da economia. Desde que assumiu oficialmente a presidência, em fevereiro, Raúl anunciou uma série de reformas em Cuba – como a possibilidade de os trabalhadores adquirirem moradias estatais, comprarem celulares, DVDs e computadores e o fim da proibição de cubanos se hospedarem em hotéis antes reservados só para turistas.’
ZIMBÁBUE
TV estatal do Zimbábue acusa oposição de ter fraudado eleição
‘A TV estatal do Zimbábue acusou ontem a oposição de ter fraudado as eleições gerais do dia 29. A TV assegurou ter descoberto um documento secreto – escrito pelo secretário-geral do Movimento Pela Mudança Democrática, Tendai Biti, – no qual ele detalhava como o partido teria comprado agentes eleitorais para ‘aumentar os votos’ a favor da oposição. O MMD, que venceu as eleições parlamentares, assegura ter vencido a votação presidencial e rejeita um segundo turno.
O impasse nas eleições presidenciais no Zimbábue ‘não é uma crise’ e a comissão eleitoral precisa ter tempo para divulgar os resultados da votação, disse ontem o presidente sul-africano, Thabo Mbeki. Ele se reuniu por uma hora em Harare com o presidente zimbabuano, Robert Mugabe.’
MARKETING
Consumidor é o novo dono da festa
‘Existe uma categoria de eventos, há muito utilizada por marcas que buscam colar sua imagem ao glamour, que sempre chamou a atenção do homem comum, mas à qual ele nunca teve acesso. Esses encontros repletos de convidados vips acabavam divulgados por publicações e programas voltados às celebridades. Era essa a finalidade. Porém, cansadas de pagar caro por isso e ver sempre os mesmo vips nas festas, as empresas estão abandonando a tática de marketing. Ganha com isso o cidadão comum, que, agora, é o dono da festa.
‘Em vez de gritar na Caras, por que não falar ao ouvido do meu consumidor’, brinca o gerente de produtos Premium da AmBev, Ariel Grunkraut, para sintetizar o espírito do que sua empresa vem fazendo. ‘O problema de festas com vips é que hoje eles estão na da sua marca e amanhã estão na do concorrente’, pondera Eduardo Bendzius, diretor de marketing da Diageo, que tem no seu portfólio marcas como o uísque Johnnie Walker e a vodca Smirnoff.
A estratégia que vem sendo adotada pela líder do mercado cervejeiro para os seus rótulos voltados ao público de maior poder aquisitivo é a de promover eventos em que o consumidor da marca seja a estrela. ‘Num evento como o Boteco Bohemia ou Circuito Original não cabe uma ação de marketing como a de pagar para o Ricardo Mansur (jogador de pólo) posar com uma Bohemia ou Original na mão para sair em coluna social’, explica Grunkraut.
‘Nós aprendemos que o consumidor quer vivenciar suas próprias histórias e contar para o grupo de amigos. Não apenas ver um famoso na revista. Ao proporcionar essa situação para ele, multiplicamos os pontos de contato com a marca e temos mais retorno em vendas’, diz ele.
O Boteco Bohemia mobiliza milhares de paulistanos no Moinho Santo Antônio, um amplo espaço na zona leste da cidade, onde são apresentados os petiscos dos botecos eleitos em votação aberta ao público no portal da AmBev. Na escolha dos melhores do ano, há uma festa movida a roda de samba e música popular brasileira, sem nenhum espaço vip. A iniciativa deu tão certo que será reproduzida em Curitiba e Brasília ainda este ano.
No Circuito Original, a ação é bem menor e acontece nos bares clássicos da boemia cervejeira no Rio e em São Paulo. Neles a companhia promove shows de sambistas, jazzistas, chorões, sempre em petit comitê para um grupo de freqüentadores do lugar. ‘É uma experiência única que o consumidor vai partilhar com muitos amigos’, diz Grunkraut. O fato sequer é divulgado. Fica restrito ao mais legítimo boca-a-boca.
CINEMA NAS ALTURAS
Descrita como ‘experiência de marca’, essa onda cresce. A Diageo, em especial, vem se esmerando em patrocinar ações que apelam ao inusitado. Para a marca Johnnie Walker, criou o cinema nas alturas e o jantar às escuras. ‘A marca tem o compromisso global de buscar o pioneirismo em suas ações de marketing’, diz Bendzius. ‘Houve grande desgaste das fórmulas tradicionais. As mensagens que queremos passar não atingem mais o consumidor como antes, pois ele está mais crítico.’
A líder mundial no seu segmento de bebidas teve a idéia de convidar os nova-iorquinos para assistir à première de filmes no teto dos prédios sob o skyline da cidade. A proposta foi um sucesso em adesões. Trouxe a prática para São Paulo com boa aceitação. ‘É tão difícil poder se divertir em São Paulo ao ar livre. Sempre que vou ao cinema acabo trancado em alguma sala de shopping’, diz o médico Danilo Luciancencov, que foi com a namorada à estréia de Butterfly on a Wheel em São Paulo. O filme chegará às redes de cinema só em junho. ‘Mas assistir a um filme, no topo de um prédio, é o máximo. É um contato direto com a cidade. Lá de cima, ela fica linda. Sem contar que é tão difícil a gente parar para ver as estrelas que essa foi uma boa oportunidade.’
Em busca de surpreender um consumidor foi criada a Sala do Professor Buchaman?s, com encontros musicais onde os participantes aprendem sobre o que vão ouvir. O sucesso da idéia migrou para sessões de cinema no mesmo estilo.
O melhor dessas ações de marketing é que elas custam menos para as empresas, porque os ‘convidados’ pagam parte dos custos. A receita pode abater 40% do que é investido. ‘Armar a estrutura, desde alugar o espaço, levar os projetores para o prédio, além do coquetel, não custa barato’, destaca Bendzius.
Para assistir a um filme nas alturas basta garantir a vaga no site da empresa e desembolsar R$ 35. Já no jantar às cegas, com direito à degustação de uísques, que na primeira versão aconteceu no bistrô do Charlô, o consumidor que fez a reserva gastou R$ 90. E riu muito tendo de comer de olhos vendados, como diz a professora de inglês Ana Lúcia Souza. ‘Eu não acertava o garfo na boca e descobri que meu paladar precisa de MBA de tão desorientado sobre os sabores que provei.’’
Evento menor não exclui ação mais abrangente
‘O publicitário Geraldo Rocha Azevedo, da NeogamaBBH, lembra que eventos menores para conectar o consumidor com a marca não excluem as outras ações mais abrangentes na categoria. ‘Como a economia está bombando, há espaço para todas as ferramentas de marketing’, diz ele. ‘Há formatos adequados para cada público, desde os grandes eventos para massas até os pequenos para públicos mais focados.’ O importante é criar situação de engajamento com a marca. ‘Cada vez mais as marcas querem falar com a comunidade de simpatizantes’, diz Augusto Cruz Neto, presidente da agência de eventos Mood. ‘Não adianta causar impacto através uma lista de vips de uma promoter famosa, mas sem conexão com a marca. Fazer festa hoje dá mais trabalho.’’
TECNOLOGIA
EUA entram na era da alta definição
‘Em fevereiro de 2009, ou seja, daqui a exatos dez meses, a TV analógica sairá do ar nos Estados Unidos. Só quem tiver televisores dotados de sintonizador digital (set-top box) receberá os programas da TV aberta norte-americana.
A introdução da nova tecnologia começou há 10 anos e sua decolagem tem sido muito lenta. Ainda hoje, cerca de 48% dos domicílios deste país não dispõem nem de televisor nem de sintonizador digitais.
E, para surpresa geral, esses 48% não incluem apenas famílias de baixa renda, mas também boa parte da classe média norte-americana, que ainda não vê razão para investir num televisor de plasma ou cristal líquido (LCD) de grandes dimensões para assistir a poucos programas de boa qualidade com imagens alta definição.
A indústria de televisores participa do NAB Show 2008, o maior evento especializado em rádio e televisão do mundo, com um propósito central: convencer mais da metade dos norte-americanos a investir num televisor digital ou, pelo menos, num sintonizador capaz de assegurar a recepção dos programas a partir de fevereiro de 2009. O maior argumento é a televisão de alta definição – razão principal da digitalização dos sinais da TV nos Estados Unidos.
A pressão das emissoras e dos fabricantes é tão grande que seus lobistas já conseguiram convencer o Congresso a aprovar recursos federais para subsidiar a compra de um sintonizador digital em mais da metade dos domicílios do país. Estima-se que esse sintonizador (decodificador do sinal digital) não custe mais do que US$ 30, para o consumidor final.
A TV aberta (ou em broadcasting) não é tão popular nos Estados Unidos quanto no Brasil. A maioria dos domicílios dispõe de TV por assinatura, seja a cabo, satélite (DTH, de direct-to-home) ou microondas, cujas imagens em definição-padrão (standard definition) são plenamente satisfatórias ou já deram o salto para a tecnologia digital.
A grande surpresa pode vir de um terceiro fator: o Blu-ray Disc, o DVD de alta definição, que ingressa em quase 30 milhões de domicílios embutido nos aparelhos de videojogos Playstation-3 da Sony. Esses equipamentos podem justificar agora a compra do grande televisor de 42 polegadas, totalmente digital, isto é, com o sintonizador integrado.
Assim, acoplados em televisores de alto padrão, esses players ou toca-discos de Blu-ray podem reproduzir filmes de alta definição, nos home theaters, e servir a toda a família.
Essa é a grande expectativa que domina os especialistas, antes da abertura do NAB Show 2008 aqui em Las Vegas. Mais de 100 mil profissionais visitarão os quase 2 mil estandes desta feira, que nasceu para mostrar os progressos e debater o futuro do rádio e televisão abertos.
Até o Brasil tem um pavilhão, liderado pela Sociedade de Engenharia de Televisão e Telecomunicações (SET), com o objetivo de demonstrar o sistema brasileiro de TV digital e, assim, atrair a atenção dos países que ainda não optaram por nenhum dos três grandes sistemas de TV digital (norte-americano, europeu e o japonês).
O NAB Show 2008 abre amanhã e termina na quinta-feira. Ao lado da feira, o evento promove mais de 800 palestras, debates e painéis sobre as tendências da TV aberta, da Televisão sobre protocolo da internet (IPTV), rádio digital aberto e rádio digital via satélite. A televisão sobre protocolo IP da internet (IPTV) é outro grande tema do NAB Show 2008. A tecnologia tem evoluído de forma tão rápida que os especialistas já estimam sua expansão não apenas pela internet em escala mundial, mas sua difusão através de outras redes, como a do celular e as redes sem fio de banda larga do tipo WiMax.
O rádio digital via satélite por assinatura ganha nova força a união das duas grandes empresas que exploram os serviços nos Estados Unidos, a Sirius e a XM. Isoladamente, elas não conseguiam volume de assinantes nem rentabilidade mínima. O sistema é dos melhores, custa apenas US12,95 por mês, e oferece 192 canais de rádio digital, da mais variada programação. Numa viagem costa a costa nos Estados Unidos, o usuário do sistema pode dirigir ou viajar o tempo todo ouvindo a mesma emissora, ou o mesmo gênero de música de sua preferência, ou um canal só de notícias, ou de esportes, ou ainda de serviços de utilidade pública.
Futurologistas como Alvin Toffler falarão no evento sobre o futuro do rádio e da TV num mundo dominado pela internet. Duas novas aplicações da TV na internet terão debates especiais: o YouTube e o Joost.’
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O legado de Sérgio Motta, dez anos depois
‘‘Num futuro muito próximo, você poderá comprar seu celular em lojas e até mesmo em postos de gasolina. Em poucos anos, o Brasil terá milhões de usuários e diversas operadoras em regime de competição. Em muitos casos, o assinante poderá receber o aparelho de graça, pagando apenas os serviços.’
Essa era a previsão que o ex-ministro das Comunicações, Sérgio Motta, fazia em 1996 para o futuro da telefonia celular brasileira, quando o País promovia o primeiro leilão de licenças de banda B, iniciando o processo de competição nesses serviços. Pouca gente acreditava na visão otimista do ministro que ousava quebrar os velhos paradigmas de um setor estagnado e quase sem futuro como eram as telecomunicações no começo dos anos 1990. A previsão de Serjão se confirmou e não surpreende mais a ninguém. O Brasil de 1996 tinha pouco mais de 2 milhões de celulares. Hoje tem 125 milhões. Pena que não tenha vivido para comemorar esses resultados e, em especial, os do modelo de privatização da Telebrás, pois faleceu no dia 19 de abril de 1998.
Como brasileiro, sinto-me no dever de relembrar um pouco do trabalho do ex-ministro, neste décimo aniversário de sua morte. Conheci-o nos tempos de nossa política universitária em plena ditadura. Embora distantes e sem muito contato pessoal, pertencíamos à mesma organização de resistência, a Ação Popular (AP). Reencontrei Sérgio Motta no final de 1994, logo que ele recebeu o convite para ser ministro das Comunicações do presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso.
Embora fosse engenheiro e cidadão profundamente interessado nos problemas nacionais, Sérgio Motta não tinha experiência em telecomunicações. Por isso, ao formar o grande círculo de discussão do futuro do setor, me pediu para indicar os nomes dos melhores profissionais e especialistas que, em minha opinião, pudessem dialogar com ele.
Sérgio Motta tinha paixão pelo debate. Depois de mais de dois meses de discussão, convenceu-se de que, diante do esgotamento do modelo estatal, não havia outro caminho para o País do que privatizar. Foi assim que, com sua determinação e o apoio de Fernando Henrique, conseguiu fazer pelo País o que, talvez, nenhum outro ministro das Comunicações pudesse fazer.
Em pouco mais de seis meses, Sérgio Motta conseguiu convencer o Congresso a mudar o artigo 21da Constituição, que só permitia a exploração dos serviços de telecomunicações por empresas estatais. Em 1996, introduziu a competição no celular, com o leilão da banda B, que rendeu mais de R$ 8 bilhões.
‘Temos que fazer uma boa privatização, com uma lei geral, uma agência reguladora profissional e independente’, alertava. ‘Pior do que manter qualquer sistema estatal é fazer uma privatização desastrada.’
Para que o País aprendesse com a experiência internacional, enviou três assessores ao exterior para levantar em vários países os modelos mais modernos de privatização, de legislação e de agências reguladoras. Contratou consultorias internacionais para levantar o valor real da Telebrás e definir a melhor estratégia privatização. E, com sua experiência e sabedoria política, soube esquivar-se de todos os lobbies – de sindicatos, de empresários e de investidores. Em julho de 1997, depois de quase um ano de intensos debates, o Congresso brasileiro aprova a Lei Geral de Telecomunicações, então uma das mais modernas e completas do mundo, trazendo em seu bojo as linhas gerais do novo modelo regulatório, com a criação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Em novembro de 1997, instala-se a agência, dirigida por cinco profissionais competentes e respeitados. Tudo caminhava muito bem com o projeto de reestruturação das telecomunicações, menos a saúde do ministro. Depois de recuperar-se de um enfarte em setembro de 1997, Sérgio Motta passou a lutar contra uma velha infecção pulmonar, que se agravou no início de 1998.
Poucos minutos antes de ser internado na UTI do Hospital Albert Einstein, em São Paulo – de onde não sairia com vida -, o ex-ministro Sérgio Motta encaminha ao presidente Fernando Henrique um fax com a mensagem manuscrita, em que praticamente se despede do amigo, agradece seu apoio ao projeto de reestruturação geral das telecomunicações e pede, no final: ‘Não se apequene, presidente. Cumpra o seu destino histórico. Coordene as transformações do país’.
Sem Sérgio Motta, a privatização da Telebrás foi conduzida pelo novo ministro, Luiz Carlos Mendonça de Barros. No leilão realizado no dia 29 de julho de 1998, a Telebrás e suas subsidiárias foram vendidas por R$ 22,26 bilhões, o que representa quase US$ 19 bilhões. Era a maior privatização de telecomunicações da década.
Para os que ainda duvidam do acerto da privatização das telecomunicações, bastam dois indicadores. Primeiro quanto ao número de telefones ou acessos fixos e móveis. De pouco mais de 24,5 milhões em julho de 1998, o Brasil passou para quase 170 milhões hoje, o que representou um crescimento físico de 600% e um salto na densidade, de 14 telefones por 100 habitantes para os 91 atuais.’
LITERATURA
Um americano no sertão
‘O jovem médico e escritor norte-americano Daniel Mason é um fenômeno editorial. Em 2001, vendeu por US$ 1,2 milhão, para a editora Knopf, os direitos de seu primeiro livro, O Afinador de Piano, incluindo no preço do pacote um segundo livro que ainda iria escrever. O primeiro foi lançado aqui em 2003 pela Companhia das Letras e está prestes a ser filmado pelo cineasta alemão Werner Herzog (Fitzcarraldo). O segundo chega amanhã às livrarias. Chama-se Um País Distante (Companhia das Letras) e, apesar do título, fala do Brasil.
Mason passou por aqui em 2003, participando da primeira edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). A exemplo de Herzog, apaixonou-se pelo Brasil e escreveu Um País Distante por compaixão aos migrantes que deixam sua terra natal em busca de novas oportunidades de trabalho. Embora não nomeie o país, o cenário que descreve corresponde ao sertão nordestino. Dele parte uma garota de 14 anos, Isabel, que vai em busca do irmão nas favelas urbanas, perdendo tudo, da inocência aos traços de sua cultura ancestral.
Em entrevista ao Estado, por telefone, de Berkeley, Mason assume ter obsessão por odisséias conradianas, como a do afinador Edgar de seu primeiro livro, que vai a Burma recuperar o piano de um excêntrico oficial inglês. Em Um País Distante, a referência é Faulkner, além de textos bíblicos. A partir mesmo de citações ao Evangelho, Mason constrói um emocionante romance sobre o sertão, na melhor tradição de Euclides da Cunha e Graciliano Ramos.
A despeito de você não mencionar o lugar onde se passa a história de Um País Distante, é certo que se trata do Brasil. Afinal, aqui você chegou a realizar pesquisas sobre a febre amarela. O fato de eleger uma linguagem realista tem a ver com sua prática médica ou com sua ambição literária de transformar em ficção o que era assustadoramente real?
Fui ao Brasil fazer uma pesquisa para um livro (primeiro sobre Cabral, depois sobre Lampião), mas, impressionado com o que testemunhei na zona canavieira de Pernambuco e as histórias que ouvi sobre migração interna, decidi mudar de rumo. Em todas as cidades por onde passei havia sempre alguém disposto a contar sua odisséia para escapar da seca e da fome. Como sempre fui fascinado pelas histórias de migração em meu país, achei que seria uma oportunidade de discutir o problema das migrações, que tanto afeta o mundo contemporâneo.
A personagem principal do livro, Isabel, uma garota de 14 anos, é uma típica representante dos migrantes do sertão. Fala pouco, tem absoluta incapacidade de se expressar e é consumida pela falta que sente da família no meio urbano hostil em que se instalou. O que o fez optar por uma história individual quando tinha uma saga coletiva de migrantes para contar?
Isabel primeiro veio à mente como uma paciente da época em que estudava medicina. Era uma jovem grávida de grande dignidade, vinda da América Central, que cruzou a fronteira dos EUA disposta a lutar por sua sobrevivência. Todos os médicos ficavam impressionados com ela. Apesar de sua fragilidade, havia nela uma força interna sobrenatural. Depois, ao viajar pelo Brasil, ouvi histórias de migrações que se pareciam muito com as americanas, envolvendo sobretudo pessoas corajosas. Meu interesse, no entanto, recaiu sobre os efeitos psicológicos do deslocamento nessas pessoas, em especial naquela que chamei Isabel. Embora tenha me inspirado na seca do sertão, o que me interessa é esse movimento pendular de uma pessoa oscilante entre dois mundos, o rural, essencialmente conservador, e o urbano, moderno e hostil. É a viagem reversa de um mundo arcaico para um mundo moderno, de alguém que é forçado a abandonar sua crença animista, religiosa e pré-industrial, e abraçar um mundo laico, urbano. E que, além disso, vacila entre a ingenuidade de uma criança e a responsabilidade do adulto. Gosto do paralelo entre o excesso de imaginação do adolescente e a ausência dela num adulto. Queria associar o crescimento de Isabel à mudança de ambiente.’
Ricardo Lísias
História oficial da imigração japonesa
‘Escrito sob a forma de um diário, Sôbô – Uma Saga da Imigração Japonesa (Ateliê, 264 págs., R$ 36) descreve os preparativos, burocráticos e pessoais, e depois a longa viagem de um grupo de japoneses que, no início do século passado, vieram para o Brasil atrás de possibilidades melhores de vida. O autor, Tatsuzô Ishikawa, realizou ele mesmo a viagem, depois que seus primeiros textos literários não tiveram boa acolhida no Japão.
Passado meio ano, e um emprego temporário na agricultura do Brasil, Ishikawa retorna ao seu país e, cheio de observações preciosas, redige um texto de ficção com ares de documento. A propósito, a opção pelo diário serve para reforçar o realismo do texto, que assim se aproxima ainda mais do que de fato acontecia na vida cotidiana de um imigrante. O excesso de informações específicas ajuda a traçar a verossimilhança do diário: ‘Eram 3 da tarde e as 953 pessoas que, finalmente, haviam conseguido passar no exame e tornar-se imigrantes, foram chamadas para se reunirem no auditório.’
Mas o leitor não deve ficar com a impressão de que o livro é chato, por conta desse empenho do autor em procurar esteio em detalhes muito específicos. Ao contrário, e a verossimilhança termina conferindo às personagens um grau de humanidade que causa, basicamente, duas reações: por um lado, certa solidariedade coloca o leitor na torcida pelo desenrolar positivo dos acontecimentos; por outro, tal aproximação causa um incômodo misterioso, para nós, brasileiros, talvez ainda maior. Todas aquelas pessoas, tão próximas, parecem algo perdidas em um mundo que não é o delas. E, como estamos ao mesmo tempo solidários, não é o nosso.
De fato, um certo mistério acompanha toda a leitura e talvez seja ele o principal recurso forjado pelo autor para tornar seu livro uma obra de arte singular. A posição do imigrante por si só já comporta algo de misterioso, tanto pelo dado incerto do que vai ser o futuro quanto pela condição de desenraizamento.
Atento a isso, e consciente das necessidades da literatura, o autor cunhou o único narrador possível para a sua trama: uma figura misteriosa, que parece próxima aos imigrantes, mas não se mistura a eles. Ao contrário da maioria dos grandes textos do gênero diário, Sôbô (traduzido por Maria Fusako Tomimatsu, Monica Setuyo Okamoto e Takao Namekata), não é em primeira pessoa. O narrador persiste em não aparecer.
Por fim, o interesse da leitura de Sôbô se fortalece com um terceiro mistério, que obviamente escapou ao domínio do autor e só é válido atualizando o livro. Tenho insistido para o fato de que a literatura exige sempre um trabalho de recomposição e reordenamento para colocar os textos, de novo, em compasso com o nosso tempo. Ora, lendo Sôbô em 2008, de fato o mundo daqueles imigrantes, homens pobres que deixaram o Japão atrás de progresso… no Brasil é, de novo, muito misterioso.
Sem dúvida, vale a pena recordar o que fazia do Brasil uma terra atraente: entre outros motivos, a agricultura, em franco desenvolvimento, deixava entrever um país rico e próspero. O Japão pobre, por sua vez, atrasado e em muitos pontos feudal, não dava oportunidades.
Pois é, 80 anos depois a história se inverteu: são os brasileiros que agora procuram trabalho no Japão. O estranhamento que a leitura de Sôbô causa hoje vem do fato de que, concluído o livro, resta uma sensação de fracasso. Não para os imigrantes: para eles, um imenso mundo se abriria. Atualmente, porém, quando o Japão é uma das principais potências do mundo e o Brasil tem ainda um sistema rural da época das sesmarias, aqueles imigrantes deixam de ser meros sonhadores para se tornar uma espécie de demonstração cabal de que, de fato, o Brasil ficou no meio do caminho.
Como não lhes restava outra esperança, eles vinham cheios de vontade. Já nós… Nós continuamos olhando para o mesmo sistema rural de séculos e achando tudo bem. Podíamos, para dizer o mínimo, aprender com esses imigrantes que o comodismo é a pior opção, tão ruim quanto a de conservar as coisas como estão, o que se faz no Brasil desde sempre, aqui no país do passado.
Ricardo Lísias é escritor, autor de, entre outros, Anna O. e Outras Novelas’
PESQUISA
O ‘maio de 1968’ continua muito bem na fita em seu país
‘Poucos dias antes de ser eleito, o atual presidente francês Nicolas Sarkozy disse que era preciso ‘enterrar o maio de 68’. A lembrança rebelde, segundo Sarko (como o chamam os franceses) faria mal ao país. Não é bem o que pensam seus conterrâneos. De acordo com enquete encomendada pela revista Le Nouvel Observateur, 74% dos pesquisados afirmaram que ‘68 teve efeito positivo sobre a sociedade’. Distorção esquerdista dos entrevistados? Não parece: 60% das pessoas ouvidas se dizem de direita. E 65% dos que responderam ao questionário afirmam ter votado em Sarkozy nas eleições.
Esse balanço positivo dos acontecimentos de 40 anos atrás se traduz em alguns aspectos contemporâneos, que as pessoas ouvidas relacionam aos avanços produzidos pelo maio de 68 – a divisão mais justa de tarefas entre homens e mulheres vem em primeiro lugar. A seguir, o direito sindical, a sexualidade, as relações entre pais e filhos, os costumes. Sob influência do ‘mês rebelde’, a sociedade liberalizou-se.
E quais são as cenas que vêm espontaneamente à mente das pessoas? Em primeiríssimo lugar, os enfrentamentos de rua entre estudantes e a polícia. Depois, a Sorbonne ocupada e, em terceiro lugar, Daniel Cohn-Bendit diante de um policial.
Aliás, Daniel Cohn-Bendit, ‘Danny, le Rouge’ também está na edição da revista, que comenta o lançamento do seu livro Forget 68, e do qual traz alguns excertos inéditos. Quem lê as primeiras linhas imagina um Cohn-Bendit triunfalista, ainda no papel de jovem líder estudantil de Nanterre, apelidado de ‘o Vermelho’ por seu radicalismo de esquerda. Mas, 40 anos depois, o antigo incendiário tornou-se deputado do Parlamento Europeu pelo Partido Verde do seu país de origem, a Alemanha.
No título do seu livro, Cohn-Bendit pede que esqueçam 68. E por quê? ‘Porque vencemos’, responde, sem hesitar. No entanto, o que se lê nas páginas seguintes não é exatamente um inventário de triunfos e auto-elogios. Ele entende que a vitória se deu no plano cultural; e neste, ela foi integral. Avançou-se nos costumes, nas relações entre homem e mulher, na consideração da liberdade e da autonomia do indivíduo como direitos absolutos, etc. Conquistas de 68.
Mas, em seguida, começa uma lista também significante de ‘poréns’. Cohn-Bendit acha que sua geração ainda tem dificuldades na relação com a globalização e que, portanto, não entende muito bem o mundo contemporâneo. Muitas vezes essa geração permanece presa de ‘categorias políticas ultrapassadas’ e bipolares como capitalismo x socialismo, bem x mal, Estado x mercado.
Outra falha de 68 e sua gente pode ser encontrada na maneira de se relacionar com o poder. Ele se refere à descrença na ‘democracia formal’, como se dizia na época. Ceticismo formulado em uma das mais palavras de ordem famosas dos estudantes: ‘Élections, piège à cons!’ (Eleições, armadilhas para idiotas). Talvez não fosse possível, naquele ano, raciocinar de outra forma, considera Cohn-Bendit, ‘porque estávamos presos ao mito de um sistema político pós-democrático’. O que seria isso? Uma sociedade organizada através de conselhos operários, camponeses, estudantes, consumidores, tudo funcionando na base da autogestão. Uma utopia. E, ao desprezar o processo democrático, teriam sido lenientes com os totalitarismos, incluindo o soviético.
Esse é o balanço de 68 de Danny, o Vermelho, hoje convertido em Danny, o Verde.’
TELEVISÃO
Um vespeiro aqui, outro acolá
‘Os mestres noveleiros sabem que novela boa não é necessariamente a que dá grande audiência, mas a que repercute. É aquela que, vendo ou não, a gente vai saber o que houve no capítulo da véspera. Pode ser a invasão da Portelinha ou a tentativa de linchamento promovida por evangélicos. De repercussão, o ex-jornalista e hoje autor Aguinaldo Silva entende bem. Tanto, que a sua Duas Caras dá a impressão de estar há um ano no ar, tantos foram os acontecimentos mirabolantes. Na reta final da trama, que termina no próximo mês, o autor fala ao Estado.
De todos os vespeiros que você tem mexido em Duas Caras, qual foi o mais difícil de tocar?
A história do que eu chamo de ‘novíssima família’, o triângulo amoroso entre Bernardinho, Dália e Heraldo. Eu esperava que a história merecesse rejeição imediata. Não foi o que aconteceu, todo mundo acha os três ‘uns fofos’.
Antes, os personagens de novela eram lineares. O que mudou para que chegássemos a uma estrutura como a de Duas Caras, onde os personagens são essencialmente ambíguos?
A própria vida. As pessoas até pouco tempo eram lineares, ou pelo menos se imaginavam desse jeito. A realidade, e o excelente trabalho realizado pela imprensa nos últimos anos no Brasil, mostrou que não é nada disso. As pessoas são boas ou más dependendo das circunstâncias, falham e se contradizem a toda hora.
Qual foi a maior dificuldade de escrever uma novela como essa, tendo personagens ambíguos como matéria-prima?
O folhetim, deixando de ser linear, torna-se bem mais complexo. O autor faz suas escolhas: quem será o próximo a mostrar sua segunda cara? E ele nunca sabe se vai dar certo. Às vezes, se surpreende. Vou citar um caso interessante. O site da novela vem fazendo uma enquete: ‘Com quem deve ficar Maria Paula?’ Claro, Ferraço é quem tinha a menor chance, mas eu precisava fazer com que Maria Paula casasse com ele, e então passei a manipular a história para que o público não a rejeitasse. Pelos meus cálculos, Ferraço assumiria o primeiro lugar na enquete no dia em que salvasse o filho da morte por afogamento (dia 3 de abril). Mas isso aconteceu três dias antes, em 31 de março.
A gente sempre ouve falar que a novela, obra aberta, pode mudar conforme os mandos e desmandos da audiência. Já fez alterações por causa dela?
Não por causa da repercussão entre os telespectadores, mas sim por causa da repercussão em alguns corredores mais escuros de Brasília. Alzira, sem meias palavras ou eufemismos, deixou de dançar por causa disso. Pela mesma razão eu tive que descobrir, no prazo de uma noite, um jeito de tirar a uisqueria da história.
Antes, havia a censura. Agora, há a reclamação generalizada – os sindicatos, as igrejas e qualquer um que se sinta ofendido por uma trama de novela. Você se sente patrulhado?
Não me sinto patrulhado, mas esbulhado. Pois em geral, o que essas pessoas pretendem é alcançar a plena exposição na mídia. Não há como o autor da novela lidar com isso, infelizmente.
Quando a Gioconda diz ‘A culpa é do Fernando Henrique’ é elogio ou ironia?
É ironia. Na época em que ela disse a frase, estava na moda atribuir ao governo de Fernando Henrique todos os males e percalços por que passa o Brasil atualmente. E parece que essa moda ainda existe, tanto que vou dar um jeito de fazer a Gioconda repetir a frase…’
Etienne Jacintho
Estúdio de tattoo ou de filmagem?
‘Um desenho de autoria desconhecida encontrado em um sebo vai estampar para sempre as costas do designer Bruno Carneiro Mosciaro, de 27 anos. ‘Quem sabe agora descubro quem é o autor’, fala Bruno, enquanto faz caretas de dor ao ser tatuado por Lia, a única representante mulher do quinteto de profissionais que contarão suas histórias no episódio Rio Ink.
O Estado foi acompanhar um dia de gravação do Rio Ink, que o canal People + Arts deve colocar no ar no último trimestre deste ano. Antes, a emissora vai estrear L.A. Ink, o reality da dissidente do Miami Ink, Kat Von D. O lançamento será em junho e a tatuadora pin up já marcou uma visita ao Brasil no fim de maio para divulgar a atração.
O Rio Ink surgiu de uma conversa entre Lúcio, tatuador e dono do estúdio Banzai, na Barra da Tijuca, e o produtor Ique Gazzola. Eles apresentaram o projeto ao Discovery, a produtora Cara de Cão entrou na jogada e o que começou com uma brincadeira pode virar série, dependendo da resposta do público. A prévia é boa, uma vez que o site do canal recebeu 12 mil inscrições de interessados em serem tatuados.
Doze histórias foram escolhidas para a gravação do Rio Ink. Dessas, apenas sete irão ao ar. Entre os escolhidos para a filmagem tem até um torcedor fanático pelo Flamengo, que tatuou o escudo do time carioca no peito. Loucura? Vale tudo para mostrar o Rio sem cair no estereótipo praia e carnaval. Até o vocalista da banda Detonautas, Tico Santa Cruz, caiu na dança. Ganhou uma Iemanjá na panturrilha.’
Patrícia Villalba
Um moço de época
‘Você faz uma pergunta para Murilo Rosa e é o gancho para ele sair em digressões que repassam, um a um, seus personagens na TV. Diverte-se contando as histórias de Martim (Xica da Silva, 1996), do tenente Aquiles (Mandacaru, 1997) ou do Dinho (América, 2005) como se o interlocutor não fosse noveleiro, como se já não o conhecesse da tela. Demonstra orgulho da trajetória e – sim, senhoras! – confirma a aura de ‘genro que toda sogra gostaria de ter’, que transpassa as interpretações. Murilo recebeu o Estado entre as gravações de Desejo Proibido, que entra em reta final. Falou sobre sua carreira e sobre como costuma compor seus personagens, como o ex-padre Miguel, da delicada trama das 6.
É seu primeiro protagonista na Globo. Sentiu o peso do posto?
Não. Eu estava torcendo para ser protagonista da novela certa. Sou protagonista de uma novela redondinha, elogiada pela crítica- inclusive pelo Estadão. Ela tem humor, romance e polêmica na medida certa. Não queria ter feito outra, senão esta.
Você tem emendado um papel no outro. Como conduz a carreira, deixa a vida levar?
Não, não. Depois que fiz o Dinho em América, fui chamado para várias coisas aqui dentro (da Globo), mas não aceitei. Comecei na televisão fazendo novela com o Walter Avancini, a melhor referência. Apesar do furacão que é a minha vontade de trabalhar, acho que conduzi minha carreira com inteligência. Tenho uma visão menos comercial, talvez.
Essa visão não foi abalada quando fez o aquele sucesso todo com o Dinho?
Aí é que está. O Dinho foi minha primeira novela das oito. Eu já tinha feito vários papéis de época, e ficava pensando o que aconteceria quando fizesse um personagem mais contemporâneo. Deu tudo certo. Era também um personagem alegre, viril, romântico, com todos aqueles ingredientes que as mulheres sonham. Mas aquilo não mudou minha cabeça em nada.
Você é conhecido por mergulhar nos papéis, aprender a montar touros, luta de espada e se internar em mosteiros se for preciso. O que guarda dessas experiências?
Acho legal você se preparar antes, estudar o que pode, porque depois que a novela começa, você não tem tempo mais para nada na vida. É bom você se preparar, para não ficar no vazio de estudar os textos e só.
Como você disse, fez muitos papéis de época. É coincidência?
Acho que é. Mas eu sou filho de uma historiadora, vai ver foi ela que fez uma reza forte. Eu adoro, acho chiquérrimo. Eu tenho muita vontade de fazer uma coisa mais parecida comigo, alguém que chegue e diga ‘e aí, beleza?’
E se sente um galã?
Não, me sinto um ator. Não dá para você pensar numa carreira a longo prazo se achando galã. O Dinho era um personagem de humor, uma pessoa simples. As pessoas morriam de rir com ele, mas ele tinha virilidade. E foi visto como galã. Então, eu é que pergunto: o que é um galã? Será que é o cara que seduz? Não necessariamente o protagonista de um trabalho tem de ser ‘o galã’. Acho que esse termo está meio por fora.’
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