Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Imprensa da Amazônia se ausenta

Desde 1992 o Brasil não recebia um evento sobre meio ambiente do porte da 8ª Reunião da Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), da Organização das Nações Unidas (ONU), encerrado em 1º de abril após 12 dias de debates. A mídia compareceu e tentou destrinchar as complexas negociações entre diferentes segmentos sociais de múltiplas nacionalidades. Na mídia local, um interessante fenômeno: até jornais mais populares trouxeram manchetes diárias sobre o mais importante evento de biodiversidade do mundo. Notada foi a ausência de profissionais de comunicação dos estados amazônicos, que abrigam a floresta com maior biodiversidade do planeta.

Essa parece ser uma não-prioridade, uma despreocupação com a discussão ambiental, sobretudo da região. Questionado sobre esta omissão, Edir Gaya, editor de O Liberal, diz que a falta de verbas foi o principal motivo a impedir o envio de correspondentes à COP-8. ‘Consideramos o evento relevante e o cobrimos dentro de nossas limitações’, explica. O jornal não foi omisso, publicou algumas matérias sobre as discussões da conferência vindas de agências de notícias como Estado e Folha Press, e outras do Museu Goeldi, instituição localizada em Belém, que participou da reunião internacional sobre diversidade biológica. O Liberal é o maior jornal do Pará, com mais de 50 anos de existência e um dos principais veículos de comunicação da Região Norte, liderando as vendas no estado.

Edmundo Leão, editor do Diário da Amazônia, de Rondônia, confirmou que o jornal não enviou correspondentes ao evento. Segundo ele, não por falta de verbas, mas por opção, embora um de seus repórteres tenha participado de capacitação para o evento oferecida um mês antes (organizada pelo Ministério do Meio Ambiente em Curitiba, entre 13 e 14 de fevereiro). ‘Pagamos um contrato anual às agências de notícias, então não vimos necessidade de enviar um profissional [à COP-8]’. Leão acredita que o evento foi mal divulgado, mal preparado e faltou repercussão, quando comparado à ECO-92 – evento pioneiro no mundo promovido pela ONU em 1992 no Rio de Janeiro para tratar de questões de meio ambiente, resultando na criação posterior da CDB e em acordos internacionais como o Protocolo de Quioto. Perguntado se o não-envio de correspondentes ao evento poderia ser, em parte, responsável por esta má avaliação, o editor afirma que o contrário não teria feito diferença.

A decisão de não enviar jornalistas à reunião da Conferência das Partes não foi um caso isolado. Em veículos como Diário do Amazonas (AM) e Amazônia Hoje, as informações publicadas sobre o evento eram produzidas a partir de informações de assessorias do governo e do próprio evento. Outros veículos simplesmente silenciaram, ou pouco divulgaram, como se o país não estivesse debatendo temas de interesse regional. Entre eles o Estado do Amazonas (AM), o Rio Branco (AC), o Jornal do Dia (AP) e o Observador (RO).

Pouca presença

Se essa não-participação reflete a falta de verbas nas redações também demonstra que o mais importante evento sobre diversidade biológica do mundo, que reuniu 188 representantes de países-membros, além de ONGs, povos indígenas, tradicionais, indústrias, instituições de pesquisa e observadores em geral, não foi suficiente para convencer dirigentes de mídia da relevância da discussão ambiental. Conclusão esta que não vale, no entanto, para ONGs e movimentos populares como o MST que, em conjunto com a Via Campesina, enviou cinco profissionais de comunicação para cobrir o evento e assessorá-los.

A ausência dos veículos da Região Amazônica contribui para o cenário apontado pela própria mídia e especialistas locais: a Amazônia é mal divulgada no Brasil e costuma ser abordada com carga de estereótipos ou distorções do contexto regional. O não-comparecimento a discussões nacionais e, neste caso, internacional deve ser visto pelos veículos e demais entidades engajadas na divulgação da Amazônia como parte da causa dessa imagem.

Diagnóstico feito em 2004 na seção de notícias da revista eletrônica de jornalismo científico ComCiência – publicação do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp em parceria com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – revelou que as instituições de pesquisa da região Norte foram as menos presentes nas 262 notícias analisadas. Sudeste (56,5%) e Centro-Oeste (19,9%) foram as mais presentes. Não deixa de ser verdade que, por um lado, os resultados reflitam a liderança do Sudeste na produção de C&T, com 77% do total nacional (‘Indicadores de C&T’ da Fapesp, 2004), sendo que a Região Norte é a que menos contribui, 2%.

Diferentes vozes

Mas é também verdade, por outro lado, que a grande maioria dos sites de universidades e instituições de pesquisa de Pará, Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia e Roraima não estão estruturados para divulgar suas iniciativas, pesquisas e meios de chegar aos especialistas locais. Considerando que a internet tem sido a principal ferramenta de busca de informações de profissionais da comunicação, há uma tendência de que os sites mais bem construídos sejam a principal fonte de pautas dos veículos de comunicação. Ou seja, mesmo as pesquisas e os projetos desenvolvidos, além da expertise da Região Norte, são pouco divulgados.

Para que a Amazônia seja melhor e mais divulgada é necessário que haja também um esforço de jornalistas, assessores de imprensa, diretores de instituições de pesquisa e de pesquisadores em geral para mostrar o que tem sido produzido in loco, motivando assim uma cultura científica local, em que as discussões sobre a região tenham como protagonista o olhar do interior da Amazônia, assim motivando e facilitando o acesso da mídia nacional e internacional. Com acesso às informações, a qualidade da divulgação tende a melhorar. ‘Com relação à Amazônia como um todo, precisamos ter um discurso nosso’, já defendia Manoel Dutra, autor da tese de doutorado que analisou o discurso sobre a Amazônia na mídia (UFPA, 2003).

A COP-8 foi uma rica oportunidade de presenciar as diferentes vozes do discurso a respeito do meio ambiente, com um jogo de interesses nos diferentes níveis sociais e entre as diferentes nações. Se as vozes não têm força de decisão, ao menos impõem pressão sobre os delegados que representam as 188 nações-membro da Conferência da Diversidade Biológica, levando os temas à pauta de discussão. Com as fontes e os diferentes pontos de vista à disposição, os profissionais da comunicação tiveram um prato-cheio para convencer seus editores de que os temas ambientais devem ter espaço em seus veículos.

Na pauta governamental

De modo geral, estavam presentes as diferentes mídias (rádio, TV, imprensa e internet) nacionais, com representantes de veículos de peso como Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, TV Cultura, Rádio CBN, além das agências de notícias Carta Maior, Radiobrás, Fapesp e Senado. Entre os veículos locais, o espaço reservado aos debates da COP-8 eram significativos: enquanto o Jornal do Paraná reservou uma página diária, a Gazeta do Povo tinha o dobro.

As discussões a respeito do futuro da biodiversidade ganharam também algum espaço em veículos tradicionais, como os noticiários da TV Globo e do SBT, mas longe da cobertura diária dos impressos. ‘Isso é sintomático, porque revela desconhecimento e falta de interesse’, lamentou Jaime Gesinky, assessor da COP-8. Também estavam presentes profissionais de pelo menos 12 países, incluindo veículos como a BBC e a Agência Reuters.

David Ainsworth, coordenador de comunicação da CDB, acredita que o interesse da mídia brasileira reflete os interesses dos governos federal e estadual (PR) na questão ambiental. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, conseguiu que a discussão sobre unidades de conservação, disputa de terras, gestão de florestas públicas, rotulagem de transgênicos e controle do desmatamento da Amazônia entrassem com força na pauta governamental, contribuindo assim para divulgar as ações nacionais lá fora. Mais do que as ações atuais em defesa do meio ambiente, Gesinky acredita que a população e a imprensa são simpáticas à causa ambiental, o que naturalmente levaria o tema da biodiversidade à mídia. David Ainsworth lembra que, mundialmente, há cerca de cinco anos tem ocorrido o que ele chama de renascimento da questão ambiental.

Bela vitrine

Pudera, nunca se teve mais exposição a problemáticas ligadas a mudanças climáticas, desmatamentos florestais, danos na camada de ozônio, crescimento das culturas transgênicas e extinção de animais e plantas, para citar apenas alguns exemplos. Por um lado fruto de modificações que tocam o cotidiano individual, e por outro geraram acordos internacionais que freqüentemente são abordados pela mídia, vide Protocolo de Quioto (mudanças climáticas), Protocolo de Cartagena (biossegurança), as metas da Conferência de Diversidade Biológica (biodiversidade) entre outras. ‘Os jornalistas estão aprendendo que o meio ambiente tem dimensões científicas e políticas’, avalia Ainsworth.

O planejamento urbano e a preocupação com questões ambientais de Curitiba, a luta do Paraná para ser área livre de transgênicos renderam elogios internacionais. Curitiba aproveitou a oportunidade para reafirmar sua fama de ‘cidade mais ecológica do país’ – ou até do mundo, como exageraram alguns representantes internacionais. Seus veículos de comunicação se engajaram enormemente na cobertura de temas tão diversos quanto acesso a recursos biológicos e repartição de benefícios, biopirataria, preservação de culturas tradicionais, criação de área protegidas e tecnologia terminator (que produz organismos – por exemplo, sementes – estéreis).

A presença da COP-8 no Brasil demonstrou ainda as numerosas potencialidades existentes para levar as discussões do meio ambiente para além dos limites do centro de convenção. Durante as duas semanas do evento, Curitiba aproveitou para levar a ‘biodiversidade’ a pontos de ônibus e transportes públicos, aeroportos, outdoors e cartazes no centro da cidade, que no mínimo lembraram à população o tema ali discutido pelas principais autoridades nacionais e internacionais. Se por um lado funcionou como bela vitrine para participantes e convidados, por outro indicou as ricas possibilidades presentes no dia-a-dia que ainda precisam ser exploradas para divulgar questões ambientais, científicas e, por que não, políticas e econômicas.

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Pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e editora de notícias da revista ComCiência