TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Ethevaldo Siqueira
NGNs, as redes inteligentes do século 21
‘Além de transmitir voz, dados e imagens, as redes de telecomunicações fazem coisas cada dia mais prodigiosas: identificam usuários, autorizam o acesso, encaminham ligações, sinalizam qualquer ocorrência ou situação anômala, orientam os clientes, detectam falhas, tarifam serviços e interligam-se com outras redes, garantindo a interoperabilidade em escala mundial.
‘Com o advento da internet’, explica Botaro Hirosaki, vice-presidente executivo da NEC Corporation, ‘surgiram as redes de nova geração (NGN, na sigla inglesa, de New Generation Network)’.
Na verdade, a designação de rede de nova geração se refere a diferentes tecnologias associadas. A denominação internacional de NGN, assim, pode designar tanto redes metálicas, de fibras ópticas, sem fio ou híbridas. Não importa muito sua infra-estrutura, mas duas características básicas: todas as NGNs são redes inteligentes e utilizam o protocolo IP.
EVOLUÇÃO
Lembram-se quando a rede telegráfica era uma espécie de inteligência das estradas de ferro? Sem o telégrafo, os trens não circulavam com segurança. O mundo atual precisa cada dia mais de redes inteligentes, para supervisionar estradas, ferrovias, companhias aéreas, serviços de distribuição, comércio nacional ou mundial, ou mesmo as telecomunicações. Assim nasceu a internet, a maior rede global de informação.
‘O ponto-chave não está na infra-estrutura da rede NGN, mas em sua capacidade de oferecer novo tipo de manuseio, gerenciamento e utilização da informação para todos os players’, observa Hirosaki. Essa rede é, na verdade, uma plataforma convergente do tipo C&C, associando computadores e comunicações, para usar a expressão consagrada pela NEC.’
Nesse sentido, as NGNs constituem uma das maiores mudanças de paradigmas em relação aos sistemas convencionais de manuseio e recuperação da informação. A partir desse novo paradigma, ocorre uma nova combinação de empresas de negócios tradicionais, associando os interesses das operadoras de telecomunicações com os de provedores de serviços e de conteúdos.
EXEMPLO JAPONÊS
No Japão, as NGNs estão possivelmente mais avançadas do que na maioria dos outros países. Operadoras de grande porte, como a KDDI e o grupo NTT, são as mais ativas na implantação de NGNs. Como exemplo desse avanço, essas grandes operadoras estão acelerando a oferta de redes de fibras ópticas do tipo Fiber-to-the-Home (FTTH), por meio das quais asseguram ao usuário final acessos de centenas de megabits por segundo (Mb/s). Com essas redes, empresas de todos os portes podem usufruir não apenas de downloads de alta velocidade, mas também comunicar-se de usuário a usuário (peer-to-peer), seja via fibras ópticas, via serviços móveis ou ambos.
Segundo Hirosaki, um dos serviços mais recentes anunciados pelo grupo NTT é a carteira eletrônica ou carteira virtual móvel (mobile wallet), lançada pela operadora de celular NTT-Do-Co-Mo. Com esses serviços, o celular se transforma em meio de pagamento, mais rápido e seguro do que os cartões de crédito. Passa a permitir serviços muito mais variados, rápidos e seguros de comércio eletrônico e de localização de pessoas via GPS totalmente gratuitos.
Outro serviço iniciado pela operadora celular é o de vídeo de alta definição, do tipo video streaming de alta definição. Com telas maiores, os celulares podem mostrar excelentes imagens de vídeo digital. Essas redes de comunicações móveis já ultrapassaram a performance da terceira geração (3G) e podem ser consideradas de 3,5G, no jargão tecnológico.
Nessas redes, a combinação da alta capacidade das redes móveis com o potencial das redes de fibras ópticas, como as redes FTTH, produz um novo ambiente de integração no Japão, diz o vice-presidente da NEC.
O que a NEC oferece agora às empresas brasileiras, segundo Hirosaki, é sua experiência em NGNs acumulada no Japão e outros países: ‘Estamos preparados para expandir nossa contribuição às grandes operadoras e aos usuários corporativos com tudo que surge de novo nessa área de NGNs, bem como de redes em geral.’
IP UNIVERSAL
O protocolo IP se tornou um padrão mundial. Mas é preciso dar mais segurança às redes do que a internet pode oferecer.
Essas redes inteligentes do século 21 têm seis qualidades básicas:
Escalabilidade, para poder crescer continuamente;
Interoperabilidade, para integrar-se a todas as demais redes;
Adaptabilidade, para assegurar o máximo de flexibilidade e se ajustar a todos os novos ambientes e plataformas;
Disponibilidade permanente, para estar presente a qualquer hora;
Segurança, para assegurar o máximo de confiabilidade;
Visibilidade, para ser perceptível, em todos formatos, usos, tendências e até indicações de eventuais falhas operacionais.’
PIRATARIA
Grifes travam guerra contra piratas na França
‘A França está em luta contra a pirataria, o contrabando e o descaminho, crimes que fazem das grifes de luxo parisienses algumas das maiores vítimas. O problema é grave e gera ao país perdas anuais de € 6 bilhões, segundo a União dos Fabricantes (Unifab), associação que luta pela proteção internacional à propriedade intelectual.
Os inimigos a serem combatidos estão identificados: além dos fabricantes ilegais e dos comerciantes não autorizados – as pontas mais visíveis do negócio -, há sites de comércio eletrônico, grandes corporações de transporte de cargas e encomendas e operadoras de cartões de crédito. Seus métodos de controle pífios, avaliam autoridades no assunto, permitem o fluxo de mercadorias que violam a propriedade intelectual em todo o mundo.
A decisão de acirrar a pressão sobre essas empresas foi confirmada pelo Fórum Europeu da Propriedade Intelectual, realizado no Pavilhão Dauphine, um dos principais centros de exposições e de conferências de Paris, no fim de março.
O evento, cujo peso político foi assegurado pelas presenças dos ministros da Economia e Finanças, Thierry Breton, e da Indústria, Patrick Devedjian, foi organizado pela Unifab, com apoio do Comitê Colbert, instituição que congrega 68 grifes de luxo francesas – como Dior, Chanel, Hermès e Givenchy.
Estudos realizados pelas organizações revelam a extensão e o modo de operação das redes de pirataria. A geografia do contrabando inclui países asiáticos, em especial China e Coréia do Sul, e da África, a exemplo de Marrocos e Tunísia, como os maiores centros produtores de artigos ilegais. Seguem-se países da Europa Central e do Leste. Para alcançar seus mercados consumidores – inclusive no Brasil -, os empresários da pirataria se valem da rede mundial de computadores para divulgar seus produtos, distribuídos por empresas de transporte de cargas e pagos com cartões de crédito, ações que lhes conferem aparência de legalidade.
‘Sabemos que 80% dos produtos são feitos na China, vendidos por meio da internet, distribuídos por empresas de correio como a FedEx e a UPS e pagos com cartão de crédito’, sustenta Marc-Antoine Jamet, presidente da Unifab e também secretário-geral da LVMH, dona de marcas como Louis Vuitton e Dior. ‘É preciso enfrentar essa rede e exigir responsabilidade das empresas envolvidas.’ Conforme a Unifab, do universo de € 6 bilhões de perdas, indústrias têxteis e de acessórios de moda arcam com 14,7% do ônus. Fabricantes de perfumes, com 2,1%, e de relógios e jóias, com 1,1%, completam o cenário.
A preocupação dos fabricantes de enfrentar os intermediários da clandestinidade é crescente desde o meio da década, quando a LVMH, maior grupo de luxo do mundo, decidiu enfrentar os gigantes da internet Google e eBay. As empresas americanas foram acusadas de colaborar com a publicidade enganosa, a concorrência desleal e a pirataria de marcas. No eBay, bolsas falsas eram vendidas a preços irrisórios quando comparados aos das lojas da marca. A disputa jurídica terminou em setembro de 2006, com vitória da LVMH.
O grau de agressividade da LVMH em relação à violação da propriedade intelectual não é segredo na França. Em entrevista ao canal público de TV France 3, Bernard Arnault, diretor-presidente do grupo, classificou a pirataria como o ‘pior inimigo da LV’.
LINHA DURA
Para enfrentar o problema, a Louis Vuitton mantém 40 equipes especializadas em diagnosticar irregularidades em Paris e em escritórios regionais em Tóquio, Seul, Hong Kong, Guangshou, Milão, Nova York e Buenos Aires. Além delas, um Departamento de Propriedade Intelectual com 250 advogados e investigadores organiza ações contra os líderes do contrabando mundial. Segundo relatório da empresa, 13 mil processos relativos à pirataria foram abertos em 2007, levando à prisão de cerca de mil suspeitos.
A empresa também faz campanha alertando os consumidores que só vende seus produtos, fabricados em ateliês na França, Espanha, Suíça, Itália e Estados Unidos, em lojas da marca e nos sites louisvuitton.com e eluxury.com. A política da empresa é não se manifestar sobre o tema. ‘Não queremos alimentar ainda mais este assunto’, diz Nathalie Moulle-Berteaux, diretora de Propriedade Intelectual da empresa na França.
Para Jamet, porém, se o prejuízo financeiro ao país não é claro, o impacto sobre o mercado de trabalho é evidente. ‘Temos informações de que a pirataria e o contrabando implicam a perda de pelo menos 400 mil empregos no Brasil.’’
TELEVISÃO
Conexão internacional
‘Os canais étnicos que lotam o line-up das TVs pagas são muitas vezes desprezados pelos telespectadores que não querem pagar por NHK, TVE, Deustche Welle, RAI, TV5, TV Korea, entre outros. Mas, para uma parte do público, essas emissoras são essenciais por um simples motivo: matar as saudades do país natal. Assim como os imigrantes espanhóis, italianos, japoneses, franceses têm aqui essa via de ligação com seus países, os brasileiros que moram no exterior contam com dois canais, Globo Internacional e Record Internacional.
A jornalista espanhola Azahara Martín Ortega, de 25 anos, é quase uma brasileira. Já morou aqui diversas vezes e está sempre entre os dois países. Quando está na Espanha, acompanha a Record. ‘Assisto para saber como andava a minha terrinha’, fala, referindo-se ao Brasil. ‘Quando teve o ataque do PCC em São Paulo, via todo dia para ver como estavam meus amigos.’ Já quando está no Brasil, ela dá uma espiada na TVE. ‘Vejo para não perder o contato com a Espanha, para me manter informada e para ver o que rola no meu país, principalmente se há algum sinal de terrorismo, que é o que mais me preocupa por lá’, conta.
Azahara descobriu por acaso que recebia a Record em casa via Canal Plus. Lá, a emissora está no pacote básico dessa operadora. ‘Uma amiga tem um namorado brasileiro e estava treinando português com a Record’, fala a jornalista. ‘Então, além de ficar informada, usava a Record para não esquecer o português.’ A única reclamação da espanhola é referente à grade de programas. ‘Tem muita novela e muito programa religioso’, comenta. Na Espanha, os jovens não têm o costume de acompanhar novelas. Para ela, o melhor são os telejornais.
A webdesigner brasileira Julia Daher, de 28 anos, que mora e trabalha no Canadá há três anos, concorda. Ela gosta de ver o Fantástico, o Jornal Nacional e acompanha algumas novelas. ‘Tenho amigos que também assistem à Globo e o engraçado é que nunca fui de ver Globo no Brasil, mas quando vim para cá, comecei a dar mais valor.’ Julia já pensou em parar de pagar pelo canal – são US$ 15 por mês -, mas desistiu. ‘Fiquei com medo de bater saudade e não ter Globo.’ Mas assistir à Globo às vezes lhe causa estranheza. ‘O Jornal Nacional é muito diferente dos jornais daqui, que só dão notícia do cachorrinho que sumiu. No Jornal Nacional é só desgraça’, brinca.’
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Do outro lado do mundo
‘Viviane Tiemi Ide dos Santos, de 27 anos, morou por sete anos no Japão. ‘Ninguém merece assistir só a canais japoneses!’, fala. Assinou a Globo. ‘É bom para matar as saudades e saber o que está acontecendo, mas acho que a programação poderia ser melhorada.’ Ela acompanhava o Jornal Nacional e deixava o Fantástico gravando para assistir quando voltasse do trabalho. ‘Era estranho ver o Jornal Nacional às 8 horas da manhã’, conta Viviane, que começou a ver a novela Páginas da Vida lá e acompanhou o final aqui.
A aposentada Sirlei do Nascimento, de 60 anos, morou por dois anos no Japão, sem falar nada de japonês. Como passava muito tempo em casa, a solução foi assinar a Globo. ‘Gostava de assistir ao programa Terra da Gente e outros porque precisava preencher as longas horas que ficava em casa. Sirlei morava em uma cidade pequena. ‘ Assistia a novelas e noticiários e meu marido via futebol e todos os esportes quando estava de folga. A TV ficava o dia todo ao vivo.’
Na terra do Tio Sam
A Globo tem dois sinais no exterior – para toda a América e Europa, e o outro atinge Europa, África, Ásia e Oceania. Já a Record disponibiliza nove sinais diferentes, três estão na Europa. A Globo investe no mercado americano e japonês, onde a concentração de brasileiros é grande.
Nos EUA, por exemplo, a Globo produz programas de serviço para imigrantes e coloca no ar os telejornais mineiros, como o MGTV. A Record também transmite os noticiários de Minas Gerais. ‘Mudamos a programação recentemente pois temos pesquisas que definem o perfil dos brasileiros que vivem nos EUA. Então temos programas da Record Minas, como o esportivo local, o MG Record, o Tudo a Ver de Minas’, diz a coordenadora de Relações Públicas da Record para os EUA, Adriana Marchetti.
A Globo produz reportagens voltadas aos brasileiros que moram nos EUA com informações sobre novas leis de imigração e os direitos dos imigrantes. ‘Estar informado e ciente sobre esse assunto é o primeiro passo para se dar bem fora do País e a Globo faz um papel essencial divulgando matérias exatamente sobre isso’, comenta o administrador de Rede e Suporte TI, Marcell Becker, de 27 anos, que mora nos EUA há sete anos. Marcell assiste aos jogos do Campeonato Paulista e Brasileiro, assim como Globo Esporte e SporTV News, além do Fantástico e do Jornal Nacional. ‘Dá para ficar mais próximo do Brasil’, diz.
Para cativar os brasileiros que vivem nos EUA, faz cinco anos que a Globo patrocina a festa do Brazilian Day em Nova York, ao promover shows com grandes artistas da nossa música. A Record entrou na onda e fez, há dois anos, o Celebration Day, em Boston, mas não há previsão de nova edição. Naquele país, Globo e Record são distribuídas pela mesma operadora, a Dish, que comercializa os canais juntos ou isoladamente.
Guerra dos números
A Record tenta entrar de fininho no mercado americano. E, segundo Marcell Becker, ainda precisa se esforçar. O administrador chegou a assinar o canal por um mês, mas desistiu. ‘Resolvi assinar a Record pra ter um pouquinho a mais do Brasil, mas o canal não me satisfez e resolvi cancelar’, conta. Como a Globo já é grande na terra do Tio Sam, a Record investe em outros mercados como Europa e África, onde o alcance ao canal pode ser feito gratuitamente via parabólica. Nas operados de TV paga nesses continentes, a Record está nos pacotes básicos, enquanto a Globo figura entre os canais premium.
Na África, como a Record é um canal aberto via parabólica, ela possui afiliadas que produzem programação local, além de exibir parte de sua grade brasileira. ‘A programação para Angola e Moçambique conta com emissoras locais’, diz Aroldo Martins, presidente e CEO da Rede Record Internacional para Europa, Ásia e África. ‘A lei exige que 60% da programação seja local em Uganda, Moçambique e Cabo Verde. São telejornais, talk-shows, programas de entrevista.’
A Record anuncia que tem maior alcance internacional que a Globo, mas não há como precisar seus números em razão da parcela via parabólica. Segundo a Record, o canal chega a 125 países. A Central Globo de Comunicação informa que seu canal atinge 66 países e tem um público de 415 mil assinantes – Angola é o país que mais se destaca, com mais de 100 mil assinantes.
‘Um dos trunfos da Record Internacional é estar nos pacotes básicos das operadoras de cabo na Europa. Atinge, neste continente, cerca de 20 milhões de pessoas. Só em Portugal, são 5 milhões’, contabiliza Aroldo Martins. ‘No Reino Unido, distribuído pela Sky, o canal atinge 30 milhões. Considerando-se que só atinja quem fala português, temos 1 milhão de espectadores.’
Para não perder espaço no mercado europeu, a Globo iniciou há um ano um projeto que visa a distribuição de um canal de TV paga via satélite, com centro de atendimento no Brasil, para Europa e Oriente Médio. Outra estratégia envolve o futebol. Em parceria com a Globosat, foi apresentada ao mercado em 2006 a versão internacional do Premier Futebol Clube, que está disponível só nos EUA, com plano de expansão para os mercados latino-americano, europeu, asiático e africano.’
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Eles se vêem na tela
‘A Globo Internacional produz um programa para os brasileiros que moram no exterior. O Planeta Brasil atinge mais o público que vive nos EUA, mas também viaja mundo afora atrás de boas histórias de imigrantes. Esse é o mote do programa, que aborda, a cada edição, um tema como saudade, culinária, etc. E seu maior trunfo é mostrar esses personagens, que geram identificação ou admiração no público que está na mesma situação, vivendo em um país estrangeiro.
A repórter e produtora do Planeta Brasil, Tanira Lebedeff, conta que a Globo funciona como uma referência do Brasil porque há brasileiro que está nos EUA há muito tempo e não tem previsão de voltar para o Brasil por que não tem papéis. ‘Ajuda a matar as saudades’, diz. Segundo ela, a maior preocupação dos brasileiros que moram nos EUA é em relação aos documentos. E o programa presta um serviço a esses imigrantes ilegais, informando sobre procedimentos e direitos. ‘Volta e meia a administração Bush divulga que vai fazer reformas na imigração’, fala Tanira, que faz sua pauta baseada em e-mails com sugestões e aflições dos telespectadores.
A produção do Planeta Brasil é feita em Los Angeles e há repórteres em New Jersey e Washington, além do apoio das equipes da Globo no resto do planeta e no Brasil. ‘Vamos quatro vezes por ano para outros países e nos EUA, viajamos muito’, fala a repórter e produtora.
Para o administrador de Rede e Suporte TI, Marcell Becker, a atração ‘é interessante, principalmente para quem mora fora saber que há brasileiros bem-sucedidos e contentes mesmo estando tão distantes do país natal. Isso dá uma motivação para conseguir aquele algo a mais.’’
Leila Reis
Love story no BBB
‘O Big Brother Brasil 7, em que 24 milhões de votos sufragados eletronicamente nos canais que a Globo indicou deram a Alemão o prêmio de R$ 1 milhão, terminou em clima de Copa do Mundo. Com axé do grupo Babado Novo, choro e final feliz. Afinal, a novela ‘Alemão e Siri’ fechava com o beijo na boca negado pela sacoleira ao cafajeste do ABC durante muito tempo.
Existe uma parcela da população que fica indignada pelo fato de um jogo estrelado por um bando de anônimos a fim de se tornar artista – ou pelo menos conhecido em círculo maior do que o de sua família – mobilizar uma massa tão grande de brasileiros.
Aos perplexos, vale informar que isso não é coisa de subdesenvolvido. Em todos os lugares onde é exibido, o reality show que confina um grupo de seres comuns que se enfrenta em provas quase colegiais é um sucesso. Na Inglaterra, a última edição foi assunto do primeiro-ministro Tony Blair quando uma das participantes, uma modelo indiana, foi vítima de discriminação racista dentro da casa do Big Brother (e venceu a competição).
Mesmo em tempo de audiências magras (pela primeira vez em décadas, a principal novela da Globo marca menos de 40 pontos no Ibope), o Big Brother mostrou vigor para continuar por muito tempo. Maior audiência da emissora no último mês, a competição fechou com 50 pontos de média (Grande São Paulo), quando 70% dos televisores ligados estavam sintonizados na Globo.
É difícil explicar o que leva a massa a se prender a um show desse tipo. Uma hipótese – absolutamente desprovida de fundamento científico – é que o público se interessa por acompanhar atividades absolutamente banais porque se investe no papel de cientista observando reações de cobaias humanas. E também de juiz, que diante do comportamento de exemplares de sua espécie, é capaz de decidir entre o certo e o errado. Ou seja, o ímã que prende o olhar do público é totalmente subjetivo. Porque, se fosse depender só do talento do elenco (medíocre) convocado para morar na casa do BBB, talvez a história fosse outra.
Não se pode ignorar que haja um conjunto de forças que operam para tornar o BBB o fenômeno. Além da edição dramática – é nas mãos do editor que o enredo de intrigas e sedução nasce – o programa conta com uma ampla divulgação – chamadas na programação, nos sites e na imprensa dedicada a ‘celebridades’. E também nos canais da concorrência. Em seus cinco anos de existência, o BBB tem alimentado especialmente programas alocados na indigência vespertina.
Por conta das fúteis intrigas ambientadas no casarão com piscina no Rio, formam-se mesas de debates que, com patética seriedade, destrincham as razões que levam os participantes do jogo a tomar essa ou aquela atitude.
A Tarde é Sua, na RedeTV!, preencheu uma parcela grande de seu tempo com debates dessa natureza nos quase três meses que durou o BBB. No último, quarta-feira, reuniu seus especialistas para analisar o resultado e seu impacto no público. O psicólogo que bate o ponto no sofá de Sonia Abrão chegou a ‘analisar’ que o comportamento de uma das participantes, Fani, era um mau exemplo de promiscuidade para a juventude.
Mas o que diferenciou esse de outros BBBs foi a grande love story. O romance entre Alemão e Íris, platônico dentro da casa e aparentemente exercitado na saída, tomou o lugar do R$ 1 milhão no imaginário do público. Na falta de um enredo de pobreza no background do vencedor, o conto de fadas determinou a cobertura.
Ao príncipe e à plebéia estão reservados muitos minutos de fama até cair no merecido ostracismo como ex-BBB.’
FOX NEWS
Ovo de coelho e mel de leão
‘Com segundas e, quiçá, terceiras intenções, a Fox News declarou mais uma guerra santa. Não ao Iraque, que incentivou quando ela ainda era apenas um brilho nos olhos de Bush, nem aos cartões de fim de ano sem referência explícita ao Natal (afinal de contas, ainda estamos em abril), mas a um pacato subúrbio de São Francisco, na Califórnia. Pomo da discórdia: o coelhinho da Páscoa. Apoiada pelos habitantes da localidade, a prefeitura de Walnut Creek rebatizou o tradicional ‘easter bunny’ (coelho da Páscoa) de ‘spring bunny’ (coelho da primavera). Revisionismo inconseqüente? Sem dúvida. Mas não para os comentaristas Bill O’Reilly e John Gibson, da Faux, perdão, Fox News.
Os dois já haviam promovido uma jihad contra os cartões que enviam votos de ‘Happy Holidays’, ao invés de ‘Merry Christmas’. ‘O Natal está sitiado!’, bradava O’Reilly todas as noites, às vésperas do Natal de 2004, atribuindo a adoção do genérico e ecumênico ‘Boas Festas’ a um complô de ateus e liberais contra a data magna da cristandade. A cruzada já atravessou três consoadas e até motivou Gibson a escrever um livro, The War on Christmas (A guerra ao Natal), também destinado a atrair investimento para a direita religiosa e desviar a atenção do país de questões mais graves, urgentes – e sobretudo penosas para os fundamentalistas cristãos.
Indóceis porque ainda faltam oito meses para a chegada de Papai Noel, O’Reilly e Gibson abriram uma nova frente de hostilidades: um diversionismo de meio de ano, digamos, para não esfriar os canhões e não perder o gosto de sangue na boca.
O’Reilly cuidou das primeiras escaramuças. Na Semana Santa do ano passado, alardeou que o coelhinho da Páscoa estava sendo covardemente atacado na Califórnia. Por velhos e recalcados hippies, presume-se. Diante do embaraço causado na emissora, O’Reilly retratou-se. Há dias, voltou à carga, ungindo as retardatárias invectivas de Gibson contra o ‘spring bunny’ de Walnut Creek. Só faltaram dizer que foi um coelhinho que, com sua patinha, puxou a pedra que cobria o sepulcro de Cristo, permitindo que este, ressuscitado, reaparecesse para Maria Madalena e alguns apóstolos, ascendendo aos céus em seguida. Dessa nem o José de Arimatéia ficou sabendo. Nem Walt Disney, que teria adorado produzir um desenho animado com o coelhinho que ajudou Jesus a ir ter com o seu Pai.
Na revista eletrônica Salon, um blogueiro gozador comparou o coelhinho da Páscoa (idealizado? santificado?) por O’Reilly e Gibson àquela marmota (groundhog) que serve de orientação meteorológica para supersticiosos americanos e canadenses. Se, no dia 2 de fevereiro, como mostrou o filme O Feitiço do Tempo, a marmota interrompe sua hibernação, sai da toca, e não vê sua sombra projetada no chão, porque o céu está nublado, é sinal de que o inverno será mais curto. Quanto ao coelhinho, funcionaria assim: se ele, ao sair da toca no Domingo de Páscoa, não avistar a sombra de Jesus, é sinal de que a guerra no Iraque será bem mais longa.
O coelhinho da Páscoa é uma invenção pagã, uma das muitas que os perseguidos cristãos primitivos incorporaram aos seus festejos. Uma lebre simbolizava a deusa-mãe do norte da Europa, Eostre, de cuja variação Eastre derivou a palavra Easter, que significa primavera. Páscoa, por sua vez, vem de Pessach, festa primaveril de pastores nômades, na época pré-mosaica, e celebração anual dos hebreus em memória de sua fuga do Egito.
Coelho não põe ovo, mas o ovo sempre simbolizou fertilidade, nascimento e ressurreição. Coincidência ou não, Simão de Cirene, o passante que ajudou Jesus a carregar a cruz, mercadejava ovos. Foram os alemães que levaram para a América o ritual do ovo de Páscoa, no século 17. Se ‘easter’ e ‘spring’, afinal, são sinônimos, essa polêmica leporídea é ou não é uma das mais bizantinas de todos os tempos?
Polêmica realmente boa, e também bíblica e pascal, é a que está se desenrolando no Canadá. Mais precisamente na cidade de Victoria. Nada de coelho na história. Seus únicos bichos são um leão e 300 raposas – todos mortos por um homem desarmado: Sansão, o super-herói do Velho Testamento (Juízes 13-16), o legendário flagelo dos filisteus (matou mil deles com uma queixada de jumento e outros 3 mil derrubando o templo de Gaza), por 20 anos juiz em Israel. Ele é, com todos os méritos, o centro da polêmica.
Ovo de chocolate ele não põe, nem ganha a vida vendendo perucas ou exibindo sua força descomunal em circos e mafuás. O Sansão que, desde quinta-feira, aparece no palco da McPherson Playhouse, numa versão moderna do oratório de Händel, pelo Coro Filarmônico de Victoria, é um terrorista suicida, um homem-bomba.
No lugar de Gaza, Jerusalém. Mas a Jerusalém de 1946, onde e quando os militantes do grupo Irgun, liderados pelo futuro primeiro-ministro de Israel Menachem Begin, bombardearam o hotel King David, quartel general das forças britânicas. ‘Que diferença há entre derrubar os pilares de um templo e explodir uma bomba?’, justificou-se o diretor musical da Coro Filarmônico de Victoria, Simon Capet, há anos empenhado em transformar Sansão num personagem que faça sentido nos dias atuais e se insira nos conflitos atuais do Oriente Médio. Até porque Sansão nunca deixou de ser cultuado em Israel. As unidades de combate de elite no exército israelense são chamadas pelo seu nome.
A comunidade judaica dividiu-se. ‘Não existe terrorismo do bem’, alegam os que defendem a preservação da imagem de Sansão como um ilibado justiceiro e, coerentemente, consideram absurda a concessão do prêmio Nobel da Paz de 1978 a Menachem Begin. Não é novidade a caracterização de Sansão como um terrorista. Recentemente, em seu ensaio Terror and Civilization: Christianity, Politics and the Western Psyche, de que só li resenhas, a professora de filosofia Shadia Drury comparou o filho narizeu de Manoá ao terrorista Mohammed Atta, um dos autores dos atentados ao World Trade Center.
No mais recente estudo sobre o mito de Sansão traduzido no Brasil, Mel de Leão (Cia. das Letras), o israelense David Grossman desmistifica a fama do atraiçoado amante de Dalila como ‘corajoso líder nacional’, mostrando como ele, na verdade, nunca liderou seu povo. Um dos erros de Sansão foi ter transformado a força bruta num valor em si e tê-la usado de forma desmedida, argumenta Grossman, estabelecendo uma ‘analogia básica’ com a grande força militar de Israel, hoje também ‘um bem disponível que se torna um mal’, quando utilizado de forma deturpada.
Se O’Reilly e Gibson tomarem conhecimento dessa versão moderna de Sansão… Bobagem, esqueça: eles só fazem cavalo de batalha de mitos cristãos. Mas eu me pergunto qual ou quais mitos e desmistificações poderão motivar a próxima guerra da dupla. Se nenhuma nova ‘heresia’ surgir nos próximos meses, poderão pegar para judas o próprio Judas, há pouco reabilitado como o mais confiável e querido seguidor de Jesus. Ou reprisar, pela quarta vez, a leréia dos cartões de Natal.’
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