Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mário Magalhães

‘É difícil saber se a Folha é hoje um jornal melhor ou pior do que há quase 18 anos, quando instituiu o ombudsman e Caio Túlio Costa publicou sua primeira coluna (em setembro de 1989). Mais fácil é constatar que se tornou mais previsível.

O jornal previsível pode ser o triunfo ou a desgraça.

O bom jornal previsível contém o que os leitores esperam: assuntos, abordagens, serviços, até idiossincrasias. Oferece -ao menos busca oferecer- informações com os padrões a que se habituou.

No mau jornal previsível escasseiam as surpresas. Ele não é curioso ou provocador. Soa tristonho, apático e sem graça. Ao primeiro olhar, reage-se a ele com a impressão de que se pode adiá-lo para mais tarde.

O jornal ideal equilibra-se: é previsível ao atender às expectativas cotidianas de quem o lê; e se recusa a ser previsível porque surpreende, identificando com agilidade as novidades que transforma em informação. No limite, consagra como previsível o ato de surpreender.

Há jornais que, por caráter, podem dispensar surpresas. Não é o caso da Folha. Nos últimos anos, contudo, ela se fez mais previsível, no sentido jornalístico indesejável.

A aparente falta de ousadia ocorre em momento no qual os chamados jornais brasileiros de prestígio se assemelham. Os concorrentes mimetizaram inovações que a Folha introduziu com sucesso.

No mundo inteiro, sob o impacto da internet, os diários impressos se defrontam com uma crise que talvez seja a maior da história.

O jornal em papel precisa produzir mais que o resumo inspirado dos acontecimentos da véspera, embora esse ainda seja o seu dever essencial.

Com informações cada vez mais fragmentadas, cabe ao jornal organizá-las como o jornalismo em outras mídias não consegue, por enquanto.

A despeito de liderar o mercado, a Folha não ostenta mais a tiragem pré-internet. Tem cortado jornalistas, papel, correspondentes nos Estados e no exterior, mecanismos de checagem de erros.

Relaxa na aplicação do projeto editorial que cultiva o jornalismo crítico (falha ao ser ingênua), apartidário (tropeça no noticiário enviesado) e pluralista (quando não vai além do pensamento único).

Nesse cenário mais complexo e desafiador para o jornal, do ombudsman se exige ser a melhor síntese possível do interesse dos leitores. É a isso que me dedicarei a partir de agora como o novo ouvidor.

Hoje a Folha reconhece seus erros mais vezes e com mais rapidez do que antes de ter um ombudsman. É pouco: respeitar o leitor é, sobretudo, informar com correção.’

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‘A Folha hoje, por seus ex-ombudsmans’, copyright Folha de S. Paulo, 08/04/07.

‘Às vésperas da ‘maioridade’ da função de ombudsman da Folha, pedi aos jornalistas que implantaram e consolidaram o cargo de representante dos leitores um breve comentário sobre um aspecto negativo e um positivo do jornal hoje. Suas respostas:

Caio Túlio Costa (ombudsman de 1989 a 91; hoje é diretor-presidente do IG).

‘Negativo: a Folha não consegue mais se diferenciar dos concorrentes. Os grandes jornais estão muito iguais no conteúdo, no formato e na linha editorial, todos conservadores. A Folha parece ter se esquecido da sua capacidade única de crítica em relação a tudo e a todos. Perdeu o viço. Ficou madura, austera e amargurada.’

‘Positivo: é o único veículo da grande imprensa brasileira que respeita, de alguma forma, o direito de resposta. As vítimas da imprensa sempre vão encontrar na Folha um abrigo, um lugar para inserir a sua versão seja via cartas, via ombudsman ou artigos nas diversas seções de opinião.’

Mario Vitor Santos (1991-93 e 1997; é diretor-executivo da Casa do Saber).

‘Positivo: o jornal continua independente e apartidário. Mais do que tudo: a Folha continua um jornal corajoso, intimorato.’

‘Negativo: o jornal parece muito repetitivo. Não conseguiu transformar sua agenda de assuntos. É excessivamente interessado por finanças e pouco atraído por temas mais relevantes como a educação. Se a Folha não consegue mudar sua agenda de temas, colocando a educação como prioridade, como espera que o governo e o país façam o mesmo? Tamanha priorização à economia financeira, especialmente aos papéis, parece indicar uma precedência para os temas que preocupam as elites.’

Junia Nogueira de Sá (1993-94; é diretora de Assuntos Corporativos e Imprensa da Volkswagen do Brasil).

‘O melhor da Folha é sua reputação, construída ao longo dos muitos anos em que o jornal apostou em inovação e pluralidade -o ombudsman é um capítulo disso. Na Folha surgiram algumas idéias e práticas que hoje estão disseminadas no jornalismo brasileiro, e que o tornaram mais moderno e atual.’

‘O pior do jornal eu prefiro dividir em duas visões. Na mais macro, é a subjetividade que teima em escapar das colunas e contaminar o noticiário, enviesando o que deveria ser reto e direto. De forma mais micro, a cobertura rala que o jornal dá para a área de negócios, levando a acreditar que a Folha não vê importância no tema -dominante no mundo em que vivemos.’

Marcelo Leite (1994-97; é colunista da Folha e mantém o blog Ciência em Dia).

‘Negativo: perda de qualidade do texto noticioso médio do jornal. Por qualidade entendo o conjunto de características que uma reportagem deve conter: informação verificada, precisão, interpretação fundamentada e, bem, estilo.

Todas elas acabam prejudicadas, acredito, com a crise de recursos que se abateu sobre a imprensa em geral, conduzindo a uma redução de espaço (papel) e de equipes, que por sua vez se tornaram mais jovens e inexperientes.’

‘Positivo: paradoxalmente, o jornal me parece um pouco mais maduro, e com isso quero dizer que aparenta estar menos precipitado. […] Mas isso também pode apresentar uma face negativa, se implicar perda de ousadia, agilidade e irreverência, que sempre foram marca da Folha e do bom jornalismo.’

Renata Lo Prete (1998-2001).

Pelo fato de hoje ser editora do ‘Painel’, e assim se considerar ‘parte dos acertos e erros do jornal’, Lo Prete preferiu não participar da enquete.

Bernardo Ajzenberg (2001-2004; é escritor e coordenador executivo do Instituto Moreira Salles).

‘Admiro a ousadia da Folha de manter um ombudsman -e tudo o que isso implica interna e publicamente em matéria de transparência e crítica aberta- mesmo numa situação tão intensamente delicada e adversa para a mídia impressa como a que vivemos, sabendo que as questões problemáticas de fundo, a saber, os desafios do jornalismo -e da Folha- continuam os mesmos: ética, apego aos fatos, imparcialidade, criticismo, capacidade analítica, criatividade.’

Marcelo Beraba (2004-2007, foi o ombudsman até a semana passada. Preside a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).

‘Jornais de prestígio como a Folha estão com dificuldades para se renovar. A experiência que tive nestes três anos de ombudsman mostrou-me que os leitores continuam a perseguir os valores de sempre do jornalismo, agora com mais pressão: qualidade de informação, equilíbrio, inteligência, serviço, entretenimento, boas histórias.’

‘A Folha tem a seu favor a adoção de práticas de transparência, de correção de erros e de crítica interna que permitem um permanente questionamento do jornal que produz. Ela segue fiel, ao longo das duas últimas décadas, à prática de um jornalismo crítico, de fiscalização, e este é um grande mérito.’’