Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ellen Gracie, a substituta de Lula

Em maio, quando o presidente Lula entrar no seu super-avião para mais uma viagem internacional, Ellen Gracie Northfleet certamente vai ter, na imprensa, o destaque que deveria ter merecido na posse como presidente do Supremo Tribunal Federal.


Aí, com toda a certeza, até as revistas de celebridades vão lembrar que ela existe e discutir seus gostos pessoais, as roupas que veste, a maquilagem que usa. O ineditismo de uma mulher ocupar a presidência da República (mesmo que interina e brevemente) vai servir para uma série de matérias ‘leves’ sobre a senhora, discreta e loira, que chegou ao mais alto cargo na Justiça brasileira e – por um desses casos do destino (o impedimento do vice-presidente e do presidente da Câmara) – ao Planalto.


Mas, como todos sabem que, nesses períodos de viagem internacional, o eventual substituto não resolve nada – representa o presidente em solenidades oficiais, participa de reuniões sem importância e pode, no máximo, falar mal das taxas de juros – é muito provável que o destaque do noticiário fique mesmo por conta das roupas da ministra.


Tanto poder


A verdade é que a presença de Ellen Gracie recebeu mais destaque na mídia quando foi indicada, em 2000, do que na sua posse, semana passada. Naquela ano, os outros integrantes do STF apelaram a aspectos técnicos para criticar a indicação, alegando que ela não era parte do Supremo, que o melhor seria indicar alguém da casa, embora não tivessem qualquer restrição ao seu nome. E isso rendeu notícias e mais notícias.


Talvez por lembrar daquele momento Ellen Gracie tenha dito, em seu discurso de posse:




‘Tenho plena consciência do simbolismo deste ato inédito. Gostaria que todas as mulheres deste país se sentissem participantes deste momento. Porque não se trata de uma conquista individual. Comigo estão todas as mulheres do Brasil, pois muito embora os notáveis exemplos de capacidade, dedicação e bravura ao longo de nossa história, muito embora os extraordinários serviços prestados por essa metade da população brasileira, nenhuma de nós, na trajetória republicana, havia ocupado a chefia de um dos três poderes. Comigo estão não apenas as mulheres que se beneficiaram de educação superior e as que têm lugar no mercado de trabalho, mas também aquelas que, em suas ocupações mais modestas, igualmente prestam sua contribuição importantíssima para o progresso da sociedade. Todas elas são partícipes deste dia. Meu compromisso não poderia, portanto, ser outro que o de desempenhar minhas funções ao limite de minha capacidade, para não desmerecê-las. É o seu valor, creiam, muito mais do que qualquer merecimento pessoal meu que se reconhece na data de hoje. E por isso, peço licença aos oradores para redirecionar às mulheres brasileiras os louvores que me foram endereçados.’


A imprensa registrou a solenidade, resumiu o discurso e fez questão de salientar o fato inédito: em 117 anos, Ellen Gracie é a primeira mulher a ocupar o cargo. Mas, em momento algum, a mídia aproveitou para analisar a importância da escolha ou o que representa ter uma mulher como chefe do terceiro poder da República. A imprensa preferiu minimizar o fato, dizendo que podemos esperar a nomeação de mais mulheres para cargos de coordenação do Supremo, que a ministra reprova o ‘juridiquês’ e que, ‘além de pequenas reformas, a ministra é responsável por modificações na forma de administrar o tribunal’.


Como se o fato de a segurança do Supremo ser chefiada por uma mulher fosse mais importante do que a presidência em si. Talvez porque a imprensa não se dê ao trabalho de descobrir – e transmitir ao público – o papel do Supremo em nosso dia-a-dia. Como guardiães da Constituição, seus juízes são a última instância para qualquer um que se julgue prejudicado e são também, por direito, os únicos capazes de julgar processos que envolvam as mais altas autoridades do país, inclusive o presidente da República. Uma mulher com tanto poder mereceria um pouco mais de destaque da imprensa.

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Jornalista