O presidente boliviano Evo Morales afirmou, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que a imprensa está confrontando seu governo. Ele citou notícia veiculada há dois meses por agências internacionais, segundo a qual a Venezuela construiria um gasoduto para o Brasil e venderia mais barato do que a Bolívia. ‘É mentira! Digo aos jornalistas: não nos confrontem, nossos países são irmãos’, disse. De fato, Morales vem sendo atacado, tanto nos veículos conservadores da Bolívia, quanto na mídia burguesa internacional.
A Associação Latino-americana para a Comunicação Social (Comunican) publicou estudo, baseado na análise de 96 veículos impressos e 144 horas de transmissão televisiva, demonstrando que Morales foi fortemente atacado à época da campanha eleitoral pela mídia racista de seu país, que não aceita um indígena aymara no poder: 89% das matérias sobre Morales foram negativas, 10% neutras e apenas 1% favorável. Em contrapartida, seus adversários, Jorge Quiroga e Samuel Dório, foram agraciados pelos mesmos veículos. Quiroga teve 78% de matérias favoráveis, 20% neutras e apenas 2% negativas. Já o dono do Burguer King na Bolívia, Samuel Dório, teve 75% das matérias a seu favor, 20% neutras e 5% negativas.
O jornal O Globo, por exemplo, vem seguindo essa mesma linha editorial, ditada por Washington, que tenta desestabilizar o governo Morales. A matéria ‘Morales enfrenta protestos na Bolívia’, publicada no dia 19 de abril, motivou mensagem de protesto enviada pelo editor de Internacional deste fazendomedia.com ao diário conservador carioca. Para Gustavo Barreto, a matéria ‘segue um padrão pateticamente reconhecível da imprensa mundial’: a personificação excessiva do líder, o alarmismo com propósitos secundários, a generalização da crise (‘diversos setores’ protestam) e a descontextualização dos fatos. Durante o Roda Viva, o presidente boliviano desmentiu as reportagens que deturparam os acontecimentos: ‘Há um grupo de companheiros em marcha contra uma prefeitura, não contra o governo central’, disse, ressaltando que não há nenhuma greve geral marcada, como está sendo divulgado.
Saque histórico
Durante a entrevista, na sexta-feira 21/4, no palácio do governo, em La Paz, Morales disse que o ‘império’ usa pretextos para invadir países, como a guerra às drogas e ao terrorismo. Para buscar petróleo, os EUA utilizaram o pretexto das armas de destruição em massa, no Iraque, e agora falam em armas nucleares, para invadir o Irã. Morales afirmou que nesses primeiros 90 dias de governo teve dois inimigos principais: os desastres naturais e a mídia. ‘Alguns meios de comunicação estão diariamente nos condenando. Também nos prepararemos com outros meios de comunicação para enfrentar essas acusações’, disse.
Evo Morales respondeu às perguntas dos jornalistas com tranqüilidade, surpreendendo-os com informações que não estão na grande mídia. Ele disse, por exemplo, que os países antiimperialistas e antineoliberais alcançaram os maiores índices de crescimento econômico em 2005, segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), órgão das Nações Unidas. Cuba cresceu 11,8% no ano passado, enquanto Venezuela e Argentina cresceram acima de 9% e 8% respectivamente. ‘O modelo neoliberal não é solução para nossos países. Temos que acabar com as concessões e privatizações’, disse.
O presidente boliviano defendeu a nacionalização dos recursos naturais em benefício do povo. ‘Antes, 18% do lucro com a exploração dos hidrocarbonetos ia para o povo e 82% para as empresas. Isso é um roubo!’, indignou-se. Ele disse que as empresas petrolíferas terão que se adaptar às leis bolivianas se quiserem continuar no país: ‘Qualquer governo faria o que estamos fazendo. Aqui não há entreguismo’, completou, ressaltando que o ministro dos Hidrocarbonetos é ‘incorruptível’. Segundo Morales, a política adotada por Hugo Chávez, de usar os lucros obtidos com o petróleo em favor da população, faz com que o venezuelano possa encher o tanque da gasolina por apenas US$ 2, enquanto o boliviano gasta cerca de US$ 30 para o mesmo. ‘Nosso país é atrasado porque foi historicamente saqueado’, afirmou.
Conspiração
Os entrevistadores do Roda Viva pressionaram Morales em defesa dos interesses das empresas brasileiras que atuam na Bolívia hoje, principalmente a Petrobras e a EBX, siderúrgica com o capital basicamente brasileiro. O presidente foi enfático: ‘Queremos investimentos, mas não investimentos ilegais’. Ele disse que a EBX, por exemplo, violou a Constituição boliviana, que estabelece uma distância mínima de 50 km da fronteira para a instalação de transnacionais. Além disso, a EBX não tinha licença ambiental e se programava para devastar uma área de 657 mil hectares em 40 anos, como publicamos em 4 de abril. ‘Isso não é uma empresa, é uma máfia montada para prejudicar o governo’, disse.
Morales evitou apontar quais seriam os problemas com a Petrobrás, limitando-se a dizer que tudo será investigado nas auditorias internas que estão sendo realizadas nas empresas: ‘Se quisermos falar sobre a Petrobras, há muitos problemas’. Ele citou uma dívida que a Petrobrás teria com o país: ‘Quero pensar que é uma questão econômica, e não uma dívida violando as leis do Estado boliviano’. O presidente afirmou que o chamado ‘direito de propriedade na boca do poço [de gás ou petróleo]’ terminou, ressalvando que ‘isso não significa confiscar bens das empresas’.
No final da entrevista, Morales chegou a afirmar que existe uma conspiração da direita e das empresas petrolíferas contra seu governo. ‘Essa máfia corrupta não aceita nossa forma de governar’, disse. No entanto, Morales afirmou que não se intimidará, pois acredita no apoio popular para implementar as medidas prometidas em campanha: ‘Quando o dirigente defende seu povo, o povo defende seu dirigente. Essa é a experiência que eu tenho do movimento sindical’.
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Jornalista