Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Machado

‘A Ouvidoria recebeu desde o dia 30 de março dez mensagens de leitores querendo saber se teriam ou não acesso ao direito de abrir sua conta-salário e como deveriam fazer para conseguir isso. Alguns relataram que procuraram as agências dos bancos onde mantêm conta e não foram atendidos em suas aspirações, como é o caso dos leitores Jorge Schutz e Wellington da Silva. Esta Ouvidoria pesquisou 16 matérias publicadas na Agência Brasil sobre o assunto, desde 23 de agosto de 2006, para ver se as informações solicitadas pelos leitores estavam ou não disponíveis. Em resumo, o material produzido até o início de dezembro deixou imprecisas as informações para quem as procurasse. Após esse período, a Agência, a partir de demandas dos leitores, fez reportagens mais detalhadas do tema. E, gradativamente, aprofundou e explicitou as restrições. A seguir, o histórico dessa análise.

A Agência Brasil publicou uma matéria em 5 de setembro de 2006 cujo título era: ‘CMN aprova transferência de conta-salário sem custos para o trabalhador’. O texto inicia com a seguinte informação: ‘A partir de 1º de janeiro, os trabalhadores poderão resgatar ou mesmo transferir o dinheiro da conta-salário do banco escolhido pela empresa em que trabalha para o banco de sua escolha, sem custos’. Quem é trabalhador e leu essa manchete pode ter se empolgado com a notícia. Quem é trabalhador e leu o primeiro parágrafo da matéria pode ter se empolgado mais ainda. Quem é trabalhador e leu a matéria toda, até o fim, pode ter ficado com a certeza de que teria acesso ao benefício de receber seu salário no banco de sua preferência, sem custos. O próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, generalizou os efeitos da medida em suas declarações: ‘Estamos dando ao trabalhador o direito de escolher o banco com que quer trabalhar. Ele vai poder fazer isso sem pagar CPMF e sem pagar tarifas’. Assim, o trabalhador, mesmo sem saber direito o que significa CMN, a sigla empregada no título da matéria, provavelmente, concluiu que estavam falando com ele.

Essa matéria ainda se referiu a uma outra sob o título: ‘Governo vai liberar escolha do banco para receber salário e remanejar dívidas’, publicada em 23 de agosto de 2006, em que a generalização levava o trabalhador a inferir quais seriam as conseqüências de tão ampla medida à economia do país. O primeiro parágrafo dizia: ‘O governo federal vai adotar medidas para estimular a economia e facilitar as relações bancárias’. Mais à frente, o texto dava o tom dos efeitos: ‘Ao permitir que o trabalhador escolha com que instituição bancária quer movimentar sua conta, o governo vai aumentar a competição entre os bancos.’

Tudo bem que todas as afirmações contidas nessas matérias foram feitas pelo ministro da Fazenda, mas a Agência Brasil se limitou a reproduzi-las. É o que podemos chamar de matéria declaratória, na qual se publica o que a pessoa que está sendo ouvida disse, sem explicar o porquê ela disse. Isso em si não pode ser considerado uma falha, pois é próprio do jornalismo em tempo real das agências de notícias. Primeiro se publica o que foi dito para depois ir atrás do porquê. Nos dias seguintes, se a Agência Brasil tivesse pesquisado a ata da reunião do Conselho Monetário Nacional na qual foram tomadas as decisões e as medidas anunciadas, teria descoberto que não se poderia generalizar o alcance delas. Além disso, teria verificado que eram tantas exceções e restrições à sua aplicação que apenas uma pequena parcela dos trabalhadores seria beneficiada. A ausência de questionamentos, de contextualização do assunto para explicitar as informações contidas na fala do ministro e da apuração se as medidas anunciadas realmente surtiriam o efeito esperado gerou imprecisão na informação. Isso pode criar falsas expectativas, como as relatadas pelo leitor Lucas Buozi em sua mensagem.

Não se deve duvidar do que a pessoa entrevistada está falando. É o que diz o Manual de Jornalismo da Radiobrás – ‘nós acreditamos em nossas fontes’ –, mas isso não elimina a necessidade de duvidar de como os fatos se apresentam e da fundamentação das declarações obtidas. O exercício da dúvida é essencial ao jornalismo.

A primeira matéria que apresentava algumas restrições das medidas foi publicada pela Agência Brasil em 21 de dezembro de 2006. O texto dizia: ‘Para os trabalhadores da iniciativa privada, a conta-salário só será obrigatória a partir de 2 de abril de 2007. No entanto, para as empresas que até 5 de setembro tinham assinado contratos com bancos para o pagamento dos funcionários, e descontado pelo menos uma folha de salários, o prazo foi prorrogado para 2 de janeiro de 2009. Os servidores estaduais e municipais só terão direito à conta-salário em 2012’. Essas ressalvas também não foram explicadas. As decisões não entrariam mais em vigor em janeiro de 2007? Por que esses servidores públicos estavam fora do alcance das medidas? E os servidores públicos federais teriam direito a elas? Essas foram algumas das dúvidas apresentadas pelos leitores João Carlos Delfino e Pablo Roberto Stuque em suas mensagens.

Em 31 de março, um sábado, antevéspera da entrada em vigor da medida, a Agência publicou uma matéria cujo título continuava generalizando o assunto: ‘Com a nova conta-salário, trabalhador recebe pagamento onde quiser’. No primeiro parágrafo são citadas algumas das restrições de acesso à medida: ‘A partir de segunda-feira (2), parte dos trabalhadores da iniciativa privada não será mais obrigada a ter conta corrente no banco indicado pelo patrão para receber salário. Sem pagar nenhuma tarifa nem imposto por isso, o empregado poderá transferir seu dinheiro para o banco que quiser’. O detalhamento seria feito nas matérias posteriores. A Agência Brasil fez mais três matérias, essas sim apresentando as restrições, as exceções, as limitações da medida governamental. A Agência finalmente fez a apuração do assunto e, depois de sete meses, seus leitores puderam saber quem tinha ou não acesso à livre movimentação da conta-salário. A matéria ‘Abertura de conta-salário é obrigação dos bancos’, publicada em 4 de abril, avança e aprofunda o tema, abordando inclusive a questão dos direitos dos trabalhadores.

Se você leitor, quiser saber mais sobre esse direito de alguns trabalhadores, por intermédio das páginas da Agência Brasil, faça uma busca digitando ‘conta-salário’, mas não se esqueça do hífen entre as duas palavras nem do acento na palavra ‘salário’, caso contrário o mecanismo de busca não conseguirá localizar exatamente o conteúdo que você deseja e poderá retornar com mais de cem matérias ou com nenhuma, dependendo do caso. Digo isso porque o leitor Silvio de Sousa escreveu para esta Ouvidoria sugerindo que o acesso aos conteúdos seja mais facilitado. Segundo ele, a falta de acento em uma palavra, por exemplo, já dificulta a busca.

Até a próxima semana.

Errata: Na coluna da semana passada, ‘Transposição, integração ou interligação do São Francisco?’, a declaração em que o presidente Lula usa o termo ‘transposição’ estava errada. Em vez de: ‘A transposição e a revitalização do rio não são obras excludentes’, o correto é: ‘Falta um pouquinho de chuva, mas nós vamos fazer a transposição do Rio São Francisco’. A fala foi publicada em matéria de 31 de janeiro na Agência Brasil, sob o título ‘Lula diz que desafio do Brasil é tornar-se maior potência energética do mundo’.’