Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo

JOSÉ DIRCEU
O Estado de S. Paulo

Espantosa metamorfose

‘Tem toda razão o ex-ministro José Dirceu quando critica a imprensa por ter dado exagerada importância – nos comentários sobre sua entrevista à revista mensal Piauí – à sua informação sobre o uso de caixa 2 pelo Partido dos Trabalhadores (PT) – coisa que até os tijolos da sede do PT em Porto Alegre já estavam ‘carecas’ de saber. Tem toda razão porque a imprensa cabocla parece não ter se dado conta do que era de fato relevante – e, mais do que isso, impressionante e até escandaloso – naquela reportagem: o poder imenso de ‘influência’ junto a governos, entidades públicas e privadas, grandes corporações empresariais, do País, do Continente e do mundo, que um político cassado e com os direitos políticos suspensos, conseguiu operacionalizar em pouco tempo, desde a sua saída do Ministério e a cassação de seu mandato de deputado federal.

Entre as metamorfoses que marcam a vida de tantos petistas, nenhuma é tão impressionante como essa que transformou o líder revolucionário dos anos de chumbo nesse supermagnata-consultor que se sente frustrado pelo fato de a imprensa cabocla ter deixado de mencionar e repercutir aquilo que foi introduzido na matéria da revista como promoção da sua portentosa atividade de marketing político-empresarial (nacional e internacional). De fato, a política ocupa espaço insignificante na matéria, feita para divulgar melhor sua capacidade de penetração, quase ilimitada, nas altas esferas do mando político e econômico de vários países, a fim de gerar ou intermediar grandes negócios e estabelecer parcerias de grandes projetos governamentais com conglomerados mundiais, razão pela qual tem sido recebido onde chega com a honra devida a estadistas ou reconhecidas celebridades. Se falha uma conexão aérea ei-lo cogitando de fretar u m jato – enquanto não compra o seu Citation, como pretende – para não atrasar a algum de seus importantes compromissos, desloca-se por helicópteros na rotina de seus traslados entre hotéis de alto luxo e o ponto de encontro com o freguês do dia e tudo o mais que não se imaginava em alguém destituído oficialmente do Poder, por mais que nele (isto é, no governo Lula) já tenha exercido papel de todo-poderoso.

Por outro lado, ao referir-se, na entrevista, à sua trajetória ‘revolucionária’, de ex-participante de movimento clandestino armado, treinado em Cuba com aulas de guerrilha, de militante vivendo na clandestinidade com nome falso e feições alteradas por cirurgia plástica (também realizada em Cuba), e ao mencionar todos os apoios que recebeu nessa trajetória – de todas as ex-mulheres e namoradas, inclusive daquela com que viveu, e que, por motivos de ‘segurança’, desconhecia sua verdadeira identidade -, o magnata-consultor exibe um padrão de vida invejável, como se fosse um novo Onassis, com a vantagem sobre o autêntico de ser irresistível nas conquistas amorosas, não apenas pelo seu dinheiro, mas, como mostrou a reportagem, por seus dotes físicos. E a imprensa cabocla também não detectou isso!

‘Eu faço o que dá. Eu tenho que trabalhar. Não roubei, não tenho dinheiro guardado. Depois do que aconteceu comigo, não tenho muita escolha’ – nos diz ele. Estas palavras, que até denotam um certo fatalismo pessimista, foram pronunciadas em meio às evidências materiais de sucesso financeiro, mostrando que nestes trópicos, homens públicos apeados do Poder oficial nem precisam ter ‘dinheiro guardado’ para viverem como nababos, desde que detentores da mais valorizada – e rentável – qualidade nesse tipo de pessoa pública, vale dizer, a alta sedução de seu poder de ‘influência’.

Numa região do mundo onde mais importante que tudo são as intermediações de negociatas com governos ou de grandes negociações e fusões entre empresas privadas, onde o tráfico de influência (como todos os tráficos) conta sobremaneira, seja na construção de grandes fortunas ou de ambiciosas carreiras políticas (ou ambas as coisas), pode-se dizer que esse tipo de atividade se constitui numa espécie de ‘mais valia’ a explorar o capital, assim como, segundo a primitiva visão marxista, havia a ‘mais valia’ do capital a explorar o trabalho assalariado.

À esta altura, o ex-revolucionário José Dirceu, que se confessa pessimista quanto ao seu futuro político, deve estar agradecendo à ditadura militar a oportunidade que lhe deu de chegar ao Poder pela via democrática.’

 

FANTÁSTICO
Shaonny Takaiama

Folga aos domingos

‘Quantas pessoas no mundo deixariam de livre e espontânea vontade a apresentação de um programa como o Fantástico? Glória Maria sustenta que não teve problemas em deixar.

A apresentadora que esteve por mais tempo no comando da famosa ‘ revista eletrônica’ deixou o programa discretamente, no apagar das luzes de 2007, após dez anos à sua frente. Na edição que foi ao ar com a sua substituta, Patrícia Poeta, no dia 6, não foi feita nenhuma menção ao fato.

Puxada de tapete, saída estratégica? Glória garante que não. ‘Eu pedi para sair, porque estava exaurida, no último limite das minhas forças. Acho que todo ser humano tem um limite e eu já tinha ultrapassado o meu nestes dez anos.’

Segundo ela, seu cansaço durava dois anos. E há oito meses já havia pedido um afastamento à direção do programa. ‘Eu estava negociando isso há oito meses. E coloquei de uma maneira ir-re-vo-gá-vel: eu não continuaria no programa, sob que condição fosse. Queria parar esses dois anos de qualquer maneira.’

Depois de várias reuniões, um acordo foi fechado na semana do Natal. ‘Eles (os diretores do Fantástico) acabaram achando que eu estava certa e merecia esse período sabático’, explica.

O nível de esgotamento de Glória era tão grande a ponto de ela, que sempre editou suas próprias reportagens, deixar a última sem finalização. ‘Depois que eu fiz o programa de Natal, que foi o último, eu já não tinha forças para apresentar mais nenhum. Tem uma matéria, inclusive, que fiz no Deserto do Atacama um mês atrás, que eu teria de editar ainda’, conta.

DESTINO

Antes de ser ‘saída’ da atração, Glória preferiu sair. E explica as razões de seu desprendimento em relação ao programa. ‘Normalmente, as pessoas são retiradas quando ficam um determinado tempo. Seria muito fácil esperar daqui a uns quatro, cinco anos, o meu diretor me chamar e dizer: ‘Olha, Glória, nós vamos te substituir.’ Mas nunca fiz nada como os outros e achei que estava na hora de dizer bye, bye’.

Visivelmente aliviada, agora ela só quer viver. ‘Quero ser feliz, não quero me transformar em uma pessoa amarga.’ Na entrevista ao lado, a nova Glória, que agora tem folga aos domingos, fala mais sobre essa história.’

 

***

‘Ao Fantástico acho que não volto nunca’

‘‘Por que você saiu do Fantástico?

Eu pedi para me afastar por dois anos, há oito meses. Há dois anos eu já estava cansada de todo o fim de semana ter a pressão de um programa de duas horas e meia. Durante 35 anos dei o melhor de mim e, de repente, não tinha mais forças.

Quais eram as suas insatisfações ?

A coisa chegou num ponto muito difícil. Eu trabalho na primeira televisão da América Latina e na quinta do mundo e, nos últimos meses, o Fantástico não tinha figurinista. A mulher do diretor saía comigo para escolher as roupas. Um programa como o Fantástico, sem figurinista e que eu tenha que sair com a mulher do diretor para escolher as roupas é um pouco complicado…

Como era a sua rotina?

Eu viajava na segunda pra fazer reportagem, voltava na sexta ou sábado, entrava em edição, no sábado gravava as chamadas e, no domingo entrava ao vivo. Quando eu viajava, trazia, no mínimo, três reportagens. Na semana em que eu não viajava, já tinha as reportagens para editar. Era uma rotina muito pesada. Tenho uma casa em Búzios que eu não vou há dez anos, porque não tenho fim de semana há dez anos.

O que achou da sua substituta, a Patrícia Poeta?

A Patrícia é uma pessoa talentosa e foi a escolha perfeita para o meu lugar. Não vi (o Fantástico com ela), mas tenho certeza de que ela se saiu muito bem.

Não teve receio de sair?

Nunca tive a sensação de que o Fantástico fosse meu. Quem tinha de tomar a decisão de sair era eu. Eu já tinha dado dez anos da minha vida para aquele programa. Nunca dei dez anos da minha vida para um marido.

Sua relação com a Renata Ceribelli é mesmo conturbada?

Não é conturbada. Não tem relação. Nunca houve briga, nada.

Vocês não se falam?

Não.

Qual o motivo?

Da minha parte não existe motivo. Um dia, ela parou de falar comigo e a gente nunca mais se falou.

Faz quanto tempo?

Ah, tem muitos anos. Nunca parei para contar.

Ela teria inveja de você?

Eu era a apresentadora oficial do programa. Eu não poderia ter inveja de ninguém. E não poderia querer o lugar de ninguém, pois já era meu. Você tem que perguntar para ela. Eu estava no meu lugar, durante dez anos. Eu poderia só ter inveja de quem? De Deus, né, coitado!

Quais foram seus melhores momentos no Fantástico?

Eu ter cruzado a Sibéria com o Paulo Coelho, ter ido para a China, o Deserto do Saara, a Nigéria, cobrir a tomada da embaixada japonesa pelos guerrilheiros peruanos. As entrevistas com a Madonna e o Leonardo di Caprio. É muito difícil dizer uma reportagem preferida. Tudo me fez crescer.

Como será a sua vida daqui pra frente?

Não quero me preocupar com o futuro. Ao Fantástico, acho que não voltarei nunca.

O que ainda falta para você fazer?

Tudo! (Risos) Com trinta e cinco anos de carreira você começa a engatinhar. E agora eu estou querendo começar a andar.’’

 

***

Fama de difícil

‘‘Tenho 35 anos de carreira e 10 de Fantástico. É muito difícil você ficar 35 anos em uma empresa tendo qualquer tipo de conflito com alguém. E, se você fica 10 anos em um programa, com o mesmo diretor, também não pode ter nenhum tipo de conflito com ninguém, afinal, 10 anos é muito tempo. Não tinha conflito com as pessoas porque senão, eu não teria agüentado 10 anos. O problema maior era comigo mesma. Sou uma pessoa muito transparente e falo todas as coisas que acho que devem ser ditas. Sou muito sincera. Sempre fiz tudo com muita verdade, simplicidade. Nunca quis ser o que não sou, nunca quis ser mais do que sou e nunca representei um papel. As pessoas aprenderam a me conhecer verdadeiramente, por isso elas me respeitam. E acho que é por isso que criei uma legião de fãs, de pessoas que gostam de mim.’’

 

***

‘Agora estou free like a bird’

‘‘No período que tirou para descansar, Glória Maria não pretende parar. ‘Eu sou uma pessoa inquieta naturalmente e não quero me acomodar nunca’, diz.

As viagens, que se tornaram sua marca registrada na TV, ocuparão grande parte de seu tempo nos próximos meses. ‘Quero passar um tempo em lugares como a China, que eu visitei en passant fazendo matérias. Quero poder viver, olhar, sentir e aprender mais do que eu aprendi.’ E os destinos? Três meses no Haiti e outros três em aldeias da África.

Dessas viagens, Glória Maria tirará o material para uma espécie de diário de bordo que será publicado. ‘O livro vai ser mais ou menos a minha história, porque não tem muito como não ser, né? Vou escrevê-lo um pouco em cada lugar, vou viajar para vários países e várias partes do Brasil.’

Outros detalhes sobre o fio condutor do livro ela não revela e ainda faz mistério. ‘Vai ser um livro realidade com aparência de ficção porque vai ser tão real, mas tão real, que muita gente vai achar que é ficção.’ Ok, Glória, vamos esperar ele sair para sanar a curiosidade.

CANTORA

Causou surpresa em muita gente a decisão de Glória Maria de fazer aulas de canto para, em 2009, quem sabe, gravar um disco. ‘Eu sempre canto em jantares de amigos. É um sonho que eu sempre tive, se não fosse jornalista eu gostaria de ter sido cantora.’

Glória mostra que realmente gosta de cantar – não cabe aqui julgarmos se ela tem talento ou não. Durante a entrevista, dá uma palhinha de Vivo Sonhando, música de Tom Jobim que ela cantou na campanha de ano novo de 1992 da Rede Globo, a famosa Tente, Invente.

A quem torce o nariz para seu novo projeto, ela dispara: ‘Por que eu não posso gravar um disco? É meu direito, nem que seja para eu ouvir sozinha! (Risos). É a minha vida. Viver é realizar sonhos.’

Futuro

O contrato de Glória Maria com a Rede Globo vai até 2010. Depois disso, só se sabe que o Fantástico agora é ‘uma história encerrada’em sua carreira.

E especulações estão vindo à tona. Circulam boatos de que ela teria recebido propostas de trabalho da Record. Esperta, ela não admite, mas também não desmente nada. ‘Eu não vou te falar que eu recebi propostas da Record, do SBT, etc. Eu tenho (graças a Deus!) recebido propostas. Mas eu recebi propostas ao longo da minha vida. Só que eu sempre fui fiel à TV Globo.’

Para aumentar ainda mais a bolsa de apostas, ela deixa claro que, após o vencimento de seu contrato, poderá sim migrar da Rede Globo para uma outra emissora. ‘Se casamento, que é um contrato, se desfaz, eu não me sinto mais presa a nada. Eu só pedi estes dois anos para ficar livre.’’

 

TELEVISÃO
Alline Dauroiz

Eu não acredito em BBB

‘Quando se entra no Big Brother Brasil, no Projac, na Globo, além da idéia assustadora de ter 37 câmeras e microfone junto ao corpo prontos para captar qualquer passo, olhar ou palavra dita, é preciso uma dose de esperteza para entender que a maioria das coisas que os os brothers falam não deve ser levada ao pé da letra e pode até ser interpretada ao contrário.

Na última terça-feira, dia de estréia da oitava edição do BBB, a reportagem do Estado vivenciou a experiência de ficar confinada com os 14 participantes do jogo. Também foram convidados para entrar na casa representantes de outros veículos de comunicação. A proposta era, em apenas 40 minutos, entrevistar os participantes e conhecer a casa. Tudo, sem relógio, gravador, bloquinho, caneta ou qualquer objeto que desse referência de tempo, ou favorecesse a comunicação escrita entre eles.

Um coquetel de boas-vindas, com direito a show de Daniela Mercury, estava sendo preparado aos 14 BBBs quando adentramos a casa. A festa seria regada a muito espumante e cerveja, truque manjado para apimentar a edição.

Depois de tudo pronto no jardim, a missão inicial seria nos apresentar como jornalistas. Houve um suspense. Tentamos despistá-los dizendo que éramos um grupo novo no Brasil de pole dance – a tal dança do poste da novela – e, prontamente, a participante Jaqueline Khury disse: ‘Que máximo! Ia pedir pra produção fazer. Adoro isso’, disse revelando muito mais de sua personalidade do que quando afirmou que aumentou o tamanho de seus biquínis para entrar no programa.

Revelado o mistério, começamos a sessão de perguntas. Vocês estão preparadas para posar nuas? E mais uma vez foi de Jaqueline – que já fez ensaios sensuais para site e revista – a revelação, em tom de brincadeira. ‘Para mostrar os seios são R$ 500 mil, nu frontal, R$ 1 milhão. Por R$ 2 milhões, mostro até as trompas.’

Todos garantiam estar ali exclusivamente pelo prêmio de R$ 1 milhão.

Sobre a casa, bem decorada como um verdadeiro cenário, os quartos são pequenos, não há janelas e a luz é muito forte. O quarto rosa-choque chega a dar tontura. Câmera, até em cima do vaso sanitário.

Antes de entrar na casa, os participantes ficaram isolados em um hotel no Rio, sem poder sair do quarto, que não tinha TV, telefone ou jornais. Curiosamente, informações vazaram para uma das sisters. A produtora de moda, Bianca Jahara, que gerou recente polêmica por supostamente ser homossexual, insistia com os jornalistas: ‘Não sou lésbica. Tenho um namorado. Podem ligar para aquela Vanessa, que os jornais dizem ser minha namorada para ver que é mentira.’ Como ela ficou sabendo o que estava sendo publicado? Mistérios do BBB.’

 

***

Pérolas de Boninho

‘‘Participante gay: ‘Quando soube que foi aprovado, um deles revelou à produção que é gay.’ (Boninho desconversa e depois brinca: ‘Tem um emo no grupo. Será que é ele?’).

Indicações: ‘Não tem QI (quem indica) no BBB! O QI sou eu. Precisamos de gente exibicionista, é natural que alguns tenham feito trabalhos artísticos. Não iríamos barrar a Thalita, só porque ela é filha da Nadia Lippi.’

Jaqueline Khury: ‘É uma das ‘cachorras’. Mente muito bem e pode chegar longe, porque é malandra.’

Bianca Jahara: ‘Não acho que ela seja gay. É que na entrevista ela disse que topava tudo com o namorado.’

Revista: ‘A produção não deixa passar nem um alfinete. Revistamos as malas, frascos, livros, tudo. Mas depois que o programa começa, não mexemos em nada.’’

 

TECNOLOGIA
Pedro Dória

A maior invenção de Bill Gates

‘O PDP-11, fabricado pela Digital, era uma máquina grande: tinha o tamanho de uma geladeira. Foi num computador desses, em finais de 1975, que um jovem engenheiro chamado Dan Sokol produziu pacientemente 50 cópias, em rolo de papel perfurado, do programa Basic para o recém-lançado microcomputador Altair. Numa era anterior aos disquetes e na qual computadores pequenos eram uma novidade levada pouco a sério, Sokol se tornou o primeiro pirata. Mas ninguém chamava ainda de pirataria fazer cópias de programas sem pagar por eles. Ninguém, exceto uma pessoa: o autor daquele Basic, Bill Gates.

Na segunda-feira passada, Gates confirmou para o público da CES, a maior feira anual de produtos eletrônicos de consumo do mundo, que deixará este ano a presidência da Microsoft. Seu plano, diz, é dedicar-se integralmente à Fundação Bill e Melinda Gates, a maior organização filantrópica jamais criada. Os superlativos parecem acompanhar o fundador da Microsoft – ele próprio, segundo a revista Forbes, ainda na primeira colocação na lista dos homens mais ricos do mundo. Tudo, no entanto, poderia ter sido muito diferente não fossem os eventos transcorridos naquele final de 1975 e suas conseqüências, ao longo de 76.

Sokol era membro de um pequeno e seleto grupo de amadores apaixonados por tecnologia que se encontravam mensalmente. Era o Homebrew Computer Club – Clube do Computador Caseiro -, que reunia estudantes, engenheiros e interessados em tecnologia nos arredores da Universidade de Stanford, na Califórnia. Daquele clube vieram muitos dos pioneiros do Vale do Silício, incluindo os fundadores da Apple. O Basic, produzido para o Altair pela então chamada Micro-Soft, era vendido por US$ 500. Mas a venda de programas não era hábito. Programadores, oriundos de empresas de tecnologia ou universidades, tinham o costume de trocar as linhas de código que escreviam.

‘A maioria de vocês sabe que quase todos roubam seus programas’, escreveu um jovem Bill Gates, ainda aos 20 anos. ‘Computadores têm de ser comprados, mas software é algo que se divide. Alguém liga a mínima para o fato de que programadores não recebam pelo trabalho?’

Em fevereiro de 1976, quando essa carta aberta foi publicada na newsletter do clube Homebrew, não existia uma indústria de software. O mercado para microcomputadores era mínimo e técnico. O Altair não era vendido em lojas, mas por encomenda postal, na forma de um kit que precisava ser montado, seguindo instruções publicadas na revista Popular Electronics. Cinco mil unidades foram vendidas em 1975 – e esse era o mercado potencial do programa de Gates. Alguns dos membros do clube ficaram furiosos – ‘chamar de ladrão clientes potenciais é um erro de marketing’, chegou a escrever um deles. Programar era um hobby. Ou um serviço pelo qual uma empresa pagaria um salário. Não mais que isso.

Não foi aquele Basic, o primeiríssimo produto da Microsoft, que fez a fortuna de Bill Gates. Mas o fruto das intensas discussões entre os hobistas – como se autodenominavam os usuários daqueles primeiros microcomputadores – foi a aceitação de duas idéias suas. A primeira, que programas, assim como máquinas, eram produtos. A segunda, que a cópia sem pagamento era o mesmo que roubo.

Ainda assim, aquele mercado inicial de computadores pessoais não faria a fortuna de ninguém. Ao Altair, seguiram-se meia centena de computadores em kit até os primeiros modelos caseiros, mais amigáveis ao usuário – como o Apple II – virem à tona. Artigos na imprensa já sugeriam, no final dos anos 70, que uma revolução tecnológica estava em curso. O interesse dos grandes investidores, no entanto, era em empresas nascentes como Apple, Comodore ou Atari, que faziam as máquinas. O negócio dos programas antevisto por Gates não parecia promissor.

A aposta nas máquinas pareceu se confirmar quando a gigante IBM se dispôs, em 1981, a entrar no ramo com seu PC. Já com a grafia definitiva do nome, a Microsoft de Bill Gates conseguiu o contrato para produzir o sistema operacional do computador IBM. A condição era que produzisse o software em tempo recorde. Ninguém conseguiria. Mas Gates não teve dúvidas: assinou o acordo, pegou um avião e comprou o sistema que um programador hobista já havia desenvolvido. Rebatizou-o de MS-DOS e o entregou. O programa mais importante da história de sua empresa não foi produzido por ela.

Como queria dominar o mercado de micros, a IBM decidiu franquear a qualquer empresa a cópia de suas máquinas. Seriam PCs iguais, só que com marcas múltiplas, uma lógica que se mantém até hoje. O resultado da estratégia é que o mercado de micros se pulverizou entre vários fabricantes. Mas o programa que fazia as máquinas funcionarem tinha um único dono: a Microsoft.

Ter o domínio do sistema operacional (software), Gates descobriu, era muito mais valioso do que os executivos da IBM jamais suspeitaram. O sistema é que gerencia todas as atividades da máquina. É a partir dele que os outros programas – processadores de texto, planilhas eletrônicas, etc. – rodam. Com pequenas adaptações nesse sistema, o DOS, a Microsoft podia piorar a performance dos programas que concorriam com seu pacote de softwares, como Word e Excell. Desde o MS-DOS e, mais tarde, do Windows, a Microsoft jamais hesitou em usar essa vantagem para promover os outros programas de sua linha. Garantiu o monopólio pelo qual terminou condenada, em 2000, pela Justiça dos EUA. Um processo similar ainda está em curso na União Européia.

Visto como vilão ou ícone da inovação, Bill Gates inventou o negócio do software e, passando a perna numa das maiores multinacionais de então, fez desse negócio o dominante da revolução digital. No rastro, sua Microsoft produziu 12 mil milionários, três bilionários e o homem mais rico do mundo. Por causa da valorização das ações de sua empresa antes do crash da Bolsa de Valores em 2000, sua fortuna chegou a ser avaliada em mais de US$ 100 bilhões. Gates é o único do mundo que chegou a ser um centibilionário.’

 

Sérgio Augusto

Laptop, baralho & filantropia

‘‘Enquanto Bill Gates se aposentava da Microsoft, seu rival Steve Jobs não só continuava dando expediente na Apple, como anunciando novos inventos e planos mirabolantes para a expô Macworld, que abre amanhã em São Francisco. A mais aguardada promessa, desta vez, será a entrada da Apple no mercado de aluguel de filmes online. Graças a uma parceria com a Disney, Paramount, Warner, Fox e Lions Gate, será possível baixar filmes daquelas produtoras em computadores e televisores com recursos da Apple, e também em iPods e iPhones, pela módica quantia de US$ 3,99 (R$ 7,10).

Enquanto Bill Gates ressaltava que não estava propriamente se aposentando, mas ‘repriorizando’ sua vocação para a filantropia, Mary Lou Jepsen passava a perna em Nicholas Negroponte e anunciava um filantrópico laptop de US$ 75 (R$ 135), bancado pela Pixel Qi. Até duas semanas atrás, Jepsen dava duro (e ordens) na OLPC, que, apesar das aparências, nada tem a ver com a libertação da Palestina e da Caxemira. OLPC é o acrônimo de One Laptop per Child (Um Computador para Cada Criança), utópica cria de Negroponte, que, associado à Intel, almejava viabilizar a produção de laptops a US$ 100 (R$ 180) para incluir milhões de crianças do Terceiro Mundo na era digital.

Em pouco tempo, o preço do XO, a ‘democratizante’ máquina da OLPC, subiu 30%. E muito mais, depois do rompimento de Negroponte com a Intel, que estaria levando água para o moinho de um laptop concorrente, ClassMate – estranhamente concorrente porque bem mais caro: US$ 420 (R$ 760). Pechincha daqui e dali, e o preço do ClassMate, na licitação de 150 mil laptops para 300 escolas públicas brasileiras, baixou para US$ 387 (R$ 697), conforme informou Elio Gaspari em sua coluna de quarta-feira passada. Tsk, tsk. Se o governo peruano vai pagar US$ 175 (R$ 315) por um lote de 100 mil modelos XO, e o governo uruguaio US$ 199 (R$ 358), por que gastar o dobro e até um pouco mais com um computador dotado dos mesmos recursos do XO?

Com a entrada em cena da ex-sócia de Negroponte, com seu laptop de US$ 75, nosso Ministério da Educação ganhou uma terceira opção. Resta saber se o MEC terá condições de esperar e testar o maná eletrônico da Pixel Qi, para só então começar a mudar o curso da educação no país.

Enquanto Bill Gates redirecionava sua agenda, Steve Jobs anunciava o seu iMovies e a ex-sócia de Negroponte prometia um dumping do bem, o site de busca Lycos.com divulgava os campeões de acesso na Internet em 2007. Não aqui, mas na terra da Microsoft e da Apple. Foi a mais palpitante notícia ligada à informática da semana, inclusive porque o laptop de US$ 75 ainda é apenas um projeto e o download de filmes programado pela Apple apresenta pelo menos um senão: é caro para um aluguel de apenas 24 horas.

Adivinhe por que arcanos da Web os americanos navegam com mais freqüência?

Sites de busca? No, sir. Sites literários? Não me façam rir. Nos países nórdicos, quem sabe, seriam essas as preferências. Mas no país em que 20% da população não consegue localizar no mapa-múndi o território que habita, as preferências ou prioridades são outras. Quem pensou em alguma forma de vício, além do vício de só largar o computador para dormir, ganhou a aposta-metáfora justificável por serem os sites de pôquer os mais visitados pelos internautas americanos.

Na verdade, os campeões absolutos e imbatíveis são os sites pornográficos, aí incluídos desde os mais leves, aqueles que no máximo expõem os mamilos de Paris Hilton papparazzitados numa festa, aos mais pesados, com imagens de sexo explícito e pirotecnias ginecológicas. Estes, por pudor, creio, o Lycos.com não computa. Razão pela qual o primeiro colocado é sempre, efetivamente, o segundo.

Vício por vício, o pôquer leva a vantagem de oferecer a possibilidade de alguma recompensa real. Há cinco anos, um contador do Tennessee, que, de tão confiante em sua sorte, mudou o sobrenome para Moneymaker, saiu de um torneio internacional de pôquer US$ 2,5 milhões mais rico. O boom da jogatina online começou aí. Estima-se que cerca de 70 milhões de americanos arriscam o que têm e não têm por um royal straight flush no Poker.com.

Ok, viciar é humano, e sexo, sobretudo se virtual e voyeurístico, não mata; mas se a partir do terceiro lugar não se enfileirassem sites de golfe, moda, Disney, dieta, e de figurinhas como Britney Spears, Paris Hilton e Clay Aiken (cantor pop revelado na segunda temporada do programa American Idol), não estaria aqui chancelando o que Chunk Blount disse da pesquisa da Lycos.com, nas páginas do Toronto Daily Star: ‘Eis mais uma prova contundente de que o declínio da civilização ocidental continua em franco progresso.’

Se a alguns talvez surpreenda a quinta colocação do YouTube, mais espantosa me parece a posição do MySpace (15º), logo à frente do Facebook. Isso não implica que os internautas americanos estejam se saturando dos sites de relacionamento. Menos curiosos parecem ter ficado – ou a Wikipedia não teria sido relegada ao 30º lugar, superada por sites alcoviteiros sobre a vida, os amores e os barracos de celebridades como Vanessa Hudgens, Lindsay Lohan, Jessica Alba, Angelina Jolie, Beyoncé, Jennifer Aniston, sem contar as que não têm vida (Barbie) ou a perderam (Anna Nicole Smith).

E nós, brasileiros, o que mais acessamos na Web?

Primeira surpresa: existe pesquisa a respeito. Segunda: ela não discrimina os sites pornográficos (a da Alexa.com, ao menos, não discrimina). Terceira: os quatro sites pornográficos (encabeçados pelo Pornutube) só entram na lista depois do 35º lugar, dois deles na frente do MySpace (talvez outra surpresa).

Relacionamento e interação lideram as preferências nacionais, daí a ponta ser ocupada pelo Orkut, o YouTube vir em quinto, o Yahoo em sétimo e o Blogger em décimo. Deveria ser motivo de orgulho verificar que o Google em português ocupa a segunda colocação, e o Google em inglês, a sexta; que a Wikipedia (17ª) possui, proporcionalmente, mais visitantes brasileiros que americanos; e que o pôquer e o golfe não têm vez entre nós.

Só falta agora a gente saber que não chega a 20% a porcentagem de brasileiros incapazes de localizar no mapa-múndi o país que habitam. E o MEC acertar a compra dos laptops de US$ 75 prometidos por Mary Lou Jepsen.’

 

Ethevaldo Siqueira

CES 2008 faz o maior show de convergência

‘Imagine, leitor, um evento mundial com mais de 20 mil inovações – dos menores gadgets aos monitores gigantes de 150 polegadas. Assim foi o Consumer Electronics Show (CES) deste ano, maior evento mundial de eletrônica de entretenimento, realizado na semana passada em Las Vegas e visitado por mais de 150 mil profissionais, vindos de 140 países, para conhecer as novidades de 2.700 expositores, 250 deles chineses, numa área de 200 mil metros quadrados.

Nesse show de convergência tecnológica, a televisão digital é a nova paixão do consumidor. O CES funciona como palco mundial para o confronto entre as tecnologias de plasma, cristal líquido (LCDs), diodos emissores de luz (LEDs) e LEDs orgânicos (OLEDs), bem como para demonstrações de DVDs de alta definição (Blu-ray e HD-DVD) e de home theaters ultra-sofisticados.

O evento é hoje, acima de tudo, um show mundial de convergência, onde a imagem de alta definição funciona como novo elemento de integração dos recursos da internet, da telefonia, da mobilidade, da interatividade, das redes de banda larga, da informática e do software.

MUNDO DA TV

O ponto alto do lançamento de novos produtos do CES 2008 foram os televisores de alta definição. A Panasonic apresentou o que é considerado o maior televisor de alta definição de plasma já construído, com 150 polegadas (3,81 metros de diagonal), imagens de 8 milhões de pixels (2 x 4 megapixels) – o quádruplo da alta definição. Em sua tela cabe um elefante em tamanho natural. Usado como monitor de residências de alto luxo, essa TV pode, entre outras funções, visualizar todos os elementos do centro de controle de mídia (Digital Heart), integrando home theater, internet, TV paga, computador, games, sistemas de informação, telefonia celular e muito mais.

A Comcast, maior operadora de TV por assinatura dos Estados Unidos, lançou um sistema de gravação do tipo personal video recorder (PVR), sem fio, que pode receber e gravar programas em qualquer lugar, a qualquer hora, via redes Wi-Max.

A TV a laser foi apresentada mais uma vez como televisão do futuro. Mas ainda não se transformou em produto comercializável. Na verdade, o mundo espera há 25 anos a maturação dessa maravilha. Embora as imagens exibidas na demonstração feita pela Mitsubishi tenham sido de uma beleza insuperável, a empresa não deu as informações de interesse geral, como data de lançamento, preços possíveis e especificações técnicas.

A TV a laser de alta definição, segundo especialistas, é uma evolução da TV por projeção, mas que utiliza três projetores de laser, com as cores complementares (vermelho, verde e azul). Por suas cores, brilho e contraste insuperáveis, a tecnologia de laser tem tudo para ser o grande salto tecnológico no setor nos próximos 5 anos.

PARA ONDE VAMOS?

Bill Gates fez sua última palestra, como presidente da Microsoft, despedindo-se do palco internacional mais importante em que falou por 11 vezes, apontando as grandes tendências da eletrônica e lançando os produtos de sua empresa. Para ele, as três grandes alavancas da próxima década digital serão o software, a interatividade e a conectividade.

Num evento como o CES, o que realmente vale a pena são os painéis, debates e palestras, que mostram a visão de líderes do setor, sobre o futuro da eletrônica de entretenimento, entre os quais Paul Otellini (Intel), Toshihiro Sakamoto (Panasonic), Brian Roberts (Comcast) ou Jerry Yang (Yahoo). Para eles, os processos dominantes no mundo do entretenimento e da comunicação podem ser resumidos hoje nos seguintes pontos essenciais:

A internet será a plataforma integradora de toda a comunicação nas próximas décadas e continuará oferecendo cada vez mais conteúdo.

Os telões de alta definição, cada vez mais finos, mais baratos e maiores, estarão por toda a parte.

O mundo sem fio (wireless e mobilidade) se impõe com velocidade impressionante.

A interatividade dominará todos os serviços.

A casa digital ganhará maior QI a cada dia. Melhor seria chamá-la de casa inteligente. Seu cérebro será o Home Media Center, que controlará tudo: TV, computador, internet, home theater, comunicações, segurança, conforto, teleducação e entretenimento.

Os formatos Blu-ray Disc e o HD-DVD continuarão sua luta para se impor como padrão de alta definição. É provável que o Blu-ray vença, por sua maior versatilidade e maior capacidade de armazenamento.

LAPTOP DE US$ 100

Neste CES, o professor Nicholas Negroponte, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), coordenou painel de debates sobre o papel das tecnologias da informação e da comunicação nos países emergentes, reafirmando sua crença no projeto Um Computador por Criança (OLPC, de One Laptop per Child). No painel, falou também o presidente de Ruanda, Paul Kagame, que apresentou os resultados do projeto de inclusão digital mais ambicioso entre os países emergentes.’

 

HUGO CHÁVEZ
O Estado de S. Paulo

Líder namora Naomi, sugere jornal

‘Depois do presidente francês, Nicolas Sarkozy – que está namorando a ex-modelo e cantora Carla Bruni -, agora é a vez do líder venezuelano, Hugo Chávez, causar polêmica com seu suposto novo caso: a modelo britânica Naomi Campbell. De acordo com o colunista Nelson Bocaranda do jornal venezuelano ?El Universal?, Chávez e Naomi estariam tendo um caso há dois meses. ‘O presidente da Venezuela apaixonou-se perdidamente pela modelo’, afirmou Bocaranda, que disse ainda que os encontros do casal foram intermediados pelo ministro de Comunicação, Andrés Izarra. Em recente viagem a Caracas, Naomi descreveu Chávez como um ‘anjo rebelde’ e ‘uma fonte de inspiração para o mundo’.’

 

EUA 2008
Cristiano Dias

Famosos de Hollywood invadem os palanques

‘Diga-me com quem andas que te direi quem és. O ditado surrado serve perfeitamente para definir o caráter das celebridades de Hollywood e a personalidade dos pré-candidatos à presidência dos EUA apoiados por cada artista.

No epicentro da indústria cinematográfica, o apoio de uma celebridade dá ao político americano a atenção da mídia e dos eleitores, facilitando doações de campanha. Para Natalie Wood, especialista em marketing e professora da Universidade Saint Joseph, da Filadélfia, associar a candidatura a uma estrela de Hollywood pode mudar a imagem do candidato.

‘No que diz respeito à votação em si, o apoio de famosos tem pouca importância. Por isso, em um primeiro momento, pode parecer uma bobagem correr atrás desse tipo de apoio’, disse Natalie por e-mail ao Estado. ‘No entanto, os políticos americanos procuram o apoio de celebridades porque elas atraem a atenção e, conseqüentemente, dinheiro para a campanha.’

Natalie, que é autora de um estudo recente sobre o assunto, diz que existem duas razões para que uma estrela de cinema associe sua imagem a um político. ‘Ou o artista realmente acredita que está fazendo a diferença ou ele também usa o político para se promover.’

AS ESTRELAS DE BARACK

De todos os candidatos, o senador Barack Obama é quem tem a campanha mais recheada de estrelas do cinema. Com o voto dos jovens descolados e moderninhos ele venceu as primárias de Iowa. A reboque, ganhou apoio de Scarlett Johansson, atriz da moda em Hollywood. Scarlett esteve pessoalmente em Iowa, discursando e respondendo a perguntas de fãs-eleitores.

O time de Obama, apelidado pela imprensa americana de Barack Stars (Estrelas de Barack), traz outros ícones da adolescência americana como os atores Tobey Maguire, Ben Stiller, Matt Damon e Ben Affleck, e uma constelação de estrelas negras: a apresentadora Oprah Winfrey, o ídolo do basquete Kareem Abdul Jabbar, a atriz Halle Berry e os atores Will Smith, Laurence Fishburne e Morgan Freeman.

O eleitorado da senadora Hillary Clinton, por sua vez, tem perfil diferente. São eleitores mais velhos, que preferem confiar na experiência pública da ex-primeira-dama em detrimento da juventude de Obama. São celebridades mais conservadoras do que as do senador, mas não tão reacionárias a ponto de posar ao lado de um republicano.

Assim, os famosos que optaram por ela acabaram seguindo essas mesmas características: Barbra Streisand e Elizabeth Taylor, atrizes da velha guarda de Hollywood, a tenista Billie Jean King, e os compositores Barry Manilow e Quincy Jones, – os três personalidades dos anos 70 -, e Hugh Hefner, o bilionário de 81 anos dono da revista Playboy.

John Edwards, o terceiro na lista de preferência dos democratas, foi pré-candidato em 2004, mas perdeu a nomeação para o senador John Kerry. Edwards acabou aceitando ser vice na chapa de Kerry, que perdeu a eleição para o presidente George W. Bush. Em 2008, Edwards ensaiou um retorno aos holofotes, tal como sua trupe de artistas: os atores Kevin Bacon e Tim Robbins e a atriz Madeleine Stowe.

CHUCK PARA PRESIDENTE

Historicamente, o campo republicano sempre foi mais pobre de famosos. Quem mais conseguiu apoio de personalidades hollywoodianas foi o ex-prefeito de Nova York Rudy Giuliani. Na linha de frente está o ator Robert Duvall, que diz seguir a mesma linha ideológica de Giuliani – e que se parece até fisicamente com ele.

O conservador Mike Huckabee, por exemplo, conseguiu o apoio do ator Chuck Norris, veterano defensor do estilo de vida americano nas telas de cinema. Em um comício de Huckabee, em New Hampshire, na semana passada, a multidão foi a loucura quando Norris subiu ao palco. ‘Chuck para presidente’, gritou um eleitor de Huckabee. ‘Meu amigo, acredite, eu não sou durão o suficiente para esse trabalho’, respondeu Norris.

Alguns candidatos, como Mitt Romney, não conseguiram atrair nenhuma celebridade digna de menção. Já Fred Thompson deu um pouco mais de sorte. Lorrie Morgan, uma conhecida cantora country e antiga namorada, decidiu dar uma empurrãozinho na campanha. ‘Minha mãe sempre gostou do Fred’, disse Lorrie. ‘Ela vive me dizendo que se eu não tivesse terminado o namoro hoje poderia estar na Casa Branca.’’

 

QUÊNIA
O Estado de S. Paulo

Jornais quenianos apelam por fim da crise

‘Jornais quenianos apelaram ontem pelo fim da crise no país, que deixou mais de 500 mortos desde a reeleição do presidente Mwai Kibaki no dia 27. A oposição, liderada por Raila Odinga, acusa o governo de ter fraudado a votação. ‘Lembrando das vidas perdidas e da destruição, os dois lados deveriam parar um pouco e pensar se realmente querem ser culpados por algo que pode destruir o país’, disse em editorial o Daily Nation. Apesar do apelo dos jornais e da comunidade internacional, a oposição marcou uma série de novos protestos, que começará com uma grande manifestação na quarta-feira, em Nairóbi.’

 

SIMONE DE BEAUVOIR
Leda Tenório da Motta

‘Natureza feminina’ desconstruída

‘No momento em que se comemora, mais para discretamente, dentro dos muros universitários franceses, o centenário de nascimento de Simone de Beauvoir, não há como fugir de certas verdades estabelecidas, que não são idéias feitas, no sentido pejorativo de Flaubert, mas têm a ver com a força da evidência.

A primeira delas é que ‘não se nasce mulher’, o célebre enunciado de O Segundo Sexo, que ainda está em nossos ouvidos, mais de meio século depois de sua formulação, em 1949, data da publicação do então escandaloso livro, que se permitia tocar na sexualidade da forma mais direta, e ainda por cima, apontar a misoginia dos mulherengos surrealistas, vai desconstruir para sempre a assim chamada ‘natureza feminina’. Muito antes de Jacques Derrida e sua suspeição sistemática da inocência dos discursos ‘logofalocêntricos’, temos aí, deliciosamente cunhada em forma de máxima, que aliás também se antecipa à boutade lacaniana segundo a qual ‘não existe A mulher’, a ressonante denúncia de que a ‘feminilidade’, e tudo o que vem com ela, o ‘eterno feminino’ e o ‘mistério feminino’, nada mais são que palavras com que se est igmatiza a mulher. São armadilhas que a aprisionam numa suposta diferença original, a exemplo do que também se faz com o judeu e com o negro, para melhor transformá-la no ‘outro’, entendido como ameaçador. Mesmo quando na boca dos poetas, são o álibi mesmo da opressão e da tutela exercidas milenarmente sobre a mulher. Daí a não menos célebre oração coordenada, que imediatamente arredonda o axioma: ‘Não se nasce mulher, se é transformado nisso.’ (On ne na?t pas femme: on le devient).

A segunda evidência é que essa obra magistral, monumental e fulgurante, que convoca a biologia, a antropologia, a história, os imaginários artísticos e até mesmo a psicanálise vienense, então em vias de implantação, para estabelecer um imenso dossiê, ao revés do qual responder, sem apriorismos, à pergunta ‘o que é uma mulher?’, constitui-se na fundação mesma do feminismo moderno. Ela é o ponto de partida de tudo o que se segue em matéria de estudos de gênero e processos de libertação. A própria Betty Friedan, em seu tempo, o reconhecia. O fato é tão mais digno de nota quanto Um Teto Todo Seu de Virginia Woolf – em que vibra uma outra proferição feminista famosa sobre a irmã de Shakespeare, que se tivesse existido e porventura fosse tão genial quanto o criador de Hamlet, ainda assim nunca teria chegado a se equiparar ao mano, porque fatalmente teria sido destinada à alienaç

´e3o do casamento – antecede O Segundo Sexo de exatos 20 anos.

Não deixa de ser perturbador que a intervenção que vem antes, e com tal assinatura, fique em segundo plano, e seja a segunda a que celebramos como a inaugural. Não só porque as reflexões de Virginia Woolf, por exemplo, sobre como Jane Austen e as irmãs Bronte escrevem mal porque escrevem como mulheres, são, por seu turno e a seu modo, supremamente instigantes, mas porque, como muitos concordam em dizer, é nos países protestantes que o feminismo vai se mostrar mais forte, porque se está aí longe do culto à Virgem, logo, das idealizações mariais do feminino. Realizado aos 41 anos de Beauvoir, como um trabalho da maturidade, que veio a ser o mais clássico dentre seus muitos clássicos, O Segundo Sexo desmente todas essas razões. E se tivermos em mente a grande crise das categorias genéricas com que estamos envolvidos hoje, como atestam as paradas gays, podemos pensar que ao seu milagre se soma ainda uma perfeita atualidade. Há um trecho no primeiro tomo em que Beauvoir fala da delicadeza feminil das odaliscas, notando que isso não impede seu lesbianismo. É uma verificação sutil, difícil de se fazer na entrada dos anos 50, que livra as viragos dos signos obrigatórios da virilidade e, muito embora Beauvoir acompanhe Sartre em seu desgosto por Freud, vai ao encontro do freudismo, quando desfaz o elo entre anatomia e destino sexual. Além do mais, essa é uma espécie de previsão das inversões sem o espetáculo da inversão, tais como as conhecemos agora que elas saíram da surdina e dos espaços exóticos confinados.

Não é de estranhar, pois, que, no arredondar dos 100 anos de nascimento, quando surge mais uma biografia de Beauvoir feita por uma mulher – desta vez, Huguette Bouchardeau, notória feminista e ex-ministra do Meio Ambiente no governo socialista de Laurent Fabius – tudo isso venha à baila.

Mas felizmente para os amantes da literatura e do pensamento de linha francesa, não se trata só disso. Há mais que a promoção da mulher, e de modo geral, mais que a defesa das belas causas – o anticolonialismo, as campanhas contra a guerra da Argélia, as denúncias do apartheid, a execração do anti-semitismo -, todas abraçadas em pacto com Sartre e com a plataforma de Sartre, a pôr na conta das contribuições da autora de Memórias de Uma Moça Bem Comportada (1958). A começar pelo memorialismo, justamente. Roland Barthes notou que Proust impôs o memorialismo ao século 20. Se não os reduzirmos à paixão política, os escritos de Beauvoir, associando reflexividade e estilo, para levantar uma história das mulheres que passa pela sua própria história de mulher, devem figurar entre o que de mais refinado se fez neste campo, no novecentos.

Não enclausurar Beauvoir em nenhuma gaveta conceitual é uma justiça que faz o Colóquio Internacional Beauvoir 2008, que acaba de ocorrer em Paris, na sede do Collège des Universités, sob a direção de ninguém menos que Julia Kristeva (que no entanto não inclui Beauvoir em sua trilogia O Gênio Feminino, de 1999, dedicada a Hannah Arendt, Melanie Klein e Colette). Assim, quem passar os olhos no programa, disponível no site http://2008beauvoir.blogspot.com, verá que, mais que a introdutora dos gender studies, que depois se tornariam a mania das universidades norte-americanas, e mais que a companheira e a seguidora de Sartre, que não deixa de referi-lo quando, na segunda parte de O Segundo Sexo, põe em marcha a premissa de que a existência precede a essência, partindo para investigar não a feminilidade em abstrato, mas a vida real das mulheres de carne e osso, a Simone de Beauvoir que hoje se cultua intramuros é principalmen te a escritora e a filósofa. E melhor dizendo, a escritora-filósofa. As duas coisas inseparavelmente e, como diriam os franceses, à part entière, quer dizer, sem que uma empane o brilho da outra. Tudo como na grande tradição francesa a que se filia a escola sartriana, aquela que começa com Montaigne e continua com estes romancistas, contistas e dramaturgos que foram Voltaire, Rousseau e Diderot. Círculo, aliás, poupado no cortante dossiê beauvoiriano, já que o 18 francês convida a olhar a mulher de modo fraterno e igualitário e, se inaugura o discurso sobre a natureza, abrindo caminho para as formalidades burguesas, nem por isso aprisiona o feminino na natureza diversa que a caça às bruxas, ainda em prática na França no século da Grande Revolução, por isso mesmo, perseguia como adversa.

Há inúmeros ângulos de ataque ao legado de Beauvoir nos diferentes painéis do colóquio de Kristeva. O mais longo dos fóruns, que repassa todas as questões sobre as quais Beauvoir filosofou – a mulher, a sexualidade, a ambigüidade, a alteridade, o amor, a amizade, o próprio envelhecimento, o próprio Sartre -, se intitula Écrire l’Intime (Escrever a Intimidade). É nesse campo temático que vamos encontrar Claude Lanzman, colaborador de Le Temps Modernes e realizador de Shoah (1985), filme que surpreendeu o mundo ao levar para o cinema, do modo mais estilizado, na contramão das convenções de sobriedade antiartística do gênero testemunho, a discussão contemporânea sobre a representação da catástrofe. Dessa administração do horror absoluto, que resulta tanto mais comovente quanto é teatral, Beauvoir foi a primeira a dizer que era pura poesia, dando a entender com isso que o conhecimento do mundo em volta passa pela sua transfiguração, e lançando com isso luzes sobre ela mesma.

Mas como não se poderia esquecer também, em tal momento, que além de um feminismo e de uma filosofia produzida com estilo, a herança de Beauvoir encerra ainda uma afirmação da atitude, graças à qual o existencialismo se performa a si mesmo – e tão mais vigorosamente, neste caso, podemos pensar, quanto envolve uma mulher -, é igualmente feliz que Philippe Sollers, como bom entendedor do assunto que é, entre noutro ponto das discussões, com uma conferência sobre Les Amours de Beauvoir.

Do que será que falará este homme à femmes? Ficamos aguardando desde já a publicação dos anais do encontro, tão mais curiosos quanto sabemos que há caminhos fascinantes a percorrer igualmente aí. A palavra ‘amores’, no plural, que refere à relação aberta com Sartre, é particularmente interessante para marcar a coerência de quem ousou irritar-se com Breton e companhia por tanto buscarem nas mulheres ‘a mulher’. Nos surrealistas como em D.H. Lawrence, Montherlant e até em Stendhal, embora menos em Stendhal, cujas mulheres se masculinizam, Beauvoir vê trabalhar, junto com a platonização dos sujeitos femininos, o que chama de ‘orgulho fálico’. É outra tese das mais contemporâneas. E diga-se que Beauvoir a soube defender com tal brio e tal fôlego que não podemos descartá-la rapidamente, com um piparote, pondo-a no saco de gatos que Harold Bloom, com razão, chama de ‘escola do ressentimento’.

Sem falar que os casos paralelos de Beauvoir, entre outros com Lanzman, com quem ela chegou a morar, também não podem ser tomados como simples réplicas feminis ao comportamento de Sartre. Na verdade, até por ser boa comentadora da literatura, Beauvoir sabe que o amor é extraconjugal e, no fundo, descortês. Afinal, toda a cortesia, cujas canções estão na origem de todas as figurações românticas da paixão, nada mais é que um imenso flerte com o adultério, a julgar pelo fato de que as impossíveis senhoras em volta das quais giravam os trovadores medievais, estavam todas encasteladas e eram todas casadas! A psicanálise ensina que era justamente por isso que eram desejadas. Em suas brilhantes Contribuições à Psicologia do Amor – existem três delas -, Freud assinalou a existência de duas correntes inconciliáveis, que fazem com que o objeto a que se dirigem os sujeitos apaixonados não esteja nunca lá. A corre nte terna, dos homens que amam mulheres que não desejam tanto assim carnalmente, e a corrente dos homens que desejam carnalmente mulheres a que não dedicam um amor verdadeiramente gentil.

O não casamento heróico de Beauvoir enfrenta essa tensão. Talvez por isso, como nas melhores histórias de amor, ela esteja hoje enterrada ao lado de Sartre, no cemitério de Montparnasse.

Leda Tenório da Motta é professora no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC/SP. Publicou, entre outros, Lições de Literatura Francesa (Imago, 1997), Francis Ponge – O Objeto em Jogo(Iluminuras, 2001) e Proust – A Violência Sutil do Riso (Perspectiva, 2007)’

 

Vida e obra

‘SIMONE DE BEAUVOIR: Nasce a 9 de janeiro de 1908. Seu pai é Georges Georges Bertrand de Beauvoir, aristrocrata decadente; a mãe pertence à alta burguesia, mas à beira da ruína. Dos 5 aos 17 anos, estuda numa instituição católica. Em 1926, entra para a Sorbonne, onde conhece Sartre. Já professora, conhece Olga Kosakiewicz, que viverá um triângulo amoroso com ela e Sartre. Em 1943, publica A Convidada, causando grande alvoroço por ser supostamente baseado na relação entre Beauvoir, Sartre e Olga. Em 1945, Simone torna-se, com Sartre, um dos fundadores da revista de esquerda Les Temps Modernes. Em viagem a Chicago, em 1947, Beauvoir conhece Nelson Algren, por quem nutrirá uma intensa e correspondida paixão. Dois anos depois, O Segundo Sexo é lançado em dois volumes, abrindo a vereda do feminismo, movimento que se intensifica nos anos seguintes, atingindo o auge nos 1970. Ao falar sobre o corpo e a sexualidade fe mininos, Simone quebra tabus, que impediam o debate sobre o lugar da mulher na sociedade. Dedicado a Algren, com quem o relacionamento esfriara, Os Mandarins (1954) também é sucesso de público e crítica. Em 1956, integra-se ao movimento de libertação da Argélia. Vem ao Brasil, em 1960, com Sartre para série de conferências. Em 1968, A Mulher Desiludida é publicado, em que questiona o papel da esposa, sucedido por A Velhice (1970). Beauvoir assina em 1971 o Manifesto das 343, em que ela e outras mulheres admitem ter feito um aborto ilegal. Em 1979, lança a primeira coletânea de contos, escrita entre 1935 e 1937 – Quando o Espiritual Domina. Sartre morre em 1980. Simone adota legalmente Sylvie Le Bon como única herdeira. Começa a escrever A Cerimônia do Adeus, lançado em 1981, no qual revela a decadência física e mental de Sartre. Ela morre em 14 de abril de 1986, aos 78 anos. É sepultada com Sartre no cemitério de Mo ntparnasse.

LIVROS: A Convidada (1943); O Sangue dos Outros (1945); Todos os Homens São Mortais (1946); Por Uma Moral da Ambigüidade (1947, Nova Fronteira); O Segundo Sexo (1949); Os Mandarins (1954, Nova Fronteira); Memórias de uma Moça Bem-Comportada (1958); A Força da Idade (1960); A Força das Coisas (1963); Sob o Signo da História (1963); Uma Morte Muito Suave (1964); As Belas Imagens (1966); A Mulher Desiludida (1968); A Velhice (1970); Balanço Final (1972); Quando O Espiritual Domina (1979); A Cerimônia do Adeus (1981); Cartas a Nelson Algren (2000, Nova Fronteira)’

 

Gilles Lapouge

A reinvenção da mulher

‘Simone de Beauvoir, morta em 1986, teria completado 100 anos em 9 de janeiro de 2008. Ilustre, companheira de Jean-Paul Sartre, filósofa e escritora, mais célebre na América que na França, ela continua sendo a autora que dividiu em duas a história das mulheres, em 1949, quando disse ao planeta estupefato: ‘Não se nasce mulher. Torna-se.’ Está em seu livro O Segundo Sexo, que será relançado pela Nova Fronteira em março, seguido de Os Mandarins, abrindo a série de reedições da obra da autora, com novas traduções. ‘A verdadeira mulher é um produto artificial que a civilização fabrica como outrora se fabricavam os castrati. Seus pretensos instintos de coqueteria, de docilidade, lhe são insuflados como ao homem é insuflado o orgulho fálico.’ Na Paris efervescente, exaltada e embriagada do pós-guerra, desaba subitamente essa obra filosoficamente poderosa (Beauvoir ficou em se gundo lugar no concurso para professora-adjunta de filosofia, atrás apenas de Jean-Paul Sartre, em 1929). O livro foi recebido com vociferações de ódio ou de devoção.

François Mauriac ficou indignado. ‘Doravante’, disse ele a um colaborador da revista Les Temps Moderns, ‘eu sei tudo sobre a vagina de sua senhora.’ Os comunistas não foram mais inteligentes: O Segundo Sexo provocaria muitas gozações dos operários de Boulogne-Billancourt, eles disseram. E Albert Camus, o amigo Camus, um verdadeiro falocrata impenitente, resmungou: ‘Ela quis desonrar o macho francês.’ A esse concerto de bobagens responde um outro concerto, o de muitas mulheres para as quais O Segundo Sexo abriu a porta da esperança. Vinte mil exemplares vendidos em uma semana. Traduzido para o hindi, o chinês, o russo. Ele se tornou o livro de cabeceira das mulheres, ao lado do admirável Um Teto Todo Seu, de Virginia Woolf.

Quarenta anos se passaram. A violência desse livro se evaporou pela boa razão que o mundo não é mais o mesmo e que a posição da mulher na sociedade, embora ainda esteja longe da igualdade, não é tão aviltada como em 1949, em parte, talvez, graças a Beauvoir. Mesmo as feministas mais radicais de 2007, embora falem com indulgência de ‘mami Simone’, admitem, como a autora de Queer Zones, Marie-Hélène Bourcier: ‘Isso não impede que Simone de Beauvoir tenha sido a primeira a mostrar que a masculinidade não estava restrita aos homens, que ela é um signo racial e cultural acessível a todos. E isso é absolutamente revolucionário.’ Curiosamente, a figura de Beauvoir permanece em 2008 totalmente iluminada por seu sexo. As pessoas costumam esquecer que ela foi uma romancista de mérito (O Convidado, Os Mandarins, etc.), uma combatente política ainda que tardia (porque, como Sartre até 1945, e ap esar da guerra, ela sobrevoou a política sem compreender nada dela), tardia mas corajosa, às vezes, até delirante e tola (URSS, Cuba, Mao Tsé-tung, etc.).

Mais paradoxal ainda: essa mulher, que tantas mulheres louvaram por desvelar o império falocrata de um mundo rudemente masculino, é pela sua qualidade de ‘apaixonada’ que ela hoje irradia. E, primeiro de tudo, apaixonada por Jean-Paul Sartre com o qual forma, ainda muito jovem, um casal fascinante: ela tão bela e tão inteligente, ele tão feio e tão genial. E esse ‘pacto’: Sartre e Simone decidem que eles vivem um ‘amor necessário’, mas que isso não os impedirá de ter ‘amores contingentes’.

Em termos filosóficos, isso está bem formulado para exprimir que eles se deitam a seu bel-prazer, sem ofender o outro, mas com a promessa de contar tudo um ao outro. Por muito tempo esse pacto foi interpretado como algo que beneficiava o homem. Como em filosofia e em literatura, com freqüência se quis fazer de Beauvoir ‘a sombra de Sartre’, emprestou-se a Sartre uma liberdade sexual desregrada, enquanto a antiga jovem burguesa Simone, por mais revolucionária que fosse, ficaria paralisada por seus interditos e princípios.

Sua maneira de ser já o sugere: bela, mas ‘vestida como o ás de espada’, com aquele turbante nos cabelos, aqueles tecidos ásperos, aquela voz seca, desagradável. Tudo indica a ascese, o recato, o rigor moral, a austeridade. Nenhuma vertigem, nenhum romantismo.

Nada mais falso, porém. Curiosamente, depois de sua morte, uma nova Beauvoir se revela. É o caso de dizer: uma mulher ‘apaixonada’. Ela vive oito anos com Claude Lanzmann, autor de Shoah, fica louca pelo ‘pequeno Bost’, um antigo aluno de Sartre. E tem uma aventura americana com o belo Nelson Algren, o escritor de Chicago que ela ‘ama com todo seu corpo’ e que não compreende nada dessa casuística dos ‘amores necessários e dos amores contingentes’. ‘Por aqui, as prostitutas chamam isso simplesmente de programa’, ele resmunga. Bobo ele não era…

Ela, ligada por completo à sua presa, promete a Algren, nos anos 1950 (muito depois de O Segundo Sexo, portanto): ‘Serei boazinha. Lavarei a louça, eu própria irei comprar os ovos e o bolo com rum, não tocarei em seus cabelos, em suas faces ou seus ombros sem autorização. Jamais farei coisas que você não gostaria que eu fizesse.’ A gente esfrega os olhos. Será a autora de O Segundo Sexo, aquela que despertou milhões de mulheres, que as desvairou, que as lançou na liberdade e na revolta, a mesma que escreveu essas frases de costureirinha, de esposa boa e obediente? Sim. É a mesma. Pasmo geral.

E isso não é tudo. Simone, longe de se contentar com amores masculinos, muitas vezes agiu como uma amazona, ávida pelos corpos de mocinhas. Ela ensinara filosofia. Uma professora dos sonhos. Ela se interessa pelas boas alunas, contanto que fossem bonitas. Olga é seduzida, depois Wanda, depois Bianca. E depois… Será que ela as amava? Ou será que vivia aqueles ‘amores contingentes’ para agradar ao ‘amor necessário’, a Sartre? Uma delas mais tarde se vingou: ‘Descobri que Simone de Beauvoir pescava nas suas classes de garotas uma carne fresca que ela provava antes de a entregar, ou seria o caso de falar ainda mais grosseiramente, antes de arrastar para Sartre… No fundo, eles eram voyeurs.’ Nada brilhante. Mas essa frase talvez seja a vingança de uma amante rejeitada. Mas esse gosto pelas mocinhas é incômodo da parte de uma Simone de Beauvoir que sempre negou ser homossexual ou bissexual. Essa omissão, essa negação, é lamentável, sobretudo partindo de uma pessoa que sempre se jactou de nunca mentir, de estar acima da mentira, e que sempre aceitou passar por ‘escandalosa’. Por que esse silêncio sobre as garotas? Tudo isso compõe uma figura vasta, cheia de contrastes. Admirável e heróica até, poderosa, muito frágil, marcada por uma divisão, loucamente tolerante e ciumenta até a loucura, austera e desvairada.

Compreende-se que um quebra-cabeça com tantas peças possa causar perplexidade. Sobretudo para as mulheres. E entre as mulheres, sobretudo para as feministas, algumas das quais rendem homenagem eterna àquela que situam no limiar mesmo da revolução feminina do século 20, enquanto outras a tratam como uma ‘boa mulher’ ultrapassada. Diz Antoinette Fouque, das Éditions des Femmes: ‘Se ser feminista é querer ser um ?homem como outro qualquer? como queria, de fato, Beauvoir, então não, eu decididamente não sou uma feminista.’ Uma foto levou ao auge o furor de algumas feministas. Le Nouvel Observateur publicou um retrato de Simone. Uma Simone nua, totalmente.

Cólera de algumas variantes de feministas. Vergonha sobre Simone de Beauvoir. Nós a vemos de costas, no banheiro de um hotel de Chicago (na época de Algren) nos anos 1950. Diante de seu espelho, de costas. Ela levanta seus cabelos. O talhe é fino, arqueado, elegante. Para mim, ela pareceu muito bela, mas, claro, trato de ficar quieto.

TRADUÇÃO DE CELSO MAURO PACIORNIK’

 

Simone no Brasil

‘‘Meu primeiro romance, Ciranda de Pedra, tinha acabado de ser traduzido pelo padre canadense Eugène Charbonneau quando o casal Sartre veio ao Brasil. Hospedada num hotel da Avenida São Luiz, Simone de Beauvoir convidou-me para um drinque e mostrou interesse em ler meu livro. Achei que não iria ler no desconforto da viagem, que isso era apenas retribuição de gentileza de viajante, que depois sobe no avião e esquece. No entanto, fiquei comovida e, no dia seguinte, levei os originais para ela, que me enviou uma carta da França comentando a tradução, que não aprovou, embora tenha gostado do livro. Voltamos a nos ver em Paris em seu apartamento no Odeon, bonito, discreto e despojado, o que para mim representou uma alegria, pois O Segundo Sexo foi um livro muito importante para a minha geração, uma espécie de ‘ouviram do Ipiranga’ para mulheres escritoras daquela época, que eram raras. Garotas só escrevi am diários, quando entrei na universidade. Tanto que, ao ingressar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em 1941, só havia seis mulheres contra 220 alunos homens, a ponto de um deles perguntar se eu estava ali para casar. A essa insolência respondi: ‘Também.’ Assim, Simone de Beauvoir foi fundamental para uma geração como a minha.’

LYGIA FAGUNDES TELLES

ESCRITORA

‘De Simone de Beauvoir durante certo período li muita coisa: a torrencial biografia sua e de seu tempo, suas ficções, alguns ensaios. O Segundo Sexo e seu trabalho sobre a velhice impressionaram-me muito, então. Sua ficção, menos. Sobre a questão feminina houve a obra de Alice Schwarzer: Simone de Beauvoir Hoje, de 1983, com entrevistas a Simone que cobrem dez anos, de 1972 a 1982 e na qual, conforme palavras da entrevistadora, ‘pareceu-lhe importante levar ao conhecimento do grande público a ‘conversão’ da autora ao feminismo (em relação ao qual se tinha posto a distância, exprimindo sua convicção de que o socialismo resolveria automaticamente a situação das mulheres.’ (Rocco, 1985, tradução para o português de José Sanz). Depois de certo período não reli mais seus textos, porém sua autobiografia retive na memória, aos poucos fundindo-a a biografias sobre Sartre quando então a recuperação do intenso período de vida intelectual anima-se de contradições. A riqueza do período deixa de ter um foco expositivo único, ou melhor, privilegiado. Contudo, impacto maior iria me causar o texto Memórias de Uma Moça Malcomportada, de Bianca Lamblin, título calcado no texto de abertura das memórias de Simone, Memórias de Uma Moça Bem-Comportada – ambos os títulos jogando, com ironia, suspeição sobre o que afirmavam. (Editora Record, tradução de Zélia Brosson, 1993). A edição apresenta o texto como ‘testemunho contra os dois monstros sagrados que dominaram a vida intelectual francesa do pós-guerra. Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir’. No centenário da autora, diria que as biografias, autobiografias e testemunhos dos ‘monstros’ (tendo como linha de força os livros de Simone, indo da moça malcomportada à Cerimônia do Adeus) expõem a dificulda de em se recuperar um tempo e sua veracidade.’

ZULMIRA RIBEIRO TAVARES

ESCRITORA E PROFESSORA DA USP

‘Eu li em francês O Segundo Sexo logo que saiu, em 1949. Eu tinha 20 anos e mandei uma carta entusiasmada para Simone de Beauvoir. Quando soube que ela estava no Rio, enviei mais uma carta em que explicava que eu era aquela jovem que elogiou o seu livro e me colocava à disposição dela e de Sartre para o que eles quisessem se visitassem São Paulo. Para meu espanto, ela me telefonou dizendo que vinha a São Paulo conhecer os bairros de imigração italiana e japonesa. Quando eu e meu marido, Paulo Alves Pinto, fomos buscá-los no hotel, soubemos que eles tinham de visitar pela manhã daquele dia (8 de setembro de 1960) uma exposição no MAM. Depois do museu, passeamos pelo Brás e pela Liberdade. O tempo todo ela interrompia a conversa para ver se Sartre e Paulo estavam se entendendo. Achava isso desagradável. Almoçamos na minha casa. Ao chegarmos, Beauvoir foi à cozinha ver se não havia crustáceos, o que poderia causar surt os em Sartre por conta das experiências com mescalina. Depois desse dia, nos revemos na França em 1964, quando Sartre recusou o Nobel. Fiquei exilada na França e, de vez em quando, encontrava Simone. Eu e outras brasileiras exiladas montamos um grupo que se reunia para estudar o feminismo. Era atacada pela esquerda que se dizia progressista, que não aceitava as idéias de Simone, por considerá-las negativas para o casal que luta para mudar as coisas.’

YOLANDA (DANDA) CERQUINHO DA SILVA PRADO

DIRETORA DA EDITORA BRASILIENSE

‘O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir inaugura, sintetizando, a tradição francesa dos movimentos de emancipação feminina, das lutas nos anos da Revolução Francesa, passando pela Comuna de Paris até a consolidação de seus valores de liberdade, igualdade e bem comum. Aliando a compreensão dos mecanismos de exclusão das mulheres do cenário social, político, educacional e cultural e seu cerceamento ideológico na esfera particularista da família, privadas de direitos econômicos, sexuais e políticos, este estado de minoridade se ampliava para a infantilização do próprio mundo masculino, privado da dimensão do Outro feminino. Ao contrapor a realidade de opressão da mulher ao imaginário do homem com respeito à mulher, é a alienação do mundo masculino que se torna tanto mais universal quanto mais desconhece e anula a mulher. À distância das fórmulas pós-modernas de indiferenciação entre o homem e a mulher, o livro de Simone de Beauvoir torna-se um clássico na compreensão dos valores propriamente femininos e aqueles que abrangem toda a condição humana.’

OLGÁRIA MATOS

FILÓSOFA

‘A leitura de Simone de Beauvoir foi um divisor de águas em minha vida. De 1960 a 1980, ela representou para mim uma espécie de porta-voz. Eu me espelhava, acima de tudo, na sua coragem, lucidez e independência, quase num gesto de emulação, mas, dos anos 1980 em diante, conhecendo o outro lado da história, tudo mudou, embora ainda seja muito grata a ela pelas informações novas que chegaram com livros como O Segundo Sexo. Gosto mais de seu lado memorialístico e menos de alguns livros como Todos os Homens São Mortais e A Convidada, mas Os Mandarins é um grande romance.’

MARIA ADELAIDE AMARAL

ESCRITORA E DRAMATURGA’

 

ENTREVISTA / BRUNO BARRETO
Sonia Racy

‘Estou no horário nobre da vida’

‘Bruno Barreto aplaude a greve dos roteiristas em Hollywood. Acredita tratar-se de um avanço da civilização, do que chama de capitalismo não selvagem. ‘É bom que eles tenham consciência do seu poder’, avisa. Bem instalado em São Paulo, onde diz estar absolutamente confortável (o cineasta nasceu no Rio), Barreto se prepara para lançar um novo filme, o 174, baseado em documentário do mesmo nome de José Padilha, em cima de um episódio marcante da vida carioca. ‘É um filme Sebastião Salgado’, adverte. Para quem não sabe, há um novo jargão no cinema brasileiro para definir se o filme trata de coisas leves ou pesadas usando o nome de Salgado, o premiadíssimo fotógrafo brasileiro, que fez fama tratando da fome e desnutrição pelo mundo.

Sobre as eleições nos EUA, Barreto é contundente. ‘Não tem ninguém nesta corrida melhor que o republicano John McCain’, avisa. Como tem cidadania americana, o cineasta pensa até em voar para lá para exercer seu direito de votar. A seguir, os principais trechos da sua longa conversa com a coluna.

Você acaba de rodar um novo filme, o 174, depois de ter feito filmes mais leves. Por que isto?

Olha, vou dizer uma coisa sem querer parecer pretensioso. Este é o meu melhor filme. Aí você vai me perguntar, por quê? Porque houve intersecção de vários elementos e idéias, tipos humanos bem complexos. Não dá para fazer uma obra de arte sem complexidade. Não gosto de nada preto e branco. Por isso essa Dúvida, peça que eu dirigi em São Paulo em 2006. E que não teve patrocínio nenhum por causa do tema. Uma peça que ganhou a melhor em dramaturgia e que em 2005, nos EUA, ganhou o Tony, o Oscar da Broadway. Do quê? De melhor peça, melhor atriz, melhor ator, melhor diretor. Aqui não teve patrocínio porque o tema era a possibilidade de um padre ter molestado uma criança católica. A peça não era sobre isso, era sobre a dúvida e a certeza de poder enxergar. Se o padre realmente molestava, não tinha a mínima importância. Mas não foi visto assim.

O 174 foi visto desta maneira?

Existe aquele episódio do final do filme, quando Sandro morre, mas o filme não é sobre isto. Trata-se da odisséia desse herói trágico, o menino Sandro, um dos sobreviventes da Candelária, que acabou no ônibus 174. É sua trajetória. Se você nasce num determinado nível social no Brasil, a possibilidade de sair daquilo é quase zero. Não estou falando de justiça social, meu filme é sobre a existência. A vida dessas pessoas é um olhar de dentro para fora, o oposto de Cidade de Deus, Pixote, Tropa de Elite – filmes que são visões de fora pra dentro. Eu narro a história de dentro para fora, do ponto de vista desse menino. Entro nessas pessoas, como é o amor de mãe e filho quando você vive nessas condições, sem o que comer, vestir. Essas pessoas não deveriam a ser submetidas ao mesmo código penal da gente. Vivem em outro mundo, a gente não pode esperar delas o mesmo comportamento nosso, ético e moral.

O que o levou a fazer o filme? A história?

Francis Ford Coppola disse, certa vez, numa entrevista: ‘O melhor conselho que posso dar a vocês que querem ser atores, diretores, é que para ser ator se tem que viver, não ficar nesta coisa do americano que pensa em carreira até os 35 anos e que depois vai casar, ter filhos.’ Se você não tiver uma vida, não pode ser artista. A arte vem da vida. Veja, o Nelson Pereira dos Santos, que vai fazer 80 anos, fez tanto filme quanto eu fiz. Eu trabalho 24 horas por dia, mas eu vivo também. Casei cedo, tive filho cedo e se não tivesse começado a viver cedo não ia poder contar histórias da maneira como eu conto. Para falar de pessoas é preciso ter vivido.

Você passou longo tempo nos EUA. Por que voltou ao Brasil?

Cheguei em um momento em que acredito estar no horário nobre da minha vida. Não quero mais ficar fazendo um longa-metragem a cada dois anos, estou querendo mais. Quero produzir e dirigir teatro. Assim como eu dirigi aqui em São Paulo a peça Dúvida, com a Regina Braga e Dan Stulbach, quero dirigir televisão. Hoje em dia, a TV faz um trabalho incrível, com uma dramaturgia muito melhor que a do cinema. Cinema virou parque de diversão, virou Homem-Aranha. As minisséries televisivas são boas opções. Hoje não dá mais para fazer um filme de três, quatro horas. No máximo, são duas horas e meia. Por isso eu quis voltar ao Brasil: além de fazer os meus longas, posso fazer TV e teatro.

A nostalgia da pátria-mãe não contou?

Não existe esse negócio de voltar às raízes. Quando você migra por muito tempo, torna-se cidadão do mundo e essa condição é irreversível. Não há outra cidade no mundo onde eu me sinta mais estrangeiro do que no Rio de Janeiro em que nasci. Só não me sinto estrangeiro em Nova York e São Paulo. As duas são muito cosmopolitas. Não tem nenhuma outra cidade no mundo, fora Nova York, em que eu moraria, a não ser São Paulo.

Você saiu do Brasil nos anos 90. Acompanhou, de fora, a política brasileira?

Eu voltava todos os anos, para trabalhar. Sempre mantive com o País uma relação muito objetiva e real.

Em termos políticos, você viu alguma evolução no País?

Acompanhei as coisas que estão todos os dias nos jornais, como corrupção, apagão, falta de infra-estrutura. Agora, sou um otimista. O Brasil hoje é muito melhor do que há 40 anos. Mas o maior problema do Brasil é cultural, é a cultura bipolar. Ou a coisa é genial ou é uma m… Ou se está eufórico ou deprimido. O Brasil precisa de uma grande dose de Prozac para chegar a um equilíbrio. Bom é bom e não precisa ser genial – ou, então, uma porcaria.

Os americanos são muito diferentes?

Olha, eu gosto de contar uma história: quando conheci a Amy (Irving, sua ex-mulher), Max, o filho dela, tinha quatro anos. As vezes, eu o colocava para dormir e contava histórias. E o Max me dizia que não estava entendendo. ‘Quem são os mocinhos e quem são os bandidos?’ Aí pensei: ele só podia ser filho de Steven Spielberg, ele é realmente americano. Para os americanos, o bem e o mal têm que ser muito claros. Isso me incomodava. Aqui no Brasil ninguém é totalmente bom ou mau. É bom e mau ao mesmo tempo.

O Brasil perdeu o bonde da história no cinema?

Não. E não estou defendendo o cinema brasileiro por ser cineasta brasileiro. Me considero, como já disse, um cidadão do mundo. E o cinema brasileiro hoje é um dos três mais interessantes, juntamente com o argentino e chinês. Mas aos brasileiros falta auto-estima. Noto isso pelo método, o procedimento, a maneira de agir.

Como assim?

Existe desprezo pelo método. E também uma supervalorização do improviso, como se com ele as coisas saíssem melhor. Neste aspecto, eu concordo com o Fernando Henrique : o País precisa de um choque de racionalidade. Eu não deveria falar, mas vou falar: apesar de todas coisas importantes que significou, um dos grandes males do Brasil foi a Semana da Arte Moderna, de 1922. Fez um estrago. Idolatrar o malandro, coisa de Macunaíma, o herói sem caráter. Até hoje, pessoas formadoras de opinião são reféns desta forma de pensar.

O cineasta vive de sonho?

Como ele introduz a racionalidade nos processos? O cineasta tem que ser arquiteto e engenheiro ao mesmo tempo. O arquiteto é o sonho, mas cinema sem engenharia não funciona. Para um filme se realizar é uma operação quase militar. Eu fiz um filme de US$ 37 milhões, o Voando Alto, com a Gwyneth Paltrow, Mark Ruffalo e um grande elenco… e não tivemos tempo pra ensaiar. Tive muito mais tempo pra ensaiar quando fiz O Casamento de Romeu e Julieta, de US$ 2 milhões.

No Brasil é mais difícil conseguir financiamentos e patrocínios?

É. Ainda não temos um processo industrial. A coisa depende dos subsídios. A quantidade de filmes que não chega ao cinema é enorme. E temos poucos cinemas, menos que a Argentina e o México, proporcionalmente. Aqui não se vive mais da bilheteria.

Lá fora se vive de bilheteria?

Claro. E no passado já vivemos dela. Há 30 anos, quando Dona Flor foi lançado, havia 3 mil cinemas no País. Hoje não passam de 2 mil. É uma coisa que não entendo: esse governo diz que quer incluir, fazer um ‘país para todos’, mas destinou zero centavo para fazer o cinema de todos. O povo não tem dinheiro para ir ao cinema.

Mas o Tropa de Elite não foi bem, exceto pela pirataria?

Olha, a pirataria não prejudicou o filme. A maioria dos que viram a cópia pirata nunca poderia pagar para ver no cinema. Mas aqui o vale-cultura não sai e tampouco o o ticket-cultura. Estão emperrados na Receita Federal.

Quando você leva um projeto a um produtor, o que ele pergunta?

Eu fiz pouco isso. Em geral são os produtores que fazem. O Fernando Meirelles não conseguiu um tostão para Cidade de Deus, por causa do tema. Aí ganhou quatro indicações para o Oscar e todo mundo queria colocar seu logotipo no anúncio dando parabéns.

Você se acha diferente, como cineasta?

Há dois tipos de cineasta. Os que fazem filmes que contam a mesma história, que têm a ver com a vida deles – como o Woody Allen -, e os que fazem pela alta curiosidade. Eu faço para aprender. Por isso me sinto um pouco jornalista. Eu odeio futebol, acho chatíssimo, e queria fazer um filme para entender porque as pessoas enlouquecem tanto por futebol. A começar por meu pai, o Dragão Negro, da turma do Carlinhos Niemeyer, Walter Clark, Márcio Braga. Minha irmã se casou com um jogador de futebol, eu não entendia isso. Passei a entender.’

 

200 ANOS
Jotabê Medeiros

Uma radiografia ilustrada da corte

‘‘Fugiram os velhacos para a terra dos macacos/Vieram os ladrões para a terra dos cagões.’ Cantado nos quadrinhos por um velho cego acompanhado de um menino de rua analfabeto, o adágio popular mostrava a visão popular da apressada saída da família real portuguesa para o Brasil, que, às 7 horas da manhã do dia 29 de novembro de 1807, deixava Lisboa para temporada incerta na imponderável ‘terra dos macacos’.

No traço do cartunista paulistano João Spacca de Oliveira, de 44 anos, universalmente conhecido como Spacca, essa saga parece deixar de ser apenas um distante exercício nos livros escolares e ganha nova dimensão. Não é uma dimensão épica, contudo. São os pequenos personagens da História que se avolumam, ganham corpo, dimensão, forma, expressão.

Talvez seja essa a maior qualidade de D. João Carioca – A Corte Portuguesa Chega ao Brasil (1808-1821), álbum em quadrinhos de Lilia Moritz Schwarcz, professora do Departamento de Antropologia da USP, e de Spacca. A visão popular da história da família real no Brasil ficou marcada recentemente pelo filme Carlota Joaquina, de Carla Camurati, em estilo de ópera-bufa, e pela minissérie O Quinto dos Infernos, da Rede Globo, em estilo mais chanchadístico.

D. João Carioca se estrutura mais na precisão, mas sem abrir mão de recursos ‘dramatúrgicos’, por assim dizer. Spacca trabalhou ilustrando diversos livros infantis (das editoras Melhoramentos, Editora Globo, Editora Global, Companhia das Letras). Tem apreço pela dramatização da história, já que foi autor de Santô e os Pais da Aviação – A Jornada de Santos Dumont e de outros homens que queriam voar, e também de Debret em Viagem História e Quadrinhesca ao Brasil, ambos pela Companhia das Letras.

Em D. João Carioca, como em Debret, Spacca rende homenagens a pioneiros da ilustração, inserindo quadrinhos que reproduzem telas de pintores viajantes históricos. Assim, dá nova leitura a obras de Geoff Hunt, Debret, Thomas Ender, Rugendas e outros. Mas o artista também confessa suas influências, em sketchbook que publica no final da edição. ‘Mestres de quadrinhos como Uderzo, Hugo Pratt e Pierre Brochard eram grandes especialistas em navios antigos’, lembra.

Não era uma época muito amistosa para o império português. Como diz um conselheiro de d. João, d. Rodrigo, os lusos viviam acossados por inimigos e pressionados pelos amigos. D. João tornara-se regente após a rainha d. Maria, ter sido declarada incapaz de governar por problemas mentais.

O texto de Lilia Schwarcz não se ocupa apenas de fazer uma nova reiteração histórica. Faz pontes, estabelece conexões, moderniza a abordagem da saga da Família Real. ‘Um século antes das bombas V2 de Hitler, os ingleses foram os pioneiros do ataque aéreo com foguetes. O bombardeio é britanicamente pontual: das 6 horas da tarde às 6 horas da manhã’, diz o texto, sustentado por uma versão gráfica de Spacca para o quadro Copenhague em Chamas 1807, do dinamarquês Christoffer Eckersberg.

O leitor é apresentado a um grande leque de relações. Fica sabendo que, antes mesmo de d. João, o padre Vieira sonhou com a corte no Maranhão, e que o Marquês de Pombal chegou a preparar naus para a mudança. Depois, descobrimos que d. João se espantou ao ouvir as obras musicais do padre José Maurício – cujo piano reinava lá no centro do Rio de Janeiro – e o tornou mestre da Capela Real. Mas vieram as más línguas, acusaram o padre de ter três filhos (claro, pesou ainda mais o fato de ser negro) e ele foi trocado por Marcos Portugal em 1811.

Spacca faz blague com as circunstâncias. Como d. João ainda era príncipe regente, e como ele estava de partida de Salvador para o Rio de Janeiro, o cartunista coloca os baianos despedindo-se do nobre no cais, gritando o célebre bordão: ‘Fica, meu Rei!’ Hoje em dia, qualquer turista na praia que possa gastar seus tostões com uma lata de cerveja é chamado pelo ambulante de ‘meu Rei’.

Ao vir ao Brasil, o casal real viajou separado: d. João embarcou no navio Príncipe Real. Dona Carlota foi no Alfonso de Albuquerque. Ao longo de dois séculos, essa idéia de que o príncipe regente e sua mulher viviam em universos distintos vai se cristalizando em diversos apanhados históricos, e é ressaltada até no texto de apresentação do álbum: ‘Há quem diga que d. João gostou tanto do Brasil que por aqui foi ficando. Mesmo depois que os franceses foram expulsos de Portugal, que aconteceu o Congresso de Viena, que a paz foi decretada e a guerra chegou ao fim, o príncipe português preferiu não voltar a ocupar o seu trono em Portugal. Na nova capital do Império, sediada no Rio de Janeiro, o príncipe regente reproduziu a pesada estrutura portuguesa, criou instituições e escolas, fundou jornais e o Banco do Brasil. Além do mais, encontrou um belo lugar para morar – a Quinta da Boa Vista -, onde ficava, sobretu do, apartado da esposa, Carlota Joaquina, que vivia em Botafogo’.

Aqui no Brasil, diz Lilia Schwarcz, d. João ‘esqueceu da guerra, sarou da gota e aproveitou o clima e as frutas dos trópicos’. Acomodou-se de tal maneira que virou um ‘João carioca’ – uma versão principesca para o famoso personagem Zé Carioca, criado por Walt Disney (dizem que, na verdade, criado pelo brasileiro J. Carlos).

D. João morreria em Portugal no dia 10 de março de 1826. ‘De certa maneira, devemos a nossa emancipação a um rei bonachão e astuto que gostava de música, sombra e água fresca’, concluem os autores.’

 

Contradições

‘O ministro da Cultura, Gilberto Gil, que destinou R$ 4,3 milhões para a restauração do Jardim Botânico do Rio, uma das melhorias que d. João VI implementou no Brasil, salientou em discurso recente as ‘contradições’ que cercaram a transposição da cultura européia aos trópicos, naquele 1808. ‘Foi nessa hora que se configurou o alto impasse simbólico que ainda hoje nos inquieta a inteligência.’ Segundo ele, foi a ação de intelectuais como Mário de Andrade, Oswald e Oscar Niemeyer que ajudou a virar o jogo e fazer o País sair do barroco e do ‘neoclassicismo academizado’.’

 

PONTOCOM
Verissimo

O silêncio

‘A substituição da máquina de escrever pelo computador não afetou muito o que se escreve. Quer dizer, existe toda uma geração de escritores que nunca viram um tabulador (que, confesso, eu nunca soube bem para o que servia) e uma literatura pontocom que já tem até os seus mitos, mas mesmo num processador de texto de último tipo ainda é a mesma velha história, a mesma luta por amor e glória botando uma palavra depois da outra com um mínimo de coerência, como no tempo da pena de ganso. O novo vocabulário da comunicação entre micreiros, feito de abreviações esotéricas e ícones, pode ser um desafio para os não iniciados mas o que se escreve com ele não mudou. Mudaram, isto sim, os entornos da literatura.

Por exemplo: não existem mais originais. Os velhos manuscritos corrigidos, com as impressões digitais, por assim dizer, do escritor, hoje são coisas do passado: com o computador só existe versão final. O processo da criação foi engolido, não sobram vestígios. Só se vê a sala do parto depois que enxugaram o sangue e guardaram os ferros.

Nos jornais, o efeito do computador foi muito maior do que o fim da lauda rabiscada e da prova de paquê. O computador restabeleceu o que não existia nas redações desde – bem, desde as penas de ganso. O silêncio. Um dia alguém ainda vai escrever um tratado sobre as conseqüências para o jornalismo mundial da substituição do metralhar das máquinas de escrever pelo leve clicar dos teclados dos micros, que transformou as redações, de fábricas em claustros. A desnecessidade do grito para se fazer ouvir e a perda da identificação do seu ofício com um barulhento trabalho braçal mudaram o caráter do jornalista. Se para melhor ou para pior, é discutível.

Defendo, sem muita convicção, a tese de que a mudança da máquina de escrever para o computador também determinou uma migração da esquerda para a direita nas redações brasileiras. Se hoje não vale mais a velha máxima de que jornalista era de esquerda até o nível de redator-chefe e de direita daí para cima, a culpa é da informatização. A nova direita é filha do silêncio.

Mas é no futuro que a troca do bom preto no branco pelo impulso eletrônico e o texto virtual fará a maior confusão. A internet está cheia de textos apócrifos, inclusive alguns atribuídos a mim pelos quais recebo xingamentos (e tento explicar que não são meus) e elogios (que aceito, resignado), contra os quais nada pode ser feito e que, desconfio, sobreviverão enquanto tudo que os pobres autores deixarem feito por meios obsoletos virará cinza e será esquecido. Nossa posteridade será eletrônica e, do jeito que vai, será fatalmente de outro.’

 

 

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