Um pequeno grupo de jornalistas do Sul do país decidiu lançar uma revista que, com ironia, mas também com seriedade, possa se contrapor à superficialidade do chamado ‘jornalismo de gente’, um tipo de publicação muito comum no Brasil que tem se pautado na divulgação de informações sobre a vida dos ricos e famosos. Por conta desta indignação com o jornalismo fútil nasceu a Pobres & Nojentas – cuja primeira edição saiu em dia 27 de abril – uma publicação que faz parte da Companhia dos Loucos, editora alternativa e marginal criada em 2003 pelos jornalistas Raquel Moysés e Paulo Zembruski, além desta autora, e que já lançou quatro títulos no espaço editorial.
O trabalho que a companhia apresenta agora é mais do que uma simples revista. É um movimento de gênero e de classe. De gênero, porque tem bem demarcada uma ‘mirada’ feminina, ancestral e poderosa, se expressando a partir ‘mulheridade’. E de classe, porque vai trazer as histórias das mulheres pobres, marginalizadas, oprimidas, que raramente têm onde se expressar. Então, nas páginas da revista, a prioridade será para as pobres e ‘nojentas’. O que não impedirá, é claro, que igualmente os homens possam ser narrados nas suas dores e lutas. Não será nunca um gueto, mas uma amorosa rede (nunca virtual) para o acolhimento de quem batalha por vida digna.
A palavra ‘nojenta’ que vem agregada ao nome, nesse caso, não tem qualquer conotação de sujeira. Seu significado específico, para as editoras e para todas as mulheres que aqui vão dizer a sua palavra, é ‘insuportável, inquebrantável’. No interior do Rio Grande – de onde vem a expressão – uma ‘guria nojenta’ é aquela que não se dobra a nada nem a ninguém. Que entra nos lugares onde não é chamada, que empina o nariz quando todos a censuram, que não aceita ordens, que sabe dizer um ‘não’ sonoro e rotundo àquilo que não lhe cai bem, que questiona velhos valores, que cria o novo, que inventa primaveras em plena noite de temporal, que gera o verão nas madrugadas de frio minuano, que ama sem medo. Enfim, uma mulher insuportável ao sistema patriarcal, opressor e capitalista e, por isso, imprescindível. Pois assim são as mulheres aqui narradas. No mundo, sem ser do mundo, tal qual ensinou Jesus, o nazareno.
De mão em mão
Assim, nesse mundo globalizado, metido a pós-moderno, no qual as grandes editoras se preocupam em lançar revistas de moda, beleza, futilidades e outros que tais que apenas movimentam a estúpida e predadora máquina do capital, ou então publicações que contam a vida dos famosos ou de inúteis e portentosos desconhecidos, a revista vai falar de pobres e nojentas. De mulheres que, apesar de sua condição, de sua classe, não se rendem a nada. Empinam seus narizes e, feito deusas, adentram o mundo rompendo todas as cercas. Mulheres que lutam, que trabalham, que se movem na direção do grande meio-dia, o tempo em que as riquezas serão repartidas e a vida de todos será boa e bonita. A ‘Eko Porá’ dos guaranis. Mulheres que, com seus corpos e mentes cheios de promessas a realizar, sobem na mais alta montanha da terra e dizem, como Jeremias: ‘Ainda se plantarão vinhas nesse lugar’. E dali descem, como loucas, dispostas a semear e, principalmente, a colher.
Pobres & Nojentas é gerada de um sonho. É uma resposta ao pseudo-vazio do espírito do tempo, à religião do capital, ao insosso mercado mundial, ao medo, à desesperança. Pobres & Nojentas é um mágico portal, feminino, feminista e humano, demasiado humano! O trabalho é realizado por Eduardo Mustafa Vianna, Míriam Santini de Abreu, Raquel Moysés, Ricardo Casarini Muzy e Rosangela Bion de Assis.
A revista, sem distribuidora e sem a estrutura de uma empresa capitalista, vai ser vendida de mão em mão, pelo correio, no boca-a-boca. Quem quiser ter um exemplar é só enviar um correio para eteia@gmx.net. O custo será de R$ 4.
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Jornalista integrante da equipe