Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Brasil e Eritréia de mãos dadas

Os jornais, telejornais e sites trouxeram a humilhante notícia. Segundo a Unesco, o Brasil é o 16º colocado em repetência escolar, lado a lado com Moçambique e… Eritréia. Só não estamos piores do que Anguilla (Caribe), Nepal (Ásia) e outros 12 países africanos: Benin, Guiné Equatorial, Togo, Guiné-Bissau, Chade, Congo, São Tomé e Príncipe, Camarões, Ilhas Comores, Burundi, Madagascar e Gabão.

Eritréia. País do nordeste africano, ex-colônia italiana. Território predominantemente desértico. Depois de 30 anos vivendo conflitos armados com países vizinhos, encontra-se semidestruído. Foram mais de cem mil mortos nesse período. Tem hoje cerca de 4 milhões de habitantes. Metade deles analfabetos.

Pois bem, Brasil e Eritréia estão de mãos dadas neste aspecto da educação: a repetência escolar. Compreende-se a situação do país africano. Resta-nos compreender por que enfrentamos situação semelhante…

Haverá culpados que possamos crucificar? Uns dirão que muitos educadores estão despreparados para educar. Outros dirão que muitos governantes não estão interessados em governar para melhorar a educação. Sobrarão acusações para os alunos, para a família dos alunos, ou para a TV da família dos alunos. E alguns, empolgados, jogarão a história no banco dos réus, lembrando os modelos educacionais dos jesuítas, dos iluministas, dos positivistas, dos fascistas, e dos neoliberais, todos eles perversos.

Problema sem solução

Trocadas as devidas ou indevidas acusações, o problema não se desfaz. Aumenta. Apesar da boa vontade de milhares de professores brasileiros, não obstante as pesquisas pedagógicas, não obstante os investimentos (podiam ser maiores e mais bem empregados, sem dúvida), não obstante a adoção, em alguns estados, da progressão continuada na forma de ciclos, conforme a LDB de 1996… Brasil e Eritréia chegaram juntos.

Reprovar não resolve dificuldades de aprendizado. Agrava. A reprovação não estimula. Afunda. Réprobos são os banidos, os detestados, os infames. Réprobos eram, na linguagem teológica, os condenados ao inferno. Mas como salvar os que chegam à quarta, quinta ou sexta série sabendo apenas desenhar seus nomes?

Não estamos em guerra, mas assistimos ao espetáculo assustador da violência urbana. Nossos maiores desertos não são de ordem natural, são sociais: pessoas desempregadas, subempregadas (quantos professores não o são?), famílias desestruturadas, moradia e transporte desumanizantes, alimentação precária, sistema de saúde doente, falta de acesso aos livros.

A repetência escolar é conseqüência de uma constelação de problemas. Palavras de afeto ou de ódio não poderão resolvê-los… Menos ainda as demagógicas.

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Doutor em Educação pela USP e escritor, (www.perisse.com.br)