TELEVISÃO
Quantos canais você dispensaria?, 7/05/07
‘‘Network, Rede de Intrigas’, é um filme brilhante, dirigido por Sidney Lumet em 1976. Um filme sobre a TV, os bastidores de uma rede que não mede esforços para conquistar pontos de audiência. Não medir esforços vale dizer: lançar mão de todos os recursos, principalmente os mais sórdidos.
Peter Finch faz o papel de um velho âncora que começa a perder pontos de audiência. Solução: demiti-lo. Outros problemas acontecem na vida de Finch. Como disse Guimarães Rosa: ‘O trágico nunca vem a conta-gotas’. E o velho apresentador também encontra um jeito interesante de externar seu descontentamento com a vida e anuncia, ao vivo, que irá se matar, estourar seus miolos, também ao vivo.
Obviamente, a audiência dispara. Finch se transfroma em uma espécie de profeta do apocalipse. Em um dos programas, ele convoca toda a América a sair na janela e externar sua raiva, sua insatisfação. Não conto o final mas conto por que me lembrei desse filme.
Estava em casa, feliz, sorridente, passeando como de costume pelas dezenas de canais. Eu tenho uma falta de sorte espetacular. Raríssimas são as vezes que consigo mudar de canal e ver o programa que está passando no seguinte da lista. 97% das vezes caio no break comercial. E os breaks comerciais da TV fechada costumam ser muito aborrecidos. Sempre e sempre estão falando de sua programação. Segui adiante e de repente parei e decidi fazer o que nunca havia feito: contei quantos canais infantis minha assinatura oferece. São sete.
Se considerar os dois canais de filmes da HBO voltados para criança/família, tenho nove opções infantis. Minha filha elegeu dois deles. Continuei clicando o controle. Tenho seis canais de notícias que raramente vejo. Ainda prefiro os da TV aberta.
São 10 canais de filmes que você chega a acreditar, quando da assinatura, que nunca mais irá gastar um tostão com locação. Na verdade não são 10. Na verdade você tem um canal cujos filmes, os mesmos filmes, ficam sendo passados em horários diferentes nos demais canais. Assino a Net e a TVA. Esses números que mencionei são da TVA. Na Net não é muito diferente. Aumentam os canais de notícia e os filmes também se rodiziam nos muitos canais.
E aquele sorriso que começou a noite foi minguando e me lembrei de Peter Finch convocando todos a saírem na janela e gritarem. Existem pacotes menores? Sim, mas nunca se pode cortar o que nos interessa. Nisso eles são bons. Os pacotes mais econômicos costumam deixar de fora um ou dois canaizinhos que, na verdade, são os únicos que valem a pena ter. É idêntico às cestas de Natal. Eles vendem orgulhosos uma cesta ‘premium platinum max’ com 341 ítens. Tem champanhe, panetone, vinho, uísque e aí, meus caros, é sardinha, ervilha, milho, uva passa, lata de pêssego em calda, goibada, batata chips e extrato de tomates.’
Karen Cunsolo
‘TV no Brasil é jabuticaba’, 4/05/07
‘De 8 a 11 de maio, cerca de 600 especialistas se reúnem em Brasília para discutir o futuro da TV pública no país. Entre eles, estão diretores de todas as emissoras públicas, legislativas, universitárias e comunitárias, além de representantes de estatais estrangeiras e estudiosos do tema. Segundo Mário Borgneth, assessor especial do ministro Gilberto Gil e coordenador do Fórum Nacional de TVs Públicas, a idéia é discutir os modelos – tanto brasileiros como estrangeiros – e sair com diretrizes do que será a televisão pública brasileira.
‘Não é um fórum deliberativo. A responsabilidade de montar projetos políticos e públicos é de governos’, afirma o coordenador. Ele considera que a implantação do formato digital vai revolucionar tanto a programação como a forma de gestão das emissoras e, por isso, é este o momento ideal para a renovação da TV pública no país. ‘Vai haver múltiplos canais, e dentro dessa oferta será mais fácil achar um espaço de programação compartilhada do que no sistema analógico, em que o espaço é definido.’
Borgneth sabe que o momento é oportuno, mas que este é só o começo de um debate que vai durar muito tempo. Isso porque, em sua opinião, a TV brasileira é ‘jabuticaba’: ‘Só tem no Brasil. Não tem nada igual em nenhum lugar do mundo. Enquanto no mundo inteiro a televisão nasceu pública para depois ser privada, aqui foi o contrário. Isso tem uma série de conseqüências’, afirma.
O Fórum, que começou em setembro do ano passado e tem na próxima semana a sua etapa final, tem o mérito de, pela primeira vez, catalogar as principais características de todas as emissoras públicas do país para, a partir daí, convergir numa proposta de TV pública nacional. O coordenador ressalta que a idéia não é criar um modelo único para todas as emissoras, e sim investir nas diversidades regionais.
Além disso, o fórum receberá representantes de estatais estrangeiras, que contarão suas histórias. Borgneth afirma que a idéia não é seguir nenhum modelo de fora, e sim entender algumas importantes características de modelos bem sucedidos: ‘A BBC vai falar de prestação de serviços; a TV espanhola vai relatar o processo de definição do marco regulatório e as questões jurídicas que isso envolveu; os portugueses vão falar de modelo de financiamento – lá a relação da TV pública com o estado é de prestação de serviço, o estado é um cliente. Cada um deles traz uma experiência muito focada, que enriquece o nosso debate’, diz.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Terra Magazine – Quais são os principais pontos do fórum?
Mário Borgneth – O que vai acontecer é o ponto de chegada de um processo iniciado em setembro de 2006. Depois de dois encontros, estamos indo para as plenárias. Em setembro do ano passado, o Ministério da Cultura promoveu deslocamentos no campo do governo federal para aprofundar o debate sobre a questão da TV pública no Brasil, tendo em vista o processo violento de transformações no campo das comunicações sociais, que vai se acelerar muito com a implantação da TV digital no ano que vem.
Qual é a melhor forma de integrar a TV pública à TV digital?
As TVs públicas brasileiras vão migrar de qualquer jeito. O que estamos tentando fazer é reunir condições para a melhor migração. E isso certamente tem a ver com tornar as TVs públicas veículos efetivamente democráticos em sua estrutura, modelo de gestão (com participação da sociedade), modelo de operação (incorporando produção independente e regional), tem de ser democrático no modelo de financiamento – não pode depender de recursos do tesouro. Esse novo conceito é mais permeável à participação social em todos os níveis. E deve ser uma TV pública que tenha condição de operar em rede. Mas tudo isso já deve começar a funcionar no sistema analógico, porque todo o processo analógico leva cerca de dez anos, e nós queremos essas mudanças antes. A maneira como a gente começa determina a saúde de todo o processo. O governo tem consciência de que esse ano, o processo, que começa por São Paulo, já terá, além da TV Cultura, um Canal da Radiobrás operado a partir de dezembro. A TV Cultura também migrará, e será com apoio do governo federal.
Vai haver múltiplos canais, e dentro dessa oferta será mais fácil achar um espaço de programação compartilhada do que no sistema analógico, em que o espaço é definido.
Tem alguma previsão de como integrar as TVs estaduais?
Todo mundo já tem consciência de que isoladamente o poder que essas emissoras públicas estaduais têm para se fortalecer a ponto de ter um espaço que corresponda à sua importância nesse novo cenário digital é pequeno.
Então o caminho é a convergência?
Sim. O que não quer dizer unificação. O sistema digital integra na diversidade, na multiplicidade. O que você vai ver acontecer são iniciativas da união de fomento das TVs públicas estaduais. Vamos ter investimentos substanciais que deverão ser feitos tanto na estruturação da malha de infra-estrutura, como na produção de conteúdo, e editais já dentro do conceito democrático. E o modo de fazer, que deve incorporar produções independentes.
O ministro Franklin Martins falou sobre isso recentemente, que esse modelo, de cotas para produções independentes, é internacional…
Sem dúvida. É que a televisão aqui é jabuticaba.
Como?
É, jabuticaba. Só tem no Brasil. Não tem nada igual em nenhum lugar do mundo. Enquanto no mundo inteiro a televisão nasceu pública para depois ser privada, aqui foi o contrário. Isso tem uma série de conseqüências. Eles (as emissoras privadas) questionam o que a gente considera fundamental: que alguns serviços só podem ser prestados por emissoras públicas. Eles dizem que a TV privada pode fazer tudo isso. E dizem: ‘Pra quê eu preciso de uma TV Cultura? Porque eu não invisto na TV Futura, da Globo?’.
E qual é a resposta para uma questão como essa?
A resposta é: precisamos ter dentro do sistema público a noção da democracia. Isso não tem a ver com a qualidade da programação, e sim com os compromissos com as demandas sociais. E quem define as demandas sociais é a sociedade. Outra questão é: como você garante o direito das minorias? Porque democracia é isso, e não o império da maioria. E como incorporar minoria num canal que vive de publicidade? Não há juízo de valor, mocinho e bandido. O que existe é a complementação. E a rede privada brasileira é uma das melhores do mundo, isso é um mérito. Quando se pensa na evolução da TV pública, não se pensa em interferir e competir no mercado, como acontece em alguns países europeus. No nosso caso, uma TV pública forte aumenta o parâmetro, porque gosto não se discute. Gosto é uma questão de oferta.
Sempre se diz que a TV passa o que o público quer ver.
Pois é. Mas me diga onde está escrito que às 21h não pode ter espetáculo de música clássica na televisão. E que às 19h tem de ter teledramaturgia, uma coisa reducionista. Isso é só um modelo de negócio, mas existem muitas outras coisas.
E sobre as emissoras estrangeiras. Tem algum modelo internacional que você considera exemplar e que o Brasil possa seguir?
Olha, nós sempre seremos a tal jabuticaba. E ainda bem, porque isso é o nosso jeito, a nossa cara. Não se trata de trazer um padrão internacional, porque isso não vai dar certo. O que a gente quer é que a nossa jabuticaba fique cada vez mais gostosa e que a gente possa servir ao planeta. O mundo precisa de jabuticaba. Mas há modelos que se aproximam mais ou menos do nosso formato.
Por exemplo?
Por exemplo: o sistema de financiamento da BBC não tem a menor condição de ser aplicado no Brasil, porque cada cidadão que tem TV paga uma taxa para a emissora. E aqui eu não posso criar mais nenhuma taxa. Mas nós queremos coisas importantes da experiência deles: a diversidade temática, a qualidade da produção audiovisual, a quantidade de serviços. E tem também o sistema francês, em que cada canal tem seu perfil, um deles todo voltado para as artes e totalmente financiado pelo estado. Esse é um bom modelo. O que queremos é justamente é pegar o que cada uma tem de melhor.
E como isso será debatido no Fórum?
Vamos discutir em cinco eixos: missão, marco regulatório, migração digital e financiamento. Esse é o acorde que vai dar a melodia da TV pública brasileira. E cada representante internacional não vem aqui para fazer propaganda da sua emissora, e sim para falar de coisas específicas: a BBC vai falar de prestação de serviços; a espanhola vai relatar o processo de definição do marco regulatório e as questões jurídicas que isso envolveu; os portugueses vão falar de modelo de financiamento – lá a relação da TV pública com o estado é de prestação de serviço, o estado é um cliente. Cada um deles traz uma experiência muito focada, que enriquece o nosso debate.’
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