A Associação Mundial de Jornais recomenda que seja feito um esforço, durante esta semana, para que a liberdade de imprensa seja devidamente reverenciada, e que os jornalistas levem o tema a debate. No Brasil, a questão tem se apresentado com freqüência, quase sempre como tema paralelo ao noticiário sobre corrupção. Aqui mesmo, neste Observatório, sempre que um artigo discute o viés com que a imprensa brasileira seleciona os casos de desvio de conduta na vida pública, brotam muitas referências à liberdade de expressão, citam-se abusos, recordam-se direitos constitucionais.
Não vivemos, obviamente, o cenário africano ou chinês, ou mesmo o desastre do mundo árabe, onde o jornalismo livre mal nasceu ou vive em estado de agonia. Em 2005 foram contadas pelo menos 500 prisões de jornalistas em todo o mundo, milhares na última década. A Associação Mundial de Jornais está pedindo adesões a uma campanha pela liberdade de informação, à qual se pode aderir pelo site www.worldpressfreedomday.org.
Grupos privilegiados
Aqui, onde viceja a mais gaiata das democracias, o debate merece ir mais fundo. Deve começar, mesmo, por alguma reflexão sobre a natureza da nossa democracia. Parece muito claro que, passada a euforia da redemocratização, nos anos 1980, a sociedade brasileira se enredou nos detalhes da Constituinte e acabou se contentando com um sistema que, se nos livrou da ditadura, por outro lado não nos conduziu à plenitude democrática.
As tentativas de promover a inclusão social e alguma igualdade de direitos à base de remendos na legislação produzem um retrato bastante claro de como ainda estamos distantes de um sistema socialmente justo. O que a imprensa chama regularmente de ‘instituições’ e, eventualmente, seus protagonistas mais notáveis qualificam como ‘sociedade civil organizada’, nada mais são do que expressões acabadas da desigualdade.
A ‘sociedade civil organizada’ é quase sempre a manifestação de grupos privilegiados que conseguiram consolidar seus direitos e que, de alguma forma, alcançam a imprensa e fazem ouvir sua voz. Perifericamente, gritam e esperneiam os milhões que não conseguem se organizar e, portanto, estão excluídos do rol de instituições que a imprensa leva em conta. Não chegamos nem mesmo à etapa do ‘politicamente correto’, e não conseguimos avançar porque o debate público se limita ao círculo ao qual pertencemos todos, noticiadores e noticiáveis.
A imprensa brasileira parece uma imensa coluna social, na qual, por vício de origem, todos os personagens estão previamente classificados.
Grande público
Essa é, claramente, uma das razões pelas quais nossos debates nunca avançam até o ponto em que deveríamos produzir reflexões sobre a natureza da nossa democracia. Os milhares de reféns do crime organizado são tratados como ‘membros da comunidade tal’, os milhões de agricultores vocacionados e sem lavoura são genericamente classificados como ‘militantes do MST’. Nunca foi produzida uma reportagem serena e qualificada sobre esse movimento, sua literatura, sua estrutura, sua ideologia, seu processo de formação de quadros, seus arquivos, seu sistema de poder, seus apoiadores, seu papel nas discussões sobre o estado do mundo.
Da mesma forma limitada, nossa imprensa livre percorre o ambiente das artes e do entretenimento, delimitando claramente quem é ou quem deixa de ser artista. Um bom sobrenome transforma em expressão de arte qualquer bobagem, confere status de vanguarda a brincadeiras de mau gosto levadas ao público nos melhores teatros. Se você se chama Thomas, pode brincar à vontade, que sempre haverá críticos para encontrar alguma genialidade em suas invenções. Enquanto isso, o sistema Sesc abriga em bairros distantes novos e velhos artistas que passam suas vidas invisíveis aos olhos do chamado grande público.
Aliás, precisamos mesmo discutir o que é o grande público. Precisamos abandonar o cinismo e convencionar que só é arte a arte mediada, e só é artista quem a mídia alcança. Por aí, quem sabe, talvez possamos começar a discutir a liberdade de informação de forma ampla, democrática e irrestrita.
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Jornalista