Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A praça pública

A mídia hoje, em particular a televisão, é a grande ‘praça pública’ do país. É a nossa ‘ágora eletrônica’. A diferença é que na Grécia alguém era considerado cidadão não apenas quando sentava na ‘ágora’, praça de discussões, mas sim quando tomava a palavra e apresentava seu projeto de como pensava que a cidade devesse ser organizada e governada. Essa é a verdadeira participação.

No campo midiático não é assim. No entanto, ele ocupa um lugar central na sociedade. Dá visibilidade aos vários campos de conhecimento: a economia, a política e a cultura. É por intermédio da imprensa que ficamos sabendo das atividades do presidente da República, do Congresso Nacional, dos movimentos sociais e do cotidiano do Brasil. Dentro desse contexto, interessa-me, particularmente, o telejornalismo.

Considero que a mídia vem construindo um forte campo de influência na sociedade desde a década de 1980. A Nova República – o episódio Tancredo Neves – é paradigmático nesse sentido. Eleito em janeiro de 1985, foi internado antes de tomar posse e enfrentou lenta agonia até a sua morte. Durante esse processo temia-se que o ex-presidente José Sarney não assumisse. Nos bastidores a volta dos militares era uma ameaça.

No entanto, estranha ironia, comunicada a morte de Tancredo Neves, as empresas de comunicação que contribuíram decisivamente para o Golpe de 64 deram o aval para a transição democrática com Sarney, insurgindo-se contra qualquer perspectiva golpista. Começa aí, no nosso entendimento, o processo de consolidação desse campo no Brasil.

Logo depois temos as eleições diretas. A mídia teve um papel importante na eleição do ex-presidente Fernando Collor. O ‘caçador de marajás’ de Alagoas foi alçado como um forte candidato à presidência da República diante da ameaça do ‘sapo barbudo’, o atual presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Outra ironia, a mesma mídia que apoiou Collor também contribuiu decisivamente para seu impeachment.

Balcão de negócios

A força extraordinária da mídia no Brasil concretiza-se com a eleição de Lula. O presidente da República é o ‘presidente empossado pela mídia’. Logo após as eleições, Lula ‘rende-se’ ao campo midiático e, mesmo antes de ser oficialmente assumir a presidência, dá uma entrevista ao Fantástico como ‘presidente empossado’, programa líder de audiência da Rede Globo aos domingos. Mas a ‘cerimônia de posse de Lula’ pelo campo midiático não pára aí. Na segunda-feira, 27 de outubro de 2002, o novo presidente senta na bancada do Jornal Nacional para conversar com o país.

Esses exemplos mostram a força da mídia, em particular do telejornalismo. É preciso refletir. No entanto, antes da reflexão, acrescentemos aos exemplos mais um, a eleição do deputado Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara dos Deputados.

Antes das eleições o deputado não era considerado nem o que se denomina de ‘azarão’ – aquele que tem poucas chances e corre por fora numa disputa. Eleito, passou a receber um grande espaço na mídia – que vai desde de um olhar preconceituoso por ser um nordestino até a crítica às suas posições conservadoras e corporativas, como propor um aumento absurdo para deputados.

Não pretendo discutir a postura política do deputado. Tenho o maior respeito por Severino Cavalcanti. Mas, por uma questão de princípio, considero importante deixar claro que não compartilho do seu ideário político amplamente divulgado por jornais, revistas, rádios e emissoras de televisão de todo o país. Minha preocupação é chamar a atenção para as relações entre o telejornalismo e a sociedade. Para o dever do jornalismo com a verdade. É de fundamental importância que as empresas de comunicação e os jornalistas compreendam que, de certa forma, são os ‘olhos da Nação’.

Lembrando Ruy Barbosa, num extraordinário livro reeditado recentemente, A Imprensa e o Dever da Verdade:

‘A imprensa é a vista da Nação. Por ela a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que ameaça’.

A imprensa, em particular a televisiva, que é assistida por milhões de pessoas neste país que praticamente não têm acesso a nenhum outro tipo de informação, deve investigar e denunciar, entre outros fatos, aqueles que atentam contra o patrimônio público. O jornalismo tem como obrigação inalienável combater a corrupção e o clientelismo na política. Este país não é um balcão de negócios.

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Jornalista e professor do Departamento de Comunicação Social da UFPE