A arte do planejamento gráfico de jornais e revistas sempre foi um tema amplamente admirado entre os profissionais da área. Apesar de alguns incautos ainda considerarem uma atividade secundária, a reforma ou criação da estrutura que comportará o noticiário é tão importante quanto a própria notícia.
Sem desmerecer o papel da notícia, que é elemento-chave de qualquer veículo de imprensa, de nada adianta um corpo editorial reluzente quando o trabalho desses profissionais é prejudicado pela maneira como é apresentado e organizado. Para ilustrar essa afirmação com um exemplo simples e exagerado, não há leitor que reconheça o talento do texto de um Gay Talese, por exemplo, e o goste de ler se for apresentado utilizando fonte Comic Sans em tamanho 6, na cor amarela sobre um papel de cor preta…
Em suportes digitais – e a internet é o seu principal representante –, o tradicional projeto gráfico ganha outras titulações e se torna mais complexo. O projeto gráfico-editorial agora é conhecido como arquitetura de informação; o famoso rough, ou rafe, agora se chama wireframe; o diagrama de fluxo informativo agora atende por blueprint e o leitor se tornou o usuário.
Os anglicismos hoje utilizados num projeto de planejamento digital-interativo justificam-se porque o profissional encarregado disso se depara com uma série de questões adicionais àquelas existentes nos meios tradicionais. Agora, além das preocupações com cor e tipologia, o planejamento gráfico precisa prever:
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A articulação de intra-informações por meio dos hiperlinks;**
O uso de múltiplas mídias no enriquecimento da informação;**
A possibilidade de interação entre leitor e produtor do conteúdo;**
O reaproveitamento do conteúdo produzido pelos leitores como complemento ao material original do veículo;**
A fomentação de comunidades a partir dos conteúdos – dos leitores e do próprio veículo;**
As particularidades do digital e a sintonia com os padrões que regem esse suporte;**
Conhecer o usuário a fundo e antever suas expectativas.**
Soluções técnicas, ou seja, conhecer aquilo que a tecnologia de desenvolvimento digital oferece e utilizá-la para potencializar a eficácia do conteúdo;**
Estratégias de armazenamento e formas de recuperar a informação produzida;**
A geração de serviços ao usuário derivados das informações produzidas pelo veículo;**
A classificação, rotulação e organização da informação gerada;**
Aspectos legais e de segurança dos dados e conteúdos fornecidos pelos usuários;**
Formas de oferecer conteúdos de modo reticular e em camadas, duas das principais características do conteúdo digital; e**
Maneiras de viabilizar receita ou retorno de investimento sem prejudicar os objetivos do site e as decisões do usuário.A lista é longa, mas não é fechada. Os tópicos aqui apresentados são alguns daqueles freqüentemente presentes em projetos digitais. A totalidade de pontos estudados, porém, varia de acordo com cada caso. E caberá ao profissional responsável identificar cada um deles e ser o mediador entre os anseios do responsável pelo veículo e aquilo que é melhor para o usuário, já que nem sempre esses interesses se encontram.
Várias mãos para um mesmo fim
O projeto de um veículo tradicional, impresso ou eletrônico, sempre envolveu o conhecimento de vários profissionais. No ambiente digital, entretanto, essa parceria com outras áreas é ainda mais necessária, pois é da natureza deste meio a multidisciplinaridade.
Para atingir todos os pontos citados como essenciais para um bom projeto, o jornalista precisará de um time de profissionais de outras áreas para ajudá-lo. Quanto maior e mais complexo for o projeto, mais profissionais serão envolvidos; quanto maior for a química entre essas pessoas, melhor será o resultado final.
Apesar de soar óbvio, é comum no dia-a-dia encontrar projetos cujos profissionais não se falam. Do alto do isolamento, alguns jornalistas planejam ações que são tecnicamente inviáveis ou, o que também ocorre, em alguns casos o responsável pelo projeto deixa de levar uma idéia adiante por achar que ela não será tecnicamente viável. Por isso o envolvimento de especialistas de outras áreas é saudável e o resultado é um sistema cuja informação se torna mais útil na percepção do leitor – suscitando, conseqüentemente, um maior retorno ao veículo.
A peça-chave chamada usuário
A despeito do chavão, o(a) leitor(a) digital continua sendo a razão de existir de qualquer veículo. É por ele(a) que uma publicação nasce e é por causa dele(a) que a publicação sobrevive. Afinal, sem audiência não há receita – seja ela financeira ou de valor agregado, no caso de instituições sem fins lucrativos.
Nos meios tradicionais, os leitores são envolvidos em algumas poucas etapas do projeto. Geralmente ele é ouvido em uma pesquisa inicial que norteará os trabalhos de criação ou reformulação do veículo e, depois, só será acionado nas etapas finais da empreitada. Mas no meio digital a presença do usuário é imprescindível em todas as etapas do projeto.
Antes de começar, é preciso ouvi-lo para saber o que ele espera do novo veículo ou aquilo que lhe incomoda no veículo existente. Durante os primeiros rascunhos e wireframes, ele precisa ser consultado para saber se aquilo que o jornalista-projetista julgou ser bom também o é na visão do leitor. Ao finalizar as primeiras provas gráficas, será preciso elaborar um protótipo, acionar alguns usuários e ter certeza de que eles conseguem se deslocar e executar suas tarefas com fluidez na proposta apresentada.
Em todas essas etapas, o usuário apontará problemas que a equipe do projeto, dada sua imersão no trabalho, naturalmente deixou passar. E quanto mais cedo e mais freqüentemente esses erros forem encontrados, mais facilmente – com rapidez e a custos menores – eles serão consertados. Ao contrário de um projeto que, por pressa ou por minimizar a importância do usuário, deixa para ouvi-lo apenas quando tudo está pronto.
Em casos extremos, pode-se concluir que o trabalho precisa ser refeito do zero, o que gera um desgaste sem proporções. Afinal, dinheiro e tempo investidos durante meses irão direto para o ralo, muitas vezes por problemas que seriam contornados sem dificuldades se o usuário fosse ouvido antes.
Todos esses trâmites demoram e são trabalhosos. Mas com certeza garantem custos dentro do planejado, motivação da equipe envolvida no projeto, além de assegurar um usuário mais satisfeito com o que lhe é oferecido. O envolvimento do leitor nas etapas iniciais do projeto garante a uniformidade e a perenidade do veículo, minimizando, assim, os conhecidos ‘puxadinhos’ – gambiarras às quais precisamos recorrer quando a demanda do usuário é visível e não temos condições de refazer o projeto para atendê-las.
Teoria na prática: o novo Observatório
Desde os tempos de faculdade de jornalismo foquei minhas ações pessoais e profissionais naquilo que os meios digitais e interativos poderiam oferecer ao jornalismo. Por esse motivo, sempre nutri o desejo de ver o Observatório da Imprensa com uma cara nova que impulsionasse a já reconhecida qualidade de seu conteúdo.
Passados quase seis anos, em uma conversa com a colega e jornalista Maria Ercília, esta me conta que foi procurada pela equipe do Observatório para conduzir a reforma gráfica do site. Ela não teria condições de assumir esta missão, pois estava comprometida com outros projetos, e sugeriu meu nome para coordenar o processo. Foi a partir dessa conversa que fui apresentado aos editores Luiz Egypto e Mauro Malin, e à webmaster Andrea Baulé, responsáveis pela condução do Observatório na internet.
Depois de oito meses de trabalho, estudando pesquisas com leitores e discutindo soluções, finalizamos o novo Observatório, que chega ao seu 10º aniversário com roupa e estrutura nova.
Procuramos agregar ao conteúdo do site mais características inerentes do meio digital. Agora, o Observatório poderá ser atualizado na velocidade dos fatos; o usuário poderá ser ‘co-autor’ de cada artigo, já que seus comentários estarão sempre atrelados ao conteúdo publicado; a incorporação de uma ferramenta de busca facilitará a recuperação de materiais antigos; e a implantação de uma barra superior de opções fará com que o usuário possa navegar de qualquer página para qualquer ponto do site utilizando apenas um ou dois cliques, sem precisar passar pela página inicial. Por fim, a organização de todo conteúdo em seções facilitará a vida de pesquisadores e daqueles que gostam de ler tudo o que foi publicado sobre um mesmo assunto.
Este é o presente que o Observatório dá ao seu público após 10 anos de vida. Espero que tenhamos atendido, se não todas, pelo menos a maioria das necessidades identificadas ao longo do projeto de reforma. Mas é bom lembrar que o planejamento gráfico, seja digital ou tradicional, tem como característica maior a evolução. Esta é apenas a primeira etapa do novo Observatório. Outras melhorias estão a caminho.
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Jornalista, professor universitário e consultor especializado em projetos de comunicação digital, responsável pelo projeto e arquitetura de informação do novo Observatório da Imprensa; (www.andredeabreu.com.br)