Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carta Capital

PROPAGANDA
Ana Paula Sousa

Artistas cooptados

‘Como a agência secreta dos EUA espalhou um projeto de propaganda cultural pela Europa nos anos da Guerra Fria

Pollock, o ‘expressionista abstrato’, foi bancado pelo governo A maneira de fazer uma boa propaganda é nunca parecer que ela está sendo feita.’ Com esta frase de Richard Crossman inicia-se o livro que procura desvendar o milionário projeto de propaganda cultural encabeçado pelos Estados Unidos no auge da Guerra Fria. Nada mais adequado. A pesquisa feita pela jornalista britânica Frances Stonor Saunders traz à tona, com impressionante riqueza de detalhes, uma história que atravessou os anos recoberta por sombras e silêncios.

‘Uma característica central do projeto era promover a afirmação de que ele não existia. Ele foi administrado, em meio a grande sigilo, pelo braço de espionagem dos Estados Unidos, a CIA’, atesta a autora do extenso Quem Pagou a Conta?, que acaba de ser lançado pela Editora Record no Brasil.

Saunders, desde o início, revela seu propósito investigativo. A intenção do trabalho, mais do que reiterar casos conhecidos de colaboração política, é mostrar que, até hoje, a cultura consumida no Ocidente é, em parte, aquela que um dia a CIA chancelou. O enredo, cheio de sutilezas, enfileira intelectuais e artistas ao lado do general George Catlett Marshall e do presidente Harry Truman.

O projeto, que consumiu uns bons milhões de dólares, tinha como alvo a intelectualidade da Europa, que, àquela altura, nutria mais simpatias pelo socialismo do que desejariam os norte-americanos. Nasceu assim um ‘consórcio’ que, de uma tacada só, se encarregaria de mostrar o quanto o comunismo era mau e quanto a política externa dos EUA era boa para o mundo.

‘Os integrantes desse consórcio incluíam um grupo diversificado de antigos radicais e intelectuais de esquerda, cuja confiança no marxismo e no comunismo fora abalada pelas provas do totalitarismo stalinista’, explica a autora. Os homens-chave da operação eram Michael Josselson, comerciante judeu nascido na Estônia, o músico Nicolas Nabokov, irmão do escritor, e Melvin Lasky, militante político.

O trio começou a agir mal terminou a Segunda Guerra. Coube a Josselson e Nabokov, por exemplo, decidir que artistas solidários ao nazismo teriam o direito, concedido pelas Forças Aliadas, de prosseguir nas carreiras. Um famoso caso de ‘perdão’ foi o do lendário maestro Herbert von Karajan, dono de um obscuro histórico nazista, mas de incontestável genialidade.

Esse seria apenas o início da missão. O mais complexo estava por vir. Um dos segredos da Guerra Fria Cultural é que, em nenhum momento, seus mentores lançaram mão da cooptação direta ou da pressão. Se assim fosse, não teria sido tão eficaz. Os documentos oficiais explicitam que o objetivo da CIA era ‘transmitir idéias e informações destinadas a influenciar as opiniões, atitudes, emoções e comportamentos de grupos estrangeiros de forma a que apoiassem a consecução dos objetivos nacionais’.

Guerra é guerra, alguns dirão. Mas, uma vez conhecida a estratégia, a pergunta inevitável é: quantos artistas e intelectuais se tornaram famosos apenas porque foram patrocinados pela CIA? Em entrevista à CartaCapital, Saunders demonstra poucas dúvidas quanto à resposta. ‘É inquestionável que algumas reputações foram infladas pela CIA, que fabricava produtos para o mercado cultural’, afirma. ‘Outras carreiras, que não contribuíam para a ideologia norte-americana, podem, inversamente, ter sido prejudicadas.’Muita gente era proibida de escrever em revistas por não ter a posição considerada correta. Certas revistas, como a britânica Encounter, receberam dinheiro da CIA para manter um padrão superior ao de outras publicações. Livros adequados à ‘projeção da história norte-americana’ também recebiam tiragens e distribuição privilegiadas. Até mesmo obras infantis, como Um Livro de Maravilhas para Meninos e Meninas, de Nathaniel Hawthorne, ou Um Ianque na Corte do Rei Artur, de Mark Twain, entraram nesse pacote governamental.

Isso tudo não quer dizer, no entanto, que seus autores eram agentes a serviço do país. Condenar todos os artistas que se encaixaram no projeto da CIA seria, de algum modo, fazer uma lista negra às avessas. Até mesmo europeus, como André Gide e seu texto Regresso da União Soviética, foram promovidos sem que nada tivessem feito para isso.

Nas artes plásticas, por exemplo, o expressionismo abstrato tornou-se, em contraponto ao realismo socialista, a ‘arte oficial’ dos Estados Unidos. E Jackson Pollock ganhou fama graças a isso. ‘O expressionismo abstrato não se explica apenas por questões estéticas, mas também por questões estratégicas da Guerra Fria’, diz a autora. ‘Não vou entrar nos méritos artísticos do movimento. O que posso dizer é que os integrantes da CIA eram críticos de arte mais importantes do que alguns críticos.’

Tão estratégica quanto as artes plásticas para ação eram a seara literária – que abarcava textos teatrais e reflexivos – e a música erudita. O alvo da CIA, nota-se, era muito mais a chamada alta cultura do que manifestações mais populares. Como bem observou Henry Breck, um agente de informações entrevistado pela jornalista, ‘quando se está numa guerra de verdade, deve-se lutar com empenho. E as classes mais altas são as que mais lutam. São as que mais têm a perder’.

Era esse o público do grande festival que Nicolas Nabokov começou a organizar em 1951. Nessa altura, estrearam obras em Berlim, nova vitrine da produção norte-americana, Leonard Bernstein, George Gershwin e muitos outros.

Por razões diversas, músicos de diferentes nacionalidades foram convidados para o festival, como Stravinsky e Arnold Schoenberg, expulso da Alemanha ‘como judeu e compositor de música decadente, definida como antiestética e vazia por críticos musicais russos’.

Enquanto Jean-Paul Sartre se recusou a comparecer, por não ser ‘tão anticomunista assim’, peças de Tennessee Williams, Eugene O’Neil e John Steinbeck tomaram os teatros europeus. Mas, como se perceberá no decorrer do livro, defini-los, por causa disso, como aliados da CIA seria leviano.

‘Se a Guerra Fria era, no fundo, uma disputa psicológica, tem todo o sentido que a cultura servisse como arena. E os Estados Unidos queriam mostrar que não eram uma nação de filisteus que mascavam chiclete, dirigiam Chevrolets e se protegiam com produtos DuPont’, reitera Saunders.

Os conceitos de ‘mentira necessária’ e ‘desmentido plausível’, base da CIA, foram rapidamente estendidos para a cultura. ‘Esse processo foi capitaneado pelo círculo que organizou o Congresso pela Liberdade Cultural e por pessoas como Arthur Koestler, que manteve relação com o setor de inteligência norte-americano por muitos anos’, afirma a jornalista.

Amparada por endinheirados, a CIA funcionou, nessa época como uma espécie de Ministério da Cultura. ‘Havia, e ainda há, um cinismo geral em relação à integridade daqueles que patrocinaram essas ações’, diz a autora. E não teria ela se preocupado em destruir reputações, como a de Isaiah Berlin, várias vezes citado no livro? ‘Eu não quis nem destruir reputações nem atacar ninguém. Eu apenas inseri as carreiras dessas pessoas no contexto da Guerra Fria cultural. É possível ser um grande filósofo e, ainda assim, estar vulnerável ao erro.’

Se o papel de cada artista e intelectual nesse processo não ficará jamais claro, o mesmo não se pode dizer de ações específicas, como as absurdas versões cinematográficas de A Revolução dos Bichos ou 1984. ‘Esses filmes foram produzidos, do início ao fim, pela CIA. A empresa hollywoodiana, nesses casos, foi meramente contratada.’

E hoje, não caberia ao Pentágono ação de natureza semelhante? ‘Não restam dúvidas de que o governo americano está envolvido em programas de persuasão cultural e de guerra psicológica’, responde a autora. ‘A batalha pelo pensamento segue tão forte hoje quanto era nos tempos da Guerra Fria.’ Por essas e outras, a história esmiuçada por Saunders, apesar de nem sempre clara, tem muito a ensinar.

Sobre a edição nacional, cabem duas observações. Para o leitor brasileiro, muitos dos personagens são anônimos e, por isso, em alguns momentos o livro torna-se especialmente enfadonho. Outro, porém, é a tradução, que soa pouco precisa.’

 

GOVERNO
Phydia de Athayde

Requião não contemporiza

‘Na divisão maniqueísta do mundo que rege as idéias e os editoriais da dita grande imprensa brasileira, o governador do Paraná, Roberto Requião, coabita a mesma quadra em que estão confinados Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Corrêa e o próprio Lula. Demônios, por princípio, a quem, em hipótese alguma, deve-se conceder o benefício da dúvida. Há dois estilos de reação em voga: o de Lula, sempre a contemporizar, e o de Chávez, sempre a confrontar. A mídia brasileira não hesita em compará-lo ao presidente venezuelano, no pior sentido.

Mas isso não parece incomodá-lo. Não é de hoje que o governador paranaense cultiva o enfrentamento como estilo de governar. Desde que assumiu o estado, em 2003, o mandatário estimulou bloqueio a pedágios, entrou em conflito com produtores de soja, desagradou a bancos e entrou na Justiça para cancelar contratos nos setores elétrico, ferroviário e de saneamento, que considerou lesivos aos cofres públicos. Costuma referir-se aos adversários políticos e aos empresários que discordam de suas posições como ‘canalhas’ e ‘malandros’. Vive às rusgas com a imprensa local.

A mais recente briga do governador tem, porém, tudo para se tornar a mais agressiva dos últimos tempos. Do lado oposto está o Judiciário, o Ministério Público e, mais uma vez, jornais e canais de tevê do Paraná. Em meados de janeiro, o desembargador Edgard Lippmann Júnior, do Tribunal Regional Federal (TRF), proibiu Requião de usar a TV Educativa, controlada pelo estado, como ‘instrumento de promoção pessoal e auto-elogio’, conforme diz uma ação da Procuradoria da República. Lippmann Jr., em seu despacho, afirma impedi-lo de fazer ‘insultos a opositores, imprensa e órgãos oficiais’ na tevê.

O episódio virou uma contenda. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) soltou uma nota de apoio ao governador na qual repudia a ‘censura prévia’ imposta pelo desembargador. Os maiores jornais e tevês brasileiros passaram a acompanhar a história com dileta atenção, como se o uso da tevê por políticos em mandatos, ato por si só reprovável, não fosse quase regra geral e sim um ato isolado do ‘tresloucado’ Requião.

No sábado 26, um dia antes de embarcar para compromissos em Cuba, o governador falou à CartaCapital. Disse que o ato do juiz e a forma como o caso vem sendo retratado são resultado da perseguição do Ministério Público, contra o qual entrou em conflito desde que apontou os altos salários dos procuradores no estado, e dos meios de comunicação, por ter cortado a zero os gastos publicitários do setor público. ‘O Paraná tem uma elite muito boa, o porém está nos malandros da política. Mas, acima de tudo, a maior distorção do Paraná é a mídia privada, que se acostumou a ganhar somas estratosféricas do governo. Eu cortei a zero as verbas de publicidade estatais. Desde então, eles trabalham para desconstruir a minha imagem, sistematicamente’, diz. ‘Mas não conseguem, porque isso esbarra na realidade. Estou escrevendo a minha biografia com a minha prática. Não me interessa se os jornalões gostam ou não. Quero acertar no Paraná, quero fazer o melhor. Se a imprensa bater, se a direita bater, se a esquerda inadvertidamente bater, para mim não muda nada.’

Não é bem assim. Apesar de manifestações de apoio espalhadas por Curitiba, como as pichações que afirmam ‘Requião tem razão’, o governador perdeu nos últimos meses a confiança inquestionável de grupos que antes lhe eram 100% fiéis.

A censura imposta ao governador na TV Educativa deixou, por exemplo, o Sindicato dos Jornalistas do Paraná em situação curiosa. Por princípio, a entidade, assim como a Fenaj, é contra qualquer ataque à liberdade de expressão. Mas se dividiu, por conta do comportamento de Requião com os jornalistas locais. ‘Não queríamos esse ‘cala-boca’, mas tudo isso é resultado de uma atitude arrogante, equivocada, do governador, sobre a qual vínhamos alertando desde 2003’, diz a presidente do sindicato, e vice-regional na Fenaj, Aniela Almeida. O sindicato publicou uma série de notas de repúdio às atitudes do mandatário. ‘Ele tinha rompantes com profissionais de determinados veículos, mas agora é generalizado. Ele é grosseiro, ridiculariza perguntas, é muito difícil de lidar’, diz Aniela, e relativiza: ‘Temos de ter muito cuidado em relação a tudo isso, pois há interesses políticos e os interesses dos grupos de comunicação em jogo também’.

A Rede Paranaense de Comunicação (RPC), grupo que tem o diário Gazeta do Povo e é retransmissor da Rede Globo no Paraná, personifica a disputa entre os meios de comunicação e o governador. A RPC é acusada por Requião de ser parcial e de não divulgar ações positivas do governo. Em fevereiro de 2006, o PMDB espalhou pela cidade outdoors com a frase ‘A Gazeta do Povo mente’, após o jornal divulgar que as praias do Paraná eram as ‘mais sujas do Sul’.

Nelson Souza Filho, diretor de jornalismo da Gazeta, diz que a independência do jornal não é bem compreendida por Requião. ‘A Gazeta, assim como a RPC, não tem absolutamente nada contra o governador do Paraná’, diz, e acrescenta que Requião não atende aos pedidos de entrevista do jornal, e que a equipe já se acostumou a procurar a agência de comunicação do governo para conseguir o ‘outro lado’ nas reportagens. ‘Nós nos reservamos o direito de noticiar o que consideramos notícia. Não há como deixar de publicar as polêmicas que ele cria’, finaliza.

Requião é mais cordato com a tevê. ‘Sempre que o procuramos, ele atendeu’, relata Carlyle Ávila, diretor da RPC, retransmissora da Globo local. ‘Para nós, não há novidade no Requião. Ele não é a pessoa mais tranqüila e calma para lidar com jornalistas, mas nós não mudamos por causa dele. Ele pode não gostar de alguma reportagem crítica ao governo, mas também demos outras, como uma sobre os recordes do Porto de Paranaguá em 2007’, diz Ávila.

Nem sempre se trata de cobertura crítica. Em novembro de 2006, o Jornal Nacional veiculou imagens de filas de caminhões e fez duras críticas ao porto (menina dos olhos de Requião, administrado por seu irmão, Eduardo). As imagens eram de arquivo e não refletiam a realidade de Paranaguá, que havia conseguido eliminar as filas no embarque de grãos. O apresentador William Bonner admitiu no ar, no dia seguinte, que houve erro da equipe de jornalismo. Dias depois, uma nova reportagem mostrou a modernização de Paranaguá. Ávila garante que não houve má-fé da RPC. ‘Aquilo era material da central, não fomos nós que produzimos. Quando a Globo erra, ela admite e corrige.’ Requião, em seu programa na TV Educativa, deitou e rolou.

Paulo Pimentel, ex-governador do estado e presidente do Grupo Paulo Pimentel (GPP), que tem o jornal o Estado do Paraná e retransmitia o SBT (acaba de vender a retransmissora para Carlos Massa), é um ex-aliado de Requião. Parceiros antigos, afastaram-se depois da reeleição. ‘O Requião ficou profundamente irritado com o resultado apertado da eleição e rompeu com a imprensa do Paraná. A imprensa não faliu e ele perdeu a esportiva. Não precisa voltar a ser cliente da imprensa, basta tratar com respeito. Aqui ninguém é canalha’, diz, repetindo o adjetivo usado por Requião, até antes da censura, para se referir a adversários na TV Educativa.

O clima de confronto tem impedido uma avaliação mais equilibrada dos erros e acertos do governo estadual. Não devem ser menosprezadas duas atitudes de Requião. Uma foi o rompimento de um contrato leonino da Copel, a estatal de energia, com uma termoelétrica privada que garantia prejuízos aos cofres públicos. Após uma longa batalha judicial em tribunais internacionais, o Paraná incorporou a térmica ao patrimônio da Copel. A outra foi a retomada da ferrovia privatizada, ante o fato de que a concessionária não cumpriu os termos mínimos do contrato.

Em outras disputas, o governo estadual não conseguiu impor seu ponto de vista. No primeiro ano do primeiro mandato, Requião decidiu opor-se aos contratos de concessão de rodovias. Estimulou protestos nos pedágios, que levaram o MST a invadir alguns postos de cobrança, e anunciou: ‘O pedágio baixa ou acaba’.

Nem uma coisa nem outra aconteceu até agora, apesar de o governador ainda não ter desistido. Os contratos, firmados em 1996, têm cláusulas ‘blindadas’, conforme admite Luiz Cláudio Romanelli (PMDB), líder do governo na Assembléia. Ele protagonizou a polêmica da semana no Paraná, ao atravessar três praças de pedágio sem pagar. E incitou a população do Paraná a fazer o mesmo. ‘Basta encostar no veículo da frente e acelerar quando a cancela abrir’, diz. ‘Proponho a desobediência civil. Não sou anarquista, mas a população tem de reagir, é um desaforo o preço do pedágio no Paraná.’

‘Essa atitude não merece comentários’, diz João Chiminazzo, representante da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR) no Paraná. ‘Toda essa polêmica está baseada na crença do governador de que, além dele, ninguém no mundo é honesto e responsável econômica e socialmente. Isso ofende, ele ofende a iniciativa privada como um todo’, afirma Chiminazzo. ‘Quando ele parte do pressuposto de que empresário é bandido, não há condições sequer de agendarmos uma reunião’, conclui.

O diálogo entre concessionárias e governo do estado se dá apenas por via judicial. Há 75 ações iniciais, 32 de autoria das empresas, que se desdobraram em 154. Por exemplo, todos os reajustes previstos em contrato são sistematicamente desaprovados pelo Departamento de Estrada de Rodagem. A ABCR recorre e, na Justiça, consegue liminares para aprová-los.

Romanelli acredita que as dificuldades enfrentadas pelo governo não comprometem os avanços. ‘Nesses anos de governo Requião, criamos 500 mil novos postos de trabalho, com carteira assinada. Nos oito anos do governo Lerner foram 37 mil’, compara. ‘E teremos uma hipersafra de grãos em 2008, bateremos todos os recordes’, diz. Talvez por isso, a oposição política ao peemedebista seja risível. Só o esquálido ex-PFL mantém unidade no campo oposto. O PSDB divide-se, e o PT local dá um apoio cauteloso.

Em relação aos produtores de soja, são tempos de trégua. O Paraná é o maior produtor de grãos do País, responde por 20% a 22% do total. ‘Temos um diálogo engraçado com o Requião: o combatemos e o ajudamos, como no apoio técnico a programas estaduais’, diz Carlos Augusto Albuquerque, assessor especial da presidência da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep). ‘Discordamos em assuntos pontuais, como o da soja transgênica. Mas agora estamos em uma fase tranqüila. Ele apenas fala mal dos transgênicos, e ele pode falar o que quiser.’

A proibição do embarque de soja transgênica no Porto de Paranaguá durou cerca de dois anos e, segundo os produtores, encareceu o preço do produto. Por decisão judicial, a proibição caiu, diz Albuquerque: ‘Atualmente, brigamos com o governo porque ele é contra agrotóxicos como o 2-4-D (usado em fruticultura) e o glifosato (na soja), mas são substâncias que o Ministério da Agricultura permite’.

Requião afirma que ‘a guerra da soja foi ganha pelo estado’. Ele explica: ‘Quem vende, hoje, a soja convencional está conseguindo preço razoabilíssimo. Os produtores mudaram, não por causa do Requião, mas por causa do mercado, já que muitos países não querem a soja transgênica’.

Em tempo: nas últimas eleições, a Faep apoiou maciçamente o candidato derrotado ao governo, Osmar Dias (PDT).

Já o MST continua um aliado de primeira hora de Requião. ‘Ele tem encampado algumas lutas de um ponto de vista progressista, que nós apoiamos’, diz Roberto Baggio, coordenador nacional do movimento. E exemplifica: ‘O Requião desapropriou terras da empresa Syngenta, que investe em milho transgênico e pesquisas ilegais. É uma medida que apoiamos, porque os transgênicos enfraquecem a luta camponesa no Brasil. Temos nos associado a ele na luta contra os interesses do grande capital’.

Sobre a relação com o MST, o governador afirma: ‘Considero os movimentos sociais como movimentos sociais. Eles têm de fazer pressão. Antes do meu governo, tínhamos 120 áreas ocupadas no Paraná, hoje temos menos de dez. Não quer dizer que estou mandando matar. A gente negocia’.

O movimento estudantil, aliado histórico de Requião, atualmente está dividido. Fabiana Zelinski, presidente da União Paranaense dos Estudantes Universitários (UPE) aponta os avanços sociais no estado: ‘O Requião mudou as prioridades e focou nos mais pobres, fazendo programas como o de distribuição de leite para crianças, a redução na taxa de luz e isenção no pagamento de água’, diz, citando programas do governo estadual.

Mas o encanto se quebrou. O governador nomeou reitor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), o segundo mais votado na lista tríplice, Alcibíades Luiz Orlando, em vez do primeiro, Altevir Castro dos Santos, apoiado pela UPE. ‘Vamos comprar essa briga com o governo. O governador está sofrendo com a falta de democracia (referência à censura na TV Educativa) e não é justo que aplique isso na Unioeste. A gente vai pra cima’, promete Fabiana. A UPE prepara mobilizações e estuda greve de alunos a partir de 25 de fevereiro, data do início das aulas.

Requião tem atualmente 49% de aprovação entre os paranaenses, de acordo com uma pesquisa do Datafolha, divulgada em dezembro último. Ele é o quinto governador mais bem avaliado do País. Na capital, porém, a pesquisa aponta uma queda de popularidade no decorrer de 2007. Em janeiro, 63% dos curitibanos o aprovavam, e em julho, 57%. Como no caso de Lula, sua popularidade é grande entre os mais pobres e diminui entre os mais ricos.

Rogério Bonilha, diretor do Instituto Bonilha, que faz pesquisas qualitativas com eleitores no estado, avalia que o governador teve o apogeu de popularidade em junho de 2006. ‘Ele está numa curva descendente, mas é muito bem definido na base da pirâmide social. Ele já teve mais apoio da classe média, que perdeu ao longo do último ano. Há dois Requiões: o que faz jogo de cena e o governador. A força dele no interior está intimamente ligada aos programas sociais.’

Nas pesquisas qualitativas, Requião é associado a um leão, uma onça. Nada mais distante da realidade, de acordo com a esposa do governador, Maristela, nomeada para dirigir o Museu Oscar Niemeyer (MON). ‘No íntimo, ele é muito tímido e extremamente bondoso. Essa agressividade que ele apresenta é uma couraça, uma coisa montada, para se proteger’, garante a primeira-dama.

Maristela, assim como os cunhados Eduardo (diretor do Porto de Paranaguá) e Maurício (secretário de Estado da Educação), é criticada por nepotismo. E responde com as mesmas palavras do marido: ‘Nepotismo é não trabalhar e receber, e o Roberto é contra isso. Digo com orgulho que este museu nasceu na minha gestão (a partir de 2003), e quero receber pelo que meu trabalho vale’.

A primeira-dama avalia que o marido é vítima de perseguição. ‘Ele defende com unhas e dentes o estado do Paraná, e isso contraria o interesse de bancos e da grande mídia. Ele não é idiota de ficar só apanhando, por isso usa a TV Educativa para responder’, diz, com ímpeto, e em seguida se acalma, para concluir: ‘Não chame o Roberto para uma briga, que ele enfrenta. Se ele for cutucado, ele não recua mais’. Faz sentido.’

 

 

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