Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Machado

‘O assunto de que vamos tratar esta semana foi inspirado na mensagem do leitor Vilson Vieira Júnior, na qual ele afirma: ‘A reportagem ‘Mudança no padrão de consumo é meio de combate a aquecimento global, diz pesquisador’, publicada pela Agência Brasil no dia 4 de maio de 2007 às 6h, não tratou de forma relevante a questão referente às mudanças no padrão de consumo da sociedade, tendo em vista que o assunto foi objeto de título da matéria aqui citada. A reportagem limitou-se a discutir o que outras matérias correspondentes discutiram, como o uso de fontes de energia renováveis, o que o Brasil tem feito nesse quesito e sua posição no mundo, além das metas a serem perseguidas na diminuição da emissão de gases poluentes na atmosfera, entre outros itens. Entretanto, a matéria deixou a desejar no que propunha seu título: revelar o que disse o pesquisador a respeito de mudanças no padrão de consumo da sociedade.’

Esta Ouvidoria analisou a matéria em questão e mais 11 similares publicadas entre 4 e 6 de maio. Essas 12 matérias constituíram a cobertura da Agência Brasil sobre o lançamento do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 4 de maio, em Bangcoc, na Tailândia. O pesquisador entrevistado foi Roberto Schaeffer – um dos três brasileiros que participaram do terceiro grupo de trabalho responsável pela formulação do relatório.

Encaminhei a mensagem do leitor para a Agência Brasil acompanhada de um parecer da Ouvidoria no qual argumentava que o leitor tinha razão, uma vez que o pesquisador falou que as medidas vão da adoção de práticas de eficiência energética (assunto tratado na matéria) até mudanças no padrão individual de consumo (assunto não tratado na matéria), apesar de o título citar esse assunto.

A redação da Agência respondeu: ‘O título da matéria era abrangente e se propunha a avaliar o padrão de consumo energético. Ou seja, nele inserido o debate da forma individual e do perfil da matriz energética. A matéria é superficial, mas não há erro. A Agência mudou o título para ficar mais claro: ‘Brasil já usa combustíveis menos poluentes que outros países, diz pesquisador’. Sobre isso, inclusive, fizemos outras matérias no mesmo dia e em ocasiões anteriores.’

Tínhamos então a confirmação de que o título da matéria tinha sido equivocado ao afirmar uma coisa e a matéria tratar de outra. Outra possibilidade era que o pesquisador estivesse se referindo a aspectos que, embora constassem do relatório, não tivessem sido contemplados na matéria em questão, mas sim em outras matérias publicadas no mesmo dia, conforme informava a redação. E, realmente, na matéria ‘Uso eficiente de energia deve se estender da indústria às casas, aponta relatório da ONU’, publicada no mesmo dia, às 18h50, a questão referente às mudanças no padrão de consumo da sociedade, reivindicada pelo leitor, era abordada. Concluímos então que tivemos problemas com o título de duas matérias, e não de uma só.

Coincidentemente, o Ouvidor do jornal El Colombiano, Víctor León Zuluaga Salazar, em sua coluna semanal publicada em 7 de maio, tratava do mesmo assunto – a edição dos títulos das matérias daquele jornal do país vizinho. Lendo sua coluna, chamou-me a atenção a imagem usada para definir a função do título da notícia: uma janela para o assunto. Segundo ele, o título deve induzir e seduzir o leitor para que detenha sua visão e entre por essa janela para observar o que está passando ao seu redor. Ele afirma ainda que colocar o título numa matéria é uma arte.

No título da primeira matéria citada, a janela representada pelo título atraiu o leitor para o assunto. A janela foi aberta e o leitor não encontrou o que esperava. Decepção é o sentimento que define a sensação do leitor nessas ocasiões. Ele provavelmente se sente traído, enganado. Já o título da segunda matéria referida, na qual o leitor encontraria o assunto que procurava, não apresentou uma janela tão atraente como a primeira, além do fato de essa janela só ter sido exposta ao público mais de 12 horas depois da primeira, embora a entrevista com o referido pesquisador tivesse sido feita no dia anterior.

Desvendado o mistério, poderíamos encerrar esta coluna por aqui e recomendar ao leitor que fizesse a leitura de todas as 12 matérias para saber sobre as medidas de mitigação dos efeitos da tecnologia sobre o aquecimento global. Mas, já que estávamos analisando a cobertura, resolvemos dar uma olhada no relatório do IPCC para avaliar as informações disponibilizadas pela Agência Brasil.

Constatamos que, embora a cobertura da Agência enfatizasse a questão da matriz energética e as possíveis soluções para a redução dos gases emitidos em função da substituição dos combustíveis utilizados, esse era apenas um dos principais fatores apontados no relatório para redução dos poluentes.

Resumindo, podemos dizer que o foco das recomendações do relatório está voltado para a implementação de medidas, em diversos setores da economia, que possibilitem poupar energia, solos, florestas e minérios por meio do seu uso mais racional. Essa ‘poupança’, medida em bilhões de toneladas de gases poluentes que deixarão de ser emitidos, pode variar bastante, e definirá a qualidade da atmosfera de nosso planeta em 2030. Tudo dependerá das medidas adotadas pelos governos, em termos de políticas públicas, e de medidas tomadas pelas pessoas individualmente, em termos de hábitos de consumo e de comportamento. Isso não fica claro nas matérias da Agência, que também não mostram qual o possível impacto do relatório nas políticas públicas do governo.

Segundo o relatório, poderemos passar de uma emissão anual da ordem de 49 bilhões de toneladas de gases poluentes em 2004 para até 85,7 bilhões de toneladas em 2030 se tudo continuar como está. No entanto, se forem tomadas as decisões recomendadas pela equipe autora do relatório, esse incremento até 2030 poderá ser de apenas 9,6 bilhões de toneladas. O relatório aborda ainda os custos dessas decisões e as medidas a serem tomadas envolvendo aspectos científicos, tecnológicos, ambientais, econômicos e sociais para esse ‘alívio’ da mudança climática global. Cada fator é analisado separadamente, bem como sua possível contribuição para essa ‘poupança de qualidade da atmosfera terrestre’.

O setor mais promissor é o da construção civil, com a possibilidade de reduzir de 5,3 a 6,7 de gigatoneladas equivalentes de gás carbono por ano, contra uma possibilidade de redução de 2,4 a 4,7 para o abastecimento de energia, de 1,6 a 2,5 para o transporte, e, com uma importância relativamente maior, a redução da indústria com 2,5 a 5,5. O segundo setor mais importante, sobretudo em termos do pico da sua contribuição potencial é a agricultura, com a redução que pode variar de 2,3 a 6,4. Os outros setores analisados são florestas, com redução de 1,3 a 4,2, e o de resíduos sólidos (lixo e esgoto), com 0,4 a 1 gigatonelada de gases poluentes.

Tudo vai depender de quanto as nações, os governos, as empresas e as pessoas estão dispostos a gastar para fazer essa ‘poupança’. Em função disso, os cientistas trabalham com três possíveis cenários. Esses cenários são mostrados nas matérias, bem como os custos pagos pelas nações para implementar as medidas necessárias e amenizar os efeitos nocivos nos próximos anos. Mas, com relação à contribuição potencial de cada fator, estimada para aliviar a mudança climática nos vários cenários projetados no relatório, as matérias não explicam qual é a importância de cada um.

Dentre as medidas que podem ser tomadas está o uso racional de tecnologias e práticas existentes e comercialmente disponíveis. O relatório aponta as seguintes soluções na área de construção civil: iluminação eficiente e iluminação por raios solares; aparelhos elétricos e de aquecimento e resfriamento mais eficientes; melhorias nos fogões; melhor isolamento térmico; arquitetura que incorpore elementos solares ativos e passivos de aquecimento e resfriamento; fluidos alternativos para refrigeração e recuperação e reciclagem de gases fluorados. Entre as recomendações tecnológicas e práticas que deverão ser comercializadas até 2030, também na área de construção civil, estão: desenho integrado dos prédios comerciais, como detectores inteligentes, que permitam feedback e controle de temperatura e luminosidade; e painéis solares elétricos integrados nos edifícios.

Assim, o leitor que abriu as janelas proporcionadas pelos títulos das matérias da Agência Brasil viu assuntos que estavam mais próximos do interesse de alguns setores da sociedade brasileira e mais distantes dos assuntos retratados no relatório da ONU. Pelas janelas da Agência o leitor viu campos plantados com vegetais biocombustíveis, usinas nucleares produzindo energia elétrica e a floresta amazônica sendo preservada. Se o assunto fosse visto por outras janelas, abertas com base na escala de prioridades recomendadas no relatório do organismo da ONU, o leitor veria em primeiro plano edifícios abastecidos com energia solar e controle de temperatura, ventilação e iluminação totalmente automatizadas, a agricultura orgânica em segundo plano, indústrias com controle de emissões em terceiro e só nos demais planos, mais ao fundo, ele veria o que o leitor da Agência viu nos primeiros planos. Enquanto as matérias se preocuparam mais com a questão das possíveis formas de geração de mais energia, as recomendações do relatório se preocupam mais em como poupar e usar melhor a energia gerada. As informações disponibilizadas pelas matérias da Agência são importantes mas foram insuficientes para abranger toda a dimensão do relatório.

Até a próxima semana.’