Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Agência Carta Maior

GOVERNO LULA
Gilson Caroni Filho

Conselho à oposição, 21/05/07

‘Se, como reza o provérbio, conselhos só seriam bons se fossem vendidos, alguém precisa fazer da inversão poética de Chico Buarque uma advertência aos direitistas que se opõem ao governo.É hora de ouvir bons conselhos, ainda mais quando são dados de graça. Ou atentam para modificações estruturais gritantes ou morrem por inanição política, independente do apoio midiático que venham a obter.

Em entrevista à edição de domingo do Jornal do Brasil (20/5), o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), provável futuro presidente dos tucanos, afirma que ‘ a legenda está em reestruturação a fim de refazer a aliança com a classe média desamparada, pela ausência de iniciativas do governo’ Alguém deveria assessorar o parlamentar em seus contatos com a imprensa. Ao menos recomendar mais atenção na leitura de jornais que lhe são tão favoráveis. A um político não se perdoa que tenha uma visão exoticamente peculiar sobre o que julga que ser a base social de sua legenda.Imagens fugidias não substituem uma boa análise de conjuntura.

Se, de fato, os estratos médios deixaram, no governo petista, de ser o público-alvo dos programas sociais, relacioná-los a abandono é fazer pouco da inteligência ou assumir total descompromisso com a verdade e a semântica.Os benefícios de programas como o Bolsa Família sinalizam claramente para a conjugação do macroeconômico com a questão social- uma inequívoca inflexão em relação a gestões anteriores- mas longe estão de um jogo de soma zero.

Bastava ao senador uma rápida passada de olhos pelas paginas de economia de O Globo para descobrir onde se abriga boa parcela dos desamparados.’A classe média brasileira que aplicou no overnight e no dólar durante a hiperinflação dos anos 80 e início dos anos 90, e lucrou com os juros altos desde meados da década passada, agora busca cada vez mais as ações como alternativa para ganhar dinheiro’. Segundo a reportagem, o afrouxamento da política monetária, a partir de 2006, trouxe uma legião de novos aplicadores para o mercado acionário. Nunca se viu tanto investidor, pessoa física, na Bolsa. Pessoas fazendo poupança a longo prazo, comprando papéis de empresas como Vale do Rio Doce, Petrobrás e Aracruz que, provavelmente, vão estimular o crescimento econômico.

Para Raymundo Magliano Filho, presidente da Bolsa de Valores de São Paulo( Bovespa), o Brasil passa’ por uma revolução silenciosa’. A Bolsa é alternativa para quem crê no crescimento econômico. A opção dos novos investidores revela uma ruptura com a cultura rentista que se tornou hegemônica nos dois mandatos de FHC? Talvez seja precipitado arriscar uma resposta categórica. Mas ao destacar, em discurso no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que no seu governo a ‘Bolsa deixou de ser bolsinha’, Lula demonstra uma percepção bem mais atilada que seus opositores.Tomou suas bandeiras e, com forte base sindical, desenha uma configuração de fortes tinturas social-democratas.

O cenário político é de afirmação institucional. As ações da Polícia Federal, as maiores eficiência nas investigações, com prisão de gente graúda, não indicam, apesar dos esforços de editorialistas conhecidos, que vivamos uma explosão de corrupção no país. Pelo contrário. Talvez estejamos encerrando um ciclo histórico de pactos intraelites. O esgotamento de acordos entre o Poder Público e oligarquias tradicionais. O fim efetivo do círculo do atraso, precisamente analisado por Victor Nunes Leal, em sua obra clássica, Coronelismo, enxada e voto. De forma lenta, molecular, deixam a ribalta o filhotismo, o mandonismo e outras características de uma formação social marcada pelo patrimonialismo. São tão múltiplas como silenciosas as revoluções que estão ocorrendo.A audição requer boa análise.

Talvez seja a hora de relembrar a célebre citação de Gramsci. Quando o velho morre e o novo não consegue nascer, surgem variados ‘fenômenos mórbidos’. Provavelmente estão presentes em um Legislativo que abdica de suas funções e as delega ao STF. Em um Poder Judiciário que passa a legislar. E em um tipo de jornalismo que troca seu papel de fiscalizador de poderes por combate sistemático ao governo.

Se a oposição quer se afirmar dentro de regras democráticas, não deve confundir o poder que lhe foi delegado por votação com sabotagem ao governo em exercício. Deve, sim, estabelecer uma estratégia de competição de políticas públicas. Tentar suprir a falta de perspectiva de longo prazo estabelecendo pontos reformistas em seu discurso. O pressuposto é o reconhecimento de que o atual governo, gostem ou não, trouxe ganhos incrementais ao Brasil.

É isso, senador Sérgio Guerra. Não ignore o novo. Mesmo que ele venha sob um incômodo ‘nunca antes na história desse país’.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil, Observatório da Imprensa e La Insignia.’

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O Estado de S. Paulo – 2

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