‘Na edição de domingo passado, O Povo saiu com sua nova feição gráfica/editorial. É a quarta reforma que o jornal faz em dez anos, desde que iniciou (em 1997) o projeto Século XXI, com o objetivo de conduzir o jornal às grandes mudanças que se avizinhavam para a mídia. A decisão de adaptar o jornal aos novos tempos mostrou-se acertada, principalmente pela grande transformação desencadeada pela internet, que possibilitou unificar texto, imagem e imagem em movimento em um só suporte: a tela do computador – algo até então impossível. É uma revolução equivalente ao aperfeiçoamento dos tipos móveis, promovido por Johannes Gutenberg, no século XV, dando origem à tipografia e, conseqüentemente, possibilitando a popularização dos livros e o surgimento dos jornais.
Como acontece em todas as grandes mudanças, existem os que prevêem o fim dos meios de comunicação antecedentes àquele que surge rugindo, mas a história mostra que não é assim. A televisão não deu fim ao rádio; certamente a internet não acabará com a televisão, nem com o rádio e nem com o jornal. Porém, é certo que todos os meios passarão por profundas transformações.
O novo projeto gráfico vai na mesma direção seguida por jornais impressos no mundo inteiro. A integração do jornal à internet, buscando também fazer desta uma referência ao impresso, pois não há mais dúvida da influência e complementaridade entre os diversos meios. No outro ponto, os jornais buscam aumentar a interação com um leitor, habituado a interferir e opinar na internet – sem falar que ele mesmo tem hoje a oportunidade de ser o próprio produtor de notícias – e não aceita mais a via de mão única costumeira no meio impresso. Ao mesmo tempo, o jornal tem de sustentar a sua identidade, mantendo aquilo que lhe é próprio e o diferencia das outras mídias. Como se vê, o desafio é grande e o caminho é árduo.
De modo geral, O Povo acertou nos principais pontos ao fazer esta reforma gráfico-editorial, tanto nas questões mais amplas, comentadas acima, e também quanto à legibilidade do jornal, pois passou a usar fontes mais encorpadas, tornando a leitura mais confortável. Poderia ter havido comedimento no uso de fontes sem serifa, mais difíceis de ler quando impressas em papel. Para que o leitor tenha idéia, a fonte (letra) sem serifa é usada nesta coluna; a com serifa é a do texto das matérias principais.
Dos telefonemas e e-mails recebidos de leitores – tirando algumas observações pontuais – todos foram elogiosos às mudanças, à exceção de um, este entendendo que o jornal vem reduzindo cada vez mais o espaço dos textos, substituindo-os por ‘fotos e publicidade’. O debate sobre o tamanho ideal das matérias e reportagens é assunto que renderia outra coluna.
Ecologia
Por quatro semanas seguidas, a última vez na edição de domingo passado, a coluna Ecologia (caderno Ciência & Saúde), assinada pelo jornalista Edgard Patrício, aborda assunto relativo a um empreendimento turístico chamado ‘Praia do Pirata’, instalando-se na praia de Maceió, em Itapipoca. A primeira coluna (29/4), reproduzindo um ‘manifesto’ do ‘grupo de mulheres das comunidades de Caetanos de Cima e Maceió’, referia-se ao empreendimento de forma bastante agressiva, acusando o empresário de ‘tentativa de invadir e tomar conta’ de uma longa faixa litorânea; protestando contra um suposto ‘turismo de massa’, que viria ‘aumentar as drogas prostituição e tráfico de seres humanos’, e que provocaria a ‘expulsão dos nativos de suas terras’ e a ‘destruição do meio ambiente’, acrescentando – ‘somos nós [a ‘comunidade’] que sofremos com estas ações criminosas’.
Após isso, recebi visita do empresário Júlio Trindade. Ele deixou comigo documentação que comprovaria a legalidade do empreendimento; segundo ele registrado em todos os órgãos públicos e com todas as licenças ambientais aprovadas. Trindade afirma que o empreendimento não ocupa a faixa litorânea protegida, respeita o modo de vida tradicional das comunidades litorâneas, e não tem o objetivo de promover o ‘turismo de massa’. Durante a conversa ele fez uma reivindicação absolutamente procedente: ser ouvido quando ele ou sua empresa forem citados em matérias ou colunas, e também propôs ao jornal que fizesse uma investigação completa sobre o empreendimento e de todos acontecimentos que o cercam.
Encaminhei os documentos ao colunista e disse-lhe, por telefone, que o método jornalístico mandava ouvir o ‘outro lado’ quando se fazia acusação a alguém. A resposta que obtive foi que não havia ‘espaço’ suficiente para a publicação de ambos os argumentos ao mesmo tempo. Na edição de 6/5, a coluna publicou um resumo da documentação sobre o empreendimento, usando todos os verbos no condicional (o que não é feito quando se trata de divulgar ‘manifestos’ contrários ao projeto). Nos dois domingos seguintes (13/5 e 20/5) novas manifestações de ‘comunidades’ e ONGs contrárias ao empreendimento foram reproduzidas na coluna. Portanto, ainda se aceitando o argumento (infundado) de que é impossível ouvir os dois lados na mesma coluna, o placar está 3 a 1 para os que são contrários ao empreendimento.
Não é papel do ombudsman estabelecer quem está certo ou errado na disputa, se o empresário Júlio Trindade ou as comunidades e ONGs contrárias ao projeto. Mas de uma coisa eu tenho certeza: o jornalismo perde e o jornalista erra ao agir dessa forma. O colunista pode ter sua opinião e expressá-la; o que ele não pode fazer é cassar o direito dos outros, principalmente aos acusados em sua coluna, de se defender, de expor, mesma medida, a sua versão dos fatos.
Na edição de quinta-feira (17/5), a editoria de Economia publicou matéria com o título Projeto Praia do Pirata recebe aprovação do Fórum de Turismo [do Ceará], mostrando outros aspectos do assunto, desta vez atendo-se mais aos pontos positivos do empreendimento. Portanto, o tema carece de mais esclarecimentos. Seria o caso de o jornal pôr em campo seus repórteres para trazer à luz todos os detalhes da polêmica, oferecendo aos leitores elementos para que eles possam fazer seu próprio juízo sobre o assunto.
(Enviei e-mail na terça-feira e falei por telefone com o jornalista Edgard Patrício na quinta-feira, avisando-o de que trataria do tema na coluna, e pedindo que se manifestasse. Não obtive resposta até o fechamento desta coluna, às 20h29min de sexta-feira.)’