Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mário Magalhães

‘A fotografia que você vê acima, publicada pela Folha no dia 24 de maio, não é bem o que parece. Não se presta a um ‘jogo dos sete erros’, por haver mais.

Alguns deles:

1) Todos os clientes deixaram os guardanapos intactos sobre as mesas.

2) Os talheres estão igualmente intocados.

3) Ninguém foi servido de água ou outra bebida.

4) As mulheres estão sem bolsa, o que não é comum.

5) O garçom se aproxima para servir um café ao homem que ainda lê o cardápio.

6) Embora em cada uma das três mesas ocupadas haja apenas um cliente, não foram retirados os outros pratos (os três estariam à espera de exatos três acompanhantes?).

7) Restaurante é ambiente para relaxar, mas a mulher do meio trai o desconforto.

8) Não há couvert, entrada, prato principal ou doce nas mesas (em nova coincidência, os comensais seriam recém-chegados, embora o homem vá tomar o cafezinho?).

Não são coincidências: a foto que mostra aos leitores um restaurante em funcionamento é uma encenação. Saiu na Ilustrada, acompanhando crítica na seção ‘Comida’.

Quem alertou o ombudsman foi uma leitora, consultora de gastronomia, que não quer se identificar em público. As observações numeradas acima são, quase todas, oriundas do seu olhar certeiro.

O chef do Picchi Ristoranti, Pier Paolo Picchi, não é o responsável pela farsa. Seu negócio são os prazeres da mesa, não o jornalismo. O crítico Josimar Melo, que não estava com o fotógrafo, classificou a nova casa como boa.

Por telefone, narrei as dúvidas a Picchi, e ele foi direto: ‘Você está certo’. Quem eram as pessoas à mesa? ‘Não estou bem lembrado, mas deve ser gente que trabalha aqui.’

O chef contou que se acercava a hora do almoço, mas nenhum cliente chegara. Ele estava presente. Quem teve a idéia da montagem? ‘O fotógrafo de vocês [da Folha]’.

Pedi e recebi da editoria de Fotografia seis fotos. Uma revela o salão vazio.

Ouvi o autor da foto, Raimundo Paccó, 40, 20 de jornalismo, free-lancer da Folha há um ano. Ele reconheceu que funcionários do restaurante se transformaram em ‘clientes’ e afirmou: ‘Não quis mostrar o ambiente vazio, não tive a intenção de montar a foto. Para não derrubar a pauta e conseguir fazer outras duas, acabei cometendo um erro. Estou extremamente arrependido’.

A secretária de Redação da área de Edição, Suzana Singer, disse que o jornal ‘não sabia da encenação e que essa prática é condenada na Folha’.

Recentemente, uma repórter da TV australiana ABC ‘flagrou’ crianças brincando junto a um míssil no Iraque. A seqüência não-exibida denunciou que ela forjara a cena, orientando os meninos para a brincadeira perigosa.

O fotógrafo da Folha não expôs a risco a vida de ninguém. Mas, no conteúdo, a atitude é semelhante. Mostrou como autêntico um cenário que era falso. Inventou. Fotógrafo é repórter, não cenógrafo. Houve fraude jornalística.

Em 2001, como apontou o ombudsman Bernardo Ajzenberg, a Folha já publicara cena com um homem posicionado pelo fotógrafo sob um termômetro de rua.

Fraudes assim minam a credibilidade do jornalismo. Com a moderna tecnologia digital, é mais fácil manipular a imagem. Os leitores, contudo, hoje parecem bem mais atentos, o que é muito bom.’

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‘Urso polar não come pingüim’, copyright Folha de S. Paulo, 03/06/07.

‘No dia 10 passado, o caderno Turismo trouxe uma chamada no alto da capa: ‘Fim do mundo – Ushuaia está entre os lugares afetados por excesso de turistas’.

Ao lado, uma ilustração mostrava um urso branco, ou seja, urso polar. Ushuaia é uma cidade 3.000 km ao sul de Buenos Aires. Tem os pingüins como uma das atrações.

O leitor Pedro Francisco Escames me avisou: ‘Aprendi de um modo engraçado que ursos polares não caçam pingüins, […] pois os primeiros só existem no Pólo Norte e os segundos apenas no Pólo Sul’.

Mandei a mensagem à Redação, que reconheceu o equívoco, mas não publicou Erramos. Argumentou que a ‘pequena vinheta’ tinha ‘conteúdo lúdico, light, humorístico’.

Discordei: ‘A ilustração [no caso] é uma unidade informativa, não um recurso ficcional ou lúdico. […] Se informa incorretamente, corrige-se’.

Não houve correção.’

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‘PF, a grande pauteira’, copyright Folha de S. Paulo, 03/06/07.

‘A concorrência jornalística na cobertura da Operação Navalha se concentrou, até sexta, na busca de informações apuradas não pelos repórteres, mas pela Polícia Federal.

Em um primeiro momento, era natural que fosse assim: a investigação da PF sobre o desvio de recursos públicos, mediante fraude em licitações de obras, atravessou meses.

Acumulou indícios, gravou conversas, obteve documentos, monitorou suspeitos.

Desencadeada no dia 17, levou 48 pessoas à prisão e provocou a demissão do ministro Silas Rondeau (Minas e Energia), mesmo sem prova de que ele tenha cometido crime.

Cabia aos jornalistas relatar as descobertas. Não faltaram informações vazadas do inquérito. Se elas têm interesse público, é legítimo divulgá-las.

O problema foi, na quinzena seguinte, o noticiário se alimentar quase somente da investigação da PF. Uma das poucas reportagens da Folha fruto de trabalho autônomo expôs os negócios do empreiteiro Zuleido Veras com a Prefeitura de Mauá (SP).

Na quarta, assinalei na crítica diária: ‘As interceptações [telefônicas] revelam um painel interessante sobre as relações entre o público e o privado. No atacado, porém, o jornal publica muitas transcrições que não provam nada’.

O ‘furo’ mais importante, fora do inquérito da Operação Navalha, foi da revista ‘Veja’: o senador Calheiros fez pagamentos de despesas pessoais por meio de um lobista da empreiteira Mendes Júnior.

A Folha, além de praticamente se restringir ao inquérito, vem cobrindo mal a disputa interna na Polícia Federal. A PF deveria ser menos pauteira e mais pauta, objeto de fiscalização jornalística.’