TELEVISÃO
TV do Brasil defende venezuelana para perpetuar-se, 11/06/07
‘As emissoras de televisão brasileiras estão aproveitando a polêmica em torno
da não renovação da concessão da Radio Caracas Televisión – RCTV da Venezuela
para criar um clima que inviabilize qualquer questionamento sobre as suas
próprias permissões para operar. A idéia subjacente é perpetuar as suas
licenças, por definição temporárias. É mais um passo da privatização branca das
concessões do Estado para a operação de emissoras, renováveis ou não a cada 15
anos no Brasil. A presença maciça de parlamentares proprietários de emissoras e
o interesse generalizado dos políticos de não se indispor com a mídia têm
garantido a renovação automática das permissões. O poder de comunicação
decorrente da propriedade de emissoras de televisão assegura a reeleição desses
políticos em um esquema de blindagem das concessões que se realimenta a cada
pleito.
Pelo menos tão grave e condenável quanto a homogeneização do conteúdo
televisivo empreendida pelo governo da Venezuela é a não aceitação, lá e aqui,
da decisão legal que impediu a RCTV de continuar no ar. A origem da inquietação
dos barões da televisão brasileira é uma decisão legal do maior tribunal de um
país estrangeiro. A Suprema Corte da Venezuela determinou que, ao final do seu
período de concessão de 20 anos, no último dia 28 de maio, a RCTV deveria sair
do ar, por ter participado do golpe contra o presidente Hugo Chávez em 2002 e
por demonstrar falta de respeito para com as autoridades e as instituições
venezuelanas. O ministro das Telecomunicações, Jessé Chacón, disse que se a
emissora não saísse do ar, estaria operando na ilegalidade. A decisão formal da
corte e a declaração oficial do ministério das Telecomunicações não impediram a
RCTV de dizer que a decisão do governo venezuelano de não renovar a sua
concessão foi ilegal. No Brasil, o presidente da Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Daniel Slaviero, criticou, em discurso
pronunciado no 24º Congresso Brasileiro de Radiodifusão, o fechamento da
emissora venezuelana, classificando a decisão da justiça de lá como iniciativa
isolada para restringir a liberdade de expressão.
Noticiou-se que Slaviero defendeu também a redução de impostos para a compra
de equipamentos para a TV digital e pediu mais linhas de crédito, merecendo,
compreensivelmente, aplausos intensos dos participantes do congresso. O fato de
que a liberdade de expressão mencionada é proporcional ao poder econômico e
político do cidadão e portanto dominada, hoje, pelos donos dos grandes grupos
privados de comunicação, passou ao largo das formulações do encontro. Assim como
o fato de que, nessa configuração, tal liberdade restringe enormemente o direito
do público à informação plural e de qualidade. Ou seja, produz o mesmo fenômeno
que se aponta como exclusivo da Venezuela.
A respeito da não renovação da concessão da RCTV, o jornalista Ernesto
Carmona, presidente do Colegio de Periodistas de Chile1, afirmou ter constatado,
por meio de uma pesquisa, que a não renovação da concessão a um meio de
comunicação é comum em outros países. Nos Estados Unidos, desde a fundação, em
1934, por Donald Rumsfeld, da FCC, o órgão controlador dos meios de comunicação
do país, até o final dos anos 80, foram fechadas 141 emissoras de televisão,
entre elas 100 que não foram renovadas, da mesma forma como ocorreu com a RCTV
da Venezuela. O governo americano revogou a concessão de 39 televisões antes
mesmo do vencimento da licença. Não se tem notícia de que a decisão drástica dos
Estados Unidos tenha gerado protestos da parte dos que hoje contestam a decisão
da Suprema Corte da Venezuela, que respeitou rigorosamente o prazo da concessão
da RCTV. Carmona afirma que em países como Peru, Canadá, Estados Unidos e Reino
Unido houve revogação de licenças concedidas a diversas emissoras de televisão,
sem qualquer repercussão internacional.
Os fatos mostram que, além e acima do amor à liberdade de expressão propalado
pelos donos da mídia, pesam os interesses dos seus negócios e da política nas
emissoras de televisão. Não é uma exclusividade brasileira ou latino-americana.
Como contrapartida de contribuições de campanha, as empresas de telecomunicações
dos Estados Unidos obtiveram gratuitamente concessões para a TV digital no valor
de US$ 70 bilhões. A informação é do escritor, comentarista de televisão e
ex-assessor do presidente Richard Nixon, Kewin Phillips.
Há esboços de reações ao poder massacrante da grande mídia. No México, a
Suprema Corte anulou parte da lei de 2006 que regulamenta as concessões de
televisão e rádio, apelidada de Lei Televisa, por favorecer a Televisa e também
a Azteca, os dois grandes grupos que controlam a tevê no país. No Uruguai,
disposições legais recentes contemplam a televisão e a rádio comunitárias. Na
Argentina, criou-se o canal público Encuentros. No Brasil, os questionamentos ao
sistema de concessões de emissoras, a discussão sobre a necessidade de controle
público tanto das licenças como do conteúdo veiculado e o projeto do governo de
se criar uma tevê pública representam uma reação ao marasmo reinante sobre o
assunto até recentemente. Mas permanece pouco discutida a disputa de espaço
entre as emissoras de televisão e as empresas de telefonia, assunto que envolve
negócios bilionários e, ao mesmo tempo, repercutirá em um dos mais importantes
direitos da sociedade: o de ser bem informada.
(1) Mencionado pelo colunista Jânio de Freitas, da Folha de S.Paulo
Carlos Drummond é jornalista. Coordena o Curso de Jornalismo da Facamp e é
doutor em Economia pela Unicamp’
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