‘Há uma crítica recorrente ao noticiário, traduzido no jargão das redações pelo nome de ‘crise de pauta’: seria a incapacidade dos jornais de descortinarem aos seus leitores algo além do óbvio. A situação tornou-se mais dramática com o surgimento da internet e seu turbilhão de notícias por segundo, situação em que o diferencial entre os meios de comunicação passa ser a qualidade em lugar da quantidade. De acordo com essa análise, um dos defeitos apontados é que os jornais não apreenderiam o ‘Brasil real’ – aquele feito pelas pessoas comuns, pelos empreendedores, que se revela nas movimentações sociais – apegando-se a reproduzir declarações oficiais e a cobrir os centros do poder. Comportamento que seria replicado pelos jornais regionais. De modo geral, a análise é pertinente, bastando folhear os jornais.
Nas redações, a maior preocupação do dia-a-dia é ‘fechar o jornal’ – os prazos industriais são cada vez mais apertados – tendo os jornalistas dificuldade em exercer a criatividade para melhorar, ampliar ou selecionar melhor os assuntos que oferecerão aos leitores. A responsabilidade por isso não recai, a maior parte, nos profissionais, mas nas empresas de comunicação que, por motivos econômicos, reduzem as redações e sobrecarregam os jornalistas, jovens, na maioria. A Redação do O Povo tem discutido continuamente o assunto, procurando melhorar a cobertura local – e vem colhendo resultados positivos, como pode ser observado, mas sempre se pode demandar por um olhar mais acurado e sensível sobre fatos.
O que motivou o nariz-de-cera (introdução vaga antes de entrar no tema principal, no dicionário dos jornais) foram duas notícias publicadas recentemente, nas quais se perdeu a oportunidade de oferecer um olhar diferenciado aos leitores; as duas trágicas, por sinal. A primeira foi a morte de Luís Ferreira de Moura, 70 anos, conhecido como ‘Charuto’. Ele foi descrito como ‘ídolo’ dos times do Fortaleza e do Ceará, pelos quais jogou nas décadas de 1960 e 1970. Sua morte foi anunciada em uma pequena e acanhada nota de página interna, na edição de 30/6., pelos quais atuou na d do Cearnhecido como ‘rar liçisaçao vapliar – ou gando-se a reproduzir declaraç Com a relevância que o futebol tem para os cearenses a notícia merecia tratamento melhor. Eu não conhecia o jogador e nem sou torcedor de clubes de futebol, mas sempre me incomoda o desprezo que se dedica à memória. Eu gostaria de saber mais sobre o homem que conseguiu destaque nos dois times de maior torcida do estado no decorrer de duas décadas.
Outra oportunidade de dar face humana ao jornalismo perdeu-se com a notícia ‘Afogamento – Menino de 14 anos morre após salvar três amigos’ (edição de sexta-feira). Na crítica interna anotei que, horrorizados, estamos lendo as notícias sobre um grupo de jovens ricos que se achou no direito de espancar violentamente uma empregada doméstica, no Rio, sob a justificativa de terem imaginado ser ela uma ‘prostituta’. Bom, poder-se-ia pôr a par o comportamento desse menino, capaz de pagar com a vida um gesto altruísta, em um tempo em que campeia o cada um por si, quando não pior. Pouco os leitores ficaram sabendo da vida de Luís Cláudio Oliveira, que livrou três amigos do afogamento no mar, com o custo da própria vida. A notícia do ato heróico me fez lembrar, com a ajuda dos arquivos do pesquisador Nirez, outro jovem cearense: João Nogueira Jucá. Ele tinha 17 anos em 1959. No dia 4 de agosto daquele ano, passava em frente à Casa de Saúde César Calls, o prédio estava em chamas, que ele enfrentou em diversas idas e vindas para tirar de lá vários pacientes, incluindo crianças. Ele perdeu a vida e, de novo, o jornal perdeu a oportunidade de avivar memórias. (Concluo a coluna na sexta-feira, não sei se na edição de sábado ou na de hoje haverá seqüência do assunto.)
Jornais
Para os que acham que articulista de um jornal não pode falar do ‘concorrente’, sugiro a leitura do texto ‘O fator Murdoch na mídia americana’, de Paul Krugman, colunista do New York Times. Ele fala sobre a intenção de Rupert Murdoch de comprar o também americano Wall Street Journal. O texto está no Observatório da Imprensa (em português) ao fim de um artigo do jornalista Alberto Dines, também sobre esse ‘tubarão da mídia’, que vem comprando jornais em vários países. Uma amostra do que diz Krugman: ‘O problema com Murdoch não é que ele seja um ideólogo da direita. Se fosse apenas isso, ele seria menos perigoso. Ele é, antes, um oportunista que explora um ambiente de mídia desregulamentado por meio da distorção do noticiário para favorecer quem ele acredita que ajudará seus negócios’. Krugman ainda escreve que um estudo de 2003, ‘Enganos, a mídia e a Guerra do Iraque’, mostra que 60% dos americanos acreditavam em pelo menos uma destas afirmações: a) havia provas da ligação entre Iraque e Al-Qaeda; b) foram encontradas armas de destruição em massa no Iraque; c) a opinião pública apoiava a guerra dos EUA contra o Iraque. No entanto, entre os que assistiam aos canais públicos (americanos) PBS ou NPR, somente 23% acreditavam que alguma das afirmações fosse verdadeira, percentual que chegava a 80% entre os expectadores da Fox News (canal de Murdoch). Veja o texto aqui. Na mesma página há links para outros comentários a respeito do mesmo tema.
Balanço
Ao lado poder-se-á ver o gráfico com o balanço dos atendimentos no trimestre abril, maio e junho. Com relação ao anterior, aumentou 14% o número de leitores que entraram em contato com o ombudsman, passando de 371 para 422. Houve aumento nos comentários/sugestões de pauta, de 70 para 96; as críticas tiveram queda imperceptível, de 181 para 178; os elogios passaram de 14 para 26. Os erros apontados pelo leitor aumentaram de 28 para 51, ponto a merecer mais atenção de repórteres e editores.’