Os analistas econômicos e políticos nacionais, com Miriam Leitão à frente, que, indiscutivelmente, representa a voz mais destacada dos neoliberais na imprensa brasileira, estão dando um show de bola de desinformação histórica relativamente ao desenvolvimento do capitalismo no momento atual do contexto econômico global, ao não perceberem nem de longe que a jogada nacionalista de governos como o de Evo Morales, que assumem suas reservas petrolíferas, diz respeito à tomada de posse de sua própria moeda, tendo em vista que o poder político sob o sistema capitalista, como disse Keynes, se assenta, fundamentalmente, nas trocas monetárias – em que os mais fortes se impõem aos mais fracos.
Miopia neoliberal sem precedentes. Schumpeter já dissera que o maior defeito dos economistas, prisioneiros do curto prazo – e dos jornalistas que repetem as ‘verdades’ deles – é a ausência de conhecimento histórico do desenvolvimento do próprio capitalismo em sua escalada acumulativa, produzindo contradições incontroláveis que caminham, dialeticamente, para a superação, independentemente das posições ideológicas.
Tem sido muito pouco destacado pelos principais comentaristas o fato de que a desvalorização do dólar, em função dos excessivos déficits fiscais dos Estados Unidos, promovem desorganização monetária e, conseqüentemente, levam os governos nacionais a buscarem alternativas de sobrevivência quando se vêem ameaçados por essa onda deficitária, cujo resultado, inapelavelmente, se traduz em enfraquecimento de suas próprias moedas.
A grande pergunta
O que se verifica no Brasil, no momento, é sintomático. O real sobrevalorizado, artificialmente, em face do dólar, que barateia a cada semana, empobrece aceleradamente o país. Tal valorização da moeda nacional tem dois lados, como a realidade que é dual. De um lado, enriquece quem foge do dólar para ganhar no juro alto brasileiro. De outro, empobrece os empresários, que perdem lucro frente à sobrevalorização cambial, ao mesmo tempo em que aumenta a dívida do governo, tornando-o impotente para alavancar investimentos. Não é à toa que a Volkswagem, depois de tomar 500 milhões de reais no BNDES, disse que vai desativar indústria em território nacional, já que a taxa de lucro que está obtendo nas exportações tornou-se inferior à taxa de juro que lhe impõem pesadas perdas financeiras por causa da valorização cambial.
Está em curso, portanto, graças às trocas cambiais, um processo de empobrecimento acelerado do setor produtivo. Os especuladores colocam moeda americana desvalorizada no Brasil para ganhar em cima dos juros altos brasileiros e encarecem a moeda tupiniquim, que, por sua vez, destrói a produção em favor da especulação financeira. Resultado: a produção cai e o desemprego aumenta.
O que tem isso a ver com a movimentação política nacionalista que toma conta da América Latina nesse instante, cujo conteúdo não é apreciado historicamente pelos analistas políticos e econômicos como sendo o contrapolo do desgaste decorrente das práticas neoliberais em curso desde 1979, quando o governo americano, diante da excessiva liquidez monetária em dólar, eurodólar, nipodólar e petrodólar, elevou de 5% para 17% a taxa de juro americano em nome do combate à inflação, jogando a periferia capitalista na falência e, conseqüentemente, nas mãos do FMI e dos credores internacionais, dos quais se encontra prisioneira até hoje?
Ingenuidade neoliberal
Keynes explica o desenvolvimento das nações capitalistas pelas trocas cambiais e destaca que em tempo de grandes desvalorizações monetárias, por conta, invariavelmente, do excesso de acumulação de capital nos países ricos, novas moedas se evidenciam, especialmente, em forma de mercadorias alternativas, especialmente, as mais raras, como é o caso, nesse instante, do petróleo. Afinal, diz, os detentores de riqueza fogem do perigo da desvalorização dos seus ativos buscando mercadorias mais seguras. Nos séculos 18 e 19, o ouro fez esse papel e se transformou em lastro da economia capitalista, mas a rigidez do padrão-ouro, no final do século 19, mostrou-se incapaz de garantir a contínua reprodução do capital, levando o sistema à crônica crise de insuficiência de demanda global, como previra Marx.
Não havia ainda naquela ocasião outra moeda para substituir o ouro de modo a evitar perdas para quem tinha apostado no metal contra as oscilações da economia de mercado detonadoras de crises monetárias em face do equilibrismo macroeconômico neoliberal. Lênin, em 1917, ao analisar o padrão-ouro afirmou que as desvalorizações monetárias decorrentes da prática do laissez-faire trabalhavam para a afirmação do movimento socialista internacional. Keynes assombrou-se com o que disse ser a grande sutileza do líder soviético, ao qual deu razão, e, imediatamente, sugeriu aos governos americano e inglês que abandonassem, o mais rapidamente possível, o ouro, que denominou de relíquia bárbara, substituindo-o pela moeda estatal inconversível.
Seria a fórmula de o capitalismo fugir da armadilha da deflação que perseguiu o sistema ao longo de todo o século 19, desde a crise do algodão em 1810 até a grande crise de 1873-1893, que levou à Primeira Grande Guerra e, em seguida, à crise de 1929, colocando ponto final à economia do livre mercado sustentada na demanda de bens duráveis. Os neoliberais, portanto, ao pregarem a ortodoxia monetária radical, como faz, por exemplo, hoje, no Brasil, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em nome do lucro dos investidores financeiros, apressam a solução socialista, como destacou Lênin. Keynes, que tinha como mestre o neoliberal Alfred Marshall, seu professor em Cambridge, abandonou os pressupostos neoclássicos/neoliberais por entender que, em face das desvalorizações monetárias decorrentes do laissez-faire, o capitalismo seria superado pelas voragens deflacionárias, abrindo espaço ao comunismo. A luta pela preservação da acumulação capitalista se dá, portanto, no âmbito da economia política. Não se trata, apenas, como imaginam os comentaristas econômicos, de manejo de políticas macroeconômicas. Não existe limite para a ingenuidade neoliberal.
Economia de guerra
A inflação, que os neoliberais tanto combatem em nome do equilibrismo macroeconômico, seria a solução para a preservação do próprio capitalismo, ao longo do século XX, mediante novo padrão monetário sustentado na moeda estatal inconversível. Se os empresários capitalistas tivessem seguido as orientações dos neoliberais, a revolução bolchevique teria tomado conta do mundo como um raio caído de céu de brigadeiro. Com uma mão, o governo, mediante a moeda estatal inconversível, lança dinheiro na circulação, para ativar a produção, e com a outra, joga título da dívida pública, para enxugar a liquidez monetária, a fim de evitar enchente inflacionária. A dívida pública interna, como mostra Lauro Campos em A crise da ideologia keynesiana (1980, Campus), transforma-se no equilíbrio do sistema porque cresce no lugar da inflação. Transmuta-se no contrapolo da alta dos preços, razão pela qual o discurso neoliberal favorável à eliminação da dívida pública interna expressa a mais pura manifestação de irracionalidade econômica, porque representaria, se isso acontecesse, o aumento exponencial da própria inflação.
Evidentemente, a solução keynesiana trouxe em seu bojo suas próprias contradições que historicamente caminhariam, como caminharam, para sua própria superação. Os déficits dos governos se elevaram e os limites do endividamento estatal foram colocando termo à capacidade de sustentação do desenvolvimento econômico keynesiano que, ao final dos anos de 1980, entrou em crise, depois de dinamizar o capitalismo desde 1936, quando o presidente Roosevelt rendeu-se às recomendações de Keynes, favoráveis à expansão do déficit público como saída para a crise de 1929 e como ponto de partida para transformar os Estados Unidos na nova potência mundial.
‘Duvido – disse o grande economista inglês – que a democracia capitalista suporte a elevação dos gastos públicos para fazer valer a minha tese – a do pleno emprego – exceto em condições de guerra. Se os Estados Unidos se insensibilizarem para a grande dissipação por meio da elevação das despesas governamentais, aprenderão a conhecer a sua própria força’. Ou seja, a solução keynesiana é, na prática, a própria economia de guerra, que sustentou o sistema capitalista ao longo de todo o século 20 e que, ainda, no século 21, como reconhece o americano Joseph Stiglitz, premio Nobel de Economia, continua dinamizando as forças produtivas e destrutivas.
Resposta às ameaças
Marx, antes de Keynes e Stiglitz, havia destacado que o capitalismo expandiria até o limite as forças produtivas, entraria em senilidade e partiria para a dinamização das forças destrutivas, na guerra. Keynes, com a moeda estatal inconversível, como destaca Lauro Campos, apenas mostrou que o autor de O Capital estava coberto de razão. As mercadorias capitalistas – bens duráveis e semiduráveis – que antes dinamizavam o sistema, até 1929, deram lugar às não-mercadorias – produtos bélicos e espaciais – assim conceituadas por Lauro, e cujo consumidor é o governo com a moeda estatal inconversível, fictícia.
Agora, que o keynesianismo mostra os seus limites no déficit público americano, que joga incerteza sobre a economia global, cuida-se de saber por que os países capitalistas periféricos começam a jogar suas alternativas políticas não mais no liberalismo, mas no nacionalismo, como fazem Evo Morales, na Bolívia, Néstor Kirchner, na Argentina, Hugo Chávez, na Venezuela, Lula, no Brasil, enquanto em outros países as teses nacionalistas voltam a despertar a atenção, como no México, no Peru, no Chile etc.
Trata-se, tão-somente, de resposta às ameaças decorrentes das desvalorizações monetárias globais em marcha, produzidas pelo dólar afetado pelo excesso de endividamento do governo americano, cujas conseqüências sinalizam empobrecimento crescente dos governos capitalistas periféricos.
Ao Estado boliviano
Qual a arma de que dispõem tais governos frente ao perigo de tal desorganização monetária que tende a sacudir o panorama social, econômico e político, levando a grandes agitações capazes de alterar estruturalmente o sistema capitalista na periferia? Simplesmente, o nacionalismo, expresso na posse das riquezas nacionais, alvo de interesses do capital externo, nesse momento, como forma de transformar tais riquezas em expressão monetária, para fazer valer as trocas cambiais em proporções competitivas para os que a detêm.
Quanto Getúlio, Cárdenas, Perón, Mossadegh, Saddam, Kadafi, Chávez, Morales etc. se apossaram da riqueza petrolífera de seus países (Brasil, México, Argentina, Irã, Iraque, Líbia, Venezuela e Bolívia), em diferentes momentos históricos, ao longo dos últimos 60 anos, o fizeram como tomada de posse de riquezas nacionais que se traduzem em moedas efetivas capazes de dar sustentação positiva às trocas cambiais desses países com os seus homólogos capitalistas desenvolvidos. Estes, em diferentes ocasiões, tentaram dominar aqueles por serem detentores de tais riquezas, cuja utilidade tornara-se indispensável à evolução da economia capitalista, impulsionando a ciência e a tecnologia para elevar a produtividade e a taxa de lucro dos investidores em escala global.
Evo Morales, agora, ao nacionalizar o gás e o petróleo, na Bolívia, apossa-se, portanto, da própria moeda nacional boliviana que estava na mão dos investidores externos conferindo-lhes – e não ao Estado boliviano – poder sustentável em escala internacional para a promoção de suas trocas cambiais por meio das quais elevavam sua lucratividade de forma ascendente.
A China fez o mesmo
Expropriação, bradou Miriam Leitão. Curiosamente, nada disse do mesmo gesto adotado pela Volkswagen, que tomou 500 milhões de reais do BNDES para promover investimentos mas não o fez, preferindo, ao contrário, anunciar que desativará instalações industriais no país dados os prejuízos que vem sofrendo em suas trocas cambiais decorrentes da sobrevalorização da moeda nacional frente ao dólar nesse momento. Antes de se ver expropriada pelo governo brasileiro graças à política monetária que adota para favorecer o especulador internacional, a Volks expropriou o BNDES ao tomar dinheiro do banco e, em seguida, recusar-se a investi-lo na produção. São faces de uma mesma moeda que envolve, no fundo, como diria Keynes, as trocas cambiais.
Em tal contexto, indiscutivelmente, o petróleo, matéria-prima não-renovável, ganhou a condição de moeda nacional, para os países que a possuem em face da desmoralização do dólar, afetado pelos déficits americanos em expansão incontrolável.
Da mesma forma que Evo Morales lançou mão da moeda estatal – o petróleo, que representa liquidez imediata num mundo carente dessa matéria prima – para garantir poder em suas trocas cambiais com os demais países, pode-se dizer que a China faz o mesmo, sem dispor do petróleo, mas dispondo das reservas cambiais adquiridas pela moeda desvalorizada, que adota para obter poder competitivo no mercado global, principalmente, em relação ao dólar, a fim de conquistar o mercado consumidor americano.
Poder real
Assim como os Estados Unidos estão cada vez mais dependentes do petróleo, para sustentar a dinâmica industrial americana, do mesmo modo tornaram-se prisioneiros do yuan chines desvalorizado frente ao dólar, na medida em que a moeda chinesa compra barato os títulos da dívida americana. Nesse jogo, a sustentação macroeconômica dos Estados Unidos e, conseqüentemente, do mundo capitalista, passou a depender dos superávits comerciais acumulados pela China com sua moeda desvalorizada, que se transformou, dialeticamente, em contrapolo dos monumentais déficits americanos.
O yuan chinês desvalorizado frente ao dólar que eleva exponencialmente os superávits chineses, de um lado, e os déficits americanos, de outro, implica fortalecimento das trocas cambiais favoráveis à China em proporção semelhante ao fortalecimento das trocas cambiais em favor da Bolívia depois que o governo Evo Morales valorizou as riquezas bolivianas – e conseqüentemente a moeda nacional – assim que tomou posse do petróleo e do gás antes dominado por empresas multinacionais, entre elas a Petrobrás.
Em termos monetários, as semelhanças se ampliam em diversas situações e em diferentes contextos para se traduzir em um só resultado, ou seja, o de que quem detém moeda sonante valorizada – seja real, mercadoria, ou fictícia, papel-moeda, moeda estatal inconversível, statemoney etc., como é o caso dos Estados Unidos – nas relações de troca, adquire poder real de negociação e estabelece com mais facilidade sua taxa de lucro frente à taxa de juro sob o capitalismo onde, dialeticamente, a taxa de juro é o parâmetro da taxa de lucro.
Carga tributária, o detalhe
As perdas que a Petrobras terá no processo de nacionalização adotado pelo governo da Bolívia são parte do jogo capitalista, porque o investimento em petróleo e gás, como disse o ex-presidente Geisel, representa alto risco, principalmente, se realizado em território alheio. Enquanto os diretores da estatal brasileira ficaram patrioteiramente reclamando da sorte, as multinacionais de outros países, racionalmente, jogaram água na fervura. Renderam-se ao status quo soberano estabelecido pelo governo Morales e se dispuseram a novas negociações.
Miriam Leitão errou redondamente ao falar estridentemente em expropriação mediante suspensão dos contratos por parte dos bolivianos, quando em seus termos os mesmos estabelecem possibilidade de serem alterados em nome do equilíbrio econômico-financeiro, algo previsto no Direito Positivo, desde Napoleão. Apontou o rabo de Lula, esquecendo de olhar seu próprio.
Por outro lado, os economistas bolivianos deram o tom racional à discussão ao contraporem às argumentações brasileiras segundo as quais a renegociação dos contratos traduzida em aumentos de preços do gás prejudicaria o setor produtivo nacional. Destacaram que essa hipótese inexistiria se o governo brasileiro reduzisse a carga tributária sobre a mercadoria importada. Ora, por que os analistas brasileiros não destacaram esse detalhe, quando vivem reclamando que a carga tributária é excessiva no Brasil, sendo indispensável sua redução, assim como a taxa de juro, como pressuposto fundamental para dinamizar a economia nacional, conferindo-lhe maior poder de competição global?
Favor à Volks
Resta saber, agora, se as práticas nacionalistas colocarão em fuga, ou não, o capital externo na América Latina, como insistem em afirmar, principalmente, os editoriais do Estadão, a voz da irracionalidade capitalista, no Brasil, nesse momento.
Vejamos: por que a Volkswagen, depois de embolsar 500 milhões de reais do BNDES – sem que o Estado de S.Paulo considerasse tal gesto expropriação, como considerou o de Evo Morales – anuncia que vai desativar plantas industriais no Brasil? Simplesmente porque as práticas econômicas neoliberais no país, apoiadas pelo Estadão, impedem o capital produtivo de alavancar negócios lucrativos.
O modelo de desenvolvimento concentrador de renda e poupador de mão-de-obra aumenta a insuficiência relativa de demanda global, produzindo excedente que somente pode ser realizado nas exportações. Estas, porém, deixam de ser solução, porque a produção deixa de ser realizar por meio delas na medida em que a valorização artificial do real frente ao dólar diminui a taxa de lucro vis-à-vis à taxa de juro.
Se Lula adotasse posições nacionalistas, como pratica, nesse instante, o presidente da Argentina, Nestor Kirchner, de renegociar dívidas com os credores e ao mesmo tempo controlar a entrada de capital na economia para manter compatível a taxa de juro relativamente à taxa de lucro, a fim de possibilitar expansão dos investimentos, estaria fazendo favor à Volks.
Ao útero materno
O neoliberalismo em prática no Brasil, que o Estadão defende com unhas e dentes para favorecer os lucros excessivos dos especuladores em prejuízo do capital produtivo, tornou-se empecilho ao investidor externo, como a Volks, que estaria muito melhor servida se fosse contemplada por medidas nacionalistas como as que são adotadas nesse momento na Argentina e, também, e principalmente, na China.
Os editoriais do Estadão que alertam sobre o perigo chinês encobrem a ignorância do jornal relativamente ao jogo capitalista quando defende as teses neoliberais que favorecem o capital financeiro, mas impedem que os empresários se fortaleçam contra tal perigo que alardeia a mente do velho jornal paulista, cada dia mais alienado de si mesmo.
Resumo da ópera: o nacionalismo, como destacou o sociólogo e historiador Teotônio dos Santos, proporcionou aos próprios empresários, enquanto se manteve forte sob o keynesianismo dos anos de 1950 aos de 1980, os melhores tempos de suas vidas em matéria de acumulação de capital. Destroçadas as teses nacionalistas na periferia capitalista graças aos elevados déficits dos governos, as práticas neoliberais entraram em campo para promover outro tipo de concentração de capital muito mais contraditória e problemática, cujas conseqüências estão à vista: exclusão social em escala ascendente, enquanto a taxa de lucro do capital produtivo perde para a taxa de juro do capital especulativo, lançando as sociedades em violentas contradições cuja superação se dá em meio à volta tumultuada do velho nacionalismo.
A tentativa dos neoliberais de voltarem ao passado, eliminando o Estado, é o mesmo que querer voltar ao útero materno, só Freud explica. Não perceberam, como alertaram Marx, Lênin, Keynes e Lauro Campos – pensador brasileiro original que ainda está para ser descoberto pelos jornalistas de economia – que a superação do padrão-ouro pelo novo padrão estabelecido pela moeda estatal inconversível transformou o Estado em capital, de modo que enxugá-lo significa destruir o próprio capital.
Ainda é tempo, Miriam
Certamente, as contradições do modelo keynesiano caminham celeremente para sua superação dialética, como demonstram as inquietações impostas pelos desajustes fiscais dos Estados Unidos, com suas conseqüências no plano global, altamente destrutivas. Entretanto, querer superá-las voltando ao passado, anterior a 1929, como pregam os neoliberais, é não apenas um desejo freudiano impossível de ser alcançado, mas, igualmente, uma opção completamente irracional.
O fim do modelo keynesiano, que se anuncia pelos elevados déficits na terra de Tio Sam, coloca em cena novas contradições cujo antídoto, principalmente, por parte dos países capitalistas da periferia, que sempre levam na cabeça quando as desvalorizações monetárias violentas se estabelecem no plano global, não poderia ser outro senão o que promoveu Evo Morales, dando vazão a um puro instinto de sobrevivência.
Ou queriam que ele condenasse à morte a si mesmo? Os analistas econômicos precisam acompanhar o desenvolvimento contraditório do próprio capital, como ensina Marx, para não se tornarem instrumentos de interesses alienígenas. Marx, como destaca Delfim Netto, é excelente professor para ensinar como se desenvolve o capital. Infelizmente, ironiza o ex-czar da economia brasileira, o velho autor de Manuscritos econômicos e filosóficos foi seqüestrado pelos barbudinhos de Moscou, no início do século XX, tornando-se demônio para os que dele tentam se aproximar na tentativa de aprender a sociologia do conhecimento do capital. Ainda é tempo, Miriam.
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Jornalista e empresário