Leia abaixo os textos de terça-feira selecionados para a seção Entre Aspas. ************ O Estado de S. Paulo Terça-feira, 16 de maio de 2006 SÃO PAULO SOB ATAQUE
A ofensiva terrorista do PCC
‘Nunca, na história do País, uma facção criminosa foi tão longe na afronta às instituições governamentais. Com grande poder de articulação nos 116 estabelecimentos prisionais paulistas, alvos estratégicos bem definidos em todo o Estado e com métodos terroristas, o Primeiro Comando da Capital (PCC) levou 77 mil presos a deflagrarem 80 rebeliões simultâneas, promoveu mais de 180 ataques a delegacias, quartéis, fóruns, bancos e transporte público e matou a sangue-frio mais de 40 agentes carcerários, policiais civis e militares.
O saldo trágico desse ataque, que ocorre três anos após o PCC ter assassinado o juiz-corregedor de Presidente Prudente Antonio Machado Dias revela o aumento, em escala e alcance, da ousadia – e da ‘competência profissional’ – do crime organizado, que coloca na defensiva os responsáveis pela segurança pública que deveriam persegui-lo. Não se pode falar de surpresa. Tudo isso só confirma o que já se sabia desde a eclosão da megarrebelião promovida pelo PCC em fevereiro de 2001 em 29 prisões, ou seja, que o Estado brasileiro já não detém mais o monopólio do uso da força.
A fraqueza das instituições públicas frente ao crime organizado pode ser medida pelo rol de reivindicações impostas pelo PCC como condição para suspender seus ataques e pela petulância do advogado da organização. Além do direito a visitas íntimas nas prisões de segurança máxima, eles querem o fim do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Por esse sistema, presos perigosos permanecem incomunicáveis em celas individuais, não têm acesso a jornais e televisão e só podem tomar sol algemados, durante apenas uma hora por dia. Segundo o advogado do PCC, Anselmo Neves Maia, se o governo estadual não acolher as reivindicações da facção e abrandar o rigor do RDD, ‘a tensão aumentará nos próximos dias’.
Nos países onde cadeia é vista como lugar de punição, esse causídico não poderia estar exercendo a profissão e criminosos condenados pela Justiça não gozam das regalias desfrutadas pelos presos brasileiros. Nesses países, a morte de um único policial por amotinados é respondida com o aumento do rigor no regime de encarceramento. No Brasil, contudo, onde há muito tempo a sociedade se tornou refém do crime organizado, o que tem prevalecido é uma absurda complacência com criminosos, traduzida em concessões de indultos e outros benefícios, o que lhes permite voltar às ruas após cumprir um sexto da pena.
Como exemplo dessa leniência, estão aí duas decisões judiciais, ambas tomadas poucas semanas antes desta ofensiva do PCC. Lembrada pelo promotor Rodrigo Pinto, chefe do Ministério Público estadual, a primeira decisão foi do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou não ser ‘falta grave’ a posse de celular nas prisões. A segunda decisão, do Supremo Tribunal Federal (STF), declarou inconstitucional alguns dispositivos da Lei dos Crimes Hediondos e permitiu a concessão do regime da progressão para seqüestradores e homicidas, justificando a decisão com base no princípio da ‘humanização da pena’.
Além de decisões como essas, que em vez de aumentar o grau de certeza de punição, aumentam as apostas na impunidade, há ainda o anacronismo das leis processuais penais, cujos prazos e recursos permitem aos advogados do crime organizado retardar o julgamento – em muitos casos até a prescrição dos delitos -, e a inépcia do poder público, que perdeu o controle do sistema prisional para as organizações criminosas.
No plano estadual, o governo até hoje não conseguiu impedir o acesso de celulares nos presídios nem instalar um eficiente sistema de bloqueio. No plano federal, os investimentos na área da segurança foram reduzidos em 28%, entre 2004 e 2005, e o Congresso até hoje não se dispôs a modernizar leis ultrapassadas.
É por isso que a situação não pára de se deteriorar. Enquanto não for ampliado o sistema prisional, que tem um déficit de 135 mil vagas, não forem modernizadas as leis penais para aumentar o alcance das penas alternativas para crimes de menor gravidade e enquanto não se investir em inteligência para desarticular facções criminosas, as instituições policiais brasileiras continuarão se limitando a ações defensivas contra os ataques cada vez mais violentos do crime organizado.’
VEJA
vs. LULAMariana Caetano, Luciana Nunes Leal e Cida Fontes
Governistas reagem a denúncias e tentam barrar depoimento de Dantas
‘O PT montou ontem uma operação para barrar o depoimento do banqueiro Daniel Dantas, controlador do Opportunity, na CPI dos Bingos. Enquanto em Brasília o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), insistia em levar Dantas ao Congresso para confirmar se ele foi ou não alvo de uma tentativa de extorsão por parte do PT, a coordenação política do partido, reunida em São Paulo, ajustou o discurso para desqualificar as declarações do banqueiro. ‘Essa denúncia deve ser ignorada’, resumiu o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP).
Em entrevista à revista Veja, Dantas teria relatado que o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares pediu contribuição de US$ 40 milhões a US$ 50 milhões para ajudar o Grupo Opportunity a resolver dificuldades com o governo. O grande impasse, na época, era a briga com o Citibank e fundos de pensão pelo controle da Brasil Telecom. Em outra reportagem, a revista trouxe uma lista de supostas contas no exterior que seriam do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci, entre outros políticos.
Ontem, após a reunião dos coordenadores, o PT avisou que pretende processar Dantas. O caso deve ser anexado à ação que o partido abriu contra a revista por reportagens sobre o escândalo do mensalão.
Enquanto não decide a reação judicial, a ordem no PT foi rebater as acusações. ‘Dantas tinha relações íntimas com o poder e com os dois partidos da coligação que elegeu Fernando Henrique Cardoso. Esse cidadão está mais uma vez insatisfeito porque não pode fazer no governo Lula as falcatruas que fez na administração do PSDB’, atacou Berzoini.
‘Em 1999, fui o primeiro a denunciar a influência nociva e imprópria de Dantas sobre a Previ no governo passado, quando houve a privatização das teles’, insistiu Berzoini, frisando que não há razões para que o banqueiro preste um depoimento à CPI. ‘Por que ele não falou em achaque antes? Qual o objetivo de falar agora?’
A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), informou que a bancada do partido deve se reunir hoje para tratar do assunto, mas adiantou que não vê razões para o depoimento. ‘O que o Dantas quer é posar como vítima, já que no dia 18, a corte de Nova York deve julgar processo do Citigroup contra ele.’
Ideli acusou a oposição de tentar ‘tumultuar’ o cenário político. ‘O caso já está onde deve estar, no Ministério Público.’
REQUERIMENTO
Apesar da reação petista, os ânimos na oposição não arrefeceram. Virgílio apresentará hoje um requerimento à CPI dos Bingos para que Dantas seja convocado e já avisou que, se o pedido for negado, vai propor a abertura de uma nova CPI.
No requerimento, o líder do PSDB no Senado pede também a convocação da irmã de Dantas, Verônica, e de representantes do Citigroup.
‘Dantas deve provar o que disse. Se provar, é preciso botar para fora o senhor Lula, como desonesto e chefe da quadrilha. Ou Dantas prova o que disse e Lula pára de desmoralizar o Brasil ou Dantas paga o preço da infâmia’, disse o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), defendendo a convocação.
Já o senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), relator da CPI, posicionou-se contra a idéia. ‘Temos pouco tempo até a apresentação do relatório final, no fim deste mês. Não haverá tempo para exaurir a investigação.’
Garibaldi fez questão de frisar que não entraria no mérito das novas denúncias, pois estava preocupado apenas em ‘encerrar os trabalhos como o prometido’. ACM rebateu de pronto o argumento: ‘Compreendo, mas discordo. Se chegar a prova, Vossa Excelência terá um relatório ainda melhor.’
Apesar da posição de Virgílio e de ACM, no PSDB e no PFL não há consenso sobre a ida do banqueiro à comissão de inquérito. O senador Heráclito Fortes (PFL-PI) sugeriu ouvi-lo na Comissão de Fiscalização Financeira ou na de Assuntos Econômicos. Para ele, o depoimento teria de ser sigiloso, pois o processo em Nova York corre em segredo de Justiça. O líder da minoria no Senado, Álvaro Dias (PSDB-PR), também foi cauteloso quanto a um possível depoimento do banqueiro.’
Vannildo Mendes
PF vai apurar lista e sua autoria
‘A Polícia Federal instaurou ontem inquérito para apurar a origem e a autenticidade do dossiê, publicado na revista Veja desta semana, com supostas contas no exterior de políticos, sobretudo petistas. O primeiro a ser investigado será o próprio diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, um dos citados no dossiê. Para facilitar o trabalho da polícia, Lacerda abriu mão ontem do seu sigilo bancário no Brasil e no exterior.
A PF informou, em nota oficial, que vai pedir explicações a todos os envolvidos. Isso inclui o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem a prerrogativa de marcar local e hora para ser ouvido. Inclui também o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a quem a PF está subordinada.
O inquérito, que será dirigido pelo delegado Disney Rosseti, da inteligência da PF, apurará também se houve dolo na elaboração da lista de autoridades e divulgação do dossiê.’
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Gushiken nega ter conta no exterior
‘O ex-ministro e chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência Luiz Gushiken negou ontem que tenha conta bancária no exterior, como divulgou a revista Veja, em sua última edição, com base em investigação contratada pelo banqueiro Daniel Dantas, do Grupo Opportunity.
‘O autor da matéria e os editores da referida revista, apesar de reconhecerem a inexistência de prova em relação ao fato noticiado, preferiram divulgá-lo, sem que, ao menos, me fosse dado direito de contradizer a afirmação feita pelo banqueiro e seu preposto espião’, reclamou Gushiken, por meio de nota divulgada ontem.
De acordo com Gushiken, a acusação é mais uma ‘manobra espúria’ de Daniel Dantas, ‘com claro objetivo de manipular a opinião pública e esconder os inconfessáveis interesses do grupo econômico que ele comanda’.
Ainda de acordo com a nota distribuída ontem por Gushiken, o banqueiro, ‘réu em vários processos no Brasil e no estrangeiro, tenta se projetar como vítima, embora suas práticas ilegais sejam de amplo conhecimento’.
O ex-ministro afirma ainda que não possui nenhuma conta bancária no exterior, recursos em moeda estrangeira ou qualquer outro patrimônio distinto dos já declarados à União e à Receita Federal.
‘Considero lamentável que se dê credibilidade e espaço para consagrar um padrão informativo que corresponda a endossar toda e qualquer denúncia, fundada em provas ou não’, disse Gushiken, ainda se referindo à reportagem veiculada no fim de semana. ‘Dessa forma, abre-se o caminho para a proliferação da difamação e da calúnia.’’
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Em nota, banqueiro confirma entrevista e chama lista de contas de ‘inverossímil’
‘O banqueiro Daniel Dantas divulgou nota ontem em que classifica como ‘inverossímil’ a lista de supostas contas no exterior de políticos, sobretudo petistas, publicada pela revista Veja desta semana. Na reportagem, o banqueiro é citado como uma das fontes da informação.
Dantas nega que tenha encomendado qualquer tipo de investigação sobre pessoas do governo ou outras autoridades. Mas confirma o conteúdo de entrevista publicada na mesma edição da revista, na qual diz que o PT havia tentado extorquir perto de US$ 50 milhões.
Leia abaixo a nota:
‘Sobre a matéria da revista Veja de 17 de maio de 2006, intitulada ‘A Guerra nos Porões’, tenho a esclarecer que:
1. Não encomendei nenhuma investigação de qualquer natureza sobre atividades ou pessoas do governo federal ou de qualquer autoridade.
2. Nunca me ocupei em preparar dossiês de qualquer natureza. Como também nunca os encomendei a ninguém, a nenhum auxiliar, a nenhum colaborador ou contratado. Se dados foram produzidos no curso de algum procedimento já de conhecimento público, tal sucedeu sem minha autorização.
3. Tive conhecimento do teor de parte dos papéis que serviram à matéria da revista Veja, mas jamais tive acesso a eles. Manifestei meu descrédito sobre o assunto. Na minha opinião era – e é – inverossímil.
4. Não entreguei à revista Veja, a nenhum repórter, editor, jornalista ou qualquer funcionário – como também para nenhum outro veículo de comunicação nacional ou internacional – nenhum papel, nenhum arquivo eletrônico, nenhuma informação ou declaração acerca das informações publicadas na citada matéria da revista Veja.
5. Concedi, em 11 de maio de 2006, uma entrevista ao colunista Diogo Mainardi. Quanto ao restante das informações colocadas em matéria separada, nada partiu de mim.
Daniel Valente Dantas’’
TELEVISÃO
É Nietzsche na fita
‘Falar de filosofia para a massa não é obra fácil. O Fantástico botou essa idéia em prática pelas mãos – aliás, cabeça – de Viviane Mosé e o efeito bem que surpreendeu a direção da Globo. Resumo da ópera: a filósofa volta ao programa no próximo domingo, dessa vez para engatar um Ser ou não ser com argumento mais que atraente: Copa do Mundo.
A partir do mundial da Alemanha, Viviane ataca o tema de paixão e disputa. Vai questionar, por exemplo, como lidar com excessos. Até que ponto as pessoas têm controle sobre as forças passionais e onde elas começam a ser controladas por essas?
A platéia que se acha mais sabida pode até olhar com algum desdém, não importa. Não é a quem pensa que tudo sabe que a iniciativa pretende atender – embora ela acabe alcançando, sim, muitos daqueles que se crêem superiores.
Com algum didatismo e embalagem cativante, Viviane poderá desfilar para milhões, numa série de reportagens, conceitos que tomam como referência aquela turma sempre últil aos passos da humanidade – tipo Aristóteles, Spinoza e Nietzsche.
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Mudança de planos nos jornalísticos
‘A onda de violência que tomou conta de São Paulo fez o jornalismo das emissoras mudar os seus planos. Séries e reportagens especiais, agendadas para entrarem no ar nos noticiários esta semana, foram adiadas para ceder mais espaço para a cobertura. Na Record, repórteres de outras editorias foram remanejados para reforçar o noticiário de São Paulo. A Band e a RedeTV! também remanejaram profissionais de um jornalístico para o outro para fortalecer a cobertura. Na Globo, séries do SP TV foram adiadas por tempo indeterminado.’
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Folha de S. Paulo
Terça-feira, 16 de maio de 2006
SÃO PAULO SOB ATAQUE
Não Nos Amedrontemos
‘A ofensiva de bandidos em nome da falange criminosa chamada de ‘Primeiro Comando da Capital’ (PCC) mudou de padrão em São Paulo. Os ataques genéricos deixaram de alvejar apenas agentes da segurança pública e passaram a incluir ações com o objetivo de disseminar o pânico na população. Ônibus urbanos, incendiados às dezenas, foram tomados como emblema da tática intimidatória. Agências bancárias e uma estação de metrô também sofreram ataques.
Como conseqüência, a capital, que enfrentava o seu primeiro dia útil depois da crise do fim de semana, viveu ontem um dia atípico, de ‘meio expediente’. Companhias de transporte público retiraram veículos de circulação, escolas cancelaram aulas, comércio e repartições públicas fecharam as portas cedo. Em meio a uma onda de boatos sobre toque de recolher, a hora do ‘rush’ foi antecipada para o meio da tarde.
Há uma dupla pedagogia em curso nesses lamentáveis dias de outono. De um lado, a quadrilha dos presídios e seus seguidores fora das celas, diretos ou por inspiração, ensaiam dar um passo no rumo das organizações terroristas. Do outro, a população, especialmente a da Grande São Paulo, depara com uma situação inédita e é instada a desenvolver com rapidez novos padrões de reação.
É compreensível que, desacostumada a lidar com um ataque genérico de bandidos e mal orientada pelos governantes, grande parte dos paulistanos tenha quebrado a rotina, fugido das ruas e procurado abrigo em casa. Mas isso é tudo o que querem os delinqüentes que promovem a selvageria: que a população se dobre à tática do medo e recue, a fim de que possam desenvolver suas práticas criminosas com mais desenvoltura.
Para que o ‘aprendizado’ da quadrilha sobre práticas terroristas não se complete, no entanto, é fundamental que as autoridades e a sociedade dêem um sonoro basta a essa afronta. Não é hora de recuar. Os governantes precisam transmitir confiança à população; devem dizer aos cidadãos que voltem ao trabalho, que voltem às aulas, pois a polícia vai assegurar a ordem pública, vai confrontar com força máxima e debelar, até o último integrante, os bandos que violentam o Estado de Direito.
O momento é decisivo. Ou reagimos com contundência -fulminando a crise imediata e dando seqüência a uma ofensiva contra o crime organizado sem precedentes na história do país- ou estaremos condenados a nos habituarmos ao terror.’
Luís Nassif
Um dia de cão
‘O secretário Saulo de Castro Abreu Filho é o responsável direto pelo maior desastre da história da segurança pública do Estado, em um governo que elegeu o tema como a sua maior prioridade.
Parte das mortes poderia ter sido evitada, simplesmente se o secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo tivesse avisado a tropa de que haveria a remoção do alto comando do PCC. Compreende-se o sigilo quando a ação está sendo organizada. Depois de tomada a decisão, não poderia em nenhuma hipótese ter deixado de alertar os policiais. Qualquer policial saberia que remoção de comandos criminosos é uma ação que provoca represálias e tomaria suas precauções. Por essa omissão indesculpável, não apenas Saulo mas todas as autoridades que sabiam da remoção terão que responder perante as famílias dos policiais assassinados.
Depois, terão que responder pelo decantado serviço de inteligência da Secretaria da Segurança. Não prever uma bomba terrorista é uma coisa. Não ter conseguido prever uma operação que mobilizou dezenas de criminosos é um espanto.
Se metade dos efetivos da Polícia Militar tivesse saído à rua ao primeiro sinal de ataque, essa tragédia não teria se consumado.
O PCC vem se articulando dentro e fora dos presídios, desde 1993, quando surgiu como organização no presídio de Tremembé, perto de Taubaté. Há pelos menos dois anos se fala do planejamento de ações de grande envergadura. Por falta de instrumental, há anos o secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa -de sólida visão jurídica-, tem solicitado, em vão, a presença da polícia nos presídios e a ajuda dos serviços de inteligência. Sabe-se quem entra e sai da cadeia, tem-se a ficha de cada um e, no entanto, os serviços de inteligência -ligados ao secretário da Segurança- foram inúteis.
Há mais responsáveis. Todas as recomendações dos especialistas são que a maneira mais eficaz de estrangular o crime organizado é cercear suas atividades financeiras de duas maneiras: impedindo a circulação de dinheiro e coibindo as atividades que, de alguma forma, possam estar ligadas ao crime organizado.
No plano federal, o Banco Central do governo Lula ampliou enormemente as facilidades para a remessa de dinheiro para o exterior. Por aqui, pratica-se lavagem de dinheiro a céu aberto. Na semana passada, era possível ler em vários jornais o grande banqueiro de investimentos vangloriando-se de possuir centenas de milhões de dólares em paraísos fiscais, nas barbas do Ministério Público e da Secretaria da Receita Federal deste país. Pelos dutos que passa o dinheiro frio, passa também o dinheiro de origem criminosa.
No plano estadual paulista, um projeto de lei visando coibir as atividades dos bingos e máquinas de apostas -apontadas por muitos especialistas como caminho para a lavagem de dinheiro do crime organizado- foi vetado pelo ainda governador Geraldo Alckmin.
No final da tarde, liguei para minha filha mais velha, que mora perto da Paulista, para saber se estava tudo calmo. Sua resposta mostra bem o estado de espírito do paulistano:
‘Tudo calmo. Acho que os bandidos estão com medo do novo governo de São Paulo, o PCC’.’
Fabio Schivartche e Cátia Seabra
Governo de SP culpa boatos por pânico
‘O governo de São Paulo atribuiu o pânico disseminado ontem pela cidade -e pelo Estado- a uma onda de boatos e, em parte, à mídia, pois o dia, em sua visão, foi mais tranqüilo em total de ocorrências do que os dois anteriores.
‘Não queremos minimizar os problemas, mas o dia de ontem foi mais tranqüilo, com uma diminuição no número de ocorrências. O pânico que houve foi causado pela internet, principalmente, e por canais de rádio e TVs que são movidos pelas notícias’, disse o comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo, Elizeu Eclair. Ele afirmou que a população deve levar ‘vida normal’ a partir de hoje. ‘Devem voltar ao trabalho e às escolas, com todos os cuidados que temos de ter normalmente. A vida continua.’
A deputados estaduais de todos os partidos políticos que foram ao Palácio dos Bandeirantes lhe prestar solidariedade, o governador Cláudio Lembo (PFL) também reclamou da onda de boataria que tomou a cidade de São Paulo, levando escolas e parte do comércio a fechar suas portas com medo de atentados.
‘É difícil controlar essa onda de boataria. Mas agora o Estado está começando a se recuperar. Temos de colecionar vitórias’, disse.
Lembo descartou a necessidade de fazer um pronunciamento em rede de rádio e TV para acalmar a população do Estado. ‘Garanto que teremos, sim, condições amanhã [hoje] de oferecer transporte aos paulistanos. Peço à sociedade de São Paulo que colabore’, afirmou o governador.
Questionado se a PM dará apoio às empresas de ônibus, de forma a garantir o funcionamento das linhas sem interrupções nem novos ataques incendiários, o coronel Eclair respondeu: ‘Vamos [a PM] garantir o transporte metropolitano (trens e metrô) e pelo menos 50% dos ônibus. Mas não podemos obrigar uma empresa a colocar seus ônibus nas ruas’.
Ele também disse que muitos boatos de violência que circularam na capital paulista foram provocados em parte pela mídia.
Segundo ele, ‘houve um profundo toque de sensacionalismo’. No entanto, ele não citou exemplos nem emissoras específicas.
O comandante da PM pediu ‘respeitabilidade na informação’. ‘Liguei pessoalmente para diretores de programas de TV e de jornais. Sei que há um problema de audiência, mas queremos transparência [sem sensacionalismo]’, afirmou Eclair.
Nova recusa
Após novas e insistentes ofertas do governo federal, o governador Lembo descartou novamente ontem a participação do Exército e da Força de Segurança Nacional no combate ao crime organizado.
‘Nós, o ministro [da Justiça Márcio Thomaz Bastos], eu e o secretário de Segurança Pública, chegamos à conclusão de que o momento não é para ter o Exército nas ruas. Temos o controle da cidade e vamos preservar esse controle. O Exército seria, nesse momento, algo desnecessário. Portanto, agradecemos o governo federal’, disse o governador, no início da noite de ontem.
Aliados do governador alegam que o Estado precisa de apoio tecnológico e recursos. E que, a essa altura, de nada adiantaria um reforço de 4.000 homens (que compõem a força de segurança nacional) num universo de 130 mil.
Apesar de repetir que a situação estava sob controle, Lembo admitiu ontem, em conversas, que ainda há fôlego para mais um ou dois dias de crise.
Thomaz Bastos disse que a crise está sendo enfrentada ‘de maneira competente’. ‘Reitero minha confiança na polícia de São Paulo. Temos absoluta convicção de que as forças de segurança do Estado debelarão a situação’, disse o ministro. Mas completou: ‘Se for necessária [a participação das forças nacionais], estaremos às ordens’.
Bastos já havia conversado pela manhã por telefone com Lembo, quando ouviu do governador a recusa da ajuda federal. Mas fez questão de vir a São Paulo.
O governador, por sua vez, não teve uma resposta positiva imediata do ministro quando pediu a transferência de seis presos perigosos para um presídio federal. A proposta não tinha prosperado até a noite de ontem.
Enquanto a reunião entre o governador e o ministro da Justiça ocorria no Palácio dos Bandeirantes, o comandante da PM dizia que a força nacional de segurança é ‘inexistente’. ‘São parcelas das 27 polícias do Brasil [de cada um dos Estados e do DF]. Cada polícia apresenta 50, 100 homens para um treinamento, e eles consideram a somatória disso a força nacional de segurança’, afirmou o coronel Eclair.
Lembo também disse ontem que é preciso dar algum reconhecimento ao trabalho dos policiais que estão enfrentando essa onda de violência. Eles devem ter aumento de salários e gratificações. Dois projetos sobre o assunto tramitam na Assembléia Legislativa.’
Mário Bortolotto
Não vou morrer na minha quitinete
‘A ordem agora é morrer nas próprias casas. Uma das frases que mais me marcaram nas últimas semanas foi justamente a frase dita por Sara Joanna Gould, uma americaninha de 21 anos que tá fazendo intercâmbio no Brasil. Ela falou pra Revista da Folha: ‘O que me surpreende não é a pobreza, comum na América Latina, mas sim a riqueza, o número de milionários em um país como o Brasil’.
Sacaram? Vocês que agora estão escondidos em suas casas, com medo de saírem às ruas pra tomar uma inocente cerveja ou pra ir a um cinema depois de um dia cansativo de trampo e pavor? Vocês sacaram que isso que vocês estão passando nesse momento é rotina nas favelas cariocas? O toque de recolher, o abaixar as portas, o rezar baixinho pra que ninguém ouça. Às vezes tão baixinho que nem Deus ouve.
E a gente faz de conta que tá acontecendo longe daqui, num país distante de alguma fábula de terror. E agora você tá vendo os busões incendiados, as estações de metrô metralhadas, e você tá dentro do trem fantasma.
E você pergunta pra mim o que eu penso disso? Eu não sou político, não faço parte de nenhuma igreja, não sou banqueiro nem empresário. Não lucro com nenhuma espécie de proibição. Mas tem gente lucrando, não tem? O pouco dinheiro que ganho trabalhando é pra pagar as contas e comprar livros. E você vem perguntar pra mim o que eu acho disso? Você acha que isso aí é só uma guerra de polícia e bandido?
Faz a autópsia da situação, brother. Com atitudes meia-boca não vai acontecer nada de fato. Não vou gastar meus 1.600 toques com palavrório empolado. Libera tudo, meu irmão, divide o bolo, libera as drogas, a pirataria e a putaria, deixa todo mundo trabalhar livremente e ser o dono de suas próprias vidas.
Oportunidade pra todo mundo melhorar de vida. Iguala as condições pra batata não assar. Mas é claro que isso não vai acontecer, não é? Então não perguntem pra mim o que acho disso. Nunca perguntem para alguém libertário como eu o que acho de algo assim. Você tá com a bunda no inferno e quer manter a dita refrigerada?
Eu tô em casa, mas prefiro optar por não morrer aqui. Ainda posso fazer isso. Vou sair pra tomar uma cerveja. Se eu ainda tivesse um pai, arrastava ele comigo. Meu nome é Mário Bortolotto e não existe nada de que eu goste mais do que um pingado e um pão com manteiga depois de uma noite de sinuca.
Mário Bortolotto é dramaturgo, diretor de teatro e ator’
Paulo Sampaio e Daniela Tófoli
‘Antes, a gente só sabia de situação assim pela TV’
‘‘Está inaugurado o terror nos Jardins. É a primeira vez que eu vejo esse pânico num bairro de elite de São Paulo. Antes, a gente só sabia de situações assim no Rio de Janeiro, e pela TV’, diz a psicóloga Sheila Souza, 47, duas filhas, moradora da região.
São 15h30 de segunda e Sheila é a única pedestre na calçada da rua Oscar Freire, entre a Consolação e a Bela Cintra, trecho famoso pelo comércio mais sofisticado do país; a via está vazia, com as lojas fechadas, a atmosfera é de feriado.
A Folha circulou na tarde de ontem por três regiões ricas da cidade para saber como seus moradores, freqüentadores e trabalhadores reagiam às notícias (e aos boatos) de bombas e rajadas disparadas contra estabelecimentos comerciais e escolas.
‘Todo mundo na minha classe começou a chorar’, conta a menina Milena, 6, cujo pai, o vendedor Hélio Crepaldi, 50, largou tudo no trabalho para buscá-la na escola municipal Monteiro Lobato, em Higienópolis.
‘Fiquei apavorado quando soube de um tiroteio na esquina da [rua] Piauí com a Bahia’, diz o vendedor, que, para pegar a filha, teve de pular o muro da escola. ‘Ela não vem mais, até essa guerra acabar’, resolve Crepaldi, abraçando a filha ainda trêmulo.
A poucos metros dali, uma moradora idosa, que prefere não ser identificada, tenta pegar um táxi. ‘Saí para caminhar e agora não tenho coragem de voltar pra casa. A confusão chegou aqui.’
‘Hoje os taxistas farão a festa’, estima a vendedora Rita Freitas, 29, que espera condução na alameda Gabriel Monteiro da Silva, conhecido corredor de lojas de decoração. O comércio de luxo ali encerrou o expediente por volta das 16h, quando o habitual é às 18h (segundo se informa no local). Tudo por causa do medo.
A Daslu, luxuosa multimarcas, dispensou os empregados por volta das 16h.O shopping Iguatemi, o mais elitizado da cidade, terminou o dia às 21h.
‘Eles fecham as lojas porque querem. Pergunta se conhecem alguém que foi atingido por uma bomba. Não sabem nem se explodiram todas as que ouviram dizer’, afirma o sargento Paiva, que atua na região dos Jardins.
‘Nossa função é prender bandido, mas é tanta corrupção, no Congresso e na cadeia, que a gente não sabe mais quem é quem. Medo eu também tenho, mas alguém tem de combater o crime’, afirma o sargento.
À míngua
De acordo com os vendedores e gerentes das lojas, o movimento caiu muito a partir do meio-dia.
‘No sábado, mais de 400 pessoas entraram na loja; pelo menos 160 compraram alguma coisa. Hoje, no máximo dez entraram até agora (por volta das 15h)’, afirma Carmita Ornelas, 45, gerente da Adidas nos Jardins.
Na mesma calçada, três jornalistas de moda cariocas diziam estranhar a reação de pânico dos paulistanos.
‘Gente, as pessoas estão apavoradas. Não sei se é porque a gente se acostumou com esse tipo de situação, mas eu não vi nada até agora que justificasse a correria’, diz Thaís Amormino, 28; óculos escuros grandes, redondos, ela caminha alegremente com sacolas de compras e os amigos João Felipe Toledo, 25, e Fred Tauil, 22.
À entrada do restaurante Rubayat, na rua Haddock Lobo, onde o ambiente tranqüilo parece imune ao ‘terror’, garrafas de champanhe Veuve Clicquot e Möet et Chandon repousam no gelo. ‘Viemos às compras em São Paulo e encontramos tudo fechado’, afirma o advogado Marcos Mamede, 29, de Brasília, que come com a mulher.
Os empresários franceses Marc Oliveira, 43, e Jean Paul Rossi, 60, que há três dias estão em São Paulo, caminham calmamente pelos Jardins. Será que eles não sabem dos acontecimentos? ‘Sim, sabemos. Só não entendemos como é que um país desse tamanho, cheio de petróleo, rico, perde a partida para o crime. Olha o medo em volta: o PCC ganhou.’’
Demétrio Magnoli
Pânico no galinheiro
‘O PCC deflagrou ontem a guerra da informação. Existiram, aqui e ali, disparos reais, mas sobretudo os bandidos dispararam aleatoriamente chamadas telefônicas ameaçadoras. BUUU! A cidade de São Paulo reagiu como um imenso galinheiro. Rumores correram soltos, desatando reações em cadeia. Sob o influxo do boato, comerciantes baixaram portas de aço, pais assustados correram às escolas para resgatar as crianças e empresas suspenderam o serviço. De um bairro a outro, a cidade apagou-se ao longo da tarde.
Sarajevo, a capital da Bósnia-Herzegóvina, não renunciou à vida, nem sob sítio e debaixo das rajadas de franco-atiradores. Os mercados de Bagdá funcionaram em meio aos estrondos das bombas e mísseis dos ataques norte-americanos. Londres não parou durante os bombardeios aéreos alemães, na Segunda Guerra Mundial. Mas São Paulo curvou-se à delinqüência comum. Vergonha!
A culpa é dos governantes? Sempre, em primeiro lugar, a culpa é deles. Atônitas, cercadas por numerosas assessorias inúteis, as autoridades estaduais e federais entregaram-se desde domingo ao jogo eleitoral, elaborando declarações maliciosas sobre seus adversários. Mas esses especialistas na baixa política não foram capazes de identificar o sentido da operação do PCC e, na prática, renunciaram a governar.
Na hora da primeira série de ataques coordenados, o governo do Estado de São Paulo tinha a obrigação de centralizar as forças policiais em um comando único de emergência. Em vez disso, talvez inspirado nas ações dos comandantes do Exército que, no Rio de Janeiro, firmaram um acordo fétido com o Comando Vermelho, ele preferiu iniciar negociações sigilosas com os chefes da delinqüência.
De nada servem um governador e um secretário da Segurança impotentes diante de uma guerra de rumores. Ontem, enquanto os cidadãos se acovardavam, os boletins de notícias desempenhavam involuntariamente o papel destinado a eles no planejamento dos bandidos. Mas não passou pela cabeça vazia das autoridades o recurso elementar de, usando a legislação disponível, colocar a TV e o rádio em rede oficial, por todo o tempo necessário, a fim de desfazer a boataria, chamar as pessoas à razão e impedir o cancelamento da vida normal.
A culpa é só dos governantes? Não, mil vezes não! São Paulo conheceu ontem os efeitos psicológicos da indústria do medo. A classe média que não deixa os seus filhos circularem de ônibus e metrô, que se cerca de câmeras e alarmes, que passeia apenas em shopping centers e aspira comprar um automóvel blindado correu na direção de seus bunkers domésticos murmurando tolices sobre a pena de morte. No começo da noite, um manto de silêncio desceu sobre a cidade. Vergonha!’
TODA MÍDIA
Toque de recolher
‘No alto da home page, ontem, a PM em ação e o enunciado sobre ‘pelo menos’ 81 mortos em quatro dias de violência em SP’
Até o início da tarde, a cobertura nas redes de televisão era intensa, mas pouco trazia de novidade -a não ser para quem sonhou que estava tudo sob controle.
Pela manhã, muita entrevista e debate nas redes, com personagens como Luiz Fleury, Conte Lopes etc. E muito noticiário, com os conflitos da madrugada, os enterros seguidos de policiais, as rebeliões.
Pouco depois das 13h, encerrados os telejornais globais e as mesas-redondas esportivas, a Record entrou outra vez ao vivo -e com os ônibus, as agências bancárias atacadas.
A certa altura, o helicóptero mostrou um ônibus queimado, logo encontrou outro perto dali e depois outro.
Mais um pouco e um repórter relatou, curioso:
– A cidade está ficando vazia, um fenômeno nunca visto. O comércio está fechando em Pinheiros, no Brás… As empresas estão fretando ônibus para levar funcionários para casa.
E forjou uma expressão que pegaria fogo:
– É uma espécie de toque de recolher.
Pouco depois, a Record trocou sua intensa cobertura pelo filme ‘Dois Espiões e Um Bebê’.
Naquele mesmo momento veio a Globo e, em vez do filme americano de todas as tardes, passou à cobertura da cidade, com trechos como:
– O governo de São Paulo faz questão de afirmar que não há toque de recolher. É uma preocupação do governador… A tentativa é levar tranqüilidade às pessoas.
Entre uma mensagem e outra do Palácio dos Bandeirantes, registros leves:
– Segunda-feira atípica, muita gente optou por ficar em casa, parece fim de semana.
Pouco antes de cortar para ‘Malhação’, ouviu-se:
– As secretarias estadual e municipal de Educação estão garantindo que haverá aulas.
Voltou então a Record, ao vivo com a coletiva do comandante da PM, entre perguntas na linha ‘o senhor está amenizando?’. Dele, criticando o ‘profundo sensacionalismo’:
– Não querendo amenizar, foi o dia mais tranqüilo. A maioria [dos ataques] foi contra imóveis, não pessoas.
Segundo ele, a cobertura ‘força e divulga’ o crime organizado e não deveria:
– Peço o apoio da imprensa. Eu pessoalmente liguei para diretores de redes.
Dizendo que tudo ‘por enquanto é sensação’, exortou a seguir com a rotina:
– Não há perigo para a população. Aos seus trabalhos, às escolas. A vida continua, com o apoio da imprensa.
Mas ‘pode acontecer que a análise tenha erro? Pode’.
William Bonner, por fim, surgiu com a escalada do ‘Jornal Nacional’ ao vivo, do teto da Globo São Paulo, o bairro do Morumbi ao fundo:
– Aqui, na maior cidade brasileira, a população volta a sofrer as conseqüências dos atentados. Criminosos atacam agências, incendeiam ônibus e o medo interfere na vida dos cidadãos. Trabalhadores ficam sem transporte; estudantes, longe da escola; e comerciantes evitam abrir as portas. Das 70 rebeliões, apenas duas continuam. E, depois de reunião com o ministro da Justiça, o governador volta a recusar ajuda federal.
Depois, fez entrevista ao vivo com Cláudio Lembo, que em desempenho grotesco reclamou das perguntas e disse que ‘nada deu errado’.
Agora ele deve até estar certo. Mas não, o ‘JN’ não questionou sobre as supostas negociações com o PCC, que ordenou ontem o fim dos ataques. Ou a trégua.
‘HOAX’
Reprodução de e-mail
O comandante da PM deu entrevista brandindo cópia da reportagem de Juliana Carpanez, na Folha Online, intitulada ‘Internautas espalham boatos sobre PCC e alimentam pânico em São Paulo’. Era sobre ‘boatos virtuais, conhecidos como ‘hoax’, que anunciavam até os horários de supostos ataques ‘com intuito de apavorar ainda mais os internautas’’
CASO PIMENTA NEVES
Pedido de prisão de Pimenta Neves é negado
‘O TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo negou ontem mandados de segurança com pedidos de prisão do jornalista Antonio Pimenta Neves, 69, condenado pela morte da ex-namorada -a também jornalista Sandra Gomide.
Pimenta Neves foi condenado no dia 5 a 19 anos, dois meses e 12 dias de prisão em regime fechado, mas obteve o direito de recorrer em liberdade.
Os pedidos de prisão foram formulados pela Promotoria de Ibiúna e pelo assistente de acusação, Sergei Cobra Arbex. (DA FOLHA ONLINE)’
TELEVISÃO
Multishow aborda política em festa
‘A festa de entrega do 13º Prêmio Multishow da Música Brasileira, que será transmitida a partir das 21h15 de hoje, deverá ser contaminada pelo clima de indignação diante da onda de violência que aterroriza São Paulo e outros Estados desde a última sexta-feira.
Segundo Rodrigo Carelli, diretor do evento, ‘o microfone estará aberto, e é natural que os artistas abordem o tema no palco’.
A transmissão começa com Caetano Veloso cantando ‘Tropicália’, em homenagem aos 40 anos do tropicalismo. Artistas de diferentes estilos, entre eles Zeca Pagodinho e Negra Li, interpretarão trechos da música. Carelli conta que Gabriel Pensador apresentará uma parte inédita, composta por ele, na qual faz uma espécie de discurso político.
‘Essa abertura representa a mistura de estilos musicais do país’, afirma o diretor.
Marcelo D2, também adepto de discursos com tom político, está no palco com uma música nova, ‘Meu Samba É Assim’.
Escolha do telespectador
A 13ª edição do prêmio, transmitida ao vivo do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, será apresentada pela atriz Fernanda Torres. Didi Wagner, ex-VJ da MTV, estréia no Multishow nos bastidores da festa, onde fará entrevistas com os vencedores da noite.
Os premiados foram escolhidos pelos telespectadores, por meio da internet. Serão dez categorias, com cinco finalistas para cada uma. Neste ano, os grupos Los Hermanos e Capital Inicial foram os campeões em indicações e concorrem a cinco prêmios cada um.
Os dois disputam o título de melhor banda com Jota Quest, CPM 22 e O Rappa.
O Los Hermanos briga ainda pela estatueta de melhor instrumentista (Rodrigo Amarante), CD (‘4’), show e música (‘O Vento’). O Capital disputa também pelo instrumentista (Yves Passarell) e show, além de melhor DVD e cantor (Dinho Ouro Preto).
A parceria Ana Carolina & Seu Jorge concorre em três categorias (melhor DVD, CD e música).
Para o prêmio de revelação do ano, estão no páreo a banda de rock gaúcha Cachorro Grande, a paulista Luxúria, além de Leela, Forfun e Marjorie Estiano, que começou a carreira no seriado teen da Globo ‘Malhação’.
Chico Buarque está na categoria de melhor DVD, além de ‘Renato Russo, uma Celebração’, ‘Capital Inicial Aborto Elétrico’, ‘O Rappa Acústico’ e ‘Ana Carolina & Seu Jorge’. Pitty, que venceu no ano passado como melhor cantora, volta à competição. Desta vez, suas ‘rivais’ são Ivete Sangalo, Ana Carolina, Marisa Monte e Vanessa da Mata. A lista completa dos concorrentes está no site do canal (www.multishow.com.br)
Prêmio Multishow de Música Brasileira Quando: hoje, às 21h15, no Multishow’
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O Globo
Terça-feira, 16 de maio de 2006
GRAMPOS NOS EUA
Adeus, Bond
‘Nos velhos tempos da guerra fria a espionagem ainda era província dos espiões humanos.Um cidadão americano, por exemplo, podia se passar por nativo de qualquer país europeu, inclusive da União Soviética, e vice-versa. Um nativo de Londres, com cara de inglês e biografia de inglês, formado em Oxford e bebedor de uísque sem gelo, podia ser fiel agente de Moscou.
Claro: simplificando um pouco as coisas (ou seja, não levando em conta China e Coréia do Norte), comunismo e capitalismo eram produtos ocidentais. Assim como foram nazismo e fascismo.
Ou seja, não se descobria um espião pela cara e pelo jeito. A História, assim como a ficção da época (seria ingenuidade desprezar o seu testemunho), está repleta de exemplos. Hoje, o abismo étnico e cultural entre o Ocidente e seus inimigos mais perigosos tornou bem difícil, raramente possível, a espionagem humana.
Essa é uma das explicações, talvez a principal, para que nos Estados Unidos a CIA, literalmente velha de guerra, ficasse cada dia menos importante do que a Agência de Segurança Nacional (NSA), especializada na espionagem eletrônica.
Para esta, não existem fronteiras nem limites. Não é impedida de agir no território doméstico, nem responde a qualquer controle do Congresso americano. Oficialmente, essas restrições existiam para os espiões humanos, hoje em modestíssimo segundo plano.
A descoberta de que a NSA controla os telefones de dezenas de milhões de americanos não deveria espantar ninguém. Sempre se soube que ela tem tecnologia para isso. Uma lei de 1978 exige autorização judicial para os grampos de e-mails e telefonemas de americanos, mas é praticamente impossível, para cidadãos e para o Congresso, controlar a obediência a essa restrição.
O escândalo de agora é provocado principalmente pela extensão da invasão de privacidade. Na semana passada, confirmou-se que nos últimos quatro anos, ajudada por três das quatro maiores companhias telefônicas do país, a NSA ficou sabendo com quem se comunicavam dezenas de milhões de americanos. Os adversários do governo no Congresso fizeram todo o barulho a que tinham direito, mas, permitindo-se palpites à distância, parece ser escândalo de curto alcance. Segundo pesquisas, a opinião pública não mostrou a mesma indignação da oposição. E esta provavelmente não fará barulho demais: afinal, com o prestígio de Bush caindo a cada dia, provavelmente os democratas não querem abrir mão de uma arma que daqui a pouco estará em suas mãos.
Na prática, por outro lado, a ausência de resultados mostra que a espionagem eletrônica tem escassa eficiência. Talvez o seu uso obsessivo confirme apenas o já sabido: James Bond morreu. E de velhice.’
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Jornal do Brasil
Terça-feira, 16 de maio de 2006
LÍNGUA PORTUGUESA
Deonísio da Silva
‘Há Braços’ para Rubem Fonseca
‘Querido Rubem! Hoje são 11 de maio de 2006. É um dia repleto de significados para você, principalmente pelo que aconteceu em Juiz de Fora no dia 11 de maio de 1925.
Quem lhe escreve é seu velho leitor, com aquela mesma e pura admiração de 1972, quando, andando pelas ruas de Curitiba, viu O Caso Morel, seu primeiro romance, na vitrine das Livrarias Ghignone, na Rua XV de Novembro, então chamada já Rua das Flores.
Já vi vereadores proporem troca de nomes de ruas, de flores, pássaros, cores, rios, regatos, árvores e ilhas para nomes de políticos e datas que os lembrem sempre, mas não vi a troca inversa, de nomes de políticos para essas belezas.
As coisas se misturam, querido Rubem! Tomado de um entusiasmo incendiário, propus a meu professor de Literatura Brasileira fazer um trabalho sobre aquele romance que me tocara tanto, sem que eu soubesse por quê. Eu estava no primeiro ano do curso de letras! ‘Este semestre é sobre Machado de Assis’, me disse ele. ‘E se eu fizer dois trabalhos?’.
À procura de bibliografia, encontrei um grande número de livros sobre Machado e apenas um artigo sobre você, mas um deles mexeu comigo. Publicado na VEJA, intitulava-se ‘Zut! Zut! Zut!’ e era assinado por Affonso Romano de Sant’Anna.
‘Manda este para a editora’, disse o professor, depois de ler meu primeiro ensaio sobre você, ponto inicial de muitos artigos e três livros que já escrevi sobre sua obra.
Você não respondia a leitor algum, mas a mim você respondeu e quem sabe por quê? Eu ainda não sei!
No ano seguinte conheci Rubem Fonseca. Jamais esquecerei o dia. Vim de ônibus. Foram quase vinte horas! Que leitor faria tão grande viagem apenas para conhecer um escritor?
Sua secretária me recebeu. O escritório da Light, onde você trabalhava como diretor, ficava na Av. Pres. Vargas, 642.
Quando vim morar no Rio, em 2004, Dr. João Uchôa, sem saber nada dessa história, determinou que eu desse oficina literária no mesmo endereço: ali, agora, está um campus da Estácio. Por que você respondeu àquela cartinha, Rubem? Por que Dr. João, assistindo um dia a uma entrevista que eu dei a Edney Silvestre, na TV Globo, me chamou para conversar com ele? Será que ainda há leitores que fazem tão longa viagem para conhecer um escritor? Será que a VEJA ainda resenha autores nacionais? Será que as livrarias ainda põem nas vitrines romances brasileiros?
Querido Rubem, este espaço, se é curto para contar tudo, é suficiente para reiterar o quanto sua obra e sua amizade me fizeram bem ao longo desses anos! Para todos os seus amigos, você é Zé Rubem. Mas como eu o conheci pelos livros, ainda não me acostumei com o fato de você chamar-se também José.
Hoje, sua história está na Internet: ‘José, uma história em cinco capítulos: a saga do menino que adorava livros’. E no conto Onze de Maio, que está em O Cobrador, leio: ‘Talvez, stricto sensu, possa se dizer isso, que o objetivo final de toda revolução é mais comida para todos. Mas estávamos naquele instante apenas pilhando a geladeira do Diretor de um asilo de velhos, denominado Lar pela hipocrisia oficial’.
Querido Rubem, jamais pensei que um livro deflagraria tudo isso!’
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