Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Veja

CASO RENAN
Alexandre Oltramari

Sociedade secreta

‘O presidente do Congresso, senador Renan Calheiros, é um homem milionário. Dono de fazendas, casa na praia, apartamento, carros de luxo e os valorizados bois de Murici, seu patrimônio oficial é estimado em cerca de 10 milhões de reais. Descobriu-se agora que a fortuna do senador é ainda maior. Além de pecuarista, Renan é um empresário emergente do ramo das comunicações. Ele é dono de duas emissoras de rádio em Alagoas que valem cerca de 2,5 milhões de reais e, até dois anos atrás, foi sócio de um jornal diário cujo valor é de 3 milhões. Pouca gente em Alagoas conhece essas atividades do senador. E por uma razão elementar: os negócios de Renan são clandestinos, irregulares, forjados de modo a manter o anonimato dos envolvidos. Para que isso fosse possível, a compra das emissoras de rádio e do jornal foi colocada em nome de laranjas, formalizada por meio de contratos de gaveta e paga com dinheiro vivo – às vezes em dólares, às vezes em reais. Tudo feito à margem da lei, com recursos de origem desconhecida, a participação de funcionários do Senado e, principalmente, visando a garantir que a identidade do verdadeiro dono, o senador Renan Calheiros, ficasse encoberta.

VEJA teve acesso a documentos que mostram como o senador criou uma empresa de comunicação, incorporou emissoras de rádio e escondeu tudo isso da Receita Federal, da Justiça Eleitoral e do Congresso Nacional. No fim de 1998, Renan Calheiros planejava se candidatar ao governo de Alagoas nas próximas eleições, mas encontrava resistências, principalmente de um ex-aliado, o ex-presidente Fernando Collor, que lhe fazia uma oposição implacável em suas emissoras de rádio, TV e por meio do maior jornal do estado, a Gazeta de Alagoas. Renan Calheiros soube que outro empresário do ramo, Nazário Pimentel, estava querendo se desfazer de um jornal e de uma rádio e vislumbrou a possibilidade de montar seu próprio império de comunicação, comprando o grupo O Jornal, que detinha a concessão de uma rádio, a atual Rádio Correio, e o segundo jornal mais lido do estado, O Jornal. O grupo estava avaliado em 2,6 milhões de reais. Como o valor era alto demais, Renan Calheiros decidiu procurar um sócio para a empreitada. O escolhido foi o usineiro João Lyra, sogro de Pedro Collor, cujas denúncias acabaram resultando no impeachment do irmão Fernando Collor. Lyra gostou da idéia. Calheiros e Lyra fizeram um acordo pelo qual cada um entraria com a metade. Renan, portanto, ficou de pagar 1,3 milhão de reais – mais do que o patrimônio total que ele declarava possuir à época. Como Calheiros não tinha todo o dinheiro disponível no momento, ficou combinado que o usineiro lhe emprestaria 700.000 reais, quantia que o senador, depois, saldaria em parcelas mensais.

Renan Calheiros cumpriu o que foi acertado e saldou a dívida ao longo de 1999. Mas nunca usou banco, cheques ou transferências eletrônicas. A exemplo do que fez no caso do pagamento da pensão de sua filha, quando pediu o apoio de um lobista de empreiteira, ele, de novo, utilizou como tesoureiro um intermediário com envelopes cheios de dinheiro. Dessa vez, o pagador das mensalidades foi o assessor legislativo Everaldo França Ferro, funcionário de confiança do gabinete do senador. O assessor fez entregas em dinheiro vivo que totalizaram 700.000 reais. Na maioria das vezes, Everaldo Ferro fez os pagamentos em Brasília, mas houve casos em que marcou encontros em São Paulo e em Alagoas. As entregas não tinham regularidade absoluta. Renan Calheiros chegava a atrasar dois meses. Certa vez, pediu paciência ao sócio Lyra, justificando que o dinheiro estava vindo do Rio Grande do Sul. Indício de que havia alguém financiando a empreitada do senador? Talvez. Chama atenção também a moeda utilizada por Renan Calheiros. ‘O dinheiro às vezes chegava em dólares, às vezes em reais’, confirma um dos envolvidos na negociação. Procurado, Everaldo Ferro não quis dar entrevista. Lotado no gabinete de Renan Calheiros há anos, o assessor é responsável pela agenda política do senador junto aos ministérios. Em outras palavras, ele acompanha a liberação de emendas, marca audiências, conversa com empreiteiros. Por causa dessa desenvoltura, o assessor está às voltas com a Polícia Federal. Everaldo Ferro foi flagrado conversando com o empreiteiro Zuleido Veras, da Gautama, o amigo de Renan Calheiros que foi preso sob a acusação de corrupção e fraude em licitações. A polícia suspeita que os dois falavam da liberação de dinheiro para uma obra-fantasma em Alagoas.

Com os 700.000 reais emprestados do usineiro, Renan Calheiros precisava conseguir os 650.000 reais restantes. Não se sabe de onde saiu o dinheiro, mas seu portador foi o empresário Tito Uchôa, primo do senador. Entre março e junho de 1999, Tito Uchôa levou os 650.000 reais ao dono do grupo O Jornal, Nazário Pimentel, em quatro parcelas, sendo a primeira de 350.000 reais e três outras de 100.000 reais cada uma, conforme cópias de recibos obtidos por VEJA (leia na pág. 64). Em um dos recibos, datado de março, está descrito que o pagamento é pela cessão de cotas da Empresa Editora O Jornal e da Rádio Manguaba do Pilar, atual Rádio Correio dos Calheiros. Será que os 650.000 reais pertenciam ao empresário e primo Tito Uchôa? Na ocasião, Tito Uchôa nem empresário era. Dava expediente na Delegacia Regional do Trabalho e tinha um salário de 1 390 reais. Fora as referências à origem geográfica do dinheiro – o Rio Grande do Sul -, Renan Calheiros nunca comentou nada sobre a fonte de tantos recursos. Dessa forma, com um contrato de gaveta, laranjas e pilhas de dólares e reais em envelopes pardos, o senador iniciou sua incursão no mundo empresarial das comunicações.

A sociedade secreta de Renan Calheiros e João Lyra era ambiciosa. Usando a influência política que tinha no governo federal, Renan planejou montar uma rede de emissoras espalhadas por Alagoas a partir das outorgas de concessões públicas que suas relações conseguiriam garimpar em Brasília. Para servir como uma espécie de holding do grupo e ao mesmo tempo manter o anonimato, eles criaram a JR Radiodifusão – ‘J’ de João e ‘R’ de Renan -, que seria a dona das novas concessões que viriam de Brasília. Apesar de a empresa ter as iniciais dos dois, os donos oficiais eram laranjas. Da parte do senador, o laranja era Carlos Ricardo Santa Ritta, funcionário de seu gabinete em Brasília e ex-tesoureiro de sua campanha. Da parte de João Lyra, o representante era o corretor de imóveis José Carlos Paes, seu amigo de Maceió. A sociedade durou até março de 2005. Divergências na maneira de administrar o grupo levaram Renan Calheiros e João Lyra a se separar. O usineiro ficou com O Jornal e Renan Calheiros, com a Rádio Correio e a empresa JR Radiodifusão. As evidências sobre o patrimônio oculto do senador percorrem caminhos oficiais a partir da separação.

Documentos registrados na Junta Comercial de Alagoas revelam que, em março de 2005, quando se deu o fim da sociedade, o corretor José Carlos Paes, o representante de João Lyra, deixa a JR. Em seu lugar, Renan Calheiros coloca o primo e empresário Tito Uchôa, o mesmo que servira de pombo-correio do negócio original. Dois meses depois, nova alteração contratual. Carlos Santa Ritta, o laranja-funcionário do gabinete, transfere sua participação na JR para Renan Calheiros Filho, o Renanzinho, filho do senador. Como estava previsto desde o início, a interação dos negócios empresariais do senador Calheiros com a política deu resultados. Em junho do ano passado, o Ministério das Comunicações liberou à JR a concessão de uma rádio FM para operar na cidade de Joaquim Gomes, no interior de Alagoas. É a Rádio Porto Real. A outorga foi aprovada pelo Congresso, presidido por Renan Calheiros, no dia 13 de abril deste ano. Apesar de ter o filho do senador e o primo do senador como sócios na época da concessão, a JR continua até hoje registrada no Ministério das Comunicações em nome dos laranjas José Carlos Pacheco Paes e Carlos Ricardo Nascimento Santa Ritta. Ou seja, do ponto de vista formal, o Ministério das Comunicações e o Congresso concederam uma rádio FM a duas pessoas sem nenhuma relação familiar com o senador Renan. Na prática, a sociedade montada com dólares obtidos sabe-se lá como e oriundos de sabe-se lá onde e que hoje pertence oficialmente ao filho e ao primo do senador é bem tratada pelo Congresso presidido pelo senador. Antes disso, em dezembro do ano passado, o governo federal concedera à JR uma outorga para operar uma emissora FM na cidade de Água Branca, também em Alagoas. A autorização foi rejeitada pela Câmara dos Deputados por falhas na documentação e devolvida ao Executivo. Assim, ao menos por enquanto, Renan Calheiros é proprietário de apenas duas emissoras – a Rádio Correio e a Rádio Porto Real -, cujo valor de mercado beira os 2,5 milhões de reais.

VEJA localizou o antigo dono do grupo O Jornal, Nazário Ramos Pimentel. Ele disse que vendeu suas empresas apenas a João Lyra, mas admitiu que toda a negociação foi feita com o senador Renan Calheiros. ‘Renan me procurou falando do interesse do doutor João em comprar a rádio e o jornal. Aí, depois de uns três, quatro meses de conversa, fechamos a negociação’, lembra Pimentel. Qual o valor do negócio? ‘Não lembro bem, mas somente as rotativas do jornal custavam algo em torno de 1 milhão de reais.’ Segundo o empresário, o senador atuou como uma espécie de intermediário. ‘Eu sabia que havia um interesse pessoal dele, principalmente na rádio, mas a compra foi fechada pelo doutor João.’ A participação de Renan Calheiros no negócio é tão evidente que a proposta comercial de venda da rádio e do jornal foi entregue ‘em mãos’ ao senador, e não ao usineiro. O senador pode até alegar que fez apenas o papel de intermediário no negócio, mas isso não explica o milagre de ter feito com que as empresas acabassem nas mãos dele próprio – ou melhor, de seu filho e seu primo…

Procurado por VEJA, Renan Calheiros não quis se manifestar. O usineiro João Lyra, que hoje é adversário político do senador, também não quis falar. Mandou dizer por meio de sua assessoria que os negócios entre ele e Renan Calheiros são privados e que, por isso, não tinha nada a comentar sobre a sociedade que manteve ao longo de sete anos. Na semana passada, outros negócios estranhos envolvendo o senador viraram alvo de investigação no Congresso. O PSOL protocolou um pedido de abertura de processo para apurar se ele fez lobby a favor da cervejaria Schincariol junto a órgãos do governo. A Schincariol comprou uma fábrica de refrigerantes da família Calheiros em Alagoas por 27 milhões de reais, valor muito superior ao de mercado, conforme revelou VEJA. Renan, antes do negócio, fez um périplo pela Receita e pelo INSS em busca de informações sobre multas e dívidas da empresa. Na mesma representação, o partido pede que o Conselho de Ética investigue se Renan Calheiros participou de grilagem de terras em Alagoas, denúncia que está sendo investigada pelo Ministério Público e provocou intervenção no Cartório de Registro de Imóveis de Murici, onde teria ocorrido a fraude. Por último, as investigações sobre a origem do dinheiro que o senador usou para pagar a pensão de sua filha sofreram um novo revés. O Frigorífico Mafrial, que Renan Calheiros alega estar na origem de sua fortuna agropecuária, foi assaltado na noite de quarta-feira. Documentos que seriam importantes para a perícia da Polícia Federal teriam sido levados por ladrões. Uma dessas coincidências muito comuns em Alagoas.

OS LARANJAS

Em janeiro de 2002, Ricardo Santa Ritta, assessor de Renan, criou a JR Radiodifusão, juntamente com o empresário José Carlos Paes, amigo de João Lyra. São papéis de mentirinha. A sociedade real era entre Renan e Lyra.

AMIZADE ROMPIDA

Insatisfeitos com a parceria, Renan e Lyra decidem pôr fim à sociedade nas rádios e no jornal, em março de 2005. Tudo feito no mesmo dia. No papel, a JR é transferida para Tito Uchôa, primo do senador

NO COLO DA FAMÍLIA

Dois meses depois, em maio de 2005, um dos filhos do presidente do Senado, José Renan Calheiros Filho, é admitido na JR como sócio. Pelo trato, João Lyra ficou com o jornal e Renan com uma rádio’

MAINARDI vs. LULA
Diogo Mainardi

O pistoleiro Dirceu

‘‘O pistoleiro José Dirceu só vai revelar se atirou em alguém, durante sua fase terrorista, depois dos 80 anos de idade. Quem sabe a gente consegue descobrir, antes disso, o que ele fez no poder’

Eu sou ‘um pistoleiro que Roberto Civita contratou para assassinar a honra das pessoas’. Quem declarou isso foi José Dirceu, na última Playboy. Na verdade, em tantos anos de VEJA, só falei uma vez com Roberto Civita, durante um encontro na Editora Abril, em 2004. O assunto foi etimologia. Por outro lado, falei repetidamente sobre José Dirceu com os investigadores do caso Celso Daniel. Quando se trata de Celso Daniel, a primeira imagem que me ocorre é a de pistoleiros contratados para assassiná-lo. Contratados por quem?

José Dirceu, na Playboy, apontou-me como o líder dos agitadores ‘de todas as direitas do grande Brasil’. Tenho dó das direitas, seja lá quantas elas forem. Eu só agito remédio contra tosse. José Dirceu, no papel de agitador, sempre foi bem mais capaz e articulado do que eu. Desde a tragédia em Congonhas, fico lembrando o tempo todo como ele agitou os negócios da TAM, em seu reinado na Casa Civil. Primeiro, tentou entregar-lhe a Varig, por intermédio do representante do Banco Fator, Luciano Coutinho, atual presidente do BNDES. Depois, avalizou o acordo pelo qual as duas companhias passaram a compartilhar os vôos. O acordo logo se refletiu nas contas da TAM. No último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, a TAM registrou um prejuízo de 605,7 milhões de reais. No primeiro ano de Lula e José Dirceu, ela apresentou lucro de 173,8 milhões de reais. Isso é que é agitar.

Apesar de ter sido indiciado como chefe dos mensaleiros e cassado pelo Congresso Nacional, José Dirceu continua sendo o maior empregador particular do governo. No segundo mandato de Lula, os dirceuzistas ainda ocupam o mesmo espaço que no primeiro. O fato de contar com tantos apadrinhados em cargos endinheirados deve facilitar seu trabalho como lobista. Como ele mesmo disse à Playboy, ‘no governo, quando eu dou um telefonema, modéstia à parte, é um telefonema!’. Quanto pode representar, de modo geral, um gerente de negócios de uma estatal? Quanto pode significar, modéstia à parte, o presidente de um banco público?

José Dirceu considera que há ‘o jornalismo marrom, o amarelo e o jornalismo de Diogo Mainardi’. Aparentemente, tornei-me uma nova cor – sou o Flicts da imprensa. Os comentários de José Dirceu a meu respeito podem parecer uma briga pessoal, que deveria ser resolvida no mano a mano: ele com sua .22, usada para praticar assaltos na década de 1970, e eu com minha caneta, que ele definiu como uma arma. Mas José Dirceu me elegeu como símbolo de algo muito maior. Represento, segundo ele, a ‘imprensa partidária, ideológica, engajada, com projeto político’. É sempre assim. Basta Lula ser apanhado em flagrante, como no caso da barbárie aérea, para que seus parceiros sugiram dar óleo de rícino aos jornalistas, com o argumento de que eles manobram para derrubar o presidente mais popular de todos os tempos.

O pistoleiro José Dirceu só vai revelar se atirou em alguém, durante sua fase terrorista, depois dos 80 anos de idade. Quem sabe a gente consegue descobrir, antes disso, o que ele fez no poder.’

INTERNET
Veja

Bisbilhoteiro não entra

‘Os sites de relacionamento da internet permitem trocar mensagens, cultivar amizades, debater assuntos prediletos, paquerar – e também bisbilhotar a vida alheia. Para muitas pessoas, esse é o seu calcanhar-de-aquiles: a excessiva exposição que os sites ocasionam supera, de maneira negativa, os seus atrativos. Com base nessa constatação, um novo endereço eletrônico, o Facebook, incrementou a privacidade oferecida aos usuários, e a resposta foi rápida. O site ainda está longe do MySpace, que ostenta 70 milhões de usuários ao redor do mundo, ou do Orkut, com seus 50 milhões (55% dos quais brasileiros). Mas, a cada dia, 150.000 pessoas se cadastram. Já são 33 milhões de integrantes, entre os quais celebridades e figuras públicas, como os atores Orlando Bloom e Sienna Miller ou o pré-candidato democrata ao governo dos EUA, Barack Obama. O que lhes agrada no Facebook é a possibilidade de definir quem pode esquadrinhar o seu perfil – e como.

O Facebook (que ainda não tem versão em português) abriu-se gradualmente ao público, o que o tornou uma espécie de objeto de desejo digital. Mark Zuckerberg, então aluno da Universidade Harvard, lançou o site em 2004. A intenção era criar uma versão on-line e mais moderna dos tradicionais álbuns de turmas dos estudantes americanos, com fotos e informações sobre cada um. Depois de receber a adesão em massa dos colegas de Harvard, ele estendeu o acesso a outras universidades e colégios, mas manteve uma curiosa restrição: os adultos eram protocolarmente barrados. Em setembro passado, o site se abriu de vez e passou a aceitar todos os públicos. Não é necessário receber convite para fazer parte do Facebook, como ocorria no início do Orkut. Mas só se pode acessar o perfil de um participante se ele já estiver incorporado à sua rede de amigos. E, ainda assim, há mecanismos que limitam o acesso a fotos e a listas de contatos, por exemplo. As páginas de menores de 18 anos não são visitadas por maiores de idade, a não ser que as duas partes concordem mutuamente em se adicionar. Tudo em nome de uma existência longe dos bisbilhoteiros. ‘O Facebook faz sucesso porque, com suas exigências, preserva certa atmosfera de clube exclusivo’, diz o economista e pesquisador da Universidade da Carolina do Norte Fred Stutzman, estudioso do fenômeno dos sites de relacionamento.

Se espionar os passos dos desconhecidos no Facebook é praticamente impossível, a vida dos amigos se torna um livro aberto. Os participantes recebem informes de cada um de seus contatos. Coisas como ‘X agora é amigo de Y’, ‘Z acaba de voltar de férias na Grécia’, ‘W está de dieta’. É possível incluir seleções musicais, vídeos, calendários, mapas, horóscopo e fazer compras. Além de estenderem ao máximo o tempo de permanência de cada pessoa no site, essas ferramentas incrementam a sensação de pertencer a uma comunidade, na medida em que gente conhecida e de confiança dá sua chancela a determinados comportamentos e novidades. Para Mark Zuckerberg, fomentar esse espírito representa outra grande sacada da sua criação. Zuckerberg, por sinal, tem tudo para se transformar no próximo bilionário do Vale do Silício, na Califórnia. Em 2005, o MySpace foi arrematado por 580 milhões de dólares pelo magnata das comunicações Rupert Murdoch. Aos 23 anos, o criador do Facebook já rejeitou ofertas de 1 bilhão de dólares feitas por pesos-pesados da internet.’

MEMÓRIA / INGMAR BERGMAN
Isabela Boscov

O poeta da dúvida

‘Ingmar Bergman já tinha uma dúzia de filmes lançados na Suécia quando, em 1957, se projetou de forma meteórica no panorama mundial. Nesse único ano, ele fez duas obras-primas do cinema. Em O Sétimo Selo, um cavaleiro interpretado por Max von Sydow volta das Cruzadas e encontra sua terra tomada pelo desespero e pela Peste Negra. Abordado pela Morte, ele tenta postergar o momento inevitável por meio de um jogo de xadrez com a figura encapuzada – e ganhar tempo para encontrar, sem grande sucesso, provas de que os homens merecem viver. O Sétimo Selo mesmerizou platéias em todo o mundo e anunciou um novo cinema, ambientado nas paisagens mais desoladas da alma. Poucos meses depois, Bergman lançou Morangos Silvestres, no qual um velho professor envereda pelas trilhas de sua memória – que, novamente, o conduzem sempre para mais perto da morte. O diretor tinha então apenas 39 anos. Mas é seguro dizer que, até seu duplo feito, a angústia do fim nunca havia sido tratada pelo cinema de forma tão decisiva e incisiva. O cineasta, porém, ainda teria muito a dizer a esse respeito – uma meia centena de filmes, mais inúmeras produções para a televisão e para o teatro. Nas duas últimas décadas, afastado da câmera, Bergman vira sua influência retroceder e, aos poucos, se dissipar. Na manhã da segunda-feira passada, contudo, ela subitamente recuperou sua nitidez. Ingmar Bergman, que completara 89 anos em 14 de julho, morreu durante o sono, em seu refúgio na ilha báltica de Faro – e levou consigo a hipótese de um cinema que escape às convenções de gênero e possa se impor como uma forma de pensamento e de poesia.

A ascensão de Bergman deu-se no fim dos anos 50, quando o cinema de autor, representado por nomes do porte de Federico Fellini e Michelangelo Antonioni (veja a seção Datas), se revelara a grande força criativa da época. Sua obra, contudo, tinha um forte cunho religioso, além de uma severidade que contrastava vivamente com boa parte da produção do período. Bergman tinha uma ligação profunda com a tradição cinematográfica escandinava, que fez dos encontros entre luz e escuro, e entre terra e mar, tão dominantes em sua paisagem, também o seu principal espaço psicológico. Auxiliado por seu diretor de fotografia, Sven Nykvist (morto no ano passado), Bergman esquadrinhou esse espaço como ninguém antes ou depois dele. Na sua primeira fase, da qual a figura alongada e os traços austeros de Max von Sydow foram o maior emblema, Bergman tratou principalmente do vazio que se interpõe entre o homem e Deus. A esse momento é que pertencem O Sétimo Selo e Morangos Silvestres. Sua segunda fase foi ainda mais brilhante. Depois de uma cirurgia, o diretor descobriu que havia perdido o medo da morte. Seu vazio, então, se transferiu para outro domínio: o das relações humanas. Von Sydow foi substituído por um ator de aparência mais terrena – Erland Josephson -, e a distância de que Bergman passou a tratar é aquela que homens e mulheres, pais e filhos ou irmãs e irmãos tentam vencer. O que só conseguem fazer, em geral, quando desejam se ferir.

‘Eu sempre soube atrelar meus demônios à minha carroça. Eles continuam me atormentando, mas eu os obrigo a me ser úteis’, disse Bergman. Essa, de certa forma, é a razão pela qual ele deixou muitos admiradores, mas nenhum pupilo de fato, a despeito dos esforços de John Cassavetes e Woody Allen: seus demônios simplesmente eram mais potentes que os da maioria dos mortais. Na visão de Bergman, até buscar o amor é uma forma de redenção que quase sempre termina em mais danação. Em Gritos e Sussurros, três irmãs, uma delas à morte, tentam obter alguma conciliação, mas só fazem se dilacerar ainda mais. Em Sonata de Outono, o encontro entre uma mãe e uma filha é uma batalha de ressentimentos em que só vence quem perder mais. Em Cenas de um Casamento, de 1973, talvez sua obra máxima, o espectador acompanha a lenta e crudelíssima derrocada do casamento de Johan e Marianne, interpretados por Josephson e Liv Ullmann. Em seu último filme, Saraband, feito para a televisão há quatro anos, foi a Johan e Marianne que o diretor decidiu voltar. Mas o amor dos dois foi reduzido a uma presença tênue. O que está vivo, no filme, é o rancor, em especial aquele que palpita entre Johan e seu filho sessentão. Liv Ullmann, uma das várias mulheres com quem o diretor foi casado e sua musa mais constante, teorizou que Bergman teria feito Saraband para exorcizar um pouco da dor de haver perdido um de seus nove filhos sem ter feito as pazes com ele. É típico do diretor, porém, que essa expiação tenha chegado à tela em forma de franqueza brutal, em que expor o ódio é um tributo mais genuíno do que ceder aos lamentos da memória.

‘Toda a minha vida criativa provém de minha infância’, disse Bergman. ‘A razão por que apreciam o que faço é que eu sou uma criança e assim me dirijo à platéia.’ Filho de Erik, um pastor luterano, e de Karin, uma mulher que oscilava de forma atordoante entre o calor e a frieza, Ingmar aprendeu desde muito cedo a vasculhar a fisionomia dos dois em busca de sinais do que estaria por vir. Por exemplo, a rejeição por parte da mãe ou a ira do pai, que acarretava castigos terríveis – como trancar o filho num armário escuro ou espancá-lo e então obrigá-lo a beijar sua mão -, relembrados em detalhes pungentes em seu último trabalho cinematográfico, Fanny e Alexander, de 1982, no qual rememorou sua infância traumática e, com ela, obteve seu maior sucesso comercial. Essa habilidade de Bergman em ler rostos rendeu-lhe a reputação de que seu olhar era uma lente que tudo via, e tornou-o o mestre maior do close-up. Não o close-up glamouroso de Hollywood, mas um close-up que despia seus atores (e mais ainda suas atrizes) de todas as máscaras e defesas. ‘Durante boa parte de minha vida, menti e menti. Quando estava rodando Noites de Circo, em 1953, eu me dei conta de que a mentira era como uma sujeira sobre meus filmes, e que a partir dali eu deveria dizer a verdade todos os minutos da minha vida’, contou certa vez. Até onde se sabe, Bergman se manteve fiel à decisão. Quando não mais se sentiu capaz de se expor, retirou-se para a Ilha de Faro e se isolou. Sua volta foi sempre uma hipótese. Desde segunda-feira, porém, o território que ele desbravou com coragem ímpar – o território da dúvida, no qual os seres humanos são obrigados a existir – está oficialmente sem um explorador à altura de mapeá-lo.’

TELEVISÃO
Marcelo Marthe

O siri e o mico

‘No último domingo, a seleção brasileira de basquete masculino comemorou o ouro nos Jogos Pan-Americanos com uma coreografia: os atletas moviam-se de lado, abrindo e fechando as mãos. No ar, ao vivo na Rede Globo, o locutor Galvão Bueno sabia do que se tratava: ‘É a dança do siri’. A dança foi uma invenção da dupla Repórter Vesgo e Ceará, do humorístico Pânico, exibido pela Rede TV!. Toda celebridade assediada por eles – e eles vivem de assediar celebridades – é convidada a repetir os tais passinhos. A lista inclui Silvio Santos e Gugu Liberato, do SBT. Mais recentemente, o apresentador Fausto Silva foi intimado a executá-la à saída do estúdio onde gravava seu programa na Globo – e até tentou requebrar o quadrilzão. O Pânico atacou de novo num evento no Rio de Janeiro, na semana passada. As vítimas foram um diretor da Globo, Boninho, que caiu na dança, e o governador Sérgio Cabral, que se safou desse mico. A televisão brasileira sempre foi pródiga em criar bordões ou gags que se espalham como um vírus entre os telespectadores. A novidade é que o pessoal do Pânico, adepto da anarquia, usa outras emissoras, e não apenas a Rede TV!, para propagar a dança do siri. A Globo tem sido o alvo preferencial, naturalmente. E já não está gostando muito da brincadeira.

A manifestação no Pan não chegou a causar stress na Globo, até porque partiu dos atletas (o que não livrará Galvão Bueno de se tornar o próximo alvo dos humoristas). Mas a dança do siri vira uma chateação quando o alvo são suas transmissões jornalísticas. Em junho, durante uma matéria ao vivo do Jornal Nacional num shopping center carioca, um grupo de jovens encenou seus movimentos atrás de um repórter. A interferência foi de tal ordem que nem a apresentadora Sandra Annenberg conteve o riso. O episódio atualmente é um hit no site de vídeos YouTube. Lá se pode ver também uma espécie de making of que mostra os três rapazes arquitetando o golpe. Mais tarde, eles foram entrevistados no Pânico e ganharam camisetas de brinde. O líder do programa, Emílio Surita, anunciou então que outras pessoas que divulgassem a dança do siri receberiam o mesmo tratamento.

Por ora, a Globo está levando a provocação na esportiva. Nos bastidores, contudo, não se descarta nem mesmo um processo contra o Pânico, caso a piada cause transtornos mais sérios às entradas ao vivo em seus telejornais (são cerca de quinze por dia). Lidar com engraçadinhos que acenam por trás dos repórteres sempre fez parte do jogo. A onda da dança do siri, contudo, deixou seus cinegrafistas à beira de um ataque de nervos. No momento, eles evitam ao máximo tomadas com fundo amplo em locais públicos. ‘Nossa tensão agora é redobrada’, diz um deles.’

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

O Globo

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