MUDANÇAS NO CARTA MAIOR
Carta Maior: novo perfil
‘Queremos deixar claro que a Carta Maior não está para fechar, nem agora nem no futuro próximo. Mas é verdade que estamos para assumir um novo perfil. É uma decisão sempre difícil, pois exige ajustes e um certo tempo para se passar da proposta à realização. Por isso a renovação da página, nestes dias, tornou-se mais lenta do que o habitual.
No começo do ano, durante a crise que, ela sim, quase nos levou ao fechamento, elaboramos um Decálogo de Princípios para nortear nosso trabalho, ao qual permanecemos fiéis.
Em resumo, ele situa a sobrevivência da humanidade e do planeta tal como o conhecemos, dentro de um imperativo de transformações sociais, de produção e de consumo, que exigem um debate político ampliado e urgente.
Estamos dando passos na direção de ampliar na Carta Maior o espaço deste debate de idéias e propostas para as transformações urgentes que nossas sociedades demandam no sentido de se adequarem ao reclamo de desenvolvimento sustentável, que preserve a qualidade de vida e, ao mesmo tempo, amplie o seu alcance como um direito inalienável do exercício da cidadania.
Para nós, da Carta Maior, isso implica retomar a discussão do socialismo como exigência da democracia e do impedimento da ação predatória do capitalismo desgovernado em que vivemos, quanto à preservação da vida como bem comum e da liberdade como direito coletivo e até como exercício individual, exceto para os seus privilegiados. Para nós o socialismo é uma exigência da democracia e vice-versa, ao contrário do que já se apregoou no passado, com conseqüências danosas para ambos, socialismo e democracia.
Queremos aprofundar esse debate na Carta Maior, aumentando o espaço para artigos de reflexão, análise e propostas, com o modo plural e voltado para as lutas sociais da sociedade brasileira, latino-americana e de todas onde viceje a luta por justiça social e liberdade.
Haverá, portanto, mais espaço para artigos de opinião (ou opiniões) na página da Carta Maior. Continuaremos com nossos debates de temas da atualidade, inclusive com transmissão direta pela TV Carta Maior, onde couber. Continuaremos nos propondo a cobertura dos Fóruns Sociais Mundiais e seus correlatos e desdobramentos. Mas haverá menos reportagens e matérias de cobertura de acontecimentos imediatos.
Isso implica e decorre de um ajuste de pessoal na Carta Maior. Para garantirmos a sobrevivência da página torna-se imperioso reduzir a redação. Queremos registrar aqui os nomes desses companheiros e companheiras que deram e continuarão dando uma contribuição indelével para a democratização da comunicação no Brasil, mas que tiveram e terão de buscar sua condição de sobrevivência de outra forma. Continuarão, quando quiserem, colaborando conosco sob a forma de artigos, dentro da proposta de debate que vamos continuar impulsionando e que eles e elas, com seu trabalho diário, formularam e impulsionaram.
Esperamos, por outro lado, manter e mesmo ampliar nosso corpo de colaboradores, e continuar com a fidelidade dos nosso companheiros de caminho, leitores e leitoras, que são parte de nossa discussão de pauta através de suas sugestões, críticas e comentários. Continuamos desejando seu cadastramento para receber nosso boletim que, adequando-se ao novo ritmo, passará a ser divulgado três vezes por semana.
‘Se hace camino al andar’, diz o nosso lema, no verso do poeta espanhol Antonio Machado. Mais uma vez, Carta Maior responde ao desafio de seu compromisso com a democracia da comunicação descortinando seu caminho e desafio nas lutas de nosso povo por justiça social e liberdade.’
MÍDIA & PODER
O ‘cansaço’ da imprensa, 7/08/07
‘Aparentemente o ‘Cansei’ não empolgou os analistas políticos dos grandes jornais. Talvez por faltar nome de peso que dê lustro político ou acadêmico ao movimento, talvez pela percepção de seu fôlego curto, a imprensa não embarcou de mala e cuia no ‘agito’ promovido por João Dória Jr. Estava muito claro seu caráter direitista e elitista. Melhor continuar amplificando a insatisfação de parcela da classe média de forma sofisticada. Continuar editando a sensação de caos à espera de algo mais orgânico.
Não basta, portanto, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lembrar que ‘em uma sociedade, há manifestações de todo tipo. Tem `Cansei´, tem abaixo-não-sei-quem. O PT era mestre em fazer abaixo FHC’. É verdade. Mas o que o ‘príncipe das editorias de política’ oculta é a diferença de apoio logístico. Contra ele, não se articularam associações como a Abert, Febraban e Fiesp. Pelo contrário, salvo falha imperdoável de memória, esse foi seu núcleo de apoio: mídia, capital financeiro e empresariado paulista.
Menor serventia tem a afirmação acaciana do governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), de que o movimento não pode ser considerado golpista porque vivemos numa democracia. Isso soa pueril para um poder midiático que deixou de se configurar como mediador para se apresentar como incorporação acabada da opinião pública. O único partido de direita com projeto definido e estratégia de longo prazo. O que mais reúne, sob o surrado ‘discurso da competência’, os melhores ‘especialistas’ em cidadania e interesse público. A ele cabe estabelecer o metro do ‘cansaço’.
Os ‘cansados’ devem estar exaustos. Não deve ser fácil para os daslupianos desvairados dos Jardins e os inocentes do Leblon ouvir o alarido da mobilidade social patrocinada pelo governo Lula. Sem dúvida ,é insuportável ver um ‘outro de classe’ interromper oito anos de pilhagem neoliberal e colocar o país em rota de crescimento sustentável, com o emprego formal batendo recordes sucessivos. Some-se a isso um inegável processo redistributivo e o que temos? Nada que se encaixe nos arrazoados de Miriam Leitão ou Carlos Alberto Sardenberg.
Não falemos em facciosimo ou ódio de classe, pois isso seria uma indelicadeza. O que move o ‘Cansei’ é, de fato, fadiga. Afinal, foi em uma sociedade que concebeu cidadania como privilégio de classe que seus integrantes desenvolveram um singular ‘senso ético’. O que escandaliza tão respeitáveis senhores e senhoras da paulicéia desvairada é perceber que a choldra já não cabe mais em velhas relações de hierarquia, mando e obediência. Agora decidiram ser sujeitos. Vê se pode? Contra essa ‘anomia’ se batem Dora Kramer, Clóvis Rossi, Merval Pereira e outros valorosos quadros do Partido Mídia.
Quando Luiz Flávio Borges d´Urso, presidente da OAB-SP, diz que os que criticam o ‘Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros’ são movidos por má-fé ou desinformação, está coberto de razão. Há muito se perdeu a fé em uma estrutura jurídica que, não definindo direitos, garante privilégios. O senso comum já desmascarou o sistema legal de outorgas ao repetir incessantemente que ‘a justiça só existe para os ricos’. Pena que seu colega da seção carioca da Ordem, o advogado Wadih Damous, tenha sido categórico: ‘O `Cansei´ tem fundo golpista’. Será que nem o bom e velho corporativismo funciona mais, dr.Luiz Flávio? Pior,o Conselho Federal da OAB também decidiu não apoiar o movimento. Assim, fica difícil ‘cansar’ nas primeiras páginas.
Se há ineficiência de gestão em algumas poucas áreas – e o setor aéreo é uma delas -, o que incomoda a parcela protofascista da classe média é a popularização do acesso ao avião. Os saguões estão cheios de caras novas, gente que não fazia parte dos velhos companheiros de check in. E, quer queiram ou não, certo estava o ministro Mantega quando definiu o atraso de vôos como reflexo do preço do sucesso e da prosperidade da economia brasileira. A relação disso com o acidente do Airbus A320 da TAM é da ordem do vale-tudo do imaginário golpista. Uma caixa-preta que guarda as mesmas falas e gráficos há mais de cinco décadas. Basta consultar editoriais antigos para perceber que, mudando nomes e circunstâncias, a narrativa é a mesma.
Vale lembrar o que um dos articuladores do movimento, o presidente da Philips do Brasil, Paulo Zottolo, disse à Folha de S. Paulo: ‘Não acho que a situação do Brasil esteja assim por causa do governo do PT. O Brasil está mal por várias outras histórias. Eu não sou petista, mas tem várias atitudes do PT que eu aplaudo, como tem outras que eu absolutamente não aplaudo, assim como tem várias atitudes do PSDB como oposição que eu rejeito’. É de se perguntar então: está cansado de quê? Quais são as ‘várias outras histórias’? É bom detalhá-las porque muitas delas mostram uma estrutura social autoritária em que os ‘cansados’ maximizaram seus ganhos e se encobriram de duvidosas distinções honoríficas.
Em suma, as vivandeiras alvoroçadas devem ter uma coisa em mente: não é mais possível ‘ir aos bivaques e bulir com os granadeiros’. O cenário internacional é totalmente distinto do existente em 1964. A articulação dos movimentos sociais não depende do Estado e a correlação de forças mudou. Resta a mídia partidarizada, mas o golpe branco tem poucas chances de êxito. Editoriais como o do Globo, em 2 de abril de 1964, são peças de um antiquário macabro. O trecho abaixo vale apenas como exemplo de uma mentalidade política que permanece intacta nos setores que se julgam ‘esclarecidos’ e ‘informados’. É um texto sonhado por poucos, mas que não voltará a ser escrito.
‘Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais. Aliaram-se os mais ilustres líderes políticos, os mais respeitados governadores, com o mesmo intuito redentor que animou as Forças Armadas. Era a sorte da democracia no Brasil que estava em jogo. A esses líderes civis devemos, igualmente, externar a gratidão de nosso povo.’ (O Globo 2/04/64)
Qualquer semelhança não é mera coincidência. Quando o ódio classista se disfarça de indignação cívica todas as farsas são permitidas. O relato da Folha de domingo dá a dimensão caricatural da natureza das manifestações:’Na passeata de ontem, os jornalistas disputavam a desempregada Jessica Verônica Aquino Nascimento, 25, raríssima negra presente. Segundo ela, seus `irmãos de raça e os pobres em geral, infelizmente, ainda são muito ignorantes’
Na frente do QG do Segundo Exército [sic], depois de andar 3 km, o pessoal ainda teve forças para gritar `Acorda, Milico! Acorda Milico!´. Daí, surpresa, emendaram-se clássicos da canção de protesto, como `Apesar de Você´, de Chico Buarque, e `Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores´, de Vandré.’
Assim, até a mídia ridiculariza. A falta de senso do ridículo não é um bom túnel do tempo.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil, Observatório da Imprensa e La Insignia.’
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