‘Na semana passada comentei um certo alheamento existente entre as colunas e as editorias do jornal. Outro problema acontece com certa freqüência: a divergência, ou mesmo contradição, entre informações das colunas e as notícias publicadas nas editorias. Desde o fim de julho venho pedindo explicações a respeito de contradições entre notas da coluna Confidencial (sobre futebol), assinada por Alan Neto, e a editoria Gol!, responsável pela cobertura de esportes.
Na edição de 31/7, a Confidencial, fala sobre a contratação do técnico Zetti, pelo Fortaleza Esporte Clube, esforçando-se para adjetivar o valor que lhe seria pago: ‘O polpudo salário do novo treinador não sairá do bolso de nenhum diretor. Não há mistério. Todos sabem através de qual fonte Zetti receberá seu rechonchudo contracheque no final de cada mês’. Na mesma edição, a editora Gol!, com o título ‘Zetti, o retorno’, também fala da contratação do técnico, mas o texto nada diz a respeito de seu salário. Junto à matéria, no quadro ‘Fala, blogueiro’, no qual se reproduz textos que internautas escrevem no portal, publica-se o comentário de um deles afirmando que Zetti receberia R$ 90 mil mensais.
No comentário interno à edição do dia, questionei o porquê de a coluna ter classificado o salário de Zetti como desmedido; a matéria nada falar sobre o assunto, tendo-se dado crédito à nota postada por um leitor na internet. Pela lógica jornalística, se a editoria julgou que deveria publicar a afirmativa do leitor, sem nenhum comentário adicional, a responsabilidade pela veracidade da notícia passa a ser do jornal. (Ainda há outro problema, recorrente na Confidencial: o colunista faz saber que tem determinada informação, mas sonega-a ao leitor. No caso, afirma que o salário não será pago pelo clube, que não haveria ‘mistério’ em quem vai desembolsar o dinheiro, mas não informa quer seria o pagador.)
A coluna Confidencial voltaria ao assunto na edição de 3 de agosto, dizendo que o contrato de Zetti seria ‘segredo de Estado’, tachando o salário como ‘delirante’ e afirmando que o valor deveria ‘zanzar entre R$ 80 e R$ 90 mil’, incluindo o pagamento da comissão técnica que acompanha o treinador. Voltei ao tema questionando duas coisas: a) que a editoria Gol! ainda não confirmara se o internauta estava certo no valor que anunciara para salário de Zetti; b) caso o leitor estivesse certo, o salário não seria nenhum ‘segredo de Estado’, pois ele cravara R$ 90 mil, três dias antes da coluna. (É de se supor também que o colunista não tenha lido o jornal.) Por seu turno, a editora-adjunta do Gol!, Lisiane Mossmann, respondeu o seguinte: ‘A diretoria [do Fortaleza] passou o dia em reunião e o jornal não pôde confirmar o salário do técnico Zetti’. Passaram-se então, desde 31 de julho, mais de duas semanas e, até hoje, nenhum esclarecimento adicional foi dado nem ao ombudsman e nem aos leitores a respeito do assunto.
O título
A notícia principal da editoria Política, edição de quinta-feira, saiu com o seguinte título: ‘Lula indeniza família sobralense’, logo abaixo, em letras vermelhas e maiúsculas a palavra ‘tortura’. A matéria relata a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, devido aos maus-tratos sofridos e a conseqüente morte de Damião Ximenes Lopes em uma instituição psiquiátrica, na cidade de Sobral, filiada ao Sistema Único de Saúde (SUS). O caso aconteceu em 1999, antes de Lula assumir a Presidência. A Corte Interamericana, obviamente, julgou os procedimentos do país e não seu eventual governante. Lula assinou o decreto autorizando o pagamento da indenização de R$ 250 mil à família da vítima, pena imposta pela corte, como teria de assiná-lo outro presidente se a condenação houvesse saído antes ou depois de seu governo.
Quatro leitores manifestaram-se, afirmando ter tido o título o objetivo de prejudicar o presidente da República. O editor-executivo da editoria Política, Guálter George, deu uma resposta sem subterfúgios: ‘Assumo responsabilidade pela manchete de página, que reconheço infeliz’, rechaçando, porém, as interpretações de que tivesse o propósito deliberado de atingir o presidente. Guálter diz estar entre os jornalistas a considerar que Lula, ‘no geral’, tem recebido ‘tratamento desequilibrado, muitas vezes desrespeitoso’ da imprensa, assunto que ele já abordou em vários artigos publicados no jornal.
A manchete
A manchete de Primeira Página da edição de sexta-feira anunciava: ‘Secretário-adjunto da Segurança troca tiros com bandidos’. A matéria informa que José Nival Freire, que também é delegado da Polícia Civil, impedira um assalto ao confrontar dois homens armados que atacavam um casal em um dos cruzamentos mais perigosos da cidade. No início da matéria, em narração indireta, o repórter escreve que José Nival ‘trocou tiros com bandidos e evitou o assalto a um casal’. No segundo parágrafo, a declaração direta do secretário: ‘Demos [ele e o policial que o acompanhava] mais de 30 tiros para dentro do matagal [para onde fugiram os assaltantes]’. Mais adiante, ele continua: ‘Eu me identifiquei como policial, perguntei se os dois [as vítimas] estavam bem e os retirei do carro, pois os bandidos podiam revidar’.
Portanto, ao que parece, não houve ‘troca de tiros’, pois o próprio secretário declara que os assaltantes não revidaram durante a fuga. Até a conclusão desta coluna, a editoria Fortaleza não havia esclarecido a este questionamento do ombudsman. Obviamente, tendo ou não havido ‘troca de tiros’, nada desmerece a ação corajosa do secretário e de seu auxiliar, defendendo dois cidadãos de um assalto, mas o jornalismo tem de ter compromisso com a veracidade dos fatos e com a exatidão do relato.’