Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando uma notícia não é

Saiu no domingo (7/5) em diversos portais do mundo: ‘Corpo de homem ficou 20 anos em barril de rum’. A notícia era escabrosa, digna de filme de terror: um jamaicano foi despachado num contêiner para ser enterrado sem que a mulher custeasse o transporte. Como o barril se extraviou a notícia não especifica. O certo é que, 20 anos depois, trabalhadores húngaros encontraram o tal jamaicano em conserva, mas não antes de beber todo o conteúdo do barril (que, de acordo com a nota, tinha um ‘gosto especial’).

Saiu no Último Segundo, com referência à Agência Estado. A mesma Agência Estado atribuiu a notícia à Associated Press. Esta, por sua vez, colocou a culpa numa história publicada pela Reuters, que citou na matéria uma revista húngara chamada Zsaru. Ou seja, todo mundo leu, riu, copiou e colou à vontade, e a notícia circulou sem que nenhum destes veículos tivesse a decência de verificar a autenticidade da história. Nem mesmo o teor das notícias é diferente. Foi uma cópia descarada, pura e simples. No caso do Brasil, ao menos tiveram o trabalho de traduzir.

Uma visita à página da fonte original já teria sido suficiente para, ao menos, plantar uma dúvida antes de apertar o botão de enviar. Não há referência à notícia na tal página. E que não venham com desculpas de que a página estava em húngaro (ou, como é conhecida, a ‘língua do demônio’, numa ironia bastante óbvia, principalmente neste caso), pois há tradução para o inglês.

Sem pressa

Plantada a dúvida, uma simples passada na página do Snopes, conhecida referência em boatos deste tipo já mataria a jogada. A tal notícia é uma lenda urbana que vem circulando por aí bem antes do surgimento da maior disseminadora deste tipo de praga, a internet, mais precisamente desde o século 19, ligado à igualmente lendária figura do almirante Nelson. Não estou exagerando! Veja você mesmo.

Esta não é a primeira vez que um boato vira notícia. Há uma porção de exemplos, que não vem ao caso citar. Este apenas é o mais recente, no qual vemos pretensos jornalistas copiando e colando notícias sem o menor pudor, tudo em nome da velocidade da informação. Na pressa, os fatos se tornam apenas detalhes. O que interessa é publicar antes de todo mundo e angariar cliques. A verdade fica para último plano.

Como crer em veículos assim? Como saber que o que se lê é realmente um espelho dos fatos, e não uma desnecessária brincadeira de telefone sem fio e sem escrúpulos? Neste caso a notícia era inofensiva, divertida até. E se fosse algo mais importante? Vemos bolsas de valores inflarem e desabarem diariamente por conta de boatos. Se um boato é validado por agências internacionais de notícias, o que impede que acreditemos que é fato comprovado? Até quando um meio auto-regulamentado como a imprensa vai permitir que aberrações como essa continuem a acontecer?

Se for para brincar com o leitor, que ao menos seja de maneira criativa. Mas, por favor, faça sem pressa. Pelo bem de seus leitores e da credibilidade de seu veículo.

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Analista de sistemas, escritor (http://anteloquios.blogspot.com)