Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O lado fashion do poder

Cada vez que um costureiro ou um cabeleireiro revelam os favores prestados ao poder, a mídia faz a festa. Festa que virou circo, semana passada, quando 1.000 mulheres foram à rua defender Lu Alckmim que, acusada de ter recebido 400 roupas, defendeu-se dizendo que foram apenas 40 ‘doadas para caridade’.

O azar da ex-primeira-dama paulista é que essa história foi divulgada bem agora, no começo da campanha do marido. Tivesse sido há mais tempo, estaria tão esquecida como a história de Marisa, a mulher de Lula, e seu caríssimo cabeleireiro em São Paulo, que uma hora é pago pelo dinheiro público, outra hora garante que não pode cobrar da mulher do presidente da República.

Nesse jogo de manipulações, todo mundo tem culpa: as primeiras-damas por aceitarem favores – logo elas, que têm por dever de oficio dar assistência aos pobres e fazer relações públicas para os maridos. Os fornecedores que, com a desculpa de prestar um serviço, estão mesmo é fazendo marketing pessoal. E a imprensa, que valoriza as primeiras-damas não pelo eventual trabalho que possam fazer, mas pelo jeito como se vestem, maquiam ou cortam o cabelo.

Reflexo da sociedade

A imprensa tem mesmo que denunciar os abusos cometidos, seja pelas primeiras-damas, seja por seus maridos, seja por quem for. Mas deveria ter um comportamento menos preconceituoso com as mulheres do poder. Se uma mulher chega ao poder – por casamento ou pelo voto popular –, a maior preocupação da mídia é dizer quem é seu estilista, seu cabeleireiro, seu maquilador, seu personal trainer. Enfim, quem cuida da sua aparência.

Se depender da mídia, quando se contar a história das primeiras-damas do Brasil, tudo que saberemos é que Teresa Goulart era bonita e se vestia bem, que Rosane Collor gastava fortunas com sua aparência pessoal, que Marisa Silva usou um vestido vermelho, de um estilista famoso, na posse do marido. A exceção será Ruth Cardoso, professora, discreta e elegante, que entrará para a história pelo trabalho feito, e não pelas roupas que usou ou deixou de usar.

É claro que a imprensa, ao tratar as primeiras-damas como personagens secundárias, está apenas refletindo o comportamento da sociedade brasileira, que vê como prioridade das mulheres ter uma bela aparência ou se vestir com elegância.

Dúbia relação

Basta ver a defesa de Lu Alckmin feita pelo governador de São Paulo, Cláudio Lembo, no episódio das 400 roupas:

‘A acusação contra a mulher do ex-governador é uma grande tolice. Porque tanto a Dona Marisa, esposa do presidente Lula, como a Dona Lu, simplesmente tiveram a oportunidade de divulgar a moda brasileira e o estilo brasileiro e da mulher brasileira. Portanto, elas fizerem um grande serviço ao Brasil. Foi apenas para mostrar que a moda brasileira é boa. Isso [a acusação] é uma malícia ingênua e ridícula’. (Folha de S. Paulo, 10/4/2006)

Menos preconceituosa foi a defesa do líder comunitário José Fernandes:

‘A história de Lu Alckmin não pode ser jogada no lixo por um costureiro que só quer aparecer. Ela fez um trabalho muito sério’.

Mas esse ‘trabalho sério’ – de Dona Lu, de Dona Ruth ou qualquer outra primeira-dama – jamais terá, da imprensa, o mesmo tratamento dado a seu visual. Na dúbia relação que a imprensa mantém com o mundo da moda – nunca se sabe o limite entre a notícia e a divulgação pura e simples, em troca de favores – acaba sempre tornando o lado fashion das primeiras-damas sua característica mais importante.

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Jornalista