A mídia corporativa brasileira está em campanha pela invasão do Irã. Para tanto, trabalha para convencer o público de que o país oriental representa, de fato, a grave ameaça nuclear que os EUA afirmam ser.
O Jornal Nacional, cuja audiência chega a 50 milhões de brasileiros, empresta seu alcance a Washington e faz uma cobertura unilateral, como ficou evidente na edição de 19 de abril:
‘A secretária americana de estado, Condoleezza Rice, disse hoje que os Estados Unidos podem invocar o direito de autodefesa para atacar o Irã. Um recurso que não depende de aprovação do Conselho de Segurança da ONU’.
Violando a regra básica do jornalismo (ouvir o outro lado), o JN apenas retransmitiu uma ameaça velada, espécie de pré-justificativa para uma invasão militar dos EUA. Pior, fez parecer natural a agressão dos EUA ao princípio de autodeterminação dos povos.
O Jornal do Brasil (29/4), em editorial, usou o relatório da ONU para desqualificar o presidente iraniano, tratando-o como ‘presidente-bomba’ e ‘senhor da guerra iraniano’. Embora o relatório apenas mencione que Mahmud Ahmadinejad ignorou exigências internacionais sobre o enriquecimento de urânio, o JB viu nisso um ‘argumento para uma ação militar’, conforme assinala o título do texto.
Detalhe clamoroso
Pelo mesmo caminho enveredou o jornal O Globo (29/4). A reportagem, não assinada e não creditada a nenhuma agência noticiosa, afirma que o relatório fez com que EUA e Inglaterra tentassem a aprovação de uma resolução que ‘abriria possibilidade de sanções e até mesmo de uma ação militar contra o país [Irã]’. Além disso, O Globo usa duas fotos que auxiliam a construção do consenso da invasão: uma manifestação de apoio aos EUA fotografada em close para disfarçar o reduzido número de pessoas, e outra atribuída a fiéis numa mesquita de Teerã, cuja legenda informa que estariam gritando palavras de apoio ao programa nuclear iraniano.
Embora as semelhanças saltem aos olhos, a mídia grande brasileira não estabeleceu um paralelo com os meses que antecederam a invasão do Iraque, que já deixou mais de 30 mil civis mortos, num dos maiores genocídios deste século. Pouco antes de março de 2003, quando mísseis estadunidenses desabaram sobre Bagdá, o mesmo caminho foi percorrido: pressão na ONU, manipulação dos meios de comunicação e divulgação de mentiras (como a existência de armas de destruição em massa nas mãos de Saddam Hussein). Na época, o presidente da Organização para a Proscrição das Armas Químicas (órgão da ONU) era o diplomata brasileiro José Maurício Bustani que, ao divulgar que o Iraque não possuía armas químicas, foi pressionado pelos EUA até sua destituição do cargo.
E, o mais incrível: ainda que o Irã tenha a segunda ou terceira maior reserva de petróleo do mundo, este ‘detalhe’ não tem sido levado em consideração pelo noticiário brasileiro.
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Editor do Fazendo Media