Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Texto e edição sob o método do denuncismo

Inconsistente e irresponsável. Estes foram alguns dos adjetivos aplicados à matéria publicada na mais recente edição da revista Veja – sobre a existência de supostas contas bancárias do presidente da República e outros integrantes de seu governo em paraísos fiscais – durante o debate de terça-feira (16/5) do programa Observatório da Imprensa na TV, transmitido pela Rede Pública de Televisão. Ao lado de Alberto Dines, discutiram o assunto os jornalistas Luís Nassif, da Folha de S.Paulo, Luiz Garcia, de O Globo, e o secretário de Imprensa da Presidência de República, André Singer.

 

A reportagem de Veja foi classificada de ‘inconsistente’ porque, apurada com base num dossiê sob os auspícios do banqueiro Daniel Dantas, não apresenta provas concretas que a corroborem. Foi também avaliada como ‘irresponsável’ porque apoiada em fontes de credibilidade bastante questionável – um ex-diretor da agência de espionagem Kroll e um empresário e ex-ministro argentino, ‘símbolo da corrupção do governo Carlos Menem’, como pontua a matéria da revista.

 

Lula, que tomou conhecimento das denúncias quando estava em Viena, reagiu com indignação, chamando o jornalista responsável pela matéria – sem citá-lo nominalmente – de mau-caráter, bandido e mentiroso. O presidente disse também que pretende processar a revista. Daniel Dantas – que segundo a reportagem de Veja teria coletado informações sobre os membros do governo para defender-se de pressões que vinha sofrendo do PT – chamou o dossiê de ‘inverossímil’ após a publicação da matéria.

 

Denuncismo e edição

 

‘A denúncia pela denúncia é sinônimo de jornalismo?’, questionou o Observatório para dar início ao debate. Luiz Garcia ressaltou que este não é um caso isolado da Veja, e sim um problema das revistas semanais do Brasil. Segundo ele, o uso do denuncismo pelas publicações noticiosas semanais é cada vez mais forte.

 

Luís Nassif afirmou que o conjunto de informações publicadas por Veja é relevante; o problema é a maneira como estes dados foram tratados editorialmente. Mais do que um problema de apuração do jornalista Márcio Aith, que assina o texto, o problema da matéria é de edição, defendeu Nassif, completando que ‘o repórter fez o seu papel’. A questão maior, diz ele, foi a ‘inabilidade de Veja para encontrar o ângulo correto’ para um conjunto de elementos inconsistentes encontrados durante a apuração.

 

Preceitos básicos

 

André Singer fez questão de frisar que estava presente ao debate como porta-voz da Presidência da República; perguntado sobre o espectro mais amplo do chamado jornalismo fiteiro, preferiu ater-se ao caso específico de Veja. Singer destacou, mais de uma vez, o respeito do governo pelo trabalho da imprensa e a importância do debate em um momento como este. Ressaltou ainda que aceitou o convite do Observatório para participar do programa porque o procedimento de Veja rompeu com os preceitos básicos do jornalismo – e sobre isso é preciso que haja uma reflexão e um debate da sociedade.

 

Segundo ele, Lula ficou indignado com as denúncias, e por isso respondeu de maneira dura. O porta-voz afirmou, entretanto, que a questão não é a discussão da atuação individual de um jornalista, e sim da prática do jornalismo como um todo. André pontuou quatro erros cometidos por Veja: a publicação de acusações infundadas, a publicação de reportagem com base em fontes sem credibilidade, a publicação de dossiê cuja autoria ninguém assume, e a ausência do direito de resposta dos acusados – já que a revista não os procurou para que pudessem se defender ou para que pudesse verificar a procedência das acusações.

 

Fiscalização

 

Nassif e Garcia lembraram que esse tipo de procedimento desvia a atenção de outras denúncias ou questões importantes que deveriam ser apuradas, pelo menos por algum tempo. É preciso, ressaltaram eles, que haja um parâmetro para que a imprensa fiscalize o governo e, para que isso funcione bem, é necessário que a imprensa reveja seus defeitos. Como Dines pontuou em seu editorial (‘Atentado aos princípios do jornalismo‘) no início do programa, ‘a liberdade de expressão não pode ser pretexto para irresponsabilidades que colocam em risco não apenas uma revista, mas a imprensa brasileira como instituição’.