PROCON
Telefônica é líder em reclamações
‘A Telefônica ocupa, pelo segundo ano consecutivo, o primeiro lugar na lista de reclamações da Fundação Procon de São Paulo (Procon-SP), com 4.405 queixas, informou ontem a instituição. A lista segue com Banco Itaú, a fabricante de celulares BenQ, Vivo e Mitsubishi. A entidade atendeu 515 mil consumidores em 2007.
Segundo o Procon-SP, o número de reclamações contra a operadora de telefonia fixa Telefônica aumentou 95% de 2006 para 2007. Para o diretor-executivo do Procon-SP, Roberto Pfeiffer, o setor de telefonia tem problemas crônicos.
´A telefonia fixa do Brasil, em 2007, mudou seu sistema de cobrança de pulso para minuto. Os consumidores deveriam decidir entre dois planos de assinaturas criados pela Anatel. A Telefônica ofereceu aos clientes planos comerciais da própria empresa, sem esclarecer as modalidades obrigatórias da Anatel´, disse ele.
Além disso, cobranças indevidas e serviços não solicitados aumentaram a lista de reclamações contra a empresa. A Telefônica argumenta que o critério do Procon-SP não considera a proporção entre o número de reclamações fundamentadas e o de clientes atendidos.
´No caso da Telefônica, só na capital paulista são 10 milhões de serviços ativos. Ou seja, o percentual de queixas sobre o total da base de usuários é de 0,04%.` A operadora também afirma que deixou de resolver apenas 4% das reclamações.
O Banco Itaú, 2º colocado na pesquisa, diz, em nota, que a posição é ´bastante incômoda` e se compromete a melhorar o atendimento. Os problemas em 2007 foram atribuídos ao crescimento do banco, após mudanças e aquisições que teriam afetado o atendimento. A BenQ também alegou mudanças em sua estrutura para justificar o resultado.
A Vivo, que figura na quarta colocação entre as empresas com maior número de reclamações, preferiu ressaltar, em nota à imprensa, o fato de ser considerada a empresa com o melhor índice (84%) de atendimento às reclamações dos consumidores, entre todas as operadoras de telefonia móvel.
´Além disso, a pesquisa apontou que a companhia melhorou em duas posições frente a 2006.` A empresa afirmou que nos últimos anos ´investe nos canais de contato com os consumidores e no aperfeiçoamento de sua infra-estrutura de atendimento. ´
A fabricante de eletroeletrônicos Evadin, que responde pelas marcas Aiko e Mitsubishi e ocupou a quinta posição na lista do Procon, também preferiu dar ênfase ao índice de atendimento às queixas dos consumidores, de 97%. Foram 636 reclamações, das quais 616 foram atendidas.
´O que nos fez figurar na quinta posição foi um problema pontual com um dos celulares que fabricamos, que ocorreu no início do ano passado´, afirma Maria Inês Poli, gerente de marketing da Evadin. O celular modelo C18, da marca Aiko, apresentou uma série de defeitos de fabricação – de bateria de vida útil curta até o não-funcionamento do aparelho. ´Mas os consumidores lesados por defeitos de fabricação já receberam outro aparelho´, diz.’
***
´Se houvesse concorrência, as coisas mudariam´
‘Ao contratar um plano de minutos da Telefônica com franquia de 450 minutos, Valter Roberto da Silva esperava economizar dinheiro, mas teve surpresas desagradáveis. ´A própria empresa me ofereceu o plano. Até janeiro, os valores cobrados eram razoáveis, mas depois começaram os problemas´, diz ele. ´Na época da contratação, a atendente informou que nas ligações feitas em horário reduzido seria cobrado apenas o primeiro minuto de cada ligação, mas não foi o que ocorreu. Também houve uma cobrança abusiva de quase mil minutos, e havia ligações para números desconhecidos´, enumera. Em nota, a companhia respondeu que ´entrou em contato com o cliente para esclarecer as providências adotadas´. Após o contato da companhia, foi feito um acordo. ´Eles deram um desconto no valor e facilitaram o pagamento do restante. Cancelei o plano de franquia de minutos, mas não adiantou, pois o valor cobrado na conta de fevereiro ainda é alto´, diz Silva. ´Isso acontece porque a Telefônica é a única no Estado nesse setor. Se houvesse concorrência, as coisas mudariam´, desabafa.
Mesmo consumidores de serviços em que há concorrência passam por dificuldades. Ao verificar o extrato da conta que tem no Banco Itaú, Valter Paulino tomou um susto: havia uma retirada de R$ 1.385 que ele simplesmente desconhecia. O valor correspondia a transferências feitas por telefone mais um crédito de R$ 100 para um celular que ele não sabia de quem era. ´Registrei uma reclamação sobre a fraude e depois me disseram que não iam me ressarcir´, conta ele. Indignado, ele reclamou ao Banco Central e ao Estado. O Banco Itaú afirmou que a ´contatou o leitor e resolveu satisfatoriamente a questão´. Valter confirma que foi ressarcido. ´Depois desse transtorno, não uso mais internet banking ou telefone. Não confio mais.´
Mas nem só os consumidores reclamam: ontem, enquanto a lista das empresas mais reclamadas era divulgada em São Paulo, funcionários do Procon-SP fizeram uma manifestação para exigir reajuste de 35% nos salários. A partir de segunda-feira, eles diminuirão o número de atendimentos pela metade.’
INTERNET
Lan house é o principal local de acesso à internet no País
‘As lan houses se tornaram, no ano passado, o principal local de acesso à internet no Brasil. Uma pesquisa divulgada pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br) mostrou que 49% dos internautas acessam a rede mundial em centros públicos pagos. Quarenta por cento acessam em casa, 24% no trabalho e 24% na casa de outra pessoa. Na pesquisa, as pessoas podiam apontar mais de um local de acesso.
As lan houses são o principal ponto de acesso dos internautas de baixa renda, mas mesmo os jovens que possuem computador com banda larga em casa usam eventualmente esses centros pagos. ´Todos participam da lan house´, disse Rogério Santanna dos Santos, Secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento.
Setenta e oito por cento dos internautas com renda familiar de até um salário mínimo freqüentam lan houses. Entre aqueles com renda superior a cinco salários mínimos, o uso do centro público pago cai para 30%. ´A participação da lan house cai quando perguntamos qual é principal local de uso´, afirmou Mariana Balboni, gerente do Cetic.br. O centro pertence ao NIC.br, entidade sem fins lucrativos responsável pelo registro dos endereços de internet com final .br.
O estudo refletiu os impactos positivos da chamada Lei do Bem, que cortou impostos federais sobre a venda de PCs. Cinqüenta e três por cento da população brasileira já usou um computador. Pela primeira vez a pesquisa, que ouviu pessoas com mais de dez anos, encontrou mais gente que teve acesso a um microcomputador do que gente que não teve. O total de pessoas que acessaram a rede mundial nos últimos três meses saltou de 35,3 milhões em 2006 para 44,9 milhões.
De certa forma, a pesquisa mostrou o contraste entre os resultados de dois tipos de política pública. A Lei do Bem, que reduziu impostos e incentivou o mercado, fez com que a posse de computadores passasse de 17% dos lares em 2005 para 24% em 2007. Entre aqueles que ganham de três a cinco salários mínimos, o número passou de 15% para 40%. A Lei do Bem contribuiu também para a proliferação das lan houses no País.
A criação de centros gratuitos de acesso aos computadores e à internet, também chamados telecentros, não mostrou resultados tão bons. Eles muitas vezes estão sob a responsabilidade direta da administração pública. Em 2007, atendiam a 6% dos internautas. O porcentual é o dobro do de 2006. Mesmo assim, os telecentros acabaram se mostrando uma solução bem menos efetiva que as lan houses.’
José Henrique Lopes
Estudo, trabalho e lazer
‘Enquanto não chega a hora de ir para a faculdade, onde cursa Letras, o operador de telemarketing Hélio Alexandre Silva mata o tempo em uma lan house, no centro de São Paulo. Como mora em Carapicuíba, trabalha na Avenida Paulista e estuda em Santo Amaro, Silva diz que não compensaria aproveitar o intervalo de quatro horas que tem à tarde (sai do trabalho às 15 horas e precisa chegar à faculdade às 19 horas) para voltar para a casa.
De lá, ele poderia acessar seu e-mail pessoal e consultar os materiais enviados por seus professores para as aulas do dia, o que não consegue fazer no trabalho – o acesso à web é restrito. ´Uso internet na lan house praticamente todos os dias´, conta. ´A maioria dos professores manda os textos por e-mail. Por isso, é aqui que estudo e faço as minhas pesquisas.´
Quando está em casa, nos fins de semana, o estudante se conecta à rede apenas para conversar com os amigos e visitar sites de relacionamento. Para facilitar sua rotina, Silva sonha com a aquisição de um laptop. Dessa forma, diz, ficaria mais fácil acessar seus arquivos pessoais de qualquer lugar.
Quem tem um laptop e ainda assim usa os computadores de uma lan house é o funcionário público Antonio Barbosa. Normalmente, ele recorre a esses locais quando há assuntos que precisam ser resolvidos nos momentos em que está fora do trabalho.
No escritório, Barbosa passa oito horas por dia na frente de um computador com acesso à internet, o que para ele é ´mais do que suficiente´. Por isso, recentemente ele decidiu cancelar o serviço de banda larga que tinha em casa. ´Era um gasto supérfluo. Decidi cortar.´
O proprietário de lan house Luiz Porto conta que, em seu estabelecimento, a maioria dos clientes usa a internet para diversão. Segundo ele, o Orkut é o site preferido.’
TELEVISÃO
Na TV digital, só as imagens melhoram de qualidade
‘Ela primeiro chegou a São Paulo. Oficialmente no dia 2 de dezembro de 2007, com direito à festa no arraial paulistano e a presença do presidente Lula. Daqui a cinco semanas, será a vez do Rio de Janeiro; provavelmente no dia 20 de abril, por desejo da Rede Globo, que pretende aproveitar seu aniversário para estender os recursos da TV digital de alta definição, vulgo HDTV, aos 17 municípios da Região Metropolitana do Rio. Em São Paulo, as redes inauguraram o sistema juntas. No Rio, a Globo sairá na frente, sem que se saiba em que datas a Bandeirantes, o SBT, a Record e a RedeTV! darão tchau ao analógico.
Mas parece certo que, ainda neste semestre, será possível apreciar com maior nitidez e melhor sonoridade a brejeirice de Márcia Goldschmidt e Sonia Abraão, a breguice de Hebe, Gugu, Otavio Mesquita e Raul Gil, os ademanes de Gasparetto e os púlpitos e pátios dos milagres de todos os bispos e pastores da RedeTV! e da Record. Pérolas aos porcos.
Para que imagens com maior definição se o que elas em geral exibem não merece mais do que um jurássico televisor em preto & branco? Para nos emburrecermos letalmente diante de um televisor (´amusing ourselves to death´, na feliz expressão de Neil Postman sobre a vampirização da humanidade pelo vídeo), a transmissão analógica basta. Se o olhar do observador altera o objeto observado, o foco perfeito não melhora a qualidade intrínseca do objeto focalizado.
A questão fundamental, portanto, não diz respeito a monitores de plasma ou cristal líquido, com 1.080 linhas, miríades de pixels e conversores integrados ou periféricos, mas a formas & conteúdos tão ou mais ultrapassados que um tubo de raios catódicos.
Com raríssimas e escasseantes exceções, a televisão brasileira anda muito ruim, quase italiana, só um pouco acima da mexicana. Tecnicamente, avançamos bastante; chegamos até a impor um padrão internacional de teledramaturgia, mas até nessa seara estacionamos; ou melhor, regredimos, caindo num esquematismo, numa mesmice de dar dó. E que até os comerciais já contaminou, sobretudo os de automóveis, cervejas e produtos de beleza, a maioria deplorável.
Suposta salvação da lavoura, a TV a cabo e por satélite, no Brasil, revelou-se um engodo. Pouco importa que, devido ao número insatisfatório de usuários, nossa TV paga não possa ter cumprido suas promessas (´Programas exclusivos!´, ´Sem intervalos comerciais!´, ´Somente filmes legendados!´, etc.) nem baixado os preços da assinatura a níveis mais compatíveis com o bolso do brasileiro médio. A Sky fala muito em interação com o telespectador, mas não lhe possibilita montar um pacote razoavelmente ajustado às suas preferências.
Mesmo o cliente que, persuadido a contratar um pacote de 98 canais, optou por outro de, digamos, 78, para evitar uns 20 sem o menor interesse para ele, teve de engolir um chorrilho de inutilidades. Ou levamos o filé de 200 gramas de carne e 30 quilos de osso, ou nada feito.
Experimente abrir mão dos sete ou oito canais de programação infantil, perfeitamente dispensáveis para quem não tem filhos. Se conseguir livrar-se de todos eles, na certa perderá outros de seu particular interesse, compulsoriamente atrelados aos puericanais recusados.
Zapeando pela grade da Net ou da Sky Net+Directv, um assinante não vidiota se detém, no máximo, em dez canais. O que não quer dizer que na maioria deles permaneça mais de alguns segundos, tempo suficiente para uma estimativa do tédio ou do insulto à inteligência que o aguarda. Sei de gente (com uma quantidade razoável de neurônios e afeita a diversificadas formas de lazer & cultura) que salta direto da Globo para os dois canais SporTV, desprezando cerca de 34 (trinta e quatro!) emissoras intermediárias, invariavelmente enxundiadas por cultos religiosos, camelôs eletrônicos, videoclipes de rock, fofoquinhas de celebridades, desenhos desanimados e leilões de gado, jóias e ouropéis.
Ok, o canal de golfe é bônus. O Speed também. Bônus, do latim ´bonus` (bom), é sinônimo de prêmio e vantagem. Para quem despreza golfe e veículos em alta velocidade, tais bonificações não são um prêmio, mas uma usurpação de espaço. Nestes e noutros, ocupados por canais como Managementv, Canção Nova, Terra Viva, LBV, etc., poderiam estar, franqueados ou com desconto, um ou dois HBOs, um Cinemax, um Maxprime (que, aliás, está exibindo a melhor telessérie dos últimos tempos, A Escuta).
Até por dever profissional, sou freguês assíduo da Globo News (e com maior entusiasmo quando Ana Paula Couto comanda o Em Cima da Hora), visitante bissexto do GNT (ele é de Vênus, eu sou de Marte, certo?), freqüentador constante do Universal (por conta de House, Law & Order, S.V.U. e Monk), e, eventualmente da CNN. Ando cada vez mais alheio às sessões dos Telecines, pois até o melhor deles, ex-Classics, adotou nome mais elástico (Cult) para justificar os abacaxis que praticamente passaram a monopolizar suas sessões.
Abandonei o Sony desde que de sua programação desapareceu o C.S.I. Las Vegas, banido para o AXN. Assinei, esperançoso, o TCM, que já se acomodou ao que Graciliano Ramos chamava de ´gosto rombudo das massas´, atravancando seu horário nobre com as nostálgicas baboseiras (Chaparral, etc.) antes confinadas ao nicho vespertino. O Eurochannel costuma ser um tédio à altura das cinematografias que representa. O Hallmark Channel é uma tapeação, com a agravante de que não ensinaram ao locutor que promove seus filmes a pronúncia correta de Hallmark: é ´Rolmarque´, e não ´Carimaqui´, como ele persiste em dizer, como se estivesse nos oferecendo uma nova variedade de sushi.
Como cobram R$ 200,00 de mensalidade por 93 canais, cada um custa em torno de R$ 2,15 por mês, uma pechincha para quem usufrui todos eles. Para quem não tem o hábito de assistir a mais de 10 canais desse pacote, a conta, no fim do mês, chega a R$ 20,00 por canal. Seria um preço razoável se os 10 canais nos enchessem as medidas – e, acima de tudo, se ganhássemos em dólar, que, embora até aqui deliqüescente, ainda vale quase o dobro do real.
Minto: nem assim. A Digital Cable de Nova York cobra US$ 61,50 por mês por um pacote de 225 canais. Por cada canal, o assinante desembolsa cerca de 27 centavos de dólar (mais ou menos 50 centavos de real).
Há muito virou pó a esperança de que, quanto mais assinantes a TV paga amealhasse, maior qualidade poderia oferecer. Num país como o nosso, apinhado de ignorantes, tal lógica não funciona. Aqui, quanto mais o consumo de algo se horizontaliza, mais se amplificam a mediocridade e o desleixo. A programação da Globosat maiamizou-se inteiramente, inclusive por ser, em grande parte, comandada de Miami. Esto tiene un precio. Até com chamadas em portunhol somos, ocasionalmente, agredidos, quando não surpreendidos por chamadas e documentários com legendas em espanhol, como o que o TNT exibiu há tempos sobre o ator Roger Moore.
As inopinadas alterações na localização de canais na grade, que a inúmeros assinantes tanto irrita, são de somenos. Mais graves são as insistentes reprises e os erros ditados pela incompetência dos tradutores de narrações e legendas: erros crassos de português e identificação (o cineasta Irving Rapper já virou ´Ralph Rhaper´; o ator James Garner ganhou um Gardner de sobrenome; a famosa delicatessen nova-iorquina Balducci virou ´Valduchi´; e acho que não preciso esclarecer quem, num documentário sobre Shirley Temple, apareceu, nas legendas, como ´Adolphe Mangiou` e ´Darry F. Sanik´). Por anos a fio, em todo filme ou seriado policial aparecia um personagem chamado Coroner. Coincidência ou falta de imaginação dos roteiristas americanos? Não, ignorância dos nossos tradutores. Coroner não é nome de gente, mas profissão: médico legista, figura onipresente em qualquer intriga policial.
Volta e meia somos agredidos, nos rodapés da Sky, com batismos apócrifos impostos a filmes antigos, cuja identificação exige uma certa perícia da parte do telespectador, e também por qualificações absurdas, como enquadrar uma comédia musical da Metro na categoria ´drama de tribunal` (sim, era Les Girls, de George Cukor). Nem os mais ridículos títulos aqui dados a filmes estrangeiros deveriam ser mudados pelo capricho ou pela ignorância de nossos programadores. Nem mesmo East of Sumatra, lançado no Brasil em 1954, com o inexplicável título de Ao Sul de Sumatra, deveria ser corrigido pela Net.
Crescentemente nivelada por baixo, repetindo filmes ad nauseam (Quatro Funerais e Um Casamento, O Reverso da Fortuna, Legalmente Loura, Risco Duplo, Homicídios Ocultos), a TV paga acabou se rendendo até ao filme dublado, essa invenção fascista cujo incentivo deveria ser expressamente proibido pelo Ministério da Educação. O antigo Telecine Comédia foi rebaixado a Pipoca justamente para fomentar, com sua programação dublada, o nosso contingente de analfabetos.
Legendas erradas, o ouvido experiente corrige. Mas as asneiras da dublagem passam impunes. Só os muito espertos sacaram que a ´mamãe assobiadora´, por quem um dos protagonistas da versão dublada de Uma Loura Por Um Milhão (Fortune Cookie, de Billy Wilder) jura como quem jura pela mãe mortinha, era ninguém menos que a veneranda Anna Whistler, mãe do pintor James Whistler, celebrizada no famoso quadro Whistler´s Mother, pintado por seu filho em 1871. Se tivessem traduzido Whistler´s Mother por ´mãe do assobiador´, em vez de ´mamãe assobiadora´, apenas uma mancada teria sido cometida. Desgraçadamente, em matéria de defeitos, nossa TV paga não se contenta com menos.’
Patrícia Villalba
´Torço pela volta do Lisboa´
‘O ator Ricardo Blat não viu as cenas chocantes em que os evangélicos da novela Duas Caras (Globo, 21 h) espancaram gays e uma grávida, levadas ao ar nesta semana, e que já geraram uma série de protestos de fiéis na web. Mas acredita que elas façam parte de um movimento para que o pastor Lisboa – seu personagem, que foi afastado da trama – volte, para pôr ordem no seu rebanho.
Logo após a saída do Pastor Lisboa, o autor Aguinaldo Silva disse que ficou difícil trabalhar os personagens evangélicos, porque eles tinham de ser muito certinhos.
Desde o início, o Aguinaldo disse para mim que havia dois personagens que não tinham duas caras: o da Chica Xavier (Mãe Setembrina) e o Pastor Lisboa. Então, desenvolvi o personagem seguindo esse perfil. Tentei estabelecê-lo numa base de fé e da valorização dela.
Você foi surpreendido pela saída do pastor da novela?
Foi surpresa para mim, mas acho que é um período de transição do personagem, para se auto-analisar, depois da morte da filha dele.
Sabe dizer se ele voltará?
Na última gravação de que participei, quando ele manda uma carta para a igreja, conversei com o (diretor) Wolf Maya e ele disse que voltará. Deve ser de maneira redentora, para arrematar sua história.
No início, pareceu que a idéia era mostrar uma visão diferente dos evangélicos, longe do fanatismo das cenas desta semana.
Aceitei fazer o personagem porque é uma face bem bonita do evangélico. Sinto, intuitivamente, que ele vai voltar para pôr ordem. Tomara que seja isso – é uma obra aberta, os rumos são imprevisíveis. Eu já estava contente e, se ele voltar, vou caprichar para deixar a imagem dos evangélicos bem bonita.’
LIVROS
Nova York segundo Koolhaas
‘Ao ser lançado há 30 anos, o livro Nova York Delirante: Um Manifesto Retroativo para Manhattan, do arquiteto holandês Rem Koolhaas, causou um desconforto monumental entre os membros da comunidade arquitetônica internacional. Justificável. Seu manifesto, agora lançado pela editora Cosac Naify com prefácio de Adrián Gorelik e tradução de Denise Bottmann (322 págs., 217 ilustrações, R$ 58), não lança um olhar retrospectivo sobre a metrópole norte-americana para dele extrair uma canção nostálgica como aquela interpretada por Frank Sinatra (New York, New York) ou imagens românticas como as dos filmes de Woody Allen (especialmente Manhattan). Nova York seria o epítome da lobotomia arquitetônica, a encruzilhada do iluminismo projetista, para a qual os arquitetos contemporâneos precisam encontrar o despacho certo, segundo Koolhaas.
Como lembra o historiador Adrián Gorelik no prefácio da edição brasileira, o manifesto de Koolhaas não foi o primeiro – e provavelmente não será o último – a surgir de uma interpretação urbana. A própria Cosac Naify já lançou por aqui o pioneiro Aprendendo com Las Vegas (1972), de Robert Venturi, Steven Izenour e Denise Scott Brown, obra de referência para estudantes de arquitetura. Nela, o trio de arquitetos expõe os resultados de uma pesquisa revolucionária para a época (anos 1960) sobre o que se esconde por trás do corpo de uma cidade enfeitada com luminosos, concluindo que o espaço urbano no século 20 tende a ser uma entidade sobrenatural, quase mítica, construído artificialmente para representar algo que não é.
Ao analisar Nova York, Koolhaas conclui que seus arranha-céus nascem da ambição desmedida de especuladores, servindo especialmente ao que chama de ´cultura da congestão´. Eles seriam cidades dentro de uma cidade com vocação autofágica. Koolhaas criticou seus antecessores, mas acabou fazendo o mesmo, acusam seus detratores. Seja como for, seu manifesto dá o que pensar sobre Nova York.’
***
Nova York, monumento ´stalinista´
‘Olhe para a foto à direita. Ela é uma projeção das torres que brilharão ao sol no futuro – se houver futuro – no lugar das torres gêmeas do World Trade Center, destruídas no atentado terrorista de 11 de setembro de 2001. O projeto dos arquitetos David Childs e Daniel Libeskind – em execução e chamado de Freedom Tower (Torre da Liberdade) – já nasceu criticado pelo holandês Rem Koolhaas, autor do manifesto retroativo para Manhattan, Nova York Delirante, agora lançado pela Cosac Naify. A tragédia do 11 de Setembro, diz o arquiteto, efetivamente despertou nos americanos um espírito de solidariedade, quase sugerindo que a cidade iria despertar de seu ´feitiço entorpecedor` para cair na real. Mas a política interveio e a ´metrópole transnacional` foi capturada por Washington, conclui o arquiteto. Quais as conseqüências arquitetônicas desse gesto político? Responde Koolhaas: um concurso para reconstruir um monumento que deixará os monumentos stalinistas com complexo de inferioridade.
´Em vez de duas torres, a cidade conviverá com cinco torres, golpeadas por um único gesto de foice do arquiteto, circundando dois buracos negros. Nova York ficará marcada por uma representação maciça do ferimento, que só projeta a autopiedade dos poderosos. Em vez de um confiante início do próximo capítulo, ela mostra o enrijecido fundamentalismo da superpotência. É, antes, um fechamento.` Esse manifesto não está no livro Nova York Delirante. É parte integrante de um texto, inédito no Brasil, cedido especialmente pela editora Cosac Naify ao Estado, com excertos publicados no quadro ao lado (Assim Falou Koolhaas). Ele dá bem a medida do pessimismo do arquiteto diante da voracidade dos especuladores que deixaram marcas indeléveis na metrópole americana.
Koolhaas tem aliados em sua crítica ao projeto. O crítico Nicolai Ouroussoff, do jornal The New York Times, define a decoração da base da nova Freedom Tower (também conhecida como Fear Tower, ou Torre do Medo) como uma ´tentativa grotesca de disfarçar sua paranóia subjacente´. Koolhaas joga mais lenha: diz que, após o fatídico 11 de Setembro, o que era autoritário virou totalitário. Seus detratores dão o troco: dizem que o holandês só vive de teoria e que, ao mesmo tempo em que dispara petardos contra a construção da torre por Larry Silverstein, constrói uma loja da Prada na mesma Nova York, loja que, acima de tudo, quer se parecer com museu. Koolhaas não está nem aí: diz que a função da arquitetura não é acrescentar mais porcarias ao mundo, mas apagar o que está errado nele. E não há nada errado com um museu, segundo sua argumentação.
Com Nova York, ao contrário, a história já começou mal. Sem medo de seus ancestrais, ele culpa os holandeses que fundaram a cidade no século 17 pela especulação que levou a ilha de Manhattan a ser reticulada como um daqueles cadernos de aritmética do passado. Essa ´apoteose do quadriculado´, que dividiu a cidade como um bolo de padaria, é ainda hoje, séculos depois, ´um símbolo da miopia dos interesses comerciais` que levaram Manhattan a ser a antítese de Paris e Londres. A retícula, segundo Koolhaas, é, acima de tudo, ´especulação conceitual´. É o triunfo do dinheiro contra as metas humanistas de duas disciplinas, a arquitetura e o design urbano. O holandês não perdoa nem mesmo Le Corbusier, que critica, nem a máxima da Bauhaus popularizada pelo arquiteto Louis Sullivan: forma segue função.
Parte do discurso de Koolhaas merece ser tratado como o ´método crítico-para nóico` inventado pelo pintor surrealista espanhol Salvador Dalí nos anos 1920/1930 – um método de pintura que privilegia associações irracionais no lugar do discurso racionalista. Deve-se dar um desconto à paranóia do arquiteto, ganhador do prêmio Pritzker (o maior da sua profissão) e projetista de alguns das maiores construções da nova China, entre elas a Central de Televisão Chinesa (CCTV) de Pequim reproduzida nesta página. O júri do Pritzker justificou o prêmio definindo Koolhas como um filósofo visionário. Um visionário com um cisco no olho, disparam seus opositores, dizendo que ele despreza tanto a beleza da forma como a função dos edifícios.
Em seu livro, Koolhas é muito crítico com a arquitetura dos outros. Diz que os edifícios de Nova York construídos até 1932 (Chrysler, Empire State, Rockefeller Center) não são exatamente obras-primas. Massacra as torres gêmeas e afirma categoricamente que o arquiteto Walace K. Harrison (1895-1981) é o último gênio da raça. Sua tragédia, observa, é a de não ter entendido que, após a 2ª Guerra Mundial, ´o impossível não mais coincide com o sublime´, especialmente na cidade que não dorme. Harrison foi o homem que projetou a Metropolitan Opera House e coordenou o projeto de arquitetura do quarteirão da ONU, no qual trabalharam Le Corbusier e Oscar Niemeyer, entre outros arquitetos.
Harrison teria sido um dos poucos a superar a distorção urbanista do ´manhattanismo´, termo pejorativo encontrado por Koolhaas para definir uma ideologia que se alimentou desde o berço do esplendor e da miséria metropolitana. Quando os arquitetos europeus descobriram Nova York, há um século, ela já estava inchada e viciada em mania de grandeza. O holandês cita a curiosa visita do arquiteto catalão Antonio Gaudí à cidade americana, após ser consultado sobre um projeto para a construção de um grande hotel em Manhattan. Grande mesmo: ele teria a altura do edifício da Chrysler e seria um pouco menor que o Empire State. Como na época nenhum deles existia (ambos são dos anos 1930), o hotel de Gaudí só seria comparável à parisiense torre Eiffel (concluída em 1889). Premonitório, Gaudí teria, de acordo com a visão de Koolhaas, antevisto os arranha-céus de Manhattan em seu aspecto mais simbólico: o da realidade construída fora da caverna platônica (cheia de estalagmites, no caso do excêntrico Gaudí).
Koolhaas adora comparar o que estava sendo feito em Nova York durante a construção de seus arranha-céus icônicos com o que a Europa fazia. Lembra que o Empire State, com toda aquela decoração déco, estava sendo projetado quando a vanguarda européia fazia experiências com a escrita automática – conservando um bocado da automação surrealista.
Mas veio a guerra, o terrorismo, e com eles o pragmatismo dos sobreviventes. Nada de automação surrealista e sonhos déco. Nova York não envelheceu bem, arremata o holandês. É como uma velha que fez plásticas demais e acabou se rendendo à desfiguração. Com o crescimento da violência, ainda teve de se adaptar à ingovernabilidade. ´Nos anos 1970, só o crime era organizado em Nova York´, raciocina o arquiteto. Algo mudou?’
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