Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Veja

MURDOCH
Julia Duailibi

Ele quer dominar a rede

‘Poucos empresários são tão controversos e beligerantes quanto o australiano Rupert Murdoch, dono da News Corp., o terceiro maior conglomerado de comunicações do mundo. Em 1996, Murdoch revolucionou a maneira de fazer televisão ao criar o canal de jornalismo americano Fox News, que, embalado por posições conservadoras e pela defesa intransigente do Partido Republicano, abocanhou audiência da então todo-poderosa CNN. Aos 77 anos, com um fôlego para os negócios que seus funcionários comparam ao de alguém ‘pronto para escalar o Monte Everest’, o empresário continua a abrir novas frentes de batalha. Nos últimos meses, Murdoch comprou o tradicional Wall Street Journal e passou a mirar o New York Times, o jornal mais influente do mundo. Seu plano é dar ênfase a assuntos como política e internacional nas páginas do Wall Street Journal, a bíblia das finanças e dos negócios dos Estados Unidos. Nem começou a colher os primeiros resultados desse ousado plano, o incansável Murdoch se volta agora para uma tarefa ainda mais complicada: dominar a internet. Depois de comprar o site de relacionamento MySpace, que, uma vez em seu poder, se tornou o maior do mundo, e de ter disponibilizado num novo site, o Hulu, o conteúdo de alguns de seus canais de televisão, ele está em negociações com o Yahoo! para comprar a empresa. Concorre com a Microsoft, de Bill Gates, e com o Google. ‘Sei que preciso entender os novos tempos para não ficar para trás’, costuma dizer Murdoch.

A diferença dessa batalha para as outras que ele já travou em sua extensa carreira é que, ao contrário do mundo da televisão e dos jornais, o empresário não conhece o terreno em que está pisando. Apenas 3% do faturamento de 30 bilhões de dólares da News Corp. vem da internet hoje – e o próprio Murdoch relata que a tarefa de se manter atualizado no mundo digital lhe demanda grande esforço, algo natural para alguém de uma geração tão distante da daqueles bem-sucedidos empresários do Vale do Silício. Isso não o intimida. Em sua mesa, Murdoch tem planilhas nas quais a circulação dos maiores jornais americanos só cai – 3,6%, apenas nos últimos seis meses – e a publicidade na internet aumenta. Trata-se de um mercado de 20 bilhões de dólares por ano. Por motivos óbvios, portanto, Murdoch não dá um passo nos negócios sem considerar seus possíveis desdobramentos na rede. Foi assim, afinal, com a recente aquisição do Wall Street Journal. Com 2 milhões de leitores diários, o empresário vislumbra no horizonte uma oportunidade de faturar na internet. Sua estratégia é oferecer mais conteúdo – de graça. Ele diz: ‘Só vai fazer dinheiro com a internet quem entender que as pessoas não esperam colocar a mão no bolso quando buscam informação on-line’.

Num tempo em que os grandes conglomerados de comunicação começam a ser controlados por investidores, e não mais pelas famílias que lhes deram origem, Murdoch é uma espécie de último grande barão da imprensa. Poucos também tiveram sua imagem tão associada ao próprio império – ainda que as referências a ele sejam freqüentemente pouco lisonjeiras. Murdoch é lembrado, por exemplo, pelos tablóides sensacionalistas que comprou e para os quais, na juventude, costumava criar os títulos de próprio punho. É conhecido também por dar aos repórteres de alguns de seus jornais a missão de investigar a vida de seus inimigos. Por essas e outras, serviu de inspiração para um personagem no seriado americano Os Simpsons. Nome: ‘Rupert Murdoch, o bilionário tirano’. Chama atenção o fato de ser tão conhecido nos Estados Unidos, país para onde transferiu a sede de seu império há menos de quatro anos, apesar de ser naturalizado americano desde a década de 80. Hoje, Murdoch está alojado no 8º andar de um elegante prédio em Manhattan, onde dá asas a excentricidades como dispor de três salas para receber suas visitas, cada qual destinada a um tipo de negócio: jornal, cinema ou televisão. Em breve haverá uma para a internet.

Antes disso, Murdoch comandava seu império da cidade de Adelaide, na Austrália. É de lá o primeiro jornal que dirigiu, o Adelaide News, que herdou do pai. Chegou às suas mãos falido e logo se tornou o maior da cidade, embalado por uma fórmula que ele repetiria mais tarde em vários de seus jornais: páginas repletas de violência, sexo e celebridades, algo que seus adversários temem ver estampado no tradicional Wall Street Journal. Murdoch ironiza: ‘Ninguém verá mulher pelada. Só se elas tiverem MBA’. Ele tinha 22 anos quando assumiu seu primeiro jornal. Foi na juventude também que estudou economia, filosofia e política, na universidade inglesa de Oxford. Nesse tempo, tinha um busto de Lenin em casa e era mais conhecido como ‘Red Rupert’ (o Rupert vermelho). Nada que faça lembrar o empresário que, hoje, preza tanto viajar em seu avião particular, um 737, quanto zarpar da costa de Saint-Tropez a bordo de seu iate. Com seis filhos e dez netos, ele casou-se pela terceira vez em 1999, com uma executiva chinesa 38 anos mais nova, funcionária de sua empresa. Com a mulher e as duas filhas mais novas, de 4 e 6 anos, ele mora numa das coberturas mais caras de Manhattan. O mesmo vigor e a mesma capacidade de renovação Murdoch demonstra à frente de seus negócios: ‘Vou viver pelo menos mais vinte anos. Tenho tempo de sobra para dominar a internet’.’

CASO ISABELLA
Reinaldo Azevedo

O que eles querem é imprensa nenhuma

‘O caso Isabella virou metáfora. Em certos círculos, as notícias sobre o assassinato bárbaro da menina tornaram-se símbolo dos ‘exageros’ cometidos pela ‘mídia’ – empregam essa palavra em vez de ‘imprensa’. Veremos por quê. Não por acaso, os críticos mais severos contam-se entre os esquerdistas em geral e os petistas em particular. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, resistiu em silêncio por longos 28 dias, mas não se conteve e comentou o assunto, com uma ponderação de aparente bom senso e falsa obviedade acaciana: ‘O que eu acho grave é que, mesmo que o casal seja inocente, eles já estão condenados. Eu acho que é preciso tomar um cuidado muito grande ao tratar essas questões, porque são vidas que estão em jogo, e vidas destruídas que dificilmente se recuperarão’.

Há similaridade entre o que diz Lula sobre o pai e a madrasta, acusados do assassinato, e o que ele próprio já afirmou sobre os mensaleiros, os aloprados e a turma do dossiê da Casa Civil. Fiquemos numa entrevista famosa, concedida a Pedro Bial, no dia 1º de janeiro de 2006, no Fantástico: ‘Eu, Pedro, baseio a minha vida em achar que todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Então, todo mundo merece a chance de ser inocente até que se investigue e se prove que ele é culpado’. É preciso lembrar quem estava sendo carregado nesse andor da santidade legalista. Segundo o procurador-geral da República, são quarenta pilantras, muitos deles ‘quadrilheiros’.

Sim, metáfora. As críticas ao trabalho da imprensa no caso Isabella carregam, não raro, o rancor e a má-fé dos que pretendem tratar a República como assunto privado, ao abrigo da curiosidade do ‘povo’, visto como um bando de linchadores, e do escrutínio da opinião pública. Não me espanta esse viés demofóbico da esquerda, essa repulsa ao populacho. Para ela, povo bom é aquele organizado nos ditos ‘movimentos sociais’, a aristocracia militante dos ‘sem-isso-e-sem-aquilo’. Já essa gente sem causa, que cobra justiça nas ruas, o vulgo, merece é chicote. Compreende-se que a demofobia esquerdista tenha resultado, na história, em ‘democídio’ – se me permitem o neologismo.

Estaria eu questionando o princípio da presunção de inocência, descoberto tardiamente pelo PT, só depois de ter chegado ao poder? Eu não! Sou aborrecidamente legalista, a tal ponto que a lei é, para mim, num ambiente democrático, o núcleo da distinção entre direita e esquerda. Esquerdista é quem acredita que a ‘legitimidade’ de uma causa social, que é sempre a causa de um grupo, justifica a transgressão legal. Para um direitista, o desrespeito aos códigos democraticamente estabelecidos é inaceitável e resulta em mais injustiça. Volto ao ponto: a presunção de inocência, se ao abrigo da apuração jornalística e da livre circulação de informações, degenera em impunidade. No caso Isabella, a imprensa não inventou os incríveis treze minutos em que tudo teria acontecido nem ‘plantou’ as marcas da rede na camiseta do pai ou a pegada de seu chinelo no lençol. O jornalismo também é inocente dos saques no Banco Rural, do depósito feito na conta de Duda Mendonça no exterior, da mala de dinheiro ilegal dos aloprados ou do dossiê feito pela Casa Civil.

Pobre povo! Se, dadas as informações, estivesse impedido de fazer certas deduções, mal conseguiria botar o nariz fora da porta sem ser atropelado. Precisamos atravessar a rua e vemos um carro a distância. O cérebro executa operações que cumprirão algumas leis da física, sejamos ou não colhidos pelo veículo. Mas não ocorre a ninguém declarar a rua território exclusivo dos físicos. E isso não implica dispensar o conhecimento especializado para distinguir o fato das falsas evidências. Seja na cobertura da morte de Isabella, seja na apuração dos desmandos dos petralhas, a imprensa cumpre o seu papel: informar.

Estranho seria um povo que não se comovesse ou não se indignasse. Volta e meia, em meu blog, lembro a frase do dramaturgo latino Terêncio (185 a.C.-159 a.C.): ‘Homo sum: humani nihil a me alienum puto’ – ‘Sou homem; nada do que é humano me é estranho’. Haverá adormecido em cada um de nós um infanticida em potencial, um corrupto, um demagogo, um autoritário? Tendemos a censurar com veemência aquilo que, no íntimo, tememos? É bem possível. Mais do que isso: é provável. Quando alguém nos xinga de ‘filho da outra’, o que mais nos ofende? O agravo à nossa mãe ou a percepção primitiva de que, de fato, ela um dia nos traiu? Sou sensível a essa investigação, digamos, psicanalítica dos eventos. Mas também é fato que a maioria de nós aprendeu, felizmente, a reprimir a besta. E, por isso, numa manifestação que nada tem de patológico – ao contrário: é prova de saúde social –, queremos afastar do convívio os que cederam a seus demônios íntimos. Porque, de fato, eles nos ameaçam. Sem repressão, estaríamos nas cavernas. A moral complexa da civilização não perdoa a idade da pedra da nossa formação psíquica. Ainda bem!

A crítica ao comportamento do jornalismo no caso do infanticídio trai a repulsa a um dos aspectos mais virtuosos da democracia: a liberdade de informação. E só por isso, diga-se, emprega-se ‘mídia’, um termo que já virou um fetiche, em vez de ‘imprensa’. A palavra, do inglês ‘media’, ganhou notoriedade nos anos 60. Mundo ocidental afora, os ‘revolucionários’ das universidades resolveram desconstruir os ‘mass media’, os ‘meios de comunicação de massa’, entendidos como severos monstros da dominação ideológica, a serviço, claro, do hediondo capitalismo e da banalização das verdades superiores da humanidade. Para os maoístas de Paris ou para os pós-marxistas de Frankfurt – passando pela ditadura soviética –, a ‘media’ era a expressão da falsa consciência, manipulando as massas e afastando-as de seus reais desígnios. Quais desígnios? Se os esquerdistas descobriram, mantiveram a coisa em sigilo. Ninguém sabe até hoje. Nota: cumpre lembrar que só os comunistas dos países livres se dedicaram à tarefa de desconstruir a ‘mídia’. Os comunistas dos países comunistas estavam empenhados em censurá-la.

Não estou entre aqueles que querem fazer o mundo andar para trás. Boa parte das críticas ao jornalismo contribuiu para que ele aprimorasse seus instrumentos de apuração e reduzisse suas margens de erro, embora a patrulha esquerdopata tenha imprimido para sempre a sua marca politicamente correta na imprensa, sempre tão disposta a condescender com os oprimidos de manual, conforme reza a cartilha do marxismo chulé que empesta as faculdades.

Mas a minha condescendência não alcança a vigarice dos que, sob o pretexto de defender uma imprensa propositiva, menos sensacionalista e mais objetiva, pretendem, de fato, é tê-la sob o cabresto dos interesses do estado, do governo ou de um partido. Na década de 70, a ditadura militar proibiu as notícias sobre uma epidemia de meningite. Hoje, acusa-se a ‘mídia’ de fazer estardalhaço com a dengue, com um acidente aéreo ou com o assassinato de uma menina. O ímpeto é o mesmo: a censura. Se não a aplicam, é porque não podem, não é porque não queiram.

Dada a impossibilidade, o poder e seus esbirros recorrem, então, à intimidação, apontando supostas contradições entre o interesse público e os interesses ‘da mídia’, que passa a ser demonizada como um antro de conspiradores. Fingem querer uma imprensa melhor. O que eles querem é imprensa nenhuma. Que Isabella, sem metáfora, descanse em paz, livre de qualquer exploração oportunista, com seus assassinos na cadeia. A punição de homicidas e ladrões faz do mundo um lugar melhor. E faz de nós homens melhores. Porque estaremos dizendo a nós mesmos: ‘Somos diferentes deles’. E nós somos.

Quanto aos exageros da liberdade de imprensa, vamos coibi-los. Com mais liberdade de imprensa.’

 

 

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