Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

LUTO
Manuela Martinez

Zélia Gattai morre em Salvador aos 91

‘A escritora Zélia Gattai, 91, morreu ontem, às 16h30, no Hospital da Bahia, em Salvador, em razão de uma parada cardiorrespiratória. No final da noite de anteontem, seu estado de saúde se agravou, apresentando um quadro clínico de choque circulatório irreversível, segundo os médicos. Às 22h de sexta, foi sedada e passou a respirar por meio de aparelhos.

A autora será velada hoje no Cemitério Jardim da Saudade, no bairro de Brotas. Logo após o anúncio da morte de Zélia, o filho dela, o empresário João Jorge Amado, disse que o corpo será cremado. As cinzas serão jogadas numa mangueira localizada na casa do Rio Vermelho -no mesmo local foram depositadas as cinzas de Jorge Amado. A cremação vai ocorrer no mesmo cemitério.

Viúva de Jorge Amado (1912-2001), foi internada no dia 31 de março, após ser levada por familiares para o Hospital Aliança com dores abdominais.

No dia 17 de abril, foi transferida para o Hospital da Bahia, onde foi submetida a uma cirurgia de desobstrução de um trecho do intestino delgado. Durante a cirurgia, os médicos encontraram um tumor benigno, de 15 cm, que foi retirado.

Menos de duas semanas depois, passou por uma traqueostomia -abertura de um orifício no pescoço para colocação de tubos responsáveis pela respiração artificial. Na última quinta, seus rins passaram a funcionar com dificuldade, o que provocou um quadro de choque.

No ano da morte de Jorge Amado (2001), com quem conviveu por mais de cinco décadas, Zélia foi eleita para a Academia Brasileira de Letras e passou a ocupar a mesma cadeira do autor de ‘Gabriela, Cravo e Canela’. A cadeira, cujo patrono é José de Alencar, teve no escritor Machado de Assis o seu primeiro ocupante.

Na manhã de ontem, os médicos Jadelson Andrade, Jorge Pereira e Izio Kowes informaram que o estado de saúde dela era ‘extremamente grave’.

Muito abatido, João Jorge Amado disse que a família estava lutando muito para dar dignidade ‘aos últimos momentos de vida’ da escritora. ‘Minha mãe foi um exemplo de vida. Nós estamos abalados e tristes, mas pelo menos ela não está sofrendo’, afirmou na ocasião.

Ainda pela manhã, o cardiologista Jadelson Andrade, que atendeu a família Amado nos últimos 20 anos, disse que ela tinha pouco tempo de vida.

Desde a última quinta, quando o estado de saúde da escritora se complicou, foi transferida para um quarto isolado. Poucos minutos antes de morrer, foi visitada pelos filhos, João Jorge e Paloma, netos e sobrinhos.

Histórico

Nos últimos anos, as internações passaram a ser rotina para Zélia Gattai. Em outubro de 2006, ela foi internada por dez dias com insuficiência cardíaca e edema agudo pulmonar.

Em janeiro de 2007, foi novamente internada, após sofrer uma queda em seu apartamento. Em fevereiro desse ano, ficou oito dias no hospital, devido a uma embolia pulmonar.

Em junho, duas internações: a primeira, por causa de uma inflamação do nervo intercostal, e a segunda, por hemorragia no aparelho digestivo. Em agosto de 2007, mais uma internação por hemorragia.

Em outubro, passou por uma cirurgia que implantou um cateter no pulmão, para evitar o surgimento de coágulos. Nos três primeiros meses deste ano, foram três internações.

O governo da Bahia decretou luto oficial de três dias pela morte da escritora.’

 

Marcelo Pen

Despretensiosa, obra foi ofuscada por Jorge Amado

‘As memórias, forma a que Zélia Gattai se dedicou com maior afinco ao entrar tardiamente na arena literária, são um gênero curiosamente híbrido. No meio do caminho entre a reportagem e a ficção, entre o compromisso de contar a verdade e entreter o leitor, entre a fluidez autobiográfica e o rigor narrativo, apresentam dificuldades das quais a crítica em geral prefere se manter afastada.

Assim, é tentador dizer que é por isso que a quase uma dezena de volumes de Zélia -abarcando desde a experiência de seus pais como imigrantes na São Paulo no início do processo de industrialização até o convívio com artistas, políticos e escritores de quem ela e seu marido, Jorge Amado, desfrutaram na Europa e em Salvador- não mereceu estudos mais aprofundados. Por outro lado, a obra de Pedro Nava, nome maior do nosso memorialismo, já foi bem analisada em ensaios curtos e mais alentados.

Uma hipótese provável, portanto, diz respeito à despretensão de sua prosa, sua transparência e simplicidade -próximo do argumento de que ela não passaria de uma ‘contadora de histórias’.

A autora insistia nessa tecla, a mesma usada por Erico Verissimo, que assim também gostava de se autodefinir. Não por acaso, só de uns dez anos para cá é que os textos de Erico passaram a ser mais comentados.

Claro que conta, no caso dela, a imensa sombra projetada por seu marido mais famoso. Não se pode chamar a crítica de machista por se deixar levar por essa circunstância. A própria autora cultivou a sombra como terreno por excelência a partir do qual investiu na literatura.

Como ela conta, iniciou a carreira literária datilografando e copidescando os originais de Jorge Amado, muitas vezes opinando sobre eles. Foi o marido, aliás, quem a incentivou a lançar-se escritora e urgiu para que ela não alçasse grandes vôos, conservando-se presa à matéria firme do relato pessoal.

Zélia seguiu à risca os conselhos. De toda sua obra contam-se um romance e três volumes infanto-juvenis. O restante são suas memórias.

Além disso, tirando seu volume inicial, ‘Anarquistas, Graças a Deus’, que se centra na aventura dos pais, as obras restantes de Zélia contemplam o cotidiano vivido ao lado do marido. ‘Senhora Dona do Baile’ cobre os anos passados no exílio europeu, nos quais as dificuldades do pós-Segunda Guerra se mesclam ao trato com personalidades como Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, Paul Éluard e Picasso.

‘A Casa do Rio Vermelho’ descreve o período em que Zélia e Amado viveram na residência do título, em Salvador, adquirida graças à venda dos direitos de ‘Gabriela, Cravo e Canela’ para Hollywood, ou seja, no entender do romancista, devido ao ‘dinheiro do capitalismo americano’. A irônica referência é sintomática não só da virada artística do autor baiano a partir desse romance mas também do espírito plácido e condescendente que muitas vezes emana dos textos de sua mulher, Zélia.

Os conflitos quase inexistem na obra da memorialista ou, quando se apresentam (a repressão ao movimento sindical em ‘Anarquistas…’; a ditadura de Vargas e a separação do filho em ‘Senhora Dona do Baile’), são rapidamente nuançados por atenuantes ou pelo curso da ‘vida’. Anarquismo e catolicismo, materialismo e religião, comunismo e a elite baiana -tudo parece sincretizar-se e harmonizar-se numa aparente serenidade na obra de Zélia. Uma obra que agora, mais do que nunca, precisa sair da sombra.’

 

RAÇA
Folha de S. Paulo

Brancos e negros

‘DURANTE muito tempo, considerou-se que o povo brasileiro era constituído de uma maioria branca, a que se somavam mestiços, em larga porcentagem, e negros, em proporção consideravelmente menor. Mais do que uma questão de estatística, ou de DNA, tratava-se de favorecer uma identidade ‘racial’ a que não era estranha uma série de fantasias e preconceitos.

Com odiosa intensidade, predominava a idéia de uma crescente ‘europeização’ do país, num processo em que mestiços e negros, vistos como responsáveis pelo atraso brasileiro -e não como suas vítimas-, acabariam desaparecendo pelo gradual branqueamento da população.

Num caso raro de conjunção entre ciência, religião, bom senso, luta política e mesmo hipocrisia, foi sendo rejeitada essa visão racista, e teimosamente ‘branca’, do futuro do Brasil.

Os fatos vieram aboli-la de vez. Divulgadas nesta semana, estimativas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontam que, ainda em 2008, os brancos deixarão de ser maioria absoluta na população brasileira. Não apenas porque é menor sua taxa de fecundidade mas também porque cresce o número das pessoas que, nas pesquisas do IBGE, declaram-se ‘pretas’ ou ‘pardas’, na terminologia adotada pela instituição.

Já em levantamentos realizados em 2006, era pequena a diferença populacional entre brancos (49,7% do total) e a soma de pardos e pretos (49,5%).

Novamente, entretanto, a estatística é um componente menor na tentativa, politicamente orientada, de formular uma nova identidade nacional. Faz parte dessa ação ideológica traduzir os dados, dizendo que é negra a maioria da população. Do ponto de vista de muitas organizações de afrodescendentes, trata-se de firmar uma identidade étnica de inegável efeito nas lutas de afirmação anti-racista.

Do ponto de vista da identidade mais ampla do país, faz entretanto grande diferença estabelecê-la de modo a caracterizar uma população dividida entre ‘brancos’ e ‘negros’, ou acentuar, ao contrário, a diversidade e a unidade de uma população predominantemente mestiça e sobretudo multirracial -institutos oficiais, como o Ipea e o IBGE, deveriam abster-se de tomar partido nessa disputa.

Das fantasias racistas do ‘embranquecimento’ à militância da ‘negrificação’, um mesmo risco permanece: o de se criar um país imaginariamente dividido pela cor, quando se trata, ainda, de construir uma sociedade mais unida, tolerante e igualitária.’

 

POLÍTICA E MÍDIA
Clóvis Rossi

O Foro e as Farc

‘LIMA – Um trecho dos documentos que o governo da Colômbia deixou vazar para a mídia contendo informações armazenadas num computador das Farc avaliza argumento do PT, ou mais exatamente de Marco Aurélio Garcia, assessor diplomático do presidente Lula. Garcia afirma que o partido deixou de ter contatos com o grupo colombiano há muito tempo. De fato, o material diz que o líder histórico das Farc, Manuel Marulanda, o ‘Tirofijo’, queixa-se dos governos que chama de ‘social-democratas’, entre eles o de Lula. Bom deixar claro que, no vocabulário da extrema esquerda, ‘social-democrata’ é palavrão.

Marulanda reclama de que esses governos agora querem expulsar as Farc do Foro de São Paulo, o conglomerado de grupos e partidos de esquerda e extrema esquerda criado nos anos 90 por iniciativa principalmente do PT. A participação das Farc nessa coalizão sempre foi utilizada pelos críticos do PT pela direita para tentar demonstrar que o partido não passa de um bando de comunistas que se vestem de cordeiros, mas são lobos.

Na semana que vem, o Foro volta a se reunir. Será em Montevidéu, capital de um país governado por outro partido que o integra, a Frente Ampla, do arqui-moderado Tabaré Vázquez. Com um reforço: o bispo, agora suspenso pelo Vaticano, Fernando Lugo, presidente eleito do Paraguai, tem na multifacetada coalizão que o elegeu um partido (‘Pátria Livre’), igualmente do Foro.

Será, portanto, uma oportunidade de ouro para que esses presidentes, mais o PT, acertem as contas, para o bem ou para o mal, com as Farc. Se as consideram forças beligerantes, como o venezuelano Hugo Chávez acha que elas são, fica tudo como está. Se, ao contrário, as vêem como terroristas, como diz o colombiano Álvaro Uribe, que as expulsem. Só não vale assobiar e olhar para o lado.’

 

Folha de S. Paulo

Marqueteiro de Alckmin será o publicitário Lucas Pacheco

‘O acerto foi fechado anteontem, após o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) quase ter contratado o baiano Marcelo Simões. Também jornalista e consultor de marketing, Pacheco, 55, foi responsável pelas campanhas do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e do prefeito de Ribeirão Preto (SP), Welson Gasparini (PSDB). O publicitário André Torreta deverá atuar em parceria com Pacheco. Em 2002, quando foi eleito governador, e em 2006, na disputa pela Presidência, Alckmin teve na comunicação o jornalista Luiz Gonzalez.’

 

LEILÕES
Elio Gaspari

Uma grande semana para a boa pintura

‘QUANDO DISSERAM ao pintor inglês Francis Bacon (1909-1992) que ele era o maior pintor vivo, sua resposta foi breve: ‘Considerando a concorrência, isso não é um elogio’. Ao preço de US$ 86 milhões, um tríptico de Bacon, pintado em 1976, acaba de se tornar o quadro mais caro de um artista contemporâneo vendido num leilão. Quem viu o primeiro ‘Batman’ haverá de lembrar. Bacon é o autor daquele quadro que o Joker (Jack Nicholson) não deixa destruir durante seu ataque ao museu de Gotham City.

Marginal e jogador, Bacon usava lingerie feminina, maquiava-se e retocava o cabelo com graxa de sapato. Anticomunista radical, acordou numa ressaca certo de que os russos haviam invadido Londres. Noutros porres, pintou algumas de suas obras-primas.

No mesmo leilão em que Bacon valeu US$ 86 milhões, uma mulher gorda e tenebrosa, pintada por seu amigo Lucien Freud (neto do criador da marca) conseguiu US$ 33,6 milhões, tornando-se a obra mais cara de um artista vivo comprada num leilão. Freud tem 85 anos. Ele e Bacon têm uma característica comum: atravessaram a metade do século 20 sem se aproximar da arte abstrata. Faz pouco tempo foi reeditado no Brasil o livro do crítico inglês David Sylvester intitulado ‘Entrevistas com Francis Bacon’. É uma viagem ao processo de criatividade de um grande artista.

Quem tiver meia hora de domingo para perder com Bacon e Freud pode visitá-los na internet. Melhor do que perder tempo com mentiras sobre os dossiês do Planalto. Ambos estão no sítio O Século Prodigioso. Bacon tem uma excelente página oficial mas, infelizmente, o texto é em inglês: www.francis-bacon.com.’

 

DOSSIÊ
Andreza Matais e Simone Iglesias

Ex-secretário admite que vazou dossiê, mas nega ter havido má-fé

‘O ex-secretário de controle interno José Aparecido Pires Nunes, responsável pelo vazamento do dossiê com gastos do governo Fernando Henrique Cardoso, nomeou à Polícia Federal outros dois funcionários da Casa Civil que participaram da montagem do documento.

Em depoimento na sexta-feira, ele disse que recebeu a planilha pronta de Marcelo Veloso, da equipe que ele comandava no Planalto, e que a ordem para que cedesse servidores para o levantamento das despesas do governo tucano partiu de Norberto Temóteo, secretário de Administração.

Aparecido admitiu que enviou o e-mail para o gabinete do senador tucano Álvaro Dias (PR), mas que a planilha Excel seguiu por engano.

‘Reconheço que saiu da minha máquina, mas foi sem dolo ou má fé. Tive uma surpresa quando percebi que tinha enviado. (…) Não lembro como’, relatou no inquérito da PF.

O advogado Luiz Maximiliano Telesca confirmou à Folha que ‘em nenhum momento’ seu cliente assumiu à PF que teve intenção de vazar dados.

O ex-secretário contou que Veloso, por ser seu subordinado, entregou-lhe um pen-drive. Dele, teria baixado dois documentos em seu computador: um texto em Word com o título ‘Supervisão Ministerial’ e a planilha em Excel com os gastos de FHC, Ruth Cardoso e ex-ministros, chamada de ‘Suprimento de Fundos’.

As iniciais idênticas, SUP, teriam-no confundido ao anexar o arquivo ao e-mail endereçado a André Fernandes. Ele afirmou que pretendia enviar o texto, não a planilha, ao assessor do senador do PSDB, de quem é amigo desde 1989. O documento do Word continha dados sobre a legislação acerca de documentos sigilosos que Andé havia lhe pedido. ‘Ele foi enfático ao dizer que não passou os dados propositadamente’, disse Telesca.

O delegado Sérgio Menezes, encarregado do caso, perguntou se a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) ou a secretária-executiva Erenice Guerra tinham ordenado o levantamento ou tido algum envolvimento. Aparecido não as eximiu. Disse que não poderia comentar sobre isso porque não dispunha dessa informação.

Afirmou que foi Temóteo quem lhe pediu reforços porque o Planalto decidira se preparar para responder a futuras indagações sobre gastos com cartões corporativos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seus ministros. ‘Ele [Temóteo] explicou que precisava organizar um banco de dados.

A CPI estava sendo instalada.’ Menezes também questionou a eventual participação do ex-ministro José Dirceu no episódio. Aparecido, militante histórico do PT, negou que tenha submetido o dossiê ou combinado seu vazamento com o ex-ministro, que foi seu chefe na Casa Civil. Disse à PF que os dois conversam ‘freqüentemente’, mas que os dois nunca trataram desse assunto.

Aparecido foi indiciado sob a acusação de ‘quebra de sigilo funcional’, enquadrado artigo 325 do Código Penal, que prevê pena de reclusão de dois a seis anos, além de multa.

Segundo a Folha apurou, a PF já colheu o depoimento de Veloso. Pretende ouvir Temóteo ainda nesta semana. Espera que ele esclareça, enfim, quem encomendou o dossiê.

A íntegra do depoimento de Aparecido à PF será revelada nesta terça-feira, quando ele e André Fernandes serão ouvidos pela CPI dos Cartões.

Origem

O dossiê começou a ser produzido logo depois do Carnaval deste ano, em fevereiro. Foi montado fora da ordem cronológica, com ênfase em gastos ‘exóticos’ de Fernando Henrique e de Ruth Cardoso e em formato diferente do do Suprim, o sistema oficial de controle de despesas com suprimentos de fundos do governo.

Colaborou EDUARDO CUCOLO , da Folha Online’

 

ARGENTINA
Adriana Küchler

Crise no campo acirra guerra entre Casa Rosada e imprensa

‘Se o governo argentino já não tinha uma relação amigável com a imprensa, o pouco de paz que restava foi rompido com o conflito com o setor agropecuário, que já dura dois meses. Hoje, a mídia, mais do que os ruralistas a quem dá voz, virou o inimigo da presidente Cristina Fernández de Kirchner.

O embate tomou os discursos recentes de Cristina e as ruas de Buenos Aires. Tido até então como aliado tácito do governo, o Clarín -maior grupo de comunicação do país, dono do jornal de mesmo nome, de TVs, rádios e TV a cabo- virou o principal alvo, com cartazes que o atacam espalhados pela cidade.

Os confrontos começaram com críticas da imprensa ao modo como foram anunciados os aumentos de impostos sobre as exportações, origem do locaute agrícola que durou três semanas e da crise que se estende até hoje.

Cristina contra-atacou com discursos-bomba. O mais forte foi em 1º de abril, quando, falando a uma multidão na praça de Maio, ela chamou uma caricatura sua, feita pelo premiado artista Hermenegildo Sábat, de ‘mensagem quase mafiosa’. O desenho mostra Cristina com um x na boca, e todos os meios de comunicação saíram em defesa do cartunista, que publica no ‘Clarín’.

Recém-empossado no comando do Partido Peronista, o antecessor e marido da presidente, Néstor Kirchner, prometeu fazer da legenda um veículo ‘para os soldados da causa nacional que apóiam Cristina’.

Cristina e Kirchner colocaram, então, seu exército na frente de batalha. Além de espalhar os cartazes contra o grupo de mídia pela cidade, jovens militantes de ‘brigadas’ peronistas empunharam pôsteres em atos do governo com frases como ‘Clarín mente’.

Ameaças

Um desses batalhões, o La Cámpora, seria liderado pelo primeiro-filho, Máximo Kirchner. Teriam vindo da grupo os e-mails com ameaças a diretores do ‘Clarín’ que chegaram ao jornal na semana passada.

Para ganhar mais força, Cristina lançou um órgão de monitoramento da imprensa, o Observatório de Discriminação nos Meios, e convocou todas as faculdades de ciências sociais do país a se unirem ao projeto.

O objetivo seria evitar que a imprensa divulgue apenas notícias ruins.’Para eles, o importante é sempre mostrar que as coisas estão mal e dar uma visão quase terrível da Argentina’, disse a presidente em um discurso na última terça-feira.

A estratégia da Casa Rosada levou a Sociedade Interamericana de Imprensa a falar duas vezes em dois meses sobre essa guerra declarada. ‘Lamentamos a posição de confrontação assumida pelo governo contra meios e jornalistas independentes, restringindo a liberdade de imprensa’, disse Earl Maucker, presidente da SIP.

Nessa batalha entre discurso e notícia, os dois lados do confronto apresentam suas armas. Para o militante do grupo Juventude Peronista Evita e funcionário do governo Kirchner Pablo ‘Mono’ Lombardi, 27, o ‘Clarín’ controla a informação e teme que mexam em seu lucro. Para o editor-geral do ‘Clarín’, Ricardo Kirschbaum, os jovens militantes que atacam o jornal pararam nos anos 70.’

 

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‘Ataques são tentativas de controle’

‘A música clássica do aparelho de som se mistura à narração do canal de esportes da TV na sala do editor-geral do ‘Clarín’, Ricardo Kirschbaum, 59, que parece alheio à guerra que o governo argentino lançou contra seu jornal. Ao menos, até a hora em que o gravador é ligado.

‘O governo não dá conferências de imprensa, obstrui a informação, não recebe correspondentes estrangeiros. E não é um capricho, mas uma política para controlar a imprensa como controla todas as questões do poder.’

Kirschbaum diz que a relação entre governo e imprensa nunca foi boa, mas que o conflito com o setor agropecuário desatou uma campanha inédita contra o jornal. ‘Tivemos problemas com outros governos. Todos tentam intervir na imprensa, mas nunca tivemos uma crise gratuita como essa.’

O motivo, afirma, é que o governo ‘não quer que se publiquem informações que não o favorecem’. O ‘Clarín’ se tornou alvo, diz ele, pela cobertura crítica da crise agropecuária e por ser a maior empresa de comunicação do país.

O jornalista classifica o primeiro forte ataque de Cristina ao grupo, quando criticou a charge do cartunista Sábat, como ‘estupidez’. ‘Esse foi o exemplo mais notório dos erros deste governo pelo qual se teve que pagar um preço altíssimo. Sábat é um artista importante não só para o jornal, mas para a Argentina e o Uruguai.’

Kirschbaum não pestaneja em afirmar que por trás dos jovens que colaram os cartazes contra o grupo Clarín pelas ruas está a mão do governo e que os militantes respondem ao secretário-geral da presidência, Oscar Parrilli.

Esses jovens, diz ele, pararam no tempo. ‘São militantes que falam uma língua que não tem a ver com a de hoje. Como se vivessem nos anos 70.’

Mas as ações do governo não vêm apenas na forma de discursos e cartazes (que o Clarín calcula terem custado R$ 100 mil/ dia), diz o editor. Neste ano, o jornal teve queda de propaganda oficial. ‘A publicidade se manteve forte em outros jornais por razões políticas.’’

 

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‘Produtores e mídia temem perder lucros’

‘Pablo Lombardi, 27, um dos líderes do movimento Juventude Peronista Evita recebe a reportagem na Secretaria da Cultura, onde trabalha. É ao mesmo tempo militante e parte do governo. É parte também do grupo de jovens que cola cartazes contra o ‘Clarín’ e que fez uma manifestação contra o grupo na Feira do Livro, na semana passada.

Lombardi, assim como os cartazes, diz que o ‘Clarín mente’ porque não está preocupado com questões centrais para o governo, como a redistribuição de renda. ‘Falam da insegurança, do autoritarismo do governo e se [Néstor] Kirchner usava ou não gravata. Para nós, isso é secundário’, diz o militante barbudo, conhecido como ‘El Mono’ (‘o macaco’).

Os protestos, para ele, são uma ‘contramensagem’, uma forma de ‘denúncia e de respaldo ao governo’. Lombardi relaciona a imprensa com a ditadura, uma das piores ofensas na Argentina, e com o setor agropecuário.

Ambos setores, diz ele, têm ‘terror’ de perder seus lucros com os planos redistributivos. ‘O ‘Clarín’ mente quando diz que o campo está mobilizado, quando são só alguns grupos organizados. O campo ganha dinheiro com trabalhadores explorados, e isso o jornal não diz.’

Os ataques são dirigidos ao grupo de mídia porque é um monopólio ‘absurdo’, afirma. A única forma de resolvê-lo seria a nova lei de radiodifusão, que está em pauta na Câmara de Deputados. Até lá, avisa, cartazes e protestos são a única forma de combate.

O grupo de Lombardi responde a Emilio Persico, líder do Movimento Evita (a versão ‘adulta’ da JP Evita) e um dos principais ‘piqueteiros K’, da base de militantes do governo. Mas ele diz que as ações do último mês foram espontâneas, sem influência da Casa Rosada.

Quando indagado sobre a presença de Máximo Kirchner, filho de Cristina e Néstor que seria o líder de um dos movimentos de jovens peronistas, no comando dos atos, ‘El Mono’ desconversa. ‘Isso é uma estratégia da imprensa. Você já viu Máximo em alguma das ações?’’

 

TELEVISÃO
Daniel Castro

Novela terá novos dinos e conexão com extraterrestres

‘A nova fase de ‘Caminhos do Coração’ será ainda mais absurda do que a primeira.

A produção da Record, que a partir da primeira semana de junho se chamará ‘Mutantes’ e entrará no ar mais cedo, às 21h, concorrendo diretamente com a novela das oito da Globo, terá novos dinossauros (um pterodáctilo, que voa, e um tiranossauro), novos mutantes, é claro, e conexões interplanetárias.

‘O vilão Eric [Tuca Andrada] encontrará os ovos de dinossauro na ilha dos mutantes e os levará para São Paulo, onde eclodirão. Mais à frente, os dinossauros atacarão as pessoas nas ruas de São Paulo’, anuncia o autor, Tiago Santiago.

Haverá também um novo mistério, o ‘Arquivo Ômega’. Trata-se de um arquivo secreto que revelará que as experiências genéticas da maluca doutora Júlia (Ítala Nandi), resultantes em mais de quatro dezenas de mutantes, foram ‘patrocinadas’ por extraterrestres. Júlia, aliás, conseguirá enfim a fórmula da juventude e se transformará em July (Babi Xavier).

Entre os novos mutantes estão uma mulher a soltar espinhos e uma que vira água.

‘Caminhos’ é ‘trash’, tem texto extremamente didático e elenco fraco. Mas, inegavelmente, trouxe alguma inovação às telenovelas ao absorver de forma bem-sucedida uma ficção que só se encontra nos quadrinhos e nos seriados. A novela, que tem dado médias superiores a 20 pontos, pretende agora conquistar maior audiência infanto-juvenil.

A MÃE DO JUVENALDO

Menos de um mês após ter feito uma ponta em ‘Desejo Proibido’ como uma mulher que detinha o segredo sobre a identidade da mãe do filho de Lima Duarte -papel igual ao que interpretara em ‘Belíssima’ (2006)-, Laura Cardoso (foto) voltou aos estúdios da Globo. Desta vez, para fazer o papel de mãe de Marconi Ferraço (Dalton Vigh) em ‘Duas Caras’. Na história, Ferraço, ou melhor, Juvenaldo decide reencontrar suas origens e viaja a Pernambuco com seu filho, Renato (Gabriel Sequeira). Lá, encontra sua mãe, Alice, e descobre que seu pai vendera todos os filhos.

A LOIRA DO CALYPSO

Nathalia Rodrigues (foto), 26, se autoflagelou nos últimos meses. ‘Ouvi os CDs, assisti ao DVD e aprendi os passos da banda Calypso’, conta. É que a atriz interpretará em ‘Chamas da Vida’, próxima novela da Record, uma moça que acha o máximo imitar Joelma, a vocalista do Calypso. ‘Me inspirei nessa breguice, mas vi também todos os filmes de Marilyn Monroe’, conta. Suelem, sua personagem, não pode ver um fotógrafo que se atira em sua frente. ‘Eu a vejo como candidata a participante de reality show’, diz. ‘Ela não tem nenhum talento’.

Pergunta indiscreta

FOLHA – Você já deixou algum entrevistado falar mais do que você em seu programa?

JÔ SOARES (apresentador do ‘Programa do Jô’, na Globo) – Essa lenda está um pouco desmentida pelo próprio programa. Só falo mais quando o entrevistado fala menos. Falo menos do que as pessoas que me entrevistam.

VISUAL

Marília Gabriela detestava o visual de favelada de sua Guigui em ‘Duas Caras’. Há pouco mais de dois meses, Guigui deu uma sumida e voltou com cabelos ‘novos’. O público aprovou. Tanto que a tintura dos cabelos da personagem foi o quarto item de cosméticos que mais gerou telefonemas de telespectadores à Globo, em abril.

EMPERRADO

A Globo não estreará hoje, na comemorativa milésima edição do ‘Domingão do Faustão’, o ‘Jogo dos Dez’, novo quadro do programa. Computadores a serem usados pela atração ficaram retidos na alfândega devido à greve de auditores da Receita Federal.

FICHADO

Ao completar mil edições hoje, o ‘Domingão’ contabilizará 3.800 horas no ar, 1.300 pegadinhas, 73 mil videocassetadas e 180 quadros exibidos. O sertanejo Leonardo, com 55 apresentações, foi o que mais cantou.’

 

Paulo Sampaio

Record amplia estúdios para ser sombra da Globo

‘Desde que a televisão brasileira submeteu sua programação aos números, não se via uma disputa tão desatinada. Em uma emissora, o ‘caso Isabella’ invade o campo de futebol em pleno jogo São Paulo x Nacional do Uruguai, interrompe a transmissão mais popular do Brasil e deixa de mostrar o gol de Adriano para não perder o furo nem a audiência.

Na concorrente, uma novela de enredo altamente improvável transforma praticamente todo o elenco em seres mutantes, frutos de uma experiência científica. Quanto mais o telespectador vibra, mais loucamente a história se ajusta a ele.

Com mais de 40 anos, a gigante Globo ainda vence com folga nas pesquisas de audiência, embora tenha caído 20% desde 2004 (entre 18h e meia-noite, na média nacional, segundo dados do Ibope).

A Record, ao contrário, cresceu no mesmo período quase 150% na audiência nacional, tomou o segundo lugar do SBT no ano passado e, sob o comando do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, investiu nos últimos três anos R$ 300 milhões em equipamentos, instalações e gente. Propõe-se a ficar grande como a outra.

A Folha esteve por um dia nas megainstalações de ambas, que ficam próximas, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio, para observar como é a guerra de audiência por dentro da indústria que a produz.

O centro de produção da Globo chama-se Projac (Projeto Jacarepaguá), tem 1,65 milhão de m2 e 6.000 funcionários. O da Record chama-se RecNov (Record Novelas), tem 200 mil m2 e 2.000 funcionários -e já chegou a ser apelidado pejorativamente de ‘projeca’.

Diferenças

As visitas diferem já na recepção. A Globo escolhe o que mostrará à reportagem e coloca uma assessora para acompanhar os visitantes.

‘Eu não falo pela emissora. Nada do que eu digo pode sair na minha boca, é só para facilitar o seu trabalho’, avisa a moça, ao volante de um dos 121 carrinhos elétricos usados para o transporte nas ruas do Projac.

A assessora explica que os funcionários de infra-estrutura são orientados a não abordar os artistas na praça de alimentação. ‘Isso é uma indústria, como uma fábrica de chocolates ou automóveis. Eles estão produzindo, não são personagens’, diz ela, a caminho da cidade cenográfica de ‘Duas Caras’, que reproduz uma favela real. O carrinho cruza com outro, que leva Lima Duarte (o prefeito Viriato de ‘Desejo Proibido’) paramentado com costume e chapéu. A cena remete a algum parque temático da Disney.

Mais tarde, o diretor de infra-estrutura, Mauro Franco Wanderley, autorizado a conversar, fala com a reportagem em ‘conference call’ (viva voz), monitorado pela assessora.

Ele diz que o rigor no protocolo com os visitantes é uma forma de ‘preservar a magia’ das produções.

A Record ainda não está podendo dispensar publicidade. Então, deixa-se vasculhar despudoradamente, atende a todas as curiosidades da reportagem e se faz representar pelo diretor de teledramaturgia, Hiran Silveira, que pode revelar o nome.

Silveira conduz a reportagem por todos os estúdios da emissora, a partir da sala dele. O que impressiona ali não são tanto as dimensões, que atingem 12,1% da área da Globo, mas a rápida multiplicação das instalações.

‘Quando cheguei aqui, no dia 1º de maio de 2005, havia apenas uns poucos empregados do Renato Aragão [antigo proprietário do estúdio, que se chamava RA]. Se eu embolasse um papel, tinha de colocá-lo no bolso, porque não havia lata de lixo’, conta o diretor. ‘Aumentamos nossa capacidade em cinco estúdios de 1.000 m2.’

A conversa de Silveira é, digamos, improvisada, ‘naturalista’, para usar o jargão televisivo. Ele até tem um vídeo preparado sobre a emissora, com uma música espetaculosa de pano de fundo, mas fica claro que o passeio pelas dependências do RecNov não foi ensaiado nem segue um roteiro.

O grupo entra em salas de edição, sonoplastia, efeitos especiais, às vezes erra a porta, mas Silveira segue empolgado explicando tintim por tintim o quanto custou e para que servem os equipamentos. ‘Aquela máquina custa US$ 1 milhão’, afirma, apontando para uma estrutura mais alta que uma geladeira dupla, prateada, cheia de luzinhas.

Plantas duplicadas

Na Globo, Mauro Wanderley parece ter o pacote de números pronto. Ele solta o cartucho e fala das incríveis instalações do Projac: os dez estúdios, a fábrica de cenários, o acervo de figurinos com 86 mil peças, a florália onde se criam plantas duplicadas, para revezá-las em cena (enquanto uma toma sol, a outra está sob os holofotes).

Conta que, na hipótese de usar toda a potência instalada da emissora, gastaria o suficiente para abastecer uma cidade de 70 mil habitantes.

Nesse momento, para atenuar a explanação, ele fala sobre a preocupação constante da emissora com o ambiente. ‘A primeira providência do doutor Roberto [Marinho] ao construir o Projac foi contratar uma empresa para reflorestar a área. Plantaram 40 mil mudas de espécies da Mata Atlântica.’

À saída, a reportagem passa pela gravação externa de uma cena com Alinne Moraes para ‘Duas Caras’. Alguém chama o diretor Pedro Carvana e surge o primeiro ponto comum às duas emissoras: os herdeiros de sobrenomes famosos. Eles são Avancinis, Saracenis, Farias, Bourys, Mambertis… Todos a serviço da arte e, é claro, da frenética produção numérica.’

 

***

Ex-globais justificam mudança de canal

‘Quanto ganha alguém que sai da Globo para ser estrela na Record (ou vice-versa)?

As especulações a respeito de salário, condições de trabalho, relacionamento com os colegas, fama, prejuízo na imagem etc. valem um capítulo à parte. Algo no estilo ‘as verdades e as mentiras do bombado mercado televisivo’.

Hiran Silveira, da Record, diz que nem sempre se paga o dobro, ou o triplo, a quem se dispõe a trabalhar na segunda colocada. ‘Muitas vezes o cara está encostado na Globo, ou infeliz, e se realiza com a possibilidade de fazer o que quer.’

A autora Margareth Boury está entre os que passaram por isso. Ela ficou 24 anos na Globo, trabalhou com os melhores autores -Dias Gomes, Lauro César Muniz, Carlos Lombardi-, mas nunca deixou de ser assistente.

‘A Record me fez uma proposta irrecusável, não só de dinheiro, mas de realização profissional: escrever uma novela. Sem falar que, nas minhas férias, eles me liberaram para escrever outra para a TV angolana’, conta ela. ‘Amo a Globo, saí de lá chorando. Mas entrei na Record rindo.’

Velocidade

Marcelo Serrado deixou a Globo para fazer uma novela na Record e acabou fazendo duas -afirma que foi pelo dobro do que ganhava na Globo.

‘Como eles estavam muito no início, achei as instalações meio precárias. Mas é impressionante a velocidade com a qual eles cresceram. Hoje, são uma TV de primeiríssima qualidade, com diretores excepcionais, como o [Alexandre] Avancini e o Edgar Miranda, ambos vindos da Globo’, diz.

Serrado diz que não perdeu em visibilidade: ‘Quando fiz a minha primeira novela na Record [‘Prova de Amor’], a recepção do público foi um estrondo. Era como se eu estivesse em uma novela das oito da Globo’, afirma ele.

Sentada na sala de maquiagem do RecNov, a atriz veterana Ester Góes, que passou dez anos na Globo e trabalhou na Bandeirantes e no SBT, diz que ‘a vantagem da Record é o porvir’. ‘Como as coisas aqui ainda não estão estabelecidas, a impressão que dá é a de que todo mundo constrói esse começo e torce para dar certo. Isso aproxima as pessoas, o ambiente fica ótimo’, diz.

Mauro Wanderley, da Globo, não entra em detalhes de salários nem de propostas. Fala com a segurança de primeiro colocado, como se não houvesse dúvidas de que é muito melhor trabalhar ali. Depois de dizer que na Globo não existe ‘isso’ de balizar a programação pelas pesquisas de audiência, ele completa, lacônico: ‘Mas em termos gerais, se você analisar, a concorrência [com a Record] é saudável. Desperta a competitividade’.’

 

Lucas Neves

Comédia ‘My Name is Earl’ vai à prisão na terceira temporada

‘O nome dele ERA Earl. No início da terceira temporada da comédia ‘My Name Is Earl’, que a Fox e o FX exibem hoje à noite, o protagonista passa a atender por ‘preso nº 28301-016’. Tudo porque, durante o julgamento de sua ex-mulher, Joy, no fim do segundo ano, ele assumiu a autoria do crime (o roubo de um caminhão) do qual ela era acusada.

O neo-altruísmo de um pé-rapado pós-graduado na escola de pequenos golpes é o mote dessa série. No episódio-piloto, depois de ser atropelado e perder um bilhete de loteria premiado, Earl pôs a culpa no carma ‘acumulado’ ao longo de uma trajetória errática e rascunhou uma lista de enganos a corrigir. O esboço totalizou módicos 259 itens.

O bordão do protagonista -’Faça boas coisas, e boas coisas acontecerão a você’- suscitou rumores sobre uma suposta inserção de mensagens subliminares pró-cientologia (a polêmica religião de Tom Cruise, John Travolta e outros nomes hollywoodianos) na série. Jason Lee, que interpreta Earl, o criador do programa, Greg Garcia, e Ethan Suplee (o irmão ‘marcha lenta’ de Earl, Randy) são adeptos da crença.

Na ficção, a temporada começa com o reencontro do ‘preso nº 28301-016’ com Glen, parceiro de traquinagens mirins detido, ainda criança, por invasão de domicílio, roubo e vandalismo -tudo idéia de Earl. É a chance para mais uma redenção. Longe do xadrez, Joy ‘adota’ (meio a contragosto) Randy, marmanjo de baixíssimo QI que demanda supervisão adulta em tempo integral. A rede NBC, que passa a comédia nos EUA desde setembro de 2005, encomendou recentemente uma quarta leva de histórias.

MY NAME IS EARL

Quando: hoje, às 20h

Onde: no FX e na Fox’

 

Bia Abramo

O show da realidade aprisionada

‘UM DOS paradoxos dos reality shows é a sua previsibilidade. A graça de incluir a ‘realidade’ em um programa televisivo, em tese, apontaria na direção oposta, isto é, para uma maior espontaneidade, naturalidade e, digamos, ‘abertura’ do enredo.

A participação de pessoas comuns no espetáculo televisivo garantiria, ao mesmo tempo, a credibilidade de uma situação realmente vivida (em oposição à encenação) e o elemento surpresa.

Isso pode até ser verdade de início, mas à medida que as edições se sucedem o formato aprisiona o imprevisível -e é exatamente isso que o espectador espera.

Não é diferente com este ‘O Aprendiz’ que estreou na semana retrasada na Record. O público mais ou menos cativo -estudantes de faculdades de administração? Aspirantes a executivos?

Subalternos querendo ver gente parecida com seus chefes sendo escrutinados, avaliados, rejeitados?- do programa volta a ele para ver as mesmas coisas. Curiosos e diletantes surfando na TV podem até parar diante de alguma cena mais intrigante, mas não ficam. Quem fica -e quem volta- é porque já conhece e quer reviver o ritual. No caso de ‘O Aprendiz’, o ritual simula as agruras do mundo corporativo, com seus valores ultracompetitivos, sua falação vazia e empolada, seus modos muito particulares de recompensa e punição, sua crueldade intrínseca.

Claro, a produção, incluindo aí os participantes, se esforça para fazer uma cosmética tanto de novidade como de realidade, por assim dizer.

Esta quinta edição começou com uma prova beirando o absurdo -que deve ser levada a seriíssimo- e muita deitação de falatório duro por Roberto Justus. (Talvez a dureza progressiva se deva ao aumento do butim: agora, aquele que virar sócio do empresário-apresentador-cantor leva R$ 2 milhões).

Na semana que passou, levou ao ar um episódio ‘atípico’, no qual os participantes se submeteram a uma prova comandada por militares, em clima explicitamente imitado das cenas de treinamento dos recrutas do Bope no filme ‘Tropa de Elite’, e, na seqüência, Justus não demitiu ninguém.

Apesar do desfecho aparentemente novo, sabe-se que, ao fim do fim, tudo estará lá como foi, na verdade, previsto desde o início. O ciclo-ritual se repetirá semana a semana, até que um daqueles, o mais resistente e, no fundo, o mais adaptável ao sentido do espetáculo, sairá vencedor.

Cai o pano, e até o próximo.’

 

CANNES
Silvana Arantes

Personagem sem nome foi desafiador, diz Moore

‘Em ‘Ensaio sobre a Cegueira’, o filme do diretor brasileiro Fernando Meirelles que abriu o 61º Festival de Cannes, na última quarta, a atriz americana Julianne Moore faz o papel da única na história a enxergar.

A performance de Moore como a mulher do médico (os personagens não têm nome no livro de José Saramago e assim ficaram na versão cinematográfica) foi elogiada até por críticos que desgostaram do filme. Moore, no entanto, não fez pose de estrela em Cannes. A uma sala lotada de jornalistas, no dia da exibição do longa, ela não escondeu a expectativa que teve pelo papel: ‘Quando meu agente me ligou, três meses antes de o filme começar a ser feito, dizendo que havia a chance de eu receber um convite de Fernando Meirelles, falei: ‘Nem brinca com isso!’.

À Folha e a outros sete jornalistas internacionais com quem se encontrou no hotel Martinez, no dia seguinte à estréia, Moore justificou seu entusiasmo. ‘Não importa com que idade você esteja, em que ponto da carreira, se é homem ou mulher. Conseguir papéis bons é sempre difícil. E você tem pouco controle sobre isso.’

Aos 47, ela acumula quatro indicações ao Oscar e uma galeria de personagens marcantes em filmes como ‘Tio Vânia em Nova York’ (Louis Malle, 1995), ‘Magnólia’ (Paul Thomas Anderson, 1999), ‘Fim de Caso’ (Neil Jordan, 1999) e ‘Longe do Paraíso’ (Todd Haynes, 2002).

Quando um jornalista inglês disse que ela é uma das melhores atrizes da atualidade, além de símbolo sexual, Moore corou, depois sorriu, agradeceu e brincou. ‘Por que só nos deram meia hora de entrevista? Vamos esticar a conversa.’ Mais trechos da entrevista, a seguir.

FILHOS

Os filhos nunca são como você imagina. E isso é uma grande lição. Temos a tendência de definir tudo pelo que vemos ou pelo que pensamos estar vendo. Fazemos uma imagem dos filhos e, quando eles nascem, é uma surpresa: ‘Oh, é você!’. Com a diferença, você vê que eles são totalmente independentes de você. Minha filha nasceu com cabelos pretos, um topete, e era enorme. Pensei: ‘De quem é esse bebê?’ Você tem esse momento de ajuste, de ver que as coisas não são como você pensava que seriam.

TRABALHO E FAMÍLIA

Tenho um trabalho de sorte. Terminei de filmar ‘Ensaio sobre a Cegueira’ em setembro [de 2007] e não voltei a trabalhar antes de março. Isso é ótimo também no aspecto familiar. Meus filhos [uma menina e um garoto] adoraram ‘Ensaio sobre a Cegueira’. Eles foram comigo para as filmagens no Canadá. Tínhamos uma piscina e um jardim. Todos os dias eles iam para as filmagens e jogavam futebol com o Quico, filho do Fernando [Meirelles].

IDADE

Quanto mais você envelhece, mais você gosta da vida.

BONS PAPÉIS

Não importa com que idade você esteja, em que ponto de sua carreira, se você é homem ou mulher. Conseguir papéis bons é sempre difícil. E você tem pouco controle sobre isso.

PERSONAGEM SEM NOME

Foi interessante para mim e duro para todos encontrar um caminho para essa convenção [do filme] de não ter nomes. Foi difícil. Nós nos demos conta de quão forte é a identificação que temos com os nossos próprios nomes. Mas essa era a convenção do filme. Tínhamos que trabalhar com esses parâmetros. Nunca pensei num nome para ela. Foi muito, muito desafiador. O desafio era encontrar uma vida naquele mundo, sem ter nome nem passado. Como você constrói uma vida assim?

CHORO NO FILME

O choro é uma dessas coisas virtuais, que você não faz. Você sempre tenta não chorar. A última coisa que você quer é fazer você mesma chorar. Vou contar que não é nada fácil chorar atuando com um cachorro [numa cena do filme, o Cão das Lágrimas lambe o rosto de Julianne quando ela chora].

CENA DE ASSASSINATO

Acho muito trágico quando ela mata. Ela fica muito emocionada depois do ato, pensando como é horrível tirar a vida de alguém. Você vê muitos filmes em que isso é feito de forma muito fácil. Uma das coisas que me perguntaram muito é por que ela não faz isso mais cedo no filme. Achei isso interessante, porque me pareceu uma convenção do cinema. Alguém vê algo errado, vai direto na pessoa que está errada e mata. Quando ela mata, o marido diz: ‘Você criou outro problema. Você começou uma guerra’. Ela vê o problema. Não foi um ato bobo. E ela não tem uma visão heróica a respeito de tirar a vida de alguém, em qualquer circunstância. Isso é algo profunda e terrivelmente emocionante. Gosto do fato de o filme caminhar nesse sentido.

CABELOS LOUROS

Ninguém gostou dos meus cabelos louros. Nem eu. Decidi pintar para surpreender o Fernando [Meirelles]. Achei que ser ruiva deixaria a personagem diferente de todos. Queria que ela fosse mais normal.

CINEMA COMERCIAL

Acho divertido fazer todos os gêneros de filmes. Fazer um filme como o ‘Ensaio sobre a Cegueira’ e também um filme bem comercial, um de ação, um thriller, um drama. Eu me interesso por histórias, tanto histórias de arte quanto histórias comerciais.

ELEIÇÕES AMERICANAS

Eu não detesto [o candidato republicano] John McCain. Nunca o encontrei. Mas ele é extremamente conservador. Ele é antiaborto; quer nos manter no Iraque pelos próximos, sei lá, cem anos. Não sou fã desse tipo de políticos. Meu voto é de [Barack] Obama. Honestamente, eu acho que ele é alguém que de fato pode mudar os Estados Unidos.’

 

***

Walter Salles estréia aplaudido em Cannes

‘Começou sob chuva forte e terminou em aplausos e lágrimas a sessão do filme ‘Linha de Passe’, de Walter Salles e Daniela Thomas, em competição pela Palma de Ouro no 61º Festival de Cannes, ontem à noite.

Aplaudidos por nove minutos, os quatro atores principais do filme -todos estreantes em cinema, exceto Vinicius Oliveira (‘Central do Brasil’)- choraram, ao lado dos diretores, que os abraçaram, um a um.

A platéia aumentou a intensidade das palmas quando Salles cumprimentou o ator Kaique de Jesus Santos, 14, que vive Reginaldo, o irmão mais novo e único negro na família-tema. Reginaldo tem a obsessão de descobrir quem é seu pai, a respeito do qual sabe apenas a profissão: motorista de ônibus.

Na história, os quatro filhos da empregada doméstica Cleuza (Sandra Corveloni) têm pais diferentes -todos ausentes. A condição de orfandade paterna no filme coincide com a ‘histórica’ ausência da figura do pai no Brasil, conforme disse Salles, em entrevista coletiva, na manhã de ontem, em Cannes.

‘O nome Brasil nos foi dado pelos portugueses, e o ato seguinte à nomeação foi levar para Portugal todo o pau-brasil da nossa costa. Fomos batizados por um padrasto que nos abandonou em ato contínuo’, disse.

Na personagem da matriarca, ele identifica um traço de ‘mãe-coragem’ e uma espécie de ‘resistência ética que representa muito o Brasil contemporâneo’. Cleuza tenta fazer com que os filhos tenham a decência como padrão de conduta.

O diretor observa que a violência surge no filme ‘interna à família’ e também ‘esbarrando nos personagens’ pelas bordas.

Embora a intenção de ‘Linha de Passe’, segundo Salles, fosse abordar ‘personagens que não optam pela violência’, tipos ‘raramente mostrados no cinema brasileiro’, seria ‘impossível’ contar uma história ambientada ‘nesse universo [da exclusão social] sem que a violência o rodeasse’.

Daniela Thomas, que é também co-roteirista (com George Moura e a colaboração de Bráulio Mantovani), afirmou que São Paulo ‘é um sexto personagem’. ‘São Paulo é uma cidade sem paisagem. No Rio, você tem a paisagem e [com ela] um certo sentido de redenção.’

Em ‘Linha de Passe’, os três irmãos mais velhos de Reginaldo também lidam cotidianamente com sonhos e frustrações. Dario (Vinicius de Oliveira) sonha com uma carreira no futebol. Tenta ultrapassar as ‘peneiras’ nas quais os clubes selecionam novos talentos, mas luta também contra o tempo. Está prestes a completar a idade-limite de 18 anos.

Dênis (João Baldasserini) é motoboy. Tem a dívida da moto a saldar e sente a pressão da ex-namorada, com quem teve um filho, para contribuir nas despesas com o bebê. Depois de testemunhar a ação de colegas que roubam motoristas, sente-se tentado a fazer o mesmo.

Dinho (José Geraldo Rodrigues) é o que trabalha como frentista. Convertido à fé evangélica, auxilia nos trabalhos religiosos e administrativos da igreja e testemunha a luta do pastor para manter os fiéis (e suas contribuições financeiras), frente ao surgimento de novas agremiações religiosas.

‘[O filme] É um pouco a imagem de um Brasil que tenta se reinventar, mas sem romantismo. É impossível romantizar a realidade social brasileira’, afirmou Salles.

Na hora da sessão de ontem, um temporal obrigou os convidados a usar guarda-chuvas até a porta do Grande Teatro Lumière. Ainda assim, muitos molharam o traje de gala exigido para a ocasião. O aguaceiro retirou um pouco do tom solene do tapete vermelho.’

 

CINEMA
Lucas Neves

Gaúcha ensaia carreira em Bollywood

‘Na cobertura de um arranha-céu futurista, uma bela morena em frugais trajes vermelhos sacoleja enquanto entoa ‘Rehem Kare’, circundada por uma dezena de dançarinas vestidas à la Liza Minnelli em ‘Cabaret’. Depois do refrão, entra um rapper indiano cabeludo pedindo ‘have mercy, girl, have mercy’ (tenha misericórdia, garota…).

A cena é de um dos números musicais do filme ‘Cash’ (veja digitando ‘bruna abdalah’ + ‘cash’ no YouTube), e a Britney Spears indiana é a gaúcha Bruna Abdalah, 21, modelo que tenta a sorte em Bollywood, a forte indústria cinematográfica daquele país. A ponta na fita policial (‘Todo mundo é bandido no filme, mas não posso falar direito; nem eu assisti’) é seu début na tela grande. ‘A letra da canção é sobre ‘worshipping a god’ [adorar um deus]’, explica, num português sem sotaque, mas, como se vê, hesitante.

Antes de ‘Cash’, ela estrelou um clipe da estrela local Shekhar Suman. No início deste ano, apresentou, num canal de TV aberta, o concurso ‘India’s Hottest’, em que, ‘de vestidinho curto, coladinho’, buscava o casal mais bonito do país -que levou US$ 10 mil (cerca de R$ 16.500).

Foi esse programa que a tornou conhecida do grande público indiano -e, por tabela, alvo preferencial da imprensa de fofocas. Já andaram até apontando-a como pivô da separação de um casal de estrelas (Salman Khan e Katrina Kaif). Além de Britney, seria ela uma Angelina Jolie indiana?

‘Fiquei no jornal e na televisão por duas semanas. Que adianta? Se você dá entrevista, eles não escrevem o que tu fala. Se não dá, eles escrevem do mesmo jeito! Encontrei o Salman [Khan] duas vezes. Ele me aconselhou e me deu o nome de uma agência’, diz ela.

Aqui no Brasil, onde passa férias, Abdalah também parece algo incomodada com o interesse da mídia por sua carreira. ‘Não sei o que aconteceu. Out of the blue [de repente], todo mundo começou a ligar e perguntar de ‘Cash’. Tiro o meu telefone do gancho. Não dá.’

Modelo fashion?

Antes de começar a deixar o telefone mudo, ela trabalhou, na adolescência, numa agência da Caixa Econômica Federal. ‘Adoro matemática, números. Sempre quis fazer economia ou comércio exterior. Pensei que trabalhar no banco iria ajudar.’

Em 2001, aos 15 anos, quiçá entediada com a numeralha, inscreveu-se no concurso Garota Verão de sua cidade, Guaíba. Numa das seletivas, foi ‘descoberta’ por um olheiro da Ford Models, que logo a indicou a um agente japonês. Seguiram-se três anos de viagens por Japão, Tailândia, Malásia, Indonésia, China e Filipinas. Até que colegas a convenceram a fixar residência na Índia.

‘Acho que sou parecida com as meninas de lá. Não sou modelo fashion, assim, sabe? Não sou muito alta, tenho mais corpão, não sou muito seca. Acho que eles não gostam muito de modelo fashion. Aí dei sorte’, sugere, para explicar o sucesso.

Agora, ela estuda o idioma hindi para poder assumir papéis de peso. ‘Já tive vários convites, mas não quero fazer dublagem. Quero falar fluente, saber me expressar. Tem um monte de gente que me chama de louca [por recusar ofertas].’

Enquanto isso, ela decora fonemas para declamar em anúncios. ‘Acabei de gravar um da pasta de dente Colgate. Vou ser a garota Colgate 2008. Sou muito orgulhosa de falar isso: simplesmente todas as mulheres da Índia fizeram teste, e eu consegui. Eu dou mesmo para comercial, não adianta.’’

 

LIVRO
Folha de S. Paulo

Roberto Carlos perde ação contra escritor

‘O pedido de indenização por danos morais feito pelo cantor Roberto Carlos contra o escritor Paulo César de Araújo, autor da biografia ‘Roberto Carlos em Detalhes’, foi negado pela 20ª Vara Cível do Rio de Janeiro. O cantor terá ainda de pagar as custas do processo judicial.’

 

 

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