Quando escrevo estas linhas, há 139 comentários de leitores a meu modesto artiguinho anterior, em que ousei, já reincidente, criticar a cobertura do Campeonato Mundial de Clubes. Comecei assim: ‘Com exceção de alguns colunistas, a imprensa do eixo Rio-São Paulo ignorou nada menos do que o Campeonato Mundial de Clubes, disputado no Japão, e só tomou conhecimento apenas um dia depois da vitória do Internacional sobre o Barcelona’.
Mas devo o melhor começo do artiguinho à abertura feita pelo editor Luiz Egypto Cerqueira, autor de títulos, manchetes e boas chamadas, que melhorou muito meu texto, ao resumi-lo no título: ‘Inter, campeão mundial: Cobertura da conquista foi uma vergonha.‘
Continuei assim: ‘Quem, porém, quis saber pelos jornais algo sobre a semana que antecedeu a grande decisão, teve que recorrer ao diário gaúcho Zero Hora‘.
E terminei assim: ‘Respeitadas as proporções, disputou-se no Japão uma pequena Copa do Mundo, com representantes de todos os continentes, tanto que o madrilenho El País falou em ‘mundialito’ e outros jornais de língua espanhola trataram o evento do mesmo modo. (…) Os ou editores mudam, ou os editores são mudados, pois é de se supor que os donos queiram vender jornais e que leitores e assinantes queiram informações, notícias, análises, fotos etc. (…) Não há um Boris Casoy para exclamar exasperado que o que houve foi ‘uma vergonha’. Mas foi uma vergonha. É preciso que a imprensa não perca de vista o interesse público, que nem sempre coincide com o de seus diretores de redação, redatores-chefes, editores de seções etc’.
Nesses anos todos em que escrevo no Observatório da Imprensa, foi o artigo que recebeu mais comentários. Agradeço aos leitores. Como escritor ou colunista, considero os leitores os monarcas de meus textos e, embora nem sempre possa demonstrar isso, dou muita atenção ao que dizem e escrevem. A vontade que tenho é responder a cada um, pois o leitor, quando lê, exerce a mesma solidão escolhida pelo escritor ao redigir seu texto. Como não é possível a resposta individual, escolho alguns casos.
Começo pelo comentário do conhecido jornalista e escritor Moacir Japiassu, que sempre encontra um granus salis para a dieta do leitor, onde quer que escreva. Disse ele:
‘Já a parte, digamos, folclórica deste espaço está nos ‘comentários’. Como este: ‘antonio arena , são paulo-SP – advogado Enviado em 19/12/2006 às 12:20:54 PM Sr Deonísio É lamentável que um jornalista escreva ‘elucrubar’. Não pode encontrar mesmo nada semelhante no Aurélio. O certo é ELOCRUBAR. Procure, para saber do que se trata.’ É espantoso que o doutor antonio arena encontre tempo entre seus afazeres de adevogado e venha até aqui, à velocidade do melhor galope, escrever semelhante esquisitice, para sermos tolerantes com tal e hediondo crime contra o idioma’. O domínio da língua portuguesa é requisito para o exercício de qualquer profissão, sobretudo para advogados. E que tristeza ver que uma pessoa se formou em Direito escrevendo desse modo e com essa arrogância.
Começo por este, em conversa clara, não apenas pelo respeito e admiração que tenho pelo texto de Japiassu, na imprensa como nos romances com que está renovando nossa prosa de ficção, mas porque ele me poupa de ser inclemente com este tipo de leitor: aquele que, olhando (olhando e não lendo) rapidamente o texto de quem quer que seja, esquece de ver as qualificações do autor, utilizando-as, quando muito, para errar um pouco mais no comentário.
Já Orley C Villa, Curitiba-PR – Químico industrial, trouxe água para meu monjolinho, ao lembrar a cobertura da Libertadores:
‘Para a imprensa do Rio, foi o Vasco quem perdeu, não o Tricolor do Paraná que a conquistou’.
Como disse Saussure, o ponto de vista cria o objeto, e o leitor observa muito bem que os narradores e os comentaristas, semelhando peixes, morreram pela boca: decepcionados com a derrota do Vasco, esqueceram a vitória do Paraná!
De José Carlos Codéco, Auriflama-SP – func.pub.federal:
‘Os grandes jornais do estado só publicam coisas do futebol dos três times da capital. (…) Os jornalistas ou editores dos jornais são na maioria corintianos ou são-paulinos, portanto não têm o mínimo interesse em publicar algo sobre outros times, principalmente fora da cidade de São Paulo’. (E acrescenta que quando falam no Santos é só para criticar.)
Júnior Macêdo, Fortaleza-CE – Analista de Sistemas, lendo meu artigo como se fosse crítica à mídia em geral e não apenas aos grandes jornais do Rio e de São Paulo, como fizeram outros leitores, fez uma revelação importante:
‘O senhor Milton Neves, da Record, chegou a dizer que se o Barcelona jogasse 10% do que sabe e o Inter jogasse 300% do que podia mesmo assim o Barcelona seria campeão’.
Os leitores mostraram, entre outras coisas, no meio da confusão da cobertura, da diversidade de opiniões, que os jornais poderiam vender muito mais, ter mais assinantes, se prestassem mais atenção aos verdadeiros temas que preocupam, encantam, decepcionam e apaixonam os leitores.
Querem um exemplo? Graças à mídia – e não apenas aos grandes jornais –, o Congresso recuou e, obrigado pelo STF, teve que retroceder no caso de outra vergonha: aumento de 90,7% nos rendimentos!
Destaque descomunal
Mas perguntemos: o STF teria tomado tal providência rapidíssima, não fosse o quarto poder encampar a inconformidade da ‘banda boa do Congresso’, na feliz expressão de Alberto Dines?
Temo que a mídia, que precisa mudar, não está sabendo mudar. Acertou no caso de dar eco ao clamor da sociedade na questão do aumento abusivo dos parlamentares, mas há muitas outras questões, igualmente decisivas, abandonadas pela mídia.
Um exemplo? O poder dos bancos, que baixam normas a torto e a direito e descumprem garantias constitucionais dos cidadãos. Por que a mídia dá destaque descomunal à taxa de juros que remunera a dívida pública, atualmente em torno de 10% ao ano? Os bancos cobram dos cidadãos 10% ao mês! Será que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, acha que apenas os economistas e políticos prestam atenção a suas palavras? Em maio de 2003, ele prometeu que, se a inflação caísse, o juro cairia também. A inflação anual passou de 10% para 3%, mas o juro real continua na mesma faixa dos 10% ao ano do começo do segundo mandado de FHC.
Responsabilidades maiores
Bernardo Kucinski escreveu em 12/12/2006, na Agência Carta Maior:
‘No começo do primeiro mandato, os banqueiros disseram que tinha que ser assim, que esse juro embutia a inflação, mais o Risco Brasil, mais o custo dos inadimplentes, mais a falta de uma nova lei de falências. Pois o risco Brasil caiu de mais de 2.000 pontos a menos de 200, e nada de o juro real cair. O presidente sancionou a nova lei de falência e a lei da afetação imobiliária, como queriam os bancos, criou o cadastro do bom pagador, e nada de o juro real cair’.
Pois é, meus queridos leitores, nisso o Brasil é nacional: torcedores de todos os times pagam juros abusivos. Reclamemos com igual ímpeto, pois trata-se de questão ainda mais decisiva para nossas vidas. Enquanto isso, os juros abusivos destroem pessoas jurídicas, destroem pessoas físicas, e a mídia não liga desemprego a juros, pobreza a juros, educação a juros, cultura a juros. Quando a mídia fala em juros, ela o faz com o ar blasé de quem está tratando do rebaixamento de Plutão para a segunda divisão espacial. E o Ministério Público, tão valente, combatendo o bom combate, vendo e denunciando a ubíqua corrupção, não fecha uma única agência bancária pela prática de juros abusivos!
Como se vê, crescem as responsabilidades da mídia em todos os campos!
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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde dirige o Instituto da Palavra; www.deonisio.com.br