Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘Recebi esta semana e-mail de Luís Celestino Júnior, professor de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), a respeito do programa ‘Jogo Político’, editado e apresentado pelo titular da coluna Política do O Povo, Fábio Campos, que estreou na TV O Povo na semana passada. Para o professor, o fato de haver um acordo de transmissão do programa com a TV Assembléia (Legislativa do Ceará), ‘abre a oportunidade para que novamente seja levantado o debate sobre os limites do público e do privado entre empresas de comunicação e órgãos públicos, bem como sobre ética no jornalismo e credibilidade profissional’. Para o professor, seria incorreta a parceria entres as TVs e, mais do que isso, poria em dúvida a cobertura que o jornal, a TV e o portal do grupo O Povo fariam dos ‘atos da Assembléia Legislativa’. Luís Celestino disse ter-se sentido ‘na obrigação de fazer esses questionamentos’ e que os levaria para ‘a sala de aula’.

Respondi-lhe que o conteúdo editorial era de responsabilidade da TV O Povo e que não via como isso poderia influir na independência e credibilidade dos jornalistas e dos programas noticiosos da TV ou no noticiário do jornal. Na mesma resposta ao professor, pus declarações de Marcos Tardin, diretor de Jornalismo da TV O Povo, considerando ‘especulação’ a crítica do professor, pois a fazia antes de qualquer análise do programa ou do noticiário do jornal. Tardin propôs então que o professor e seus alunos passagem a fazer a ‘vigilância’ dos programas e do noticiário do jornal, acrescentando: ‘Se perceberem qualquer mostra de comprometimento que prejudique a nossa imagem de independência e credibilidade, por favor, gritem! Afinal, esse é o nosso maior patrimônio. Até lá, não deixa de ser um exercício alarmista, porque a empresa já deu incontáveis provas de correção, independência e credibilidade’.

O professor Luís Celestino escreveu novamente, dizendo que avaliar o questionamento dele como ‘alarmista’ ou ‘especulação’ punha ‘em xeque também a própria atividade do ombudsman, que deveria levantar um debate sobre a ética, e não avalizar como algo perfeitamente normal a atitude da empresa’. Tirante o fato de quem deu a resposta com essas palavras não fui eu, respondi ao professor dizendo ter sido ele muito rápido no gatilho ao dizer que a função de ombudsman estava em xeque por uma única resposta minha, e que isso parecia pouco rigoroso do ponto de vista acadêmico. Por essa função já passaram, antes de mim, oito jornalistas da mais alta credibilidade, a começar pela professora Adísia Sá, em 1994 (e outras três vezes). Quanto à minha atuação, ela pode ser analisada pelas mais de 100 colunas que já escrevi e pelos cerca de três mil atendimentos a leitores realizados, desde que iniciei este trabalho, tudo registrado.

Encaminhei ainda ao professor um pertinente arrazoado escrito pelo diretor de Conteúdo da TV O Povo, Paulo Linhares, que também é professor do Curso de Comunicação da UFC, em que ele conceitua as TVs educativas (que é o caso da TV O Povo), públicas e estatais, mostrando como elas estão se relacionando pelo país. O texto é bastante esclarecedor; infelizmente, não há espaço para publicá-lo aqui. Sugiro ao jornal que paute este assunto, de modo que mais esclarecimentos possam ser feitos. Como nova resposta, o professor Luís Celestino tornou para considerar encerrada a polêmica, sem comentar a minha proposta e a de Marcos Tardin para debater o assunto com os alunos dele – ou em qualquer outro fórum. Paulo Linhares e Fábio Campos também se dispuseram ao mesmo.

A propósito, creio que a universidade poderia organizar um debate sobre os meios de comunicação. Entre os temas poder-se-ia avaliar a influência que sofrem os jornais submetidos a injunções empresarias que nada tem a ver com o jornalismo, e as emissoras sob o mando de políticos, temas pouco questionados pela academia, pelo menos publicamente. O Povo não teme o debate. É um dos dois únicos jornais do Brasil a manter um ombudsman; é um dos pouquíssimos a ter um Conselho de Leitores, eleito diretamente pela Redação. No Ceará, é o único meio de comunicação com instrumentos para aumentar a transparência, sinal de respeito ao leitor, afora as páginas da editoria de Opinião, acolhendo as mais diversas manifestações do pensamento, sem olhar em qual ponto do espectro ideológico está o seu autor.

O Povo é um jornal habituado ao contraditório, a expor-se ao escrutínio dos leitores e da sociedade. Obviamente tem suas falhas – semanalmente expostas nesta modesta coluna –, seria inumano não tê-las. Nada do que se queixar, portanto, quando o jornal é questionado. Pelo contrário: é disso que a Redação tira boa parcela de sua força, na perseverança para oferecer, a cada dia, o melhor para o leitor. Diariamente, a crítica do ombudsman – incluindo os comentários dos leitores que me chegam – é distribuída para todos os setores do jornal e debatida pela Redação. O que me parece injusto, verificando o panorama geral nesses dois anos e meio em que exerço a função de ombudsman, é que existe como que uma seletividade no olhar de uma parcela da intelectualidade cearense na crítica à mídia: miram O Povo como se fosse o único meio de comunicação do Ceará, esquecem-se convenientemente dos outros.

Não sei se isso acontece porque esses intelectuais acham que os outros meios de comunicação perderam completamente a credibilidade e não vale mais a pena discutir com eles ou se temem alguma retaliação, algo que no O Povo seria impensável, pois não o faz. Pensando assim, este jornal poderia comemorar, não fossem as duas alternativas igualmente trágicas: quanto mais jornais, rádios e TVs com credibilidade, melhor para a sociedade. Se for por temor, duas coisas: primeiro, é terrível que existam meios de comunicação que imponham medo em vez de respeito; segundo a intelectualidade não têm o direito de recuar frente ao embate quando ele se afigura difícil, principalmente intelectuais de uma universidade pública. O papel do intelectual é justamente ser essa voz independente e crítica da sociedade, de modo a expor as mazelas que têm se ser combatidas.’