Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

LULA
Eliane Cantanhêde

O ET do governo

‘BRASÍLIA – Na entrega de um prêmio na semana passada, o presidente do BC, Henrique Meirelles, falou sobre juros, inflação, FMI, crescimento, o blablablá de sempre. Só esqueceu uma coisa: não citou Lula uma única vez.

Aliás, Meirelles só lembrou do presidente em exercício, José Alencar, ali presente, lá pelo terceiro ou quarto número decorado. O BC pode não ser independente, mas seu presidente se sente em outro planeta -ou outro governo.

Ele acabou de discursar e saiu correndo, dizendo que iria ‘representar o Brasil’ na reunião do FMI nos EUA. Esquecido, esse Meirelles. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já estava a postos lá, justamente ‘representando o Brasil’.

O presidente interino do Senado, Tião Viana (PT-AC), cochichou com o vice Alencar algo assim: ‘Que coisa! Ele não falou no Lula’. Para compensar, os dois se derramaram em elogios ao presidente.

Meirelles pode alegar que é ‘técnico’, não ‘político’. Mas ele tem ambições políticas. Elegeu-se deputado, acaba de trocar de domicílio eleitoral, lá no fundo sonha ser… presidente da República.

Na entrevista à Folha do último domingo, Lula foi claro quando o repórter Kennedy Alencar lhe perguntou se era hora de parar a queda dos juros: ‘Não, não acho’. E se parar? ‘Se parar, vai explicar a razão pela qual parou. Minha orientação para os companheiros Henrique Meirelles e Guido Mantega é não ficar brincando com a inflação.’

O que o BC fez? Interrompeu a queda dos juros. Ninguém sabe, ninguém viu se o ‘companheiro’ Meirelles -que, aliás, desfiliou-se do PSDB para assumir o cargo- já deu explicações para o chefe.

Lula descolou-se do PT, do Congresso, do Judiciário e, agora, do BC. Meirelles não percebeu, mas ele quer reinar sozinho.’

 

DEBORAH KERR
Carlos Heitor Cony

Estas pequenas coisas

‘RIO DE JANEIRO – Consumado (e assumido) espírito de porco, adoro remar contra a maré e embarcar em canoas furadas. Em matéria de cinema, por exemplo, acredito que seja o único a não gostar de ‘Quanto mais Quente Melhor’, do Billy Wilder. Mas credito a ele duas obras-primas: no drama, o genial ‘Crepúsculo dos Deuses’; na comédia, o melhor filme italiano feito fora da Itália, ‘Avanti’. Quanto mais o tempo passa, mais gosto de Billy Wilder.

O mesmo se dá com Deborah Kerr, falecida nesta semana. Para a cultura massificada da plebe, sua grande cena é o beijo de ‘A Um Passo da Eternidade’, de 1953, ela e Burt Lancaster rolando entre as ondas que se quebram numa praia deserta. Só no bravo cinema nacional já vi umas duzentas cenas parecidas e eventualmente melhores.

Mais erótico, terrivelmente sensual, é o papel de freira que ela faz em ‘Narciso Negro’, de 1946. Eu havia saído do seminário, casto como uma donzela de teatro infantil. A atmosfera do filme era o vento e o convento no alto de um penhasco. Fiquei perturbado com os closes do rosto aparentemente frio de Deborah, então jovem. Saí do cinema acreditando que descobrira o que era uma mulher.

Mais tarde, outro choque do que pode haver dentro da mulher, de qualquer mulher. ‘Vacation from Marriage’, com Robert Donat, filme inglês, o casal enfadonho que se separa durante a Segunda Guerra Mundial, cada qual indo para um front diferente. A metamorfose de Deborah Kerr é toda calcada em pequeninos detalhes que fazem brotar, no corpo de uma esposa envelhecida pelo tédio, a amante dilacerada pelo amor e pelo desejo. Para prolongar as esperas, ela canta baixinho um sucesso de outros tempos, ‘These Foolish Things’.

Foram pequenas coisas que a fizeram grande e inesquecível.’

 

RUTH CARDOSO
Catia Seabra

Antropóloga elogia ‘Tropa de Elite’ e critica pirataria

‘Embora elogie ‘Tropa de Elite’, a ex-primeira-dama não gostou da ONG retratada no filme, sobretudo da foto do político na parede. Para Ruth Cardoso, o país melhorou, apesar de um retrocesso nos programas sociais. Ela não quis opinar sobre o governo Serra. (CS)

FOLHA – Viu ‘Tropa de Elite?’

RUTH – Vi.

FOLHA – No cinema ou na…

RUTH – Não, vi no cinema e briguei com todo mundo que viu na cópia pirata. Você viu na cópia pirata?

FOLHA – No cinema. Há uma ONG no filme. E a imagem não é boa.

RUTH – Esse filme tem uma grande virtude: colocar essa discussão do consumidor e da alimentação do sistema da droga. E essa é uma discussão muito difícil no Brasil. Nunca se pode falar disso, porque é uma limitação da liberdade. O modo pelo qual ele colocou a ONG me deixou um pouquinho frustrada, porque ele não mostra se aquela ONG fez alguma coisa que tivesse significado.

FOLHA – Havia uns óculos ali…

RUTH – Tinha uma coisa, por exemplo, que me desagradou muito e que não é o comum das ONGs. Tinha a fotografia de um candidato. Para uma ONG poder trabalhar, não pode ter uma definição política tão clara. Então, é difícil. Mas deve ter um exemplo parecido. Existe tudo nesse mundo das ONGs.

FOLHA – A senhora já defendeu a discriminalização da maconha…

RUTH – Essa discussão já nem adianta mais. Sou a favor da discriminalização, mas acho inviável. É melhor nos preocuparmos com a realidade que existe, o que a gente pode melhorar tal como está. Esse filme colabora para isso.

FOLHA – Acha o filme fascista?

RUTH – Não. Ao contrário. Acho que coloca questões muito importantes em debate. Um filme corajoso e não vejo nada de fascista. Disseram que o capitão vira um herói. Bom, se aquilo é herói, francamente, não? O cara bate na mulher, o cara é um horror. Aparece como humano. Graças a Deus, porque senão seria uma caricatura.

FOLHA – A senhora disse há pouco que houve melhoria no país…

RUTH – Não. Falei, assim, em geral, que houve avanço? Estava pensando no SUS, que, apesar dos seus defeitos, tem caminhado e os resultados estatísticos me mostram que melhorou. O Brasil melhorou. Isso que eu quis dizer, não necessariamente que programas estão melhores ou estão piores, inclusive, porque a gente não tem nem muita medida. Agora, houve um retrocesso na concepção dos programas, que ficaram muito mais estatistas.

FOLHA – O que a senhora achou da unificação dos programas?

RUTH – Não é uma novidade. Teríamos que chegar nisso. Foi um pouco prematuro. Os cadastros não estavam suficientemente avaliados. Juntou tudo, o que criou maiores problemas para administração. Juntou tudo e ampliou muito o programa. O mais grave é que diminuíram as condições para receber as bolsas. Outro defeito sério: não tem limite, não tem uma meta para chegar.

FOLHA – O aporte maior de recursos para o Bolsa Família virou instrumento de comparação do governo Lula com o de FHC. O PSDB tinha vergonha de lançar mão de um programa de transferência de renda?

RUTH – Pois é. Não prestaram atenção. Era a semente de uma coisa feita de maneira diferente. Tanto que servimos de exemplo para outros países onde estão muito bem planejados.

FOLHA – Não prestaram atenção quando a senhora defendia mais recursos?

RUTH – A gente não achava que tinha que ter mais recursos. Esse negócio de distribuição de renda que vale pela quantidade é muito complicado. Você não pode fazer programa com inúmeras famílias.

FOLHA – O PSDB perdeu a bandeira desses programas?

RUTH – Espero que não. Porque esse programa de bolsas começou em Campinas com o prefeito Grama, José Roberto Magalhães. Depois, foi para o Distrito Federal com o Cristovam (Buarque). Nesse trajeto, acho que a bandeira é do PSDB.

FOLHA – Há uma deficiência do PSDB?

RUTH – O PSDB tem dificuldade em geral de se comunicar bem. Não é o forte do partido.

FOLHA – Sobre privatizações, o que a senhora achou da campanha do partido?

RUTH – O PSDB não quis assumir a bandeira, e o resultado não foi bom.

FOLHA – Como vê a relação de José Serra com o meio acadêmico?

RUTH – Teve um triste começo, complicado, desnecessariamente agressivo, mas acho que o Serra está conseguindo recompor essa relação.’

 

TROPA PIRATA
José Eduardo Rondon

‘Tropa de Elite’ pirata é exibido a alunos de 13 anos

‘A exibição do filme ‘Tropa de Elite’ a alunos de uma escola de ensino fundamental em São José do Rio Preto (440 km de SP) instaurou polêmica na cidade. A Secretaria da Educação municipal abriu sindicância para apurar o caso.

Um DVD pirata do filme foi veiculado nesta semana para estudantes de 13 e 14 anos da sétima e oitava séries da escola municipal Paul Percy Harris. A classificação indicativa de ‘Tropa de Elite’ aponta que a produção não é recomendável a menores de 16 anos.

A secretária da Educação de São José do Rio Preto, Maria do Rosário Laguna, afirmou que o caso está sendo investigado pela pasta após reclamação do pai de um dos alunos que assistiu ao filme. ‘Vamos verificar a origem do filme, a classificação indicativa recomendada, a faixa etária das crianças e dentro de que contexto foi exibido.’

Ela disse que irá aguardar o fim da sindicância para definir se alguma medida será adotada contra a professora que exibiu o filme aos alunos.

O pai de uma aluna de 13 anos, que pediu para não ser identificado, relatou que a filha chegou em casa assustada depois de ver o filme.

A diretora da escola, Débora Malacário, disse que o DVD do filme exibido aos alunos foi uma cópia levada por um dos estudantes à escola.

‘Os alunos vêm de fora com isso [cópia pirata] na mão. A professora de história estava trabalhando o tema de problemas urbanos e achou apropriado, já que o aluno estava com o DVD’, afirmou Malacário.

Nesta semana, em Recife, um agente penitenciário morreu após ser baleado no peito durante sessão de ‘Tropa de Elite’ no cinema. A polícia suspeita que tenha sido suicídio.’

 

Sucesso de versão pirata antecipou estréia do filme

‘‘Tropa de Elite’ retrata o cotidiano de policiais do Bope, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Criado em 1970, o grupo é especializado em incursões, patrulhas e combate ao crime em favelas, com uso de armamentos do porte dos usados por forças do Exército. Tornou-se mais conhecido como ‘Tropa de Elite’, nome que inspirou o título do filme do cineasta José Padilha.

Padilha também é autor do documentário ‘Ônibus 174’, de 2002, que conta a história do seqüestro de um ônibus no Rio de Janeiro que teve um desfecho trágico -o criminoso e uma refém foram mortos.

A estréia de ‘Tropa de Elite’ ocorreu apenas neste mês, mas cópias piratas em DVD já eram comercializadas por camelôs cariocas desde agosto por cerca de R$ 10. Isso fez com que a Paramount antecipasse a estréia nos cinemas para 12 de outubro, em vez de manter a data inicial de 20 de outubro. Antes disso, a ‘première’ já tinha chegado a ser anunciada até para novembro deste ano.

Com um orçamento de R$ 10 milhões, as filmagens começaram em outubro do ano passado. Pouco menos de um ano depois, no início de setembro de 2007, o filme já era o mais vendido e o mais apreendido nas bancas de comércio informal.

Em uma única operação na Baixada Fluminense, chegaram a ser apreendidos 300 DVDs do longa. Nos cinemas, a produção já foi vista por cerca de 1 milhão de espectadores.’

 

EUA 2008
Denyse Godoy

Gasto da candidatos à Casa Branca com TV será recorde

‘A campanha presidencial de 2008 nos EUA deve bater todos os recordes de propaganda na televisão, segundo estudo da consultoria de publicidade TNS Media Intelligence.

Os gastos com anúncios políticos na telinha podem ultrapassar os US$ 3 bilhões, pelas contas da empresa, o que seria o maior valor da história. ‘A cifra reflete os montantes arrecadados pelos candidatos, também inéditos’, explicou à Folha Anthony Corrado, professor de política do Colby College, do Maine. ‘Esse tipo de publicidade é a preferida porque é a mais eficiente em um país do tamanho dos EUA.’

Além dos comerciais que têm os políticos como estrelas e são bancados por seus comitês, no montante estimado pela consultoria estão os patrocinados por organizações que falam de temas de seu interesse, como um chamamento para o posicionamento dos candidatos. Os Eleitores da Aliança pela Conservação [Ambiental], por exemplo, buscam identificar um candidato ‘verde’. Já o grupo de mobilização política MoveOn veicula anúncios questionando a Guerra do Iraque.

Até o momento, os comerciais são a arma mais utilizada pelos candidatos que não figuram entre os favoritos, os quais desejam conquistar apoio para vencer as prévias de seus partidos e assim poder de fato concorrer a presidente.

‘Eles querem que seu nome e suas idéias sejam conhecidas do público e se esforçam em mostrar que são diferentes’, comentou Corrado. Por isso, os espectadores dos Estados de Iowa e New Hampshire, onde logo no começo do próximo ano ocorrem as mais importantes disputas iniciais, são os que mais têm sido bombardeados com a propaganda.

Gastos X votos

Mitt Romney, ex-governador de Massachusetts, aparece na última pesquisa de intenção de voto realizada pela rede CNN em quarto lugar entre os republicanos, com 13% da preferência, e é o campeão de dispêndios com anúncios televisivos, tendo pagado US$ 8,674 milhões em 2007 por 11.463 inserções, de acordo com a TNS Media Intelligence. No extremo oposto, aparece Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York, que lidera entre os republicanos com 27% das intenções de voto e ainda não desembolsou nada com comerciais na TV -a sua estratégia é anunciar no rádio, na internet e em jornais.

Entre os democratas, quem mais gastou com publicidade na TV foi Barack Obama: US$ 2,477 milhões por 4.211 inserções. Do seu segundo lugar nas pesquisas, ele vê a líder Hillary Clinton cada vez mais longe -a ex-primeira-dama tem 51% da preferência, contra 21% dele, e pagou US$ 1,445 milhão por 2.387 anúncios.

Quando estiverem definidos os representantes dos dois grandes partidos que vão concorrer à Presidência, mais Estados assistirão aos comerciais. ‘Então, o maior número de inserções se dará naqueles lugares onde a competição entre o democrata e o republicano estiver apertada’, disse Corrado. ‘Nova York poderá esperar ver um monte de anúncios no caso de ser a Hillary [senadora pelo Estado] e o Giuliani. Na eleição anterior, como estava claro que a Califórnia era democrata, nem passaram propaganda na TV lá’, disse Corrado.

Para o professor, deveria haver algum tipo de regulação a respeito -como o horário obrigatório que existe no Brasil. O sistema americano atual favorece os candidatos que têm mais dinheiro em caixa.’

 

TELEVISÃO
Valdo Cruz

TV por assinatura pode ter conteúdo nacional

‘As novas regras da TV por assinatura no Brasil, em elaboração na Câmara dos Deputados, podem fixar cotas de conteúdo nacional nesse tipo de serviço e proibir o capital estrangeiro de controlar empresas de montagem de pacotes de canais. Ele ficaria autorizado, porém, a atuar na distribuição de TV a cabo no país.

Essa proposta ainda não é consenso no setor. Enquanto a definição de cotas de conteúdo nacional não agrada as emissoras de televisão, as teles estrangeiras trabalham para ter direito de controlar tanto a fase de montagem de pacotes de canais como sua distribuição.

A batalha em torno dessas regras se dá na Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação da Câmara, que prepara um projeto para regularizar o que os deputados convencionaram chamar de ‘serviço de acesso condicionado’. Ou seja, a comercialização de conteúdo audiovisual por meio de aparelho de TV, celular, computadores e outros tipos de tecnologia.

No caso das cotas, a intenção é determinar que 10% dos canais de uma TV por assinatura sejam brasileiros. Além disso, fixa que cada pacote de canais teria de veicular pelo menos 50 horas de conteúdo nacional durante o período que vai de 6h às 24h.

As TVs se queixam principalmente da exigência de que, nessas 50 horas de conteúdo nacional, haveria também uma cota para produções independentes e regionais. Algo que poderia chegar até a 21 horas para os independentes e 7 horas nos regionais.

O projeto da comissão vai dividir o segmento de TV por assinatura em quatro tipos de áreas empresariais:

1) Uma empresa na área de produção de conteúdo audiovisual, como noticiário, novelas, programas, filmes e seriados, setor liberado, como hoje, para o capital estrangeiro;

2) Uma de programação, ou seja, o serviço de montagem de grades de programas de um determinado canal de TV. Exemplos de hoje: a programação de um canal da HBO, SporTV ou ESPN. Livre para capital estrangeiro, mas a gestão seria exclusiva de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos;

3) Outra para cuidar do empacotamento, a montagem de pacotes de canais a serem vendidos a uma TV paga. Esse setor não poderia ser controlado pelo capital estrangeiro e sua gestão teria de ser entregue também a brasileiros natos ou naturalizados e

4) E uma quarta responsável pela distribuição, que viria a ser a fase final do processo, de levar até as residências os pacotes de canais por meio de cabo, satélite, sistema de microondas ou outro tipo de tecnologia. Livre para o capital estrangeiro, inclusive as empresas de telecomunicações, hoje proibidas de atuar no serviço por cabo, mas liberadas por satélite e microondas.

As empresas de telecomunicação estrangeiras preferem que empacotamento e distribuição sejam um tipo de serviço só, como ocorre hoje, com uma diferença. Ficariam liberados para atuar na TV por assinatura a cabo.

O presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação, Julio Semeghini (PSDB-SP), diz compreender as reações, avalia que o projeto é um ponto de partida para negociações e acredita já haver pelo menos um consenso de que é necessário proteger o conteúdo nacional. ‘O formato, se por cotas ou outro sistema, poderá ser negociado.’

Em relação às pressões para manter unificados os serviços de empacotamento e distribuição, Semeghini acredita que será possível convencer as teles da idéia de separá-los.

Segundo a Folha apurou, a divisão foi uma forma de compensar as emissoras de TV, à frente Globo, que eram inicialmente contra aceitar a entrada das teles no serviço a cabo.

Semeghini e o deputado Jorge Bittar (PT-RJ), relator do projeto na comissão, apostam que as mudanças propostas vão estimular produções nacionais, aumentar a concorrência no setor e criar condições para uma redução no preço das assinaturas.

Dados levantados por eles indicam que enquanto aqui no país esse tipo de serviço tem uma penetração de apenas 8%, na Argentina chega a 54%, no Chile a 25% e no México a 23%.

Hoje, no Brasil, existem cerca de 5 milhões de assinantes de TV paga. Os parlamentares apostam numa expansão a médio prazo desse número para 30 milhões de assinantes com as mudanças propostas, que abririam o setor para mais concorrentes, como as empresas de telecomunicação.

Um dos entraves para a expansão do setor, na visão dos deputados, é exatamente a baixa concorrência, o que impede uma maior disputa pelo cliente e faz os preços das assinaturas serem mais elevados no país.

Comparação feita pela comissão aponta que no Brasil o preço por canal, excluídos os canais abertos veiculados pelo serviço, gira entre R$ 1,92 e R$ 6,84, enquanto em Portugal essa faixa vai de R$ 1,07 a R$ 1,24, na Espanha fica entre R$ 1,51 e R$ 2,20 e na Argentina varia de R$ 0,63 a R$ 0,80.’

 

Proposta divide emissoras de TV e teles

‘Se as novas regras fossem aprovadas como propostas, a Telefônica, empresa de capital espanhol, poderia operar o serviço de distribuição do canal pago da TVA tanto na tecnologia a cabo como por microondas -e por satélite.

Hoje, a tele está autorizada pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) a operar a TVA por microondas, tem licença para atuar no satélite, mas é proibida de controlar a área de cabo.

Por outro lado, a Telefônica teria de dividir a TVA em duas empresas: uma de empacotamento e outra de distribuição. Na primeira, não teria controle majoritário.

Algo idêntico ocorreria na Net, hoje uma sociedade entre as Organizações Globo e o grupo mexicano Telmex, do empresário Carlos Slim, que não detém o controle majoritário da empresa.

Já uma empresa de telecomunicação nacional, como a Oi (Telemar), seria autorizada a atuar na TV a cabo, podendo também gerir a fase de empacotamento de canais.

Além dessa polêmica, outros pontos dividem as opiniões de emissoras e empresas de telecomunicações.

Um exemplo: o relatório do deputado Jorge Bittar vai determinar que as emissoras de televisão liberem para todo tipo de TV paga os seus canais abertos.

Hoje, as emissoras só são obrigadas a disponibilizar seus canais abertos para a TV a cabo. A novidade não agrada as emissoras, mas é defendida pelas teles. Em compensação, as TVs seriam liberadas para cobrar por essa distribuição de seus canais no serviço de assinatura.

O projeto ainda pode obrigar que um produtor e programador de canais, como Globosat, não só disponibilize seus produtos para os distribuidores de TV paga como cobrem o mesmo preço.

Por outro lado, os deputados esperam que a Anatel adote regra parecida no caso do uso da infra-estrutura de distribuição. Hoje, as teles têm a vantagem de já possuir grandes redes de cabo.

Liberadas para atuar na distribuição, podem levar vantagem no mercado. Para dar maior equilíbrio ao setor, a proposta é que a Anatel não só obrigue as teles a compartilhar sua infra-estrutura com concorrentes, como cobrem preços isonômicos.’

 

OUTRO CANAL
Daniel Castro

Novela da Globo vai ‘dar um pau’ em ONGs ‘picaretas’

‘As cenas do capítulo da última terça, em que uma socialite carioca dizia que iria a uma favela doar agasalhos só porque uma ONG vai lhe premiar com uma viagem totalmente paga a Paris, foram só um aperitivo.

A novela ‘Duas Caras’, da Globo, vai mesmo fazer campanha contra organizações não-governamentais que recebem dinheiro do governo e o gastam mal. A ação coincide com a instalação de uma CPI no Senado para investigar entidades suspeitas. Calcula-se em 200 mil o total de ONGs no país, das quais 2.000 receberam R$ 34 bilhões do governo federal entre 1999 e 2006. ‘Vou dar um pau nessas ONGs que ficam mamando nas tetas do governo e nem prestam contas’, promete o autor Aguinaldo Silva.

Na semana passada, Silva resolveu criar uma nova trama. Namorada de Antônio Fagundes na primeira fase, Morena (Adriana Alves) voltará após ter sofrido como prostituta na Europa, até se casar com um conde, que morreu e lhe deixou uma fortuna. Ao lado de Arturzina, sua secretária loira, Morena, agora condessa Finzi Contini, abrirá uma ONG para conscientizar moças das favelas do Rio sobre as armadilhas da prostituição no exterior.

‘Ela faz questão de recusar ajuda oficial no seu trabalho. E diz por quê: o governo tem que gastar o dinheiro que arrecada com seus próprios projetos. Para ela, não é nada positivo que dirigentes de ONGs engrandeçam moralmente à custa do dinheiro oficial’, adianta Silva.

SISTEMA DE SORTE

Atriz de teatro desde os 13 anos e fotógrafa, Maíra Dvorek, 26, trabalhava (como fotógrafa) nos Jogos Panamericanos, no Rio, em julho, quando soube que a Globo estava selecionando jovens intérpretes para um novo seriado. Fez um teste ‘supermoderno’, em que não tinha que ensaiar um texto, mas usar filmes e vídeos no YouTube como referências, e foi aprovada. Está no elenco de ‘O Sistema’, que estréia dia 2. ‘Estou aprendendo uma linguagem nova, a da TV, com um bom texto, atores ótimos e colegas como o Selton [Mello]. Tive muita sorte’, diz.

SUPERPRODUÇÃO

A Globo usará 57 câmeras hoje no Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1, incluindo as exclusivas de seu jornalismo. A grande vedete da transmissão será uma câmera ultramoderna, que ficará suspensa em cabos de aço e se deslocará em velocidade, acompanhando a passagem dos carros na pista.

VIDEOWALL

A Globo pediu a fabricantes de televisores o empréstimo de 60 aparelhos lançados no final de 1989. Os equipamentos serão usados nas gravações de ‘Queridos Amigos’, minissérie que se passa entre outubro e novembro daquele ano. Explica-se: os principais fatos da época de Collor, aparecerão na tela das TVs e uma cena importante com o protagonista Léo (Dan Stulbach) ocorrerá em frente a loja de eletrodomésticos, em SP.

IRRITANDO CICARELLI

Quer irritar Daniella Cicarelli? Então chame-a de Danielle Cicarella. A ‘dica’ faz parte de uma listinha que a apresentadora mostrou ao ‘Irritando Fernanda Young’, que retorna ao GNT no próximo domingo. A ex-Fenômeno também não suporta que sentem em sua cama com a mesma roupa com que vêm da rua. Mas, já que você não é amigo íntimo dela, ou não curte nudismo, aqui vai uma dica ‘útil’: na próxima vez que tiver o privilégio de dividir a mesma sessão de cinema ou o mesmo avião que a bela, não se esqueça de aplaudir muito quando o filme acabar ou quando pousarem em Congonhas. Ela acha isso o fim.

Pergunta indiscreta

FOLHA – Você está mais para a última cereja do bolo ou para a rainha da cocada preta?

FERNANDA YOUNG – (escritora, roteirista e apresentadora, após seis segundos pensando) Acho que é melhor eu crer que seja a cocada, apesar de que seria uma atitude quase eufórica da minha parte me sentir a rainha de qualquer coisa. Eu acho que só sou a rainha do karaokê e da ponta de estoque.’

 

WEEDS
Tereza Novaes

Dona-de-casa alucinada

‘Nancy é uma dona-de-casa jovem e bonita que perde o marido repentinamente. Com dois filhos, muitas contas e nenhuma renda, ela descobre um filão no próprio quintal. Entre seus ricos vizinhos de Agrestic (subúrbio fictício na Califórnia), vários fumam maconha.

A primeira temporada de ‘Weeds’ (erva, gíria para maconha) mostra a personagem da atriz Mary-Louise Parker começando seu negócio como ‘aviãozinho’. Na segunda, que está em reprise no GNT, às segundas, às 23h30, ela se transforma numa próspera produtora de cannabis, ao lado de um bando de sócios trapalhões.

A terceira temporada -que começa a ser exibida no mesmo canal e horário a partir do próximo dia 5- mostrará como a protagonista se transforma em uma verdadeira gângster.

‘Nancy será a melhor gângster que puder’, disse Jenji Kohan, criadora do programa, à Folha, em entrevista por telefone, de Los Angeles.

Roteirista de séries como ‘Will and Grace’, ‘Sex and the City’ e ‘Gilmore Girls’, Jenji pensou em fazer um seriado sobre foras-da-lei, antes de definir que a maconha seria um dos seus principais elementos.

‘A idéia surgiu do meu desejo de fazer algo sobre gente à margem da lei, cujos personagens não fossem algo definido, mas estivessem numa zona cinzenta. Para ser fora-da-lei precisava de um crime e, então, veio a maconha’, conta ela.

Maconha, aliás, não é a droga de Jenji, que brinca, dizendo que prefere comida. Mas ela defende a legalização. ‘Não é minha droga, mas não vejo razão para que não seja descriminalizada, legalizada e que pague impostos’, afirma.

Apesar de a heroína da trama se sustentar como traficante, Jenji diz que não levanta uma bandeira pró-drogas. ‘Nós não tomamos nenhuma posição, realmente tentamos ficar neutros. Não queremos dizer que é a melhor coisa, nem a pior. Apresentamos como algo que está aí fora, que pessoas usam no mundo todo’, afirma.

A polêmica do seriado não pára na questão das drogas. Aborto, religião, corrupção policial, política e crítica ferrenha ao governo Bush também aparecem em ‘Weeds’ – sempre com um tratamento irônico e um humor desconcertante.

Exemplos: Andy, o irmão maconheiro do finado marido de Nancy, entra para uma escola de rabinos apenas para driblar a convocação militar que o mandaria para a Guerra do Iraque; Shane, filho caçula da protagonista, ganha um debate sobre eleições diretas ou indiretas na escola, com um simples argumento: ‘George W. Bush!’

‘Acredito que as melhores comédias derivam de dramas reais. Esses assuntos são realmente sérios e nem sempre são analisados de forma equilibrada. Acho que se não houvesse humor as pessoas levariam muito, muito a sério’, diz Jenji.

Audiência

A estréia da terceira temporada nos EUA, há dois meses, bateu recorde de audiência da série. Foram 824 mil espectadores, 43% a mais do que o primeiro episódio da temporada anterior.

Para sua criadora, o sucesso tem a ver com o perfil ‘cinzento’ dos personagens. ‘Acho que ver personagens que erram, voltam atrás e tentam de novo causa identificação, o público se apega. É um alívio ver pessoas que falham e continuam no jogo’, teoriza ela.

A atriz Mary-Louise Parker, que ganhou o Globo de Ouro no ano passado pela interpretação de Nancy, seria outra razão para o êxito de ‘Weeds’. ‘Ela está brilhante no papel, pegou todas as características, os aspectos mais sutis e sublimes’, elogia.

Jenji faz coro com aqueles que acreditam que a ficção feita para TV norte-americana hoje é superior à do cinema. ‘O cinema se tornou uma espécie de açougue para os roteiristas se venderem aos pedaços. A televisão é o lugar para os autores mostrarem sua visão na tela, sem passar por vários filtros, como o crivo de produtores, e sem terem textos reescritos. Neste momento, a TV é um espaço mais puro.’

E o que ela vê na TV? ‘Adoro ‘Mad Men’, gosto de ‘The Flight of the Conchords’, acho ótimo ‘The Office’, e ‘30 Rock’ é brilhante, me faz rir muito.’ Na lista, entram ainda reality shows: ‘Top Chef’ -’que mostra ótimos cozinheiros competindo’- e ‘Survivor’.

‘Como roteirista, deveria dizer que os reality são ruins, que tiram os empregos dos autores, mas não é bem assim. O melhor é que posso assisti-los com meus filhos [de dois, seis e oito anos], já que não posso ver ‘Weeds’ com eles. Acho divertido para todos.’’

 

CINEMA
Luiz Fernando Vianna

Cineasta ‘independente’ filma Xuxa

‘O mundo alegre de Xuxa está nas mãos do cineasta que filmou o mundo cão da prostituição infantil no Brasil. Rudi Lagemann, que lançou em 2006 o duro ‘Anjos do Sol’, concluiu na última quarta-feira as filmagens de ‘Xuxa em Sonho de Menina’, produto da apresentadora para o próximo verão.

Ele diz que precisou pensar dois dias para aceitar o convite.

‘Refleti de que modo poderia influenciar em meus projetos, porque quase todos os filmes autorais são produzidos a partir de editais, decididos por uma comissão formada por profissionais da área, e eles poderiam pensar que, por eu dirigir a Xuxa, não precisaria dos editais. Mas vi que eu estava me armando de preconceitos. Aí decidi, pois tenho ojeriza à sacralização do cinema, como se ele fosse destinado só a nichos intelectuais e acadêmicos’, diz.

Foguinho, como é conhecido, diz que nunca se preocupou em pedir para Xuxa ver ‘Anjos do Sol’. Ela diz que não teve tempo, mas que verá em DVD. ‘Só vou ao cinema com a Sasha [sua filha de 9 anos], porque ela pergunta: ‘Como você vai sem mim?’. E esse filme não dá para ela ver’, explica a loira, 44, que abriu exceção para ‘Tropa de Elite’ -de que gostou muito.

Orçado em R$ 6 milhões, ‘Sonho de Menina’ é daqueles casos em que um cineasta de projetos não comerciais é incumbido de comandar um grande projeto comercial. ‘Anjos do Sol’ teve 80 mil espectadores, bom resultado para um filme com crianças violentadas, exploradas, assassinadas. Mas os filmes de Xuxa costumam vender cerca de 2 milhões de ingressos. O anterior, ‘Xuxa Gêmeas’, vendeu ‘só’ 1 milhão e foi considerado um fracasso.

‘Humor elegante’

‘Quero fazer entretenimento puro com reflexão, para que o público se divirta com um humor elegante, e não rasteiro ou óbvio’, professa Lagemann, 47, para quem ‘é mais difícil fazer um filme fácil que um difícil’.

E ele não é um guerrilheiro. Sua escola é a da publicidade -dirigiu dois comerciais com Xuxa, aliás. Ele não a vê como uma bruxinha dos baixinhos.

‘Ela se preocupa com o estado de coisas em que vive grande parte da infância brasileira. Sua carreira foi construída como são as carreiras destinadas ao público infantil no mundo, numa relação muito estreita com o mercado de consumo. Seu sucesso alimenta dúzias de preconceitos. E, como todo preconceito, é mais fácil exercê-lo do que indagá-lo’, defende.

Após 11 filmes com o produtor Diler Trindade, Xuxa se associou à Conspiração para contar a história de uma professora do interior que vira apresentadora de TV. Mas o novo longa ainda não foi feito como ela sonha. ‘Ainda está com cara de pizza, porque tivemos de fazer correndo [em 24 dias]. Quero fazer o próximo com calma, durante um ano’, planeja.

Ela já convidou o diretor para bisar a parceria em 2008, mas ele ainda não aceitou. Sabe-se que é uma adaptação de um clássico da literatura infantil brasileira, mas os direitos ainda não foram comprados. ‘É filme para ser inscrito em festivais internacionais’, diz Lagemann.’

 

TV ONLINE
Marco Aurélio Canônico

Hit no YouTube, piada com ‘Star Wars’ vira DVD

‘O traje negro e a voz cavernosa são os mesmos, bem como o sabre de luz e os poderes da Força, mas o único império em que este Vader circula é um mercadinho de frutas e comidas chamado Empire.

Ele é Chad Vader, o gerente diurno, irmão caçula de um dos vilões mais célebres da história do cinema, Darth Vader, de ‘Star Wars’.

Não saiu da mente de George Lucas, mas das de Matt Sloan e Aaron Yonda, dois videomakers amadores, de 34 anos, que criaram um dos maiores fenômenos da internet recente.

‘Chad Vader – Day Shift Manager’ é uma série humorística de oito episódios, criada em julho do ano passado e, desde então, já vista quase 20 milhões de vezes no YouTube, ganhando inclusive legendas em diversas línguas, até em português.

Agora, a série está sendo lançada em DVD no exterior (com um documentário, comentários e alguns vídeos extras), e sua segunda temporada já está em pré-produção.

‘Tínhamos empregos regulares, eu trabalhava em uma livraria, e Aaron, em uma loja de metais, e já vínhamos fazendo vídeos há anos’, conta à Folha, por telefone, Matt Sloan.

‘Chad Vader’ foi uma das idéias que tivemos; criamos ele para um site de vídeos, de lá alguém copiou para o YouTube e tudo aconteceu daí por diante.’

O ‘tudo’ que aconteceu não foi pouca coisa: Sloan e Yonda ficaram tão requisitados que contrataram um agente.

Eles estão entre os primeiros a assinar o contrato do Programa de Parceria Profissional do YouTube, pelo qual o site lhes paga um percentual (não divulgado) de seu lucro com anúncios, apenas para que continuem postando vídeos.

Neste mês, foram convidados pela Canon para participar de um vídeo promocional, ‘Batalha das Superestrelas da Internet’, onde atuam ao lado de outras celebridades instantâneas criadas pela rede.

Lado negro da gerência

O estilo de ‘Chad Vader’ lembra o do clássico indie ‘O Balconista’ (1994), de Kevin Smith: humor referencial, com citações da cultura pop (aqui, obviamente, centradas em ‘Star Wars’) e piadas que vão do pastelão ao refinamento.

Chad é o gerente diurno do mercado Empire, onde usa o mesmo tom grandiloqüente de Darth Vader para tratar de assuntos banais -é dessa postura deslocada que vem boa parte da graça da série.

Sloan e Yonda se dividem na interpretação do personagem: o primeiro lhe dá voz; o segundo, corpo. O traje que Yonda veste, aliás, representou o maior gasto que a dupla teve.

‘Toda a equipe e os atores trabalharam de graça. Pagamos uma quantia mínima para filmar na loja, compramos o traje de Vader por US$ 600 e, no total, gastamos US$ 1.500.’

E, ao contrário do que costuma acontecer nesses casos, os dois não tiveram problema por causa dos direitos autorais da Lucasfilm. Pelo contrário: Sloan, cuja voz, alterada eletronicamente, é quase idêntica à do ator James Earl Jones (que dublou o Vader original), foi contratado para dublar Darth Vader em videogames.

Os dois também receberam a bênção direta do próprio Lucas, que escolheu o vídeo de ‘Chad Vader’ como o melhor dentre os baseados em sua mitologia, premiando-o na Star Wars Celebration de maio passado.’

 

REALITY SHOW
Bia Abramo

Modelos esfolam e matam pela beleza

‘TODA VEZ que a TV brasileira copia reality shows de competição, cujo prêmio é, digamos, um lugar ao sol, é quase irresistível a tentação de entrar num modo comparativo: somos mais ou menos competitivos? Agüentamos a franqueza, quase cruel? Como as relações baseadas no afeto vão se dar num ambiente de esfola-e-mata?

Na mesma medida em que é irresistível, a resposta é quase sempre a mesma: não rola, quer dizer, ninguém aqui leva a coisa tão a sério que crie, de fato, aquele clima competitivo acirrado, capaz de realmente criar vencedores (e perdedores). Em todas as tentativas que se fazem por aqui -’O Aprendiz’, ‘Ídolos’ e, agora, ‘Brazil’s Next Top Model’-, há um não-sei-quê de falta de vontade e de disposição para o afrouxamento que acentuam o tom de caricatura.

O que só faz aumentar a diversão. Nas versões americana ou brasileira, o programa que confina aspirantes a modelo em uma casa e as faz passar o pão que o Diabo, vestido de Prada, amassou, pertence àquela categoria de atrações televisivas das quais sempre esperamos o pior, e cuja capacidade de viciar só aumenta quanto mais sádico e irrelevante ficar.

No ‘America’s Next Top Model’, o programa é conduzido por Tyra Banks, considerada uma espécie de deusa pelas garotas que querem se tornar modelos e que joga muito bem com a ambivalência do papel, oscilando entre o sarcasmo demolidor e o reconhecimento pelo qual as meninas anseiam. A maneira, entre solene e irônica, com que anuncia uma eliminação (‘Tenho aqui as fotos de duas garotas lindas, mas apenas uma vai continuar a disputar o privilégio de ser a próxima top model da América’) corta como navalha as esperanças das meninas e as leva, quase sem exceção, às lágrimas.

Aqui, as lágrimas fluem com muito mais facilidade, apesar de a hostess brasileira Fernanda Motta não chegar aos pés da manipulação perversa de Banks (talvez Betty Lago fosse uma boa alternativa em território nacional no quesito ironia). As meninas, menos preparadas e menos resistentes à frustração do que as americanas, se desestruturam a torto e a direito, o que, claro, em geral redunda em desastre nas provas.

O que estraga um pouco o divertimento não é o tom cinzento de culpa que acaba se abatendo (tudo bem, as garotas escolheram estar lá, mas são tão magrinhas e solitárias…), mas a absoluta irrelevância desse mundo: para que tudo isso? Ok, individualmente pode representar, de fato, uma oportunidade de trabalho, mas, no grande quadro, que beleza é essa feita de tanta humilhação?’

 

REVELAÇÃO
Folha de S. Paulo

Dumbledore é gay, diz autora de ‘Harry Potter’

‘A escritora britânica J.K. Rowling, autora da série ‘Harry Potter’, revelou que o personagem Alvo Dumbledore, o sábio diretor da escola de bruxos Hogwarts, é gay. A revelação foi feita na sexta-feira no Carnegie Hall, em Nova York, onde ela foi promover o sétimo e último livro da série, ‘Harry Potter e as Relíquias da Morte’.

Questionada sobre ‘o verdadeiro amor’ do personagem, Rowling respondeu: ‘Dumbledore é gay’, e explicou que ele se apaixonara pelo bruxo das trevas Grindelwald. Ao ouvir os aplausos da platéia, após a surpresa inicial, completou: ‘Se soubesse que a notícia os faria felizes, teria dito antes’.’

 

ARTE
Jorge Coli

Do que a arte é feita

‘Paolo Veronese, mestre do Renascimento, pintara para o refeitório dos beneditinos, na ilha de San Giorgio Maggiore, em Veneza, uma pintura representando o episódio bíblico das bodas de Caná.

Veronese adaptara a tela enorme, 6,77 m x 9,94 m, à sala criada por Palladio. É em 1563 que, maravilhados, os venezianos assistem à conjunção criadora desses dois gênios. Porém, no final do século 18, o general Bonaparte invade a Itália. Como butim, leva obras de arte para o Louvre, museu universal que então se formava em Paris.

Entre elas estava a imensa pintura de Veronese. Até hoje os venezianos não se conformaram com o rapto. Ora, o ‘New York Times’ traz um artigo contando que ‘As Bodas de Caná’ voltaram para o velho refeitório do convento.

Não o original, que continua no Louvre. Dele foi feita uma cópia digital idêntica. Nada desses sucedâneos aproximativos, tristes e anêmicos. Um clone, com o mesmo exato colorido, com matéria equivalente, com os acidentes e o relevo sutil da superfície pictural sobre tela. A palavra clone foi usada como sinônimo de monstruosidade por um universitário italiano a respeito dessa réplica.

Adam Lowe, autor da reprodução, a recusa: ‘Nossa obra não é um clone, mas um profundo estudo detalhado’. Resta que, monstro ou não, a metáfora do clone é bem tentadora. Outro crítico, Pierluigi Panza celebra: para ele trata-se do ‘terceiro milagre’.

Entende-se: o primeiro foi quando, em Caná, Cristo transformou a água em vinho. O segundo, a própria pintura de Veronese, grande obra-prima. O terceiro, a reprodução que, dizem, o olho não consegue distinguir do original.

Impalpável

Pode ser que haja exagero. Pode se tratar de um mero factóide. No entanto a hipótese de uma identidade absoluta entre ‘As Bodas de Caná’ e sua cópia reforça várias questões teóricas. Mesmo quando a perfeita imitação não ocorre, situações desse tipo indicam que a dimensão mais crucial da arte está na aparência, não na matéria.

Essa dimensão se vincula à idéia de semelhança que, ao contrário da imitação, suscitou pouca teoria. Proust a emprega como formidável meio de compreensão do mundo. Seu narrador discorre sobre pinturas a partir dos mais diversos tipos de reprodução: gravuras, cópias, fotos. Embora não seja o universo da teoria, mas do romance, Proust sugere que a característica mais definidora da arte é imaterial.

Faz-de-conta

A arte tem sua junção entre aquilo que a obra oferece ao espectador e o que é captado por ele. Está numa terceira margem do rio. Perder sua materialidade de coisa é o que lhe permite passar do original para as cópias, réplicas, citações, lembranças, múltiplos.

Sonhos

A existência da obra para além de sua materialidade contraria o fetichismo do objeto artístico, que os românticos sublinharam tanto, confundindo arte e relíquia. Walter Benjamin herdou deles as convicções expostas no texto conhecido sobre ‘a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica’, em que vislumbra uma aura exclusiva própria dos originais, capaz de ser detectada sabe-se lá por quais poderes.

Uma tal imaterialidade contraria também o mercado das artes, que sempre engorda com a sobrevalorização dos originais. Qual é o autêntico: o quadro original de Veronese, que está no Louvre, fora do seu lugar, de sua escala, em concorrência com outras obras, ou a réplica perfeita, instalada na luz e no espaço únicos para os quais foi concebido?’

 

LITERATURA
Laura Thompson

O mistério de Agatha Christie

‘É estranho como alguém pode dedicar anos a um livro -no meu caso, a uma biografia de Agatha Christie- e, a seguir, lembrar tão pouco sobre o processo de tê-lo escrito. Minhas memórias dessa batalha praticamente desapareceram. Suponho que se trate do equivalente literário a esquecer as dores do parto.

Há momentos, porém, em que sei que me pareceu difícil trazer Agatha à vida. Sua imagem -a de uma dama gentil de classe média alta, dotada de talento incomum para criar enigmas- ocasionalmente parecia impenetrável, o que suspeito tenha sido sua intenção.

Poucas das pessoas que a conheceram de mais perto continuam vivas, e mapear seus relacionamentos foi difícil.

E, quando localizadas, as pessoas que pretendia entrevistar provavam ser parecidas com Agatha Christie: corteses, reticentes e antiquadas -de forma nenhuma o tipo de personalidade que se dispõe a compartilhar seus pensamentos com um escritor.

Persuadi-las a fazê-lo foi provavelmente a parte mais árdua do meu trabalho (‘Agatha Christie – An English Mistery’, Agatha Christie – Um Mistério Inglês, Review, 416 págs., 20 libras, R$ 78), e parecia muito pouco relacionada à redação de um livro.

Coisas como essa são parte do processo de construção de uma biografia. Por vezes, esse tipo de trabalho pode se tornar insuportavelmente frustrante, como se a pessoa que serve de tema ao trabalho estivesse conspirando contra seu desejo de simplesmente escrever um livro.

Não conte tudo

Sempre pensei que biografias fossem simples livros; que elas deviam criar uma narrativa de maneira tão legível quanto possível e levar em conta a advertência de Voltaire: ‘Se vocês desejam entediar seus leitores, contem-lhes tudo’.

Quando primeiro decidi escrever sobre Agatha Christie, nem mesmo considerava a hipótese de produzir uma biografia propriamente dita.

Sua ficção de mistério me fascinava havia muito, e me parecia que uma reavaliação era necessária; mais tarde, eu me apaixonei pelos seis romances que ela escreveu sob o pseudônimo de Mary Westmacott.

Assim, a concepção original de meu livro era como uma evocação, um estudo, e não uma biografia plena.

A biografia ainda é vista freqüentemente como uma habilidade especial de localizar o maior número possível de fatos e montá-los de maneira representativa, como se cada pedaço de papel, cada entrevista, fosse uma pista que conduz a uma solução clara. No dia tal e tal o biografado disse isso; na semana seguinte, fez aquilo; em 1935, escreveu aquilo mais -e eis que temos um retrato concluído!

Indústria da biografia

Basta imaginar um biógrafo tentando narrar nossas vidas, dentro de 50 anos -os idiotas com quem eles podem vir a conversar sobre você, os motivos que podem atribuir a ações que você mesmo mal compreendia- para vislumbrar até que ponto a indústria da biografia repousa sobre bases precárias.

Especialmente no caso de alguém como Agatha Christie, cujo grande desejo era usar a fama como uma cortina por trás da qual se proteger.

Após 1926, quando passou 11 dias desaparecida após seu primeiro marido lhe dizer que estava apaixonado por outra, ela se tornou uma pessoa obsessivamente discreta. Mas a ironia é que deixou uma verdadeira montanha de pistas.

E, quando tive acesso a elas, cerca de um ano depois de assinar o contrato para meu livro, subitamente me vi em posse de material novo.

Na velha casa de Agatha em Devon -a bela e mágica Greenway House, uma casa branca, quadrada, da era georgiana, cercada de árvores retorcidas- havia salas e mais salas repletas de papéis, baús contendo montanhas de cartas, guarda-roupas que abrigavam casacos de pele ainda enfeitados por um leve traço de perfume, caixas contendo trajes de batizado, livros de recortes, álbuns fotográficos. Fui à casa pela primeira vez para ser apresentada a Rosalind, filha de Agatha, ocasião maravilhosa, mas fonte de grande ansiedade. Quando Rosalind morreu, em 2004, seu filho, Matthew, me deu acesso a tudo que a casa continha.

O amoroso desmazelo das memórias acumuladas era pungente -em especial a pasta, marcada pelas iniciais de Agatha, na qual ela guardava as cartas que lhe foram escritas por Archie Christie, com quem se casou em dezembro de 1914 e por conta de quem, 12 anos mais tarde, sofreria um colapso nervoso e desapareceria.

Pela primeira vez percebi que aquilo que uma pessoa preserva, aquilo que mais tarde se torna ‘material’ para um biógrafo, tem significado não só intrínseco mas também ainda por existir.

De 1926 até sua morte, quase 50 anos mais tarde, Agatha guardou as cartas de amor de Archie. Elas eram mais que material para meu trabalho. Diziam algo mais que as palavras que continham. Lendo-as, segurando-as nas mãos, senti a história de meu livro começando a surgir. Na medida em que isso é possível, tentei fazer dele a história de Agatha.

A íntegra deste texto saiu no ‘Independent’. Tradução de Paulo Migliacci.’

 

INGMAR BERGMAN
Geoffrey MacNab

‘Hollywood não serve’

‘Cary Grant em ‘O Sétimo Selo’? Laurence Olivier em ‘Morangos Silvestres’? Jennifer Jones em ‘Monika e o Desejo’? Robert Ryan em ‘A Fonte da Virgem’?

Harry Belafonte em ‘Gritos e Sussurros’? Jean Seberg em ‘Persona’?

É claro que escalar esses atores para os filmes de Ingmar Bergman teria sido absurdo.

No entanto encontrei documentos no Arquivo Ingmar Bergman do Instituto Sueco de Cinema que demonstram que todas eles discutiram a possibilidade de trabalhar com o cineasta, em diferentes ocasiões. Em uma palestra a alunos da Universidade de Lund, em 1959, sobre ‘o que é preciso para fazer um filme’, Bergman disse que os cineastas são como magos, mas sua capacidade de criar mágica depende da capacidade dos filmes que dirigem para gerar dinheiro. No momento em que os filmes perdem sua audiência, ‘o mago perde sua varinha de condão’.

Estamos tão acostumados à idéia de Bergman como um grande diretor do cinema de arte europeu que é fácil ignorar as batalhas que ele -como qualquer outro cineasta- teve de travar com os investidores, produtores e distribuidores quanto à seleção dos atores que viriam a integrar seus elencos.

‘Produzir uma enorme tênia de 2.500 metros de comprimento, que suga vida e alma dos atores, produtores e diretores. É isso que fazer um filme envolve’, explicou, em tom sombrio. ‘Isso e muitas outras coisas, e coisas muito piores.’

Bergman considerava o ‘negócio’ do cinema desgastante e ocasionalmente destrutivo para o espírito. ‘Seria interessante’, sugeriu, ‘se um dia um cientista fosse capaz de inventar uma escala de mensuração capaz de estabelecer quanto talento, determinação, iniciativa, gênio e capacidade de criação foram destruídos pela indústria em sua impiedosa máquina de salsichas’.

Parte da grandeza de Bergman residia na abordagem inflexível de seu trabalho -na sua recusa em ser processado pela máquina de salsichas.

Exposto a tentações

Mesmo assim, ao ler as cartas de negócios que ele trocava com seus agentes nos EUA, é possível perceber rapidamente que ficou exposto a muitas tentações e, como quase todos os outros grandes diretores europeus que o precederam, chegou bem perto de ser cooptado por Hollywood.

No começo dos anos 1960, Bergman era uma força importante no mercado norte-americano. ‘A Fonte da Virgem’ (1960) conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro. ‘O Sétimo Selo’ e ‘Morangos Silvestres’ (ambos de 1957) haviam conquistado sucesso no circuito de cinema de arte. Os estúdios de Hollywood estavam desesperados para trabalhar com Bergman e dispostos a lhe pagar muito dinheiro.

‘Meu sucesso depende de produzir filmes, que escrevo e dirijo sozinho’, escreveu aos seus agentes norte-americanos, em 1959. Exibindo ou ingenuidade ou uma notável ousadia, ele perguntou se Hollywood estaria disposta a simplesmente ‘encomendar um filme meu, da mesma maneira que alguém encomenda um quadro ao pintor, sem primeiro dizer ao artista como o quadro deve ser. Acredito que essa seria a melhor das idéias’.

Mas não era algo que pudesse acontecer, concretamente. O ponto de vista do sistema de Hollywood era tornar os cineastas parte da máquina. Eles eram mimados e recebiam pagamentos obscenos, mas eram obrigados a sacrificar sua independência. Essa era a natureza da barganha com o diabo que eles tinham de aceitar.

Como respondeu o agente de Bergman em uma carta, ‘no momento, não acredito que os grandes estúdios -e só eles são capazes de financiar produções importantes- simplesmente encomendem um filme feito por você, da forma que alguém encomendaria um quadro’.

Lisonjeado

Mesmo assim, o cineasta sueco se sentia curioso e lisonjeado com o interesse que Hollywood demonstrava.

Uma das primeiras -e menos plausíveis- propostas que recebeu dos EUA era para que dirigisse o cantor e ator Harry Belafonte em uma cinebiografia do escritor russo Alexander Púchkin, em 1959.

‘Eu agora abandonei em mente a idéia de fazer o filme de Belafonte’, escreveu Bergman (em seu inglês idiossincrático) ao agente Bernie Wilens, da William Morris, a agência que o representava nos EUA. ‘Acredito que B não seja o ator que criará o gênio de Púchkin.’

Eles continuaram a sugerir novos projetos que poderiam apresentar Bergman ‘ao público norte-americano’. Não demorou muito para que propusessem a Bergman um filme intitulado ‘Jean Christophe’, que seria estrelado por Hope Lange e produzido pelo marido da atriz, Don Murray.

‘Hope Lange estrelou alguns filmes aqui. O senhor sem dúvida deve ter visto ‘Sob o Signo do Sexo’ e ‘Caldeira do Diabo’, escreveu Wilens a Bergman, demonstrando confiança injustificada. Se havia um filme que Bergman provavelmente não teria assistido seria um melodrama de Hollywood como ‘Caldeira do Diabo’. Mais um projeto abandonado.

David Selznick (um dos mais famosos produtores da história de Hollywood) convidou Bergman para passar uma semana com ele em Nassau a fim de discutir possíveis colaborações. Selznick acreditava que Bergman seria o diretor ideal para uma adaptação do romance ‘Vitória’, de Joseph Conrad. Afinal, o cineasta sueco já havia trabalhado com Selznick.

‘Na época eu era muito jovem e escrevi um roteiro de ‘Casa de Bonecas’, de Ibsen, para o cinema’, relembrava Bergman. ‘O sr. Selznick ainda me devi (sic) US$ 2 mil, que eu tinha o direito, pelo nosso contrato, de receber. Quando eu pedi que o contrato fosse cumprido, o representante de Selznick respondeu que eu deveria estar feliz por ter recebido alguma coisa.’

Bergman ficou furioso quando as revistas especializadas em cinema anunciaram prematuramente que ele havia assinado um contrato com a Paramount. E tampouco se impressionava com os telefonemas nos quais os dirigentes do estúdio o cortejavam em pessoa. ‘Muitas vezes cogito sobre esses produtores’, escreveu.

‘Quando eles são apresentados a um artista, o tempo todo falam sobre como eles mesmos são artísticos. Falam de suas vidas, de suas complicações no casamento, de suas brincadeiras e de seus filmes. Eles ponderam e medem ininterruptamente o artista com quem estão falando e, inconscientemente, expõem sua espantosa falta de qualidades espirituais.’

O diretor sueco admitia que seus encontros com os chefões dos estúdios o faziam recordar do famoso encontro entre Samuel Goldwyn e o dramaturgo George Bernard Shaw. ‘Caro Sr. Goldwyn, depois de nossas longas conversas agora compreendo que o senhor se interessa pela arte, e, eu, pelo dinheiro’, Shaw teria dito ao magnata do cinema.

Mesmo assim, houve um projeto nos EUA que efetivamente atraiu o interesse de Bergman -uma adaptação de ‘A Queda’, de Albert Camus.

Os direitos do romance haviam sido adquiridos pelo produtor Walter Wanger (veterano de Hollywood que havia trabalhado com Alfred Hitchcock e Fritz Lang).

Quando o projeto foi ventilado pela primeira vez, no final dos anos 1950, Camus ainda era vivo, e Bergman estava ávido por trabalhar com ele. Os primeiros sinais foram promissores. O diretor claramente se sentia fascinado pelo livro de Camus (sobre um advogado que cai em desgraça) e estava determinado a fazer um filme ‘sem meias-medidas, verdadeiramente impiedoso’.

Não havia chance de isso acontecer. Os agentes já estavam ocupados fuçando na proposta do roteiro. A United Artists, a produtora envolvida, queria Grant e Ryan para os papéis principais. Bergman imediatamente rejeitou a idéia. ‘É uma coisa óbvia que eu mesmo vou escolher os atores’, protestou. ‘Cary Grant é um ótimo ator de comédia, mas não tem as qualificações para interpretar o advogado em ‘A Queda’.’

Foi até sugerido que Grant (admirador de Bergman) se encontrasse com o diretor em Londres para tentar convencê-lo a mudar de idéia. O diretor sueco recusou o encontro. E tampouco se mostrou mais receptivo quando Laurence Olivier foi sugerido como alternativa para o papel.

Depois que Camus morreu, em 1960, ele abandonou a idéia de dirigir ‘A Queda’.

Projetos norte-americanos continuaram a ser sugeridos, mas àquela altura até mesmo os agentes aceitavam, se bem que a contragosto, que Bergman não era mais um diretor mercenário, pronto a se integrar ao mais novo ‘pacote’ de Hollywood, condicionado à participação de astros. Ele viria a fazer filmes em inglês (‘A Hora do Amor’ e ‘O Ovo da Serpente’) e a trabalhar com atores norte-americanos (Elliott Gould e David Carradine, respectivamente).

Jean Seberg o assedia

No entanto a idéia -que parecia plausível no começo dos anos 60- de que ele viesse a seguir os passos de colegas suecos como Victor Sjöström e Mauritz Stiller e tentar carreira em Hollywood não demorou a ser abandonada.

Mesmo assim, algumas figuras de Hollywood continuaram intensamente curiosas sobre ele. Entre as mais pungentes cartas de negócios do arquivo Bergman, há uma mensagem enviada a ele por Jean Seberg, a cultuada atriz norte-americana, em janeiro de 1979, o ano em que ela viria a se suicidar.

‘O senhor é um homem muito ocupado, e serei breve’, ela escreveu com uma esferográfica azul em carta endereçada a Bergman na Companhia de Ópera de Estocolmo. ‘Há muitos anos desejo trabalhar com o senhor. Talvez o senhor conheça meu trabalho no cinema, por exemplo ‘Acossado’ e ‘Santa Joana’ [dirigido por Otto Preminger]’.

Ela informou a Bergman que pesava 40 quilos e tinha 47 anos. ‘Pareço-me um pouco com Bibi Andersson’, ela sugeriu. Era fato -ela se parecia demais com Andersson, uma das mais conhecidas atrizes de Bergman. Ambas tinham algo de sílfide, com cabelos loiros cortados à escovinha. Em um pós-escrito, ela perguntava: ‘O senhor já fez psicanálise?’.

A carta estava escrita em sueco, um idioma que Seberg estava apenas começando a aprender (talvez com o propósito expresso de abordar Bergman). ‘Não seria possível, pergunto humildemente, tentarmos fazer um filme juntos?’, ela perguntava, e se despedia com: ‘Da melhor amiga que o senhor pode ter’. Bergman, ao que parece, não respondeu.

Este texto foi publicado no ‘Independent’. Tradução de Paulo Migliacci.’

 

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