Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que a mídia pode fazer pelas jovens

A mídia, em sua obsessão por celebridades, já começou a tratar mortes por anorexia como fato rotineiro. Pelo menos quando a vítima é pessoa comum, como a estudante de 23 anos que morreu em Jaú, interior de São Paulo, no dia de Natal. A matéria, publicada no dia 26, contava o caso médico, dava depoimentos de amigos e lembrava casos mais famosos, como o da modelo Ana Carolina Reston. Modelo que virou capa de revistas e causou certo alvoroço nos jornais diários. Contando com Ana Carolina, são três mortes desde novembro, mas nem por isso a imprensa se mobilizou para dar ao assunto o destaque merecido. A nova vítima de anorexia logo vai cair no esquecimento, exatamente como aconteceu com as outras moças.

E essa atitude só confirma o acerto do Observatório na TV [ver remissões abaixo] ao discutir o problema e o comportamento da mídia em relação ao assunto (12/12/2006). No programa, a conclusão foi de que a mídia é contraditória: de um lado, condena os exageros e, de outro, incentiva as leitoras a fazer cirurgia, dieta e tratamento para ter o corpo das modelos que dominam as revistas, das capas à ultima página. Modelos que representam o atual padrão de beleza com seus corpos magros – naturalmente ou à custa de muito sacrifício – inatingível pelas mulheres comuns.

Mulheres – especialmente as mais jovens – que fazem qualquer sacrifício para chegar a esse padrão artificial de beleza. Em busca desse ideal, acabam ficando doentes, física ou psicologicamente. Ou então, como denunciou O Estado de S. Paulo (24/12/2006), recorrem a recursos não menos perigosos, do tipo cirurgias plásticas:

‘No país que só perde para os Estados Unidos em número de cirurgias plásticas e onde a lipoaspiração responde por mais de metade desses procedimentos, não ia demorar muito para a moda atingir adolescentes. Das 650 mil intervenções feitas no ano passado no País, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, cerca de 15% foram em jovens de 14 a 18 anos – quase o dobro do registrado em território americano’.

Imagine quantas cirurgias a mais teríamos se no Brasil, a exemplo dos Estados Unidos, os cirurgiões plásticos pudessem anunciar livremente na televisão. A desculpa dos cirurgiões americanos é que cirurgia plástica é tratamento de saúde, o que pega bem num país que já tem na obesidade um de seus mais sérios problemas de saúde, encarado como verdadeira epidemia.

De novo

Mas, se lá os cirurgiões têm os obesos entre seus maiores clientes, aqui a situação é bem diferente. A doença dos clientes dos cirurgiões brasileiros, se há alguma, está mais para desvio psicológico, preguiça e falta de disciplina, especialmente entre as adolescentes, como uma das entrevistadas pelo jornal, uma jovem de 17 anos, que pesava 74 quilos (1,63m de altura) e tinha seis meses para consegui entrar num vestido de festa:

‘Sempre usei calça jeans muito baixa e marcou meu corpo, ficou feio demais, aquele pneuzinho aparecendo dos lados. Ia para spa nas férias e nem assim emagrecia. Hoje, com a lipo, é muito mais fácil. Foi a melhor coisa que eu fiz na vida’.

A moça é, segundo o cirurgião plástico Raul Gonzáles, um exemplo típico das jovens que procuram a cirurgia como solução para conseguir perder peso:

‘Até os anos 90, a maioria das mulheres era um pouco mais velha e queria fazer culote. Nos últimos anos, com a moda das calças de cintura baixa, o lugar mais pedido são as ancas, esses pneus em torno da barriga, e cerca de 30% das minhas clientes têm até 18 anos’.

A conclusão do cirurgião reforça a tese levantada no Observatório na TV, de que os estilistas são os grandes ditadores e de que a imprensa falha ao aceitar as imposições dos criadores de moda sem discutir os efeitos que causam na população. Como estamos descobrindo agora, além do efeito primário de enfear quem não tem corpo de modelo, as roupas justas demais e de cintura baixa, por exemplo, acabam forçando a busca de uma solução rápida para o que – antes considerado normal – virou ‘defeito’.

‘Defeitos que’, segundo os médicos entrevistados pelo Estadão, ‘vão aparecer de novo se a cirurgia não for acompanhada por mudanças na alimentação e no estilo de vida’. O que levará, é claro, a mais uma e outra cirurgia plástica.

Primeiro passo

Qual o papel da mídia nessa história? Para os adultos, informar. Para os jovens, fazer filme de terror, mostrando que a lipo, ou qualquer outro tipo de solução – dieta, exercícios etc. –, só terá efeito a longo prazo se o paciente tiver disciplina para mudar a maneira de ser.

A psicóloga Jane Felipe, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pesquisadora da relação entre o corpo e os estímulos socioculturais, é quem afirma: ‘Ao crescer com essa imagem de que, por não estar igual à modelo de capa de revista, que além de tudo teve a imagem corrigida por computador antes de ser publicada, as adolescentes perdem a confiança nelas mesmas, crescem sem se aceitar e projetam no corpo um ideal a ser alcançado. Temos hoje o corpo como projeto e não mais como herança. Há atualmente uma urgência em ter esse corpo perfeito e os resultados têm de ser alcançados rapidamente. Por isso tantas cirurgias, tatos tratamentos milagrosos, e até mesmo tantos distúrbios alimentares’.

Não podemos pôr toda a culpa na mídia. Os pais (que pagam as cirurgias) e os criadores de moda (que fazem roupa para mulheres muito magras) também têm culpa nesse cartório. Mas não podemos esquecer que estilistas dependem da mídia para se promover e os pais são vítimas das chantagens emocionais dos filhos que lêem revista e vêem TV. Então, se a mídia der o primeiro passo, procurando desmistificar modelos como o referencial máximo de beleza, talvez as coisas comecem a mudar.

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Jornalista