REFERENDO
Venezuela e Hugo Chávez: de novo a imprensa comeu bola, 3/12
‘De novo nossa imprensa comeu bola sobre a Venezuela. Em 2002 foi aquela vergonha dos nossos semanários e comentaristas saírem soltando foguetes na sexta-feira cantando em prosa e verso a queda de Hugo Chávez, enquanto no domingo à noite nele reentrava vitoriosamente no Palácio Miraflores reconduzido pelo povo e por militares legalistas que rejeitaram o tradicional papel sujo que as classes dirigentes sempre atribuíram às Forças Armadas na América Latina.
Desta vez foi o contrário. Embalados por bocas de urna duvidosas, comentaristas no domingo à noite e os jornais conservadores na segunda pela manhã anunciavam a vitória do ´sim` no plebiscito venezuelano. As violas, violinos, guitarras, cellos e trombetas já se afinavam à torto e à direita. Seria uma vitória ´apertada` numa ´Venezuela dividida` e que permaneceria dividida enquanto Hugo Chávez permanecer no poder. Também se lançaria mão dos conhecidos acordes das ´instituições em perigo´, do ´enterro da democracia´, e por aí afora e adentro.
Pois o ´não` ganhou. De repente, passou a importar pouco que as diferenças nas duas partes do plebiscito ficaram em torno de 1%, 1,5%. As manchetes do conservantismo proclamaram em uníssono: ´A Venezuela´, assim em bloco, ´A Venezuela disse não à reforma de Chávez´.
De quebra, ainda no domingo, falava-se da pesquisa sobre terceiro mandato no Brasil como se a rejeição a essa proposta fosse uma ´derrota` para Lula. Enfim, é ainda a busca pelos derrotados em outubro do ano passado por impor alguma ´derrota´, seja ela qual for, à vitória de Lula que tiveram de engolir.
Voltando à Venezuela. A vitória apertada do não e as reações subseqüentes confirmaram duas teses que estiveram presentes nas análises aqui da Carta Maior.
A primeiro é a de que o projeto de Chávez passava por dificuldades, que perdera apoios importantes e que as radicalizações do discurso do presidente venezuelano no plano externo visava provocar uma coesão que lhe faltava. Chávez embrulhou importantes e democráticas reformas no plano social com uma abertura para uma continuidade ilimitada no poder, o que provocou dois resultados complicados:
1) Perdeu apoio entre a intelectualidade e em setores do campo estudantil. Pode ser que setores universitários tenham se sentido ameaçados em suas prerrogativas pelas propostas igualitaristas que vinham no bojo do plebiscito. Mas houve uma perda de ´impulso ideológico` que abriu espaço para posições contrárias às reformas. O plebiscito, tão complexo em sua totalidade, tendeu a se transformar na resposta a uma única questão, se Chávez poderia continuar indefinidamente na presidência, até que a morte os separasse (não são tolices as alegações de que ele possa ser assassinado), ou não. Isso ´emparedou` o plebiscito e, se de um lado, mostrava a força do carisma do presidente, de outro expunha uma das fragilidades do movimento bolivariano, que é a dependência com exclusividade do comandante e do comando de Hugo Chávez. É verdade que, confirmando tese de Max Weber recentemente lembrada por José Luís Fiori em entrevista à Folha de S. Paulo, na América Latina tradicionalmente políticas inclusivas sempre foram bandeira de políticos carismáticos, de estilo acaudilhado e acaudilhantes, nunca dos nossos políticos liberais, que em geral representam aqueles que não se liberam jamais da visão de seus foros de privilégio e de benesses estatais chamadas de ´investimento´. Vejam-se os exemplos históricos de Vargas, Perón e Cárdenas
2) A segunda tese presente em análises na Carta Maior foi comprovada, pelo menos de momento, pela reação do presidente Hugo Chávez ao resultado negativo no plebiscito. Ao contrário da direita venezuelana, que não aceitaria a vitória do ´sim´, e da direita internacional, inclusive na imprensa, que já preparava a tese da fraude eleitoral, Chávez aceitou de pronto o resultado, ainda que declarasse que o projeto continua de pé. Sua declaração sobre a manutenção do projeto não contraria prática democrática nenhuma. Por exemplo, o projeto de independência ou de maior autonomia do Québec em relação ao restante do Canadá já foi plebiscitado duas vezes nos últimos 28 anos, sem que se levante um único comentarista irado dizendo que isso afronta a democracia. Na América Latina quem volta e meia não respeitou resultado eleitoral ou plebiscitário foi a direita, ou dando golpes depois ou mesmo antes, como nas recentes eleições mexicanas, seguindo o exemplo inaugurado pela ´eleição` de Bush filho com a trucagem na Flórida. O comportamento de Chávez comprovou nosso comentário de que na Venezuela sim dividida entre uma massa popular permanentemente excluída da vida republicana e dos direitos da cidadania e uma minoria de privilegiados que patrocinavam um sistema político fechado e inextrincavelmente corrupto, Chávez é um ponto de equilíbrio, e não o contrário.
As manchetes conservadoras se perguntam com estardalhaço qual será agora o futuro de Hugo Chávez e de seu governo. É bom nos perguntarmos qual será o futuro da direita venezuelana, impulsionada por esta inesperada e até incômoda vitória no plebiscito de domingo passado. (Incômoda porque lhe traz a obrigação da democracia, o que é um peso para ela). Retomará sua inspiração golpista que pode lançar o país numa guerra civil?’
MÍDIA E GOVERNO
O strip-tease da Folha de S.Paulo, 2/12
‘Que não existem manchetes inocentes todos sabemos. A da primeira página da Folha de S.Paulo,de domingo, 2/12/2007(´65% rejeitam 3º mandato para Lula´), além de não ser exceção, tem dois méritos: revela a pretensão do jornal paulista em distorcer fatos e números de acordo com seus sagrados desígnios, além de evidenciar o papel da grande imprensa como elemento central das articulações das forças conservadoras.
O editorial (´Mania de mudança´) justifica o expediente ilusionista da capa. Trata-se de ´dar por encerrado o capítulo das grandes reformas que envolvem ciclos eleitorais. O apaziguamento dos partidos a esse respeito é passo crucial para que instituições mais específicas da política, como a fidelidade partidária e o sistema de voto, possam ser aperfeiçoados´. Belas palavras para um exercício tão pobre de tergiversação.
Não consta que o governo Lula tenha qualquer vocação autocrática, como gostam de afirmar seus detratores. E muito menos que os processos em curso na América Latina apontem para autocracias. É bom lembrar ao desavisados que o antônimo de oligarquia não é tirania. E as reformas no país venezuelano não significam ditadura à vista.
Confundir, deliberadamente, proposição de um parlamentar para que o presidente possa convocar plebiscitos com aspiração a terceiro mandato faz parte da estratégia política de um projeto derrotado nas urnas. Sem projeto alternativo, vive na lógica enviesada dos factóides que redações prestimosas logo inserem na pauta das discussões políticas. Mas o que título oculta? Na página A-4, é revelado que para 63% dos entrevistados nenhum presidente deve ter esse direito. ´O percentual sobe para 66% quando se trata de governadores e vai a 67% no caso de prefeitos´. A rejeição a um terceiro mandato não é,portanto, exclusividade do presidente, como é sugerido na esmerada capa.
Se o que define uma manchete é seu caráter remissivo ao que há de mais importante dentre as notícias contidas numa edição, os editores da Folha, numa hipótese tão ingênua quanto remota, não conhecem o ofício.
Se aceitarmos que todo procedimento que falseia a realidade é de ordem ideológica, precisamos folhear o diário da família Frias para chegarmos ao que se busca ocultar. Somente na décima segunda página descobrimos o que produziu o conteúdo estampado na vitrine do produto: Em relação à pesquisa anterior, houve uma oscilação positiva de dois pontos percentuais na avaliação do governo. E, fato crucial para redatores zelosos do seu dever de classe, ` a aprovação do governo subiu na região Sudeste, entre brasileiros que integram famílias com renda acima de dez salários mínimos, e os que vivem em capitais, e também os mais escolarizados´. Ou seja, o aumento de popularidade de Lula também se dá no universo dos leitores da Folha. Um baque para os combatentes Clóvis Rossi, Eliane Catanhêde e Josias de Souza, entre tantos outros.
Como ficam os analistas políticos que, na última pesquisa do Ibope, afirmavam que a oscilação negativa, dentro da margem de erro, sinalizava para uma inequívoca tendência de perda de popularidade do governo? O que tem a dizer, agora, a distinta Lúcia Hipólito, uma das mais falantes ´meninas do Jô´? São ´momentos dramáticos` para jornalistas e acadêmicos de inclinação tucana.
A pesquisa sai quando soa o alarme para os jornalões. Há movimentos significativos na superfície na política econômica do governo. Já se fala em redução do superávit primário, queda nos juros e intervenção no câmbio. São coisas intragáveis para colunistas que tanto exaltam as virtudes de arrocho fiscal e choque de gestão.
No mais, o que o Datafolha revela quanto a intenções de voto para 2010, é absolutamente previsível Que os nomes que disputaram a última eleição presidencial fossem mais lembrados não é surpresa. Isso explica a liderança de Serra e, principalmente, o fato de as intenções de voto em Heloísa Helena serem quase o triplo do percentual alcançado por ela no ano passado. Mas seria interessante, do ponto de vista metodológico, incluir Lula em um dos cenários. Apenas como exercício projetivo. E se ele ficasse à frente do governador paulista, como se sustentaria a manchete dominical?
Estamos diante de uma primeira página emblemática. Expôs disputa entre as frações do PIG. Mostrando uma insuspeita desenvoltura, a Folha rebolou em trajes íntimos, alcançando a pole dance do cabaré demo-tucano. Não demora muito e o Globo a desbanca. É uma questão de tempo.’
CRIME
Um assassinato que não é notícia
‘SÃO PAULO – Saiu no portal Terra, por iniciativa de um internauta. Mesmo assim, passados quatro dias, nenhum dos jornalões noticiou até hoje o assassinato de Geraldo de Souza Dias, ex-prefeito petista de São Bento do Sapucaí e candidato forte na campanha do ano que vem. O crime aconteceu na sexta-feira (30). Nem mesmo a forma escabrosa do assassinato fez do fato uma notícia nos jornalões: de noite, ao chegar ao seu depósito de materiais de construção, foi pego por quatro encapuzados e enforcado com fios. ´Uma morte horrorosa. O corpo ficou exposto do lado de fora da loja, de modo que quem passava na estrada podia ver´, relata um dos seus amigos.
Geraldo foi prefeito de São Bento do Sapucaí de 2000 a 2004 e havia anunciado sua candidatura para a campanha do ano que vem, com boa chance de ganhar, segundo seus amigos. Era do PT ligado á Igreja Católica. Era casado, pai de quatro filhos. Ia à missa todos os domingos, católico praticante. Vinha de família radicada há muitos anos em São Bento do Sapucaí.
Geraldo de Souza Dias foi eleito em coligação com o PSDB, que tinha o vice na chapa. Presumia-se que na campanha seguinte, de 2004, a dobradinha seria invertida: o PSDB lançaria o candidato a prefeito com o apoio do PT, que então ficaria com o vice. Mas isso não aconteceu. O PT lançou candidato próprio e perdeu eleição. O PSDB perdeu também, sendo eleito o candidato do PMDB, atual prefeito.
São Bento fica encravada na Serra da Mantiqueira. Tem recebido muitos turistas. Alguns artistas e intelectuais montaram casas de campo. A gestão do Geraldo, segundo essas pessoas, foi correta e não houve corrupção. Arrecadou muito impostos, como o IPTU, o que gerou alguma insatisfação política. Incentivou a educação e a cultura. Não fez grandes obras na cidade.
Geraldo sofreu ameaças anteriormente. Quando Celso Daniel foi assassinado, ele recebeu ameaças e reforçou sua segurança. Seus amigos divulgaram segunda-feira (3) um manifesto exigindo imediata e rigorosa apuração do crime: ´(…) esperamos que haja rigor da perícia policial para o desvendamento desse crime hediondo, confiantes nas autoridades competentes, para que não haja omissão nem postergação da apuração dos fatos, nem parcialidade e nem impunidade, pois assim se faz necessário para que a sociedade encontre na lei a ordem e a paz desejadas…´
* Colaborou Ademir Buitoni’
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